sexta-feira, 12 de junho de 2020

Bolsonaro pratica e incita pessoas ao crime de invadir hospitais

Invasão de hospitais é crime. Na sua live de quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro incitou as pessoas a “darem um jeito” de entrar nos hospitais de campanha ou públicos para filmar o atendimento de pacientes com Covid-19.

O vídeo da live está na rede social do presidente, para quem quiser conferir.

– Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não – disse o presidente. O Brasil registra mais de 41 mil mortos até aqui.


O Brasil está anestesiado pelas atrocidades ditas por Bolsonaro. É insano estimular pessoas a invadir hospitais no meio da pandemia. Não se pode entrar nesses ambientes sem autorização, sem as medidas de proteção, em qualquer situação. Antes mesmo da pandemia, já se obrigava que o visitante lavasse as mãos e tomasse todos os cuidados para entrar nos quartos. A sugestão do presidente é que as pessoas entrem nas UTIs.

Não é crível que um presidente cometa um crime desses e fique por isso mesmo. O país perdeu a noção do absurdo. Bolsonaro está estimulando que pessoas aumentem a propagação da pandemia. O invasor pode se contaminar e depois espalhar o vírus. É um desrespeito também aos médicos, enfermeiros, técnicos e outros funcionários do hospital. São profissionais que estão tomando todo o cuidado e participando dessa luta para salvar os pacientes. Eles correm riscos no dia a dia do trabalho. Alguns desses soldados morreram na frente de batalha contra a pandemia.

O presidente errou desde o início, quando desdenhou e negou a pandemia, comportamento que mantém até hoje. Bolsonaro usou todas as armas que tinha para pressionar governadores e prefeitos. Agora, próximo à data do Dia dos Namorados, parte das cidades reabriu o comércio. Em São Paulo, havia aglomeração nas lojas da 25 de Março. O Brasil se arrisca a viver uma segunda onda da pandemia sem ter debelado a primeira. Os países que reabriram a economia o fizeram após a curva de infectados diminuir. No caso dos grandes centros, há o risco de os compradores levarem o vírus para o interior do país, onde revendem as mercadorias que compraram em São Paulo.

O perigo é grande. Nesta sexta-feira, o Brasil deve se tornar o segundo maior em número de mortes, só atrás dos EUA. Há um mês, um economista me alertou para a situação, de acordo com suas projeções isso iria acontecer. O Brasil era o sexto pior cenário naquela época, agora chega ao segundo. 

Até as autoridades locais, que estavam acertando, começaram a errar. Prefeitos e governadores estão reabrindo de forma precipitada a economia enquanto a curva da epidemia ainda avança. Eles precisam retomar a sensatez que tiveram no primeiro momento. Governadores e prefeitos não devem se deixar pressionar por fatores econômicos nem pela pressão do presidente da República. Eles estão contribuindo para o risco dessa segunda onda do vírus antes sequer de controlar a primeira.

Pensamento do Dia


Angústia, segundo Clarice

Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar
Clarice Lispector

Mentiras, bravatas e ameaças

O problema é saber se é uma mentira, uma bravata ou uma ameaça. Bolsonaro disse e repetiu que “fazer uma ditadura aqui é muito fácil”. Como? Baixando a borduna, e o Exército botando os tanques e tropas na rua? O Exército já sabe disso? Como reagiriam a Marinha e a Força Aérea? Quem tem só 33% de aprovação não pode nem sonhar com um golpe. E pior, para manter um paranoico irresponsável no poder e seus filhos fora da cadeia? 

Agora disse que vai nomear o ex-major da PM Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, para o STF. Suas credenciais: é filho de um grande amigo e assessor de Bolsonaro por 20 anos. Foi assessor parlamentar de Jair e Eduardo Bolsonaro por 15 anos. Fez curso de especialização na Abin. Bolsonaro o chama de Jorginho. É tudo. Talvez seja pouco para um cargo que exige “notório saber jurídico”. 



Mas Bolsonaro já disse que ser uma pessoa de sua absoluta confiança é o seu principal critério para o STF, como se fosse um puxadinho onde ele bota quem quiser, para atuar a seu serviço. E de seus filhos.

Jorginho se arrisca a passar vergonha na sabatina que enfrentará no Senado. Jair parece não se lembrar da tentativa frustrada de nomear o filho Eduardo “Bananinha” embaixador em Washington. O cara acha que o Estado é a casa dele. “Eu é que mando, porra! Eu sou o presidente!”, grita, como se não tivesse certeza. Mandar, manda. Mas nos limites da lei, do Congresso e do Judiciário. Com desaprovação de 67% da população. É fácil fazer uma ditadura?

Resolveu atrasar a hora da divulgação dos dados da pandemia e riu debochado: “Acabou matéria do ‘Jornal Nacional’.” O tiro explodiu no seu pé, unindo a imprensa, o Congresso e a opinião pública contra ele, e os dados estão mais transparentes pela pressão. E o “Jornal Nacional” bombando.

Foi esculachado e agredido por Olavo de Carvalho, que o chamou de omisso e covarde, e que enfiasse a condecoração que lhe deu naquele lugar. Foi tratado como um moleque e não reagiu como homem.</p><p>Conhecereis a mentira e ela nos libertará.
Nelson Motta

Uma pandemia chamada Brasil

Está difícil ser patriota no Brasil. Nenhum país maltratou tanto a população na pandemia do coronavírus. Tudo de pior se juntou aqui. A começar pelo presidente, que chama 40 mil mortos de “abobrinha” e grita para Cristiane Bernart, eleitora arrependida, “traída como milhões de brasileiros”: “Sai daqui. Cobre do seu governador”. O partido de Cristiane é o Patriota, de direita.

Governadores são acusados de fraudes com respiradores e material hospitalar. Corrupção financeira e moral é vírus endêmico nacional. Contamina governos de todas as ideologias e, por tabela, nossa sociedade. O tipo mais asqueroso é o que desvia grana de merenda escolar, de ambulância, de Bolsa-Família e, agora, se aproveita da pandemia para roubar milhões de dólares em respiradores impróprios. Roubar oxigênio, roubar a possibilidade de cura e vida. Isso me parece crime hediondo.

Não é só no Rio de Janeiro. Nem só no Pará, em Rondônia, no Amazonas, em Roraima, no Acre e em São Paulo. Com recordes de contágio e mortes, vemos mandados de prisão, busca e apreensão em operações policiais. A maioria visa rivais de Bolsonaro. Mas onde se investigar, se descobrirá fraude reunindo uma quadrilha público-privada de servidores, autoridades e empresários que escolheram a ganância. Corrupção ativa na Saúde! A deputada Carla Zambelli ri com seus informantes e chama de “Covidão” as operações da PF. Piada de mau gosto.

No Rio Grande do Sul, até uma adega foi contratada sem licitação para fornecer respiradores. Foram fechadas cinco fábricas clandestinas de álcool em gel. Golpistas usavam cachaça e até etanol em garrafões do álcool em gel falsificado. Para enganar mães, pais, filhos, netos, avós. Para torná-los mais suscetíveis a contrair e propagar a doença.



Também se tira proveito da pandemia para “passar a boiada”, como o tal Salles tentou. Ou para intervir no ensino superior. O tal Weintraub quer nomear, ele mesmo, reitores de quase 20 universidades federais, sem consulta. O espanto é esse indivíduo, após chamar juízes do Supremo de bandidos e vagabundos, continuar ministro e ser condecorado. Um incompetente que nem no Enem seria aprovado.

Nessa pandemia chamada Brasil, somem no ar hospitais de campanha e se desmonta o Ministério da Saúde, hoje coalhado de militares. Um exibe broche com faca na caveira. Quando assisti na GloboNews ao debate entre Mandetta, Gabbardo e Margareth Dalcolmo, pensei: como um país despreza todo esse conhecimento científico e técnico? Simples: na pandemia chamada Brasil, despreza-se a Ciência. A verdade incomoda. Sempre incomodou. E por isso a campanha eleitoral da chapa Bolsonaro-Mourão está sob investigação.

Em nenhum país vi tantos desatinos na pandemia. Bolsonaro e seu general de cabeceira tentaram maquiar o total de mortos. É provável que nenhum número seja real. O Brasil certamente tem mais de um milhão de contaminados, porque não existe testagem em massa como nos Estados Unidos. O Brasil certamente já superou hoje 100 mil óbitos por covid, porque os mortos por insuficiência respiratória grave se multiplicaram em 2020. Se não se fazem testes em vivos, quanto mais em mortos. As autópsias iludem. 

O Brasil usa a pandemia para editar medidas arbitrárias. O Brasil usa a pandemia para roubar dos doentes. Que morram os pobres na flexibilização do isolamento, nas feiras, nos ônibus e trens? Então deixo a bandeira verde-amarela para quem acha bonito roubar. E para quem elegeu isso tudo que está aí e não se arrependeu amargamente. E para o Centrão. E para quem ainda não enxerga motivos para o impeachment.

O povo brasileiro votou para ter um governante e elegeu um usurpador

Faz tempo que um poder invisível tem aqui se ocultado nos bastidores do poder formal e aparente. Esse fantasma sobrevive e manda em todos nós. Está de volta. A cara do poderoso é apenas a máscara do invisível.

Temos um governante que faz e diz, diariamente, coisas fora do marco do que possa ser reconhecido e interpretado como próprio da democracia, da representação política e do decoro da governança, que foi o motivo da eleição de 2018. O povo votou para ter um governante e elegeu um usurpador. Governa em nome do que acha, e não do prescrito.

Não há, pois, como não suspeitar de que o país está sob o jugo de um governo invisível. Porque, com a mentalidade diariamente divergente do governante em relação ao constitucionalmente previsto e ao politicamente esperado, o país está sendo governado por alguém que não é o eleito, nem sabemos quem é.

Já aconteceu antes: o presidente Garrastazu Médici (1905-1985), por suas insuficiências, foi escolhido para não governar. Governava o chamado “sistema”, o governo invisível da linha-dura do regime militar. Gente que queria mandar, mas não tinha coragem de assumir os malfeitos do regime. Até porque era mando para executar o inconfessável da repressão, da tortura e dos desaparecimentos políticos.

Gente que sabia ou, ao menos, intuía que lá adiante, quando o país retornasse à normalidade democrática, teria que enfrentar a acusação de suas vítimas e da própria sociedade restituída ao seu legítimo direito de governar-se às claras.

Num governo de improvisações, com ministros notoriamente escolhidos a dedo, por seu despreparo, para se equivocarem, mesmo os altos funcionários devidamente preparados acabam sendo contaminados pelos efeitos corrosivos das decisões e das ações dos que estão muito aquém do que a função pública requer. Estamos vendo isso em relação à questão ambiental e à da educação.


O que indica que o atual presidente fala e age em nome de uma causa que é a de alguém que não vemos e em quem não nos reconhecemos, alguém que pressupõe que o povo precisa ser enganado para ser governado. No fundo foi o que disse um dos mais despistados ministros na reunião de 22 de abril.

Várias das transgressivas decisões do governo deveriam ser submetidas a consulta popular para valer. O governo, sem mandato para tanto, tenta modificar o regime político definido na Constituição.

Contrariamente ao que o comportamento do governante revela no que faz e diz, a eleição de 2018 não foi consulta para mudar o regime. Nem para fazer o desmonte do Estado, a que se referiu o general Hamilton Mourão em sua campanha eleitoral.

Desmonte é o oposto de reforma. É usurpação de direitos sociais e políticos do povo. O “regime” bolsonarista desmonta os direitos sociais, um a um; desmonta as conquistas civilizadoras, a duras e demoradas penas conseguidas; desmonta a instituição da Presidência da República ao transformá-la num condomínio do ódio para dividir o povo brasileiro e torná-lo indefeso e manipulável. Impõe como doutrina de Estado o reles achismo de quem governa.

Desmonta a própria função cívica e propriamente militar das Forças Armadas, em particular as do Exército, ao tratá-lo como se devesse estar a serviço de uma causa que não é, propriamente, a causa da nação.

Mobiliza seus seguidores e apoiadores para se armarem e facilita o armamento contra o pressuposto legal de que as Forças Armadas devem ter o monopólio da violência a serviço da ordem e da Constituição. Não a serviço da desordem no silêncio cúmplice com as modalidades de terrorismo que vão se evidenciando em ações de grupos direitistas.

Condecora em nome da Marinha, sem a justificativa apropriada e necessária, gente que, provavelmente, não passaria no peneiramento da concepção de pátria do almirante Tamandaré, humanista, abolicionista e herói da pátria.

Interpreta o artigo 142 da Constituição contra a Constituição para supostamente delegar às Forças Armadas a função de poder moderador, que não têm, senão por meio de golpe, quando moderador é o STF. Os outros 249 artigos são os que dão sentido ao artigo 142.

Se o presidente está ocupado todo o tempo com as performances e exibições de um presidencialismo ora náutico, ora equestre, reduzido a mandonismo, quem está governando o Brasil? Quem é o ponto da comédia política brasileira que sopra ao ouvido dos usurpadores, além dos palavrões transgressivos e antibrasileiros, as diretrizes do desmonte e da liquidação da pátria? O enredo da incerteza e do obscurantismo, da doença e da morte?

O fantasma de agora, à luz do que sugerem as evidências inesperadas e reveladoras porque anômalas, do desgoverno, já era anunciado em outras aparições. E, no engano de muitos, não percebemos.

Reabertura de morte no Brasil


Erros se corrigem

As manifestações que tomaram de assalto o território americano foram emocionantes. Nelas podíamos ver negros, brancos, latinos, judeus, orientais, todas as etnias e representantes de todas as religiões, irmanados na dor e na revolta com a morte brutal de George Floyd. Seu martírio, longo o suficiente para que ouvíssemos, nitidamente, onze vezes seu lamento ‘I can’t breathe’ e o apelo, ‘Mommy! Mommy!, que faz por socorro, até agora ecoam pelo mundo.

O policial que o matou foi de uma crueldade absoluta. E os dois colegas que a tudo assistiram impassíveis, merecem, em minha opinião, a mesma pena que for dada ao assassino. São três seres abjetos, que não merecem fazer parte da Polícia do país que canta Black Lives Matter!

A cena chegou aqui trazendo a dor dos negros americanos que veio juntar-se à dor dos nossos negros. E com ela inúmeras ideias, algumas originárias dos States e outras nascidas aqui mesmo. Umas inteligentes e extremamente necessárias, outras estúpidas e destituídas de qualquer valor. Por exemplo: acabar com a Polícia. Qual o sentido? Por acaso os crimes vão sumir como num passe de mágica? As cidades serão paraísos, onde viver é sempre muito tranquilo?

Mas tem pior. Revoltante é o racismo, o preconceito, a perseguição aos negros e a tal da supremacia branca, que não existe nem nunca existiu. Ou ainda pior: apagar os mais fortes sinais do horror que já foi vivido em nosso país durante o longo período da escravidão. Como? Derrubando estátuas, rasgando páginas da nossa História, apagando o passado na esperança de que, assim, consertaríamos tudo e renasceríamos um povo ideal, sem máculas?

Como tudo mais, isso não nasceu aqui. É cópia. Será que alguém realmente acha que ao derrubar a estátua do traficante de escravos em Bristol, Inglaterra, a queda da imagem apagou o passado?

Ao ler que a HBO Max recolheu as cópias do magnífico "E O Vento Levou", filme histórico, com grandes interpretações, e que é uma das obras primas do cinema americano, fiquei apavorada com o que possa vir a suceder aqui. O filme retrata a segregação racial que era a norma no Sul americano e negros podiam ser assassinados impunemente por infrações reais ou imaginárias. Mas é algo mais também: idealiza a figura do escravo da casa, que fazia parte da família dona da fazenda dos O’Hara.

A saga de Scarlett O’Hara se passa durante a Guerra Civil americana (1861-1865). De lá para cá já se passaram cento e cinquenta e cinco anos. Tempo suficiente para corrigir todos os erros que o homem cometeu e fazer do mundo um lugar acolhedor para todos nós. Apagar a História, derrubar estátuas, queimar livros e refazer nosso passado não vai resolver nada. O que resolveria seria mais instrução, mais educação, mais amor ao próximo e mais gratidão a Deus. E que todos nos esforçássemos para merecer viver melhor.

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Militar não é milico de governante

Minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna
Mark Milley, general chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, pediu desculpas por ter participado da caminhada de Donald Trump para encenar em igreja próxima à Casa Branca

Brasil, refém das mentiras

O Brasil foi apanhado numa teia de mentiras. Frequentemente, elas são chamadas de "fake news". Mas o termo obscurece o seu poder destrutivo. Elas minam a coesão social, criam conflitos, brigas e incertezas. É isso que o bolsonarismo quer. Ele vive do conflito, é o seu combustível. Sem conflitos, ficaria parado.

Tudo começou com Donald Trump. Ele não inventou a mentira, mas a tornou normal. Para ele, a verdade não é um valor em si, só interessa o que é útil. Hoje, isso pode significar que 1 + 1 = 2. Mas se Trump quiser, ele dirá amanhã que o resultado é 3. Haverá pessoas que o defenderão, claro. A emissora Fox News indagará se pode haver algo de verdade nisso, e os apresentadores falarão de "fatos alternativos".


O aluno mais aplicado de Trump é Jair Bolsonaro. E no Brasil, o resultado não seria diferente. Na CNN Brasil ocorreria um debate em que um comentarista jovem e eloquente argumentaria que não se pode excluir que 1 + 1 fosse 3 – e que a esquerda teria tido a hegemonia sobre esse discurso por tempo demais. A milícia digital de Bolsonaro, formada por blogueiros, youtubers e operadores de portais de notícias, inundaria a internet em pouco tempo com centenas de vídeos, fotos, textos e estudos "científicos" que mostrariam claramente que 3 é a resposta certa.

Pode parecer um exagero, mas o Brasil não está longe dessa situação. O governo brasileiro omite o número de mortos por covid-19 e divulga suas próprias informações alternativas. O presidente Bolsonaro inclusive prometeu a uma mulher uma reunião no Ministério da Saúde para que ela exalte o alho cru como cura para covid-19. Ela disse ter recebido a sua visão de Deus. Não se pode descartar até que Bolsonaro fará dessa mulher a nova ministra da Saúde. Damares Alves e Abraham Weintraub também são ministros. Estou convencido que, exatamente para pessoas como eles, o matemático britânico Bertrand Russell escreveu sua famosa frase: "O problema do mundo é que os inteligentes estão cheios de dúvidas, e os idiotas estão cheios de certezas."

Talvez haja leitores que riam agora. Mas a luta da neodireita contra a verdade e a ciência tem realmente algo diabólico. Ela torna a comunicação impossível. Como uma sociedade pode encontrar respostas para problemas sérios se existem pessoas que afirmam que os problemas nem existem?

Imagine um vilarejo onde irrompe um surto de cólera. Em vez de garantir que as pessoas obedeçam as regras de higiene e tenham acesso à água limpa, o líder local afirma que se trata apenas de uma diarreia, dizendo que pessoas más estão espalhando a "mentira da cólera" para prejudicá-lo. Ele não só impede uma resposta racional, como divide a comunidade. No final, todo mundo sai perdendo.

A extrema direita usa essa tática em quase todos os temas atuais, seja na mudança climática, na covid-19, no racismo ou no desmatamento da Floresta Amazônica. Ela afirma que nada disso existe ou que se trata de um exagero. Ela semeia a dúvida. E usa as possibilidades da internet engenhosamente para se inflar e parecer muito maior. A plataforma Bot Sentinel identifica contas falsas no Twitter. "Identifiquei 824 tuítes mencionando #FechadocomBolsonaro que foram tuitados por contas não autênticas." São dezenas de alertas desse tipo que a plataforma reporta quase todos os dias.

Não é exagero afirmar que a extrema direita tenta destruir os fundamentos do conhecimento. Eles são uma das garantias de estabilidade nas sociedades liberais e esclarecidas. Mas para a direita bolsonarista não deve haver mais consenso sobre nada, nem mesmo que a Terra é redonda. Tudo serve de combustível para teorias da conspiração. O resultado é uma incerteza extrema e generalizada – que facilita a manipulação. "Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer", disse Jair Bolsonaro em março de 2019, nos Estados Unidos. Para mim era uma das frases chaves e mais assustadores do projeto bolsonarista. Hoje vemos o resultado na Saúde, na Educação, na Amazônia e na Cultura. Nos escombros do antigo, surge então o sonho extremista de direita: uma sociedade militarizada e uniformizada, na qual existem apenas homens e mulheres heterossexuais, bem como cidadãos sem identidades como negros, indígenas, sem-terra, ribeirinhos. Todos impelem a economia disciplinadamente e saúdam a bandeira.

Em nenhum outro lugar, essa tática de destruição é tão bem-sucedida até hoje quanto no Brasil. Em nenhum outro lugar, as mentiras da direita encontram terreno mais fértil. Em 2019, a Universidade Northwestern, em Illinois, constatou que 62% dos brasileiros se deixam frequentemente enganar por mentiras que circulam na internet. Uma investigação realizada pela plataforma Avaaz mostrou neste ano que 72% acreditam em pelo menos uma notícia falsa sobre a covid-19.

Algumas semanas atrás, um dos apoiadores do presidente expressou no Twitter a relação entre o bolsonarismo e a verdade. Escreveu: "Pelo meu direito de falar o que quiser, de ofender quem eu quiser, de mentir, se eu quiser, de falar coisas idiotas ou absurdas."

O direito à liberdade de expressão não é visto por esse homem como um bem valioso aliado a uma responsabilidade. Para ele, trata-se do direito de mentir. No seu perfil, o homem se descreve como "conservador, empresário, casado, cristão reformado e amante da liberdade." Ninguém quer de bom grado ser parente ou amigo de alguém assim. Mas são pessoas como ele que estão dando o tom no Brasil atualmente.
Philipp Lichterbeck

Um governo que veio para desmantelar tudo

Jair Bolsonaro mandou o pessoal se engomar, não falar palavrão nem meter o dedo no nariz, e mandou transmitir ao vivo a reunião ministerial para seu ministro da Economia, Paulo Guedes, falar dos planos de unificar os benefícios sociais num novo programa, o Renda Brasil, para substituir a marca petista do Bolsa Família. Bolsonaro – que por incrível que pareça ainda está de olho em 2022, já queria há tempos um programa social para chamar de seu. Agora, quer usar a iniciativa como boia de salvação pós-pandemia para driblar o impopular mas inevitável fim do pagamento do auxílio emergencial e tentar enfrentar o crescente desgaste que as pesquisas detectaram em sua popularidade.

Mas o cavalo-de-pau que o governo se prepara para dar no Bolsa Família pode acabar sendo a medida mais desastrosa de sua gestão – e olha que não são poucas. Desastrosa não só para a imagem presidencial – que pouco importa – mas para 13 milhões de brasileiros que hoje sobrevivem graças ao Bolsa Família.


Não é trivial colocar de pé um programa de transferência de renda, que exige cadastro, fiscalização, capilaridade em todas as regiões pobres do país, comunicação e agilidade para fazer os recursos chegarem às mãos de quem precisa. Quem acompanhou a engenharia de construção do Bolsa Família sabe disso. Foram anos de trabalho e intensa pancadaria nos governos petistas até ficar claro que a coisa funcionava de verdade.

Mais recentemente, toda a população brasileira – mesmo quem não recebe – testemunhou as dificuldades do governo Bolsonaro para fazer funcionar o auxílio emergencial de R$ 600 para os informais e desempregados da pandemia. Até hoje, aliás, milhões de pessoas que precisam não receberam, outros milhões fraudaram o sistema e a maioria, depois de quase três meses, só viu a cor de uma parcela.

O que o governo parece estar querendo fazer agora, com claros objetivos eleitorais, é juntar programas sociais existentes, que têm como carro-chefe o Bolsa Família, ao benefício emergencial que vem sendo pago sobretudo aos informais, e criar um programa permanente de renda mínima que tenha a sua marca.

Palmas para qualquer brasileiro que, na trilha do ex-senador Eduardo Suplicy, queira criar, finalmente, um programa de renda – que alguns chamam de imposto de renda negativo no país na iniquidade. Mas é enorme o risco de morrer na praia, desmantelando o Bolsa Família sem conseguir colocar nada no lugar. Antes de tudo, é preciso haver planejamento e estudo profundo nessas ações. Cada programa tem seu público específico e sua filosofia. O Bolsa, por exemplo, impõe condicionalidades como a frequência escolar e vacinação infantil, e tem foco sobretudo nas crianças. Dá prioridade às mães no pagamento do benefício.

Nada se falou sobre isso em relação ao programa novo. Aliás, nada se falou de nada além do nome e da suposta intenção de incluir os informais e desempregados que estão recebendo o auxílio emergencial. O risco maior desse movimento é contaminar um programa que funciona bem há anos com a confusão e o improviso que marcam quase tudo o que esse governo faz. Até porque a atual equipe econômica não é vocacionada para distribuir renda, e sim para cortar e ajustar contas. Simplesmente não sabe fazer.

Aliás, se algo fica claro na sequência das reuniões ministeriais exibidas, tanto no bem-educado convescote desta terça quanto na terapia de loucos de 22 de abril, é que o governo Bolsonaro não veio para construir. Não sabe formular, edificar, botar algo de pé. Veio para desmantelar tudo.
Helena Chagas