domingo, 15 de novembro de 2020

Pensamento do Dia

 

Halit Kurtulmus Aytoslu (Turquia)

Uma eleição fundamental

As eleições municipais não são desconectadas das grandes questões nacionais, por mais que se saiba que o prefeito e os vereadores são escolhidos para lidar com os problemas locais. Ao depositar seu voto na urna hoje, contudo, o eleitor deve pautar sua opção não com base nas rinhas políticas do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de seus desafetos espalhados pelo País, pois se assim proceder estará desperdiçando seu voto em favor de projetos eleitorais que pouco ou nada têm a ver com a cidade.

É claro que eventuais simpatias pelo presidente ou por seus adversários podem naturalmente exercer alguma influência sobre o eleitorado, mas, no frigir dos ovos, nenhum deles estará na Prefeitura ou na Câmara dos Vereadores para enfrentar os desafios municipais – particularmente imensos em cidades como São Paulo.

As pesquisas indicam que várias candidaturas apoiadas explicitamente pelo presidente Bolsonaro serão repudiadas nas urnas em várias partes do País – a rejeição ao presidente chega a 50% na capital paulista. O mesmo ocorre com algumas candidaturas petistas que receberam a atenção do ex-presidente Lula da Silva – que tentou transformá-las em veículos para sua campanha particular de descrédito da Justiça em meio aos muitos processos que enfrenta.



Quem se dispuser a ir às urnas hoje, tomando os cuidados sanitários necessários em razão da pandemia de covid-19, tem mais do que o vírus com que se preocupar. De um modo geral, as cidades enfrentam problemas bem semelhantes aos dos governos estaduais e federal – orçamento apertado, dívida crescente, queda brutal de receita em razão da pandemia e carência de investimentos para estimular a retomada, com a agravante de que, ao contrário da União, o município não pode emitir títulos.

Não é um cenário para amadores. Não se pode eleger o futuro prefeito com os mesmos critérios que nortearam a escolha dos finalistas da eleição presidencial de 2018, que opôs um deputado reacionário do baixo clero e o preposto de um presidiário. A esta altura, com quase dois anos de mandato do sr. Jair Bolsonaro, o eleitorado já tem informações suficientes para saber que escolhas mal feitas na hora do voto têm efeitos negativos duradouros sobre a vida de todos, em especial dos mais pobres.

Se São Paulo fosse um país, estaria entre os 50 mais ricos do mundo. Assim, governar uma megalópole como essa, responsável por 10% do PIB nacional, é quase tão desafiador quanto governar um país, ainda mais em tempos de grave crise como o atual. Demanda uma soma de criatividade com responsabilidade que poucos têm condições de oferecer.

Mas a maior qualidade do futuro prefeito, que os eleitores devem procurar nos que se apresentam para a vaga, é o espírito público. É justamente quando o País mergulha em debates estéreis promovidos pelo bolsonarismo, para desviar a atenção do governo medíocre de seu líder, que se torna imperativo buscar, entre os candidatos, aqueles que manifestam deferência pelas instituições republicanas e pelo cargo que almejam.

Não se trata de um respeito protocolar. A estima pelos valores republicanos se revela quando o eleito faz jus ao mandato recebido, buscando conciliar os diversos anseios da sociedade que lhe coube governar por meio da valorização da política, fazendo valer a plataforma vencedora da eleição, mas entabulando diálogo civilizado com todos, especialmente com a oposição. Não há outra maneira de alcançar a plena legitimidade, fulcro da aceitação das decisões emanadas do governo e passo indispensável para a superação dos desafios.

O desastre das eleições de 2018 deve servir como exemplo do que acontece quando se entrega o poder a quem é despreparado não apenas no nível da cognição básica, mas, sobretudo, no nível do entendimento de como funciona uma democracia e do papel que cabe aos homens públicos.

Por isso tudo, não merecem o voto aqueles candidatos que se apresentam como meros veículos das pretensões eleitorais de terceiros ou que representam projetos antirrepublicanos de poder. São Paulo é grande demais para isso.

A festa da democracia

Hoje, todos os brasileiros com mais de 18 anos e menos de 70, que sejam alfabetizados e que não estejam cumprindo pena com sentença transitada em julgado estão obrigados a ir às urnas. Acho meio autoritário. Não é meu modelo favorito de direito de voto, mas é um sinal inequívoco de que a democracia está em vigor, apesar de o país ter colocado no poder um indivíduo que não tem o menor apreço por ela.

As instituições estão ou não funcionando? É um caso clássico de copo meio cheio e meio vazio. Para os mais exigentes, que esperam do sistema que ele corte pela raiz quaisquer extremismos e faça com que todos se comportem como lordes ingleses, então as instituições fracassaram. Nossos mecanismos antirradicalismo, notadamente o segundo turno, não impediram a eleição de Jair Bolsonaro, que pode ser acusado de muitas coisas, mas não de cavalheiro.



Para os mais pragmáticos, contudo, que se satisfazem com um sistema que seja capaz de prevenir a ruptura da ordem legal e a violência física entre facções, até que nossas instituições não estão se saindo tão mal.

Bolsonaro e seu clube de generais de pijama não foram capazes de dar o tão temido golpe —e não porque não tenham desejado. Continuamos votando normalmente e seguimos com um Congresso e um Judiciário relativamente independentes, porque o desenho institucional prevê uma divisão dos Poderes que não é tão fácil de atropelar.

Na verdade, o sistema é que conseguiu em alguma medida domar Bolsonaro. Com o duplo temor do impeachment e da cadeia para os filhos, Bolsonaro alterou seu comportamento. Não se tornou obviamente um moderado, mas moderou o discurso golpista, parando de atacar semanalmente o Parlamento e o STF.

Não devemos, porém, nos iludir. As instituições resistiram até aqui, mas sofreram desgastes —e não há garantias de que resistirão para sempre. É preferível ser obrigado a votar a não poder fazê-lo.

Alerta

 

Estas eleições enterram o que Bolsonaro chamou de Nova Política

Em suas lives semanais no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro pediu votos para 55 candidatos a prefeito e a vereador. Mas ontem, em mensagem postada nas redes sociais, reduziu para apenas 7 seus candidatos a prefeito, e 5 a vereador.

Os candidatos a prefeito: Coronel Menezes, em Manaus; Sartori em Santos; Delegada Patrícia no Recife; Bruno Engler em Belo Horizonte; Capitão Wagner em Fortaleza; Celso Russomanno em São Paulo; e Marcelo Crivella no Rio.

Salvo se as pesquisas de intenção de voto errarem feio, o que em tempos de epidemia é mais do que possível, estas eleições enterrarão o que Bolsonaro chamou de Nova Política quando candidato a presidente e depois de ter sido empossado.


Foi ele que matou a Nova Política, que nunca explicou direito do que se tratava. E o fez entre final de abril passado e final de maio ao concluir que se não vestisse a fantasia de presidente normal correria o risco de não completar o mandato.

No final de abril, ele ainda desafiava o Congresso e a Justiça, embora já se rendesse ao Centrão loteando o governo em troca de votos. Chegou ao ponto de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal. No final de maio, depois da prisão de Queiroz, amansou.

Deu por esquecido o que dissera em sua primeira viagem a Washington como presidente quando defendeu que era preciso quebrar o “sistema” para no futuro reconstruí-lo. Bons tempos aqueles em que se apresentava como o Trump do Brasil.

O “sistema” venceu. Das 82 candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas em 26 capitais (Brasília não tem eleição), apenas 4 são de nomes que podem ser considerados estreantes, segundo levantamento feito pela repórter Júlia Dualibi.

As ferramentas tradicionais de disputa, como dinheiro, alianças partidárias e tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão foram reabilitadas. O espaço para surpresas foi reduzido a um tamanho insignificante. Virou pó a influência de Bolsonaro.

Se não desistir da reeleição em 2022, Bolsonaro será obrigado a se reinventar. É possível? Sim, é possível. Mas a conta da pandemia ainda não chegou para ele com todo o seu horror. E o estado da economia até lá não será seu maior trunfo.