sábado, 9 de outubro de 2021

O desmonte

Segue em curso no país o meticuloso desmonte do combate à corrupção. Depois da “flexibilização” da Lei de Improbidade Administrativa, bem apelidada de lei da impunidade, aprovada no Congresso Nacional, o mais recente ataque vem por outro flanco. Reduzidos os possíveis crimes e penalidades praticados por administradores e/ou políticos, a tentativa agora é limitar e controlar a atividade do Ministério Público, não por acaso a instituição que investiga e acusa políticos.

Trata-se de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) cuja tramitação dá bem a ideia da ampla frente do desmonte.

A PEC é de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Foi relatada pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), o partido de Gilberto Kassab, e “tratorada” pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o chefão do Centrão. “Tratorada” — do verbo tratorar, criado nos bastidores congressuais — significa pular etapas na tramitação de um projeto, evitando assim mais debates, inclusive na imprensa.

A PEC deveria ter sido votada na semana passada. Saiu de pauta porque seus autores perceberam que, ainda, não têm os votos necessários (308, por se tratar de emenda constitucional). Mas Lira já garantiu que vota na semana que vem.


Tem aí uma enorme questão moral: podem parlamentares investigados ou condenados por crimes de corrupção aprovar legislação que reduz o espectro desses crimes, diminui penas e ainda limita e controla o trabalho do Ministério Público?

É óbvio que não. Deveria haver algum jeito de essa falha moral se transformar em impedimento jurídico. Tem como?

Não sei. Mas, desde que o procurador-geral Augusto Aras matou a Lava-Jato, o pessoal — esse amplo espectro que vai do PT, demais partidos de esquerda até o bolsonarismo — perdeu toda a vergonha. O desmonte do aparato de combate à corrupção é meticuloso. Além das novas leis, passa por ações administrativas e antecipação de posições políticas.

Ainda ontem, foi afastado o chefe da Superintendência da Polícia Federal em Brasília, responsável por várias investigações envolvendo o próprio presidente Bolsonaro, filhos e seguidores.

No outro lado do espectro, advogados ligados a Lula publicaram artigo na Folha de S.Paulo dizendo que Sergio Moro não tem credenciais éticas para se candidatar a presidente.

Não gostamos de teorias conspiratórias, mas por que esse artigo logo agora, quando ainda nem se sabe se Moro será candidato? Estariam tramando alguma inelegibilidade para o ex-juiz da Lava-Jato?

Sim, também entendo que não faz sentido. Mas num ambiente político em que réus, investigados ou condenados aprovam regras em seu benefício, o que mais falta acontecer?

Enquanto isso, no dia em que as mortes por Covid-19 passam de 600 mil, o presidente Bolsonaro diz que o Brasil foi o país que melhor lidou com a pandemia. O que deu errado, prosseguiu, foi a ação de governadores e prefeitos que decretaram medidas restritivas, com autorização do STF, este também outro culpado.

Disse ainda que a economia vai muito bem — no mesmo dia em que o IBGE informava: a inflação oficial (IPCA) passou de 10% ao ano, corroendo o poder de compra da população. No mesmo dia em que a Petrobras elevou de novo o preço do gás e da gasolina — em boa parte por causa do dólar muito caro, consequência das incertezas fiscais e políticas geradas pelo comportamento de Bolsonaro.

E na mesma semana em que fracassou o leilão de blocos de exploração de petróleo. Dos 92 lotes oferecidos, apenas cinco foram arrematados, pelo preço mínimo. Nem a Petrobras entrou.

A principal causa do fracasso foi identificada pelas companhias de petróleo: a oferta de lotes em áreas próximas de santuários ecológicos e reservas de pesca, regiões onde seria impossível obter licença ambiental.

O mercado não é burro, sabia disso. Mas o Ministério do Meio Ambiente achou que estava tudo bem. E prometeu levar metas ambiciosas para a conferência do clima.

Não dá para acreditar nisso tudo que está aí. Pois é, mas acontece.

O país da vergonha

A imagem causou algum impacto. Um homem ainda jovem, Luis Vander, agachado, catando um resto de carne, no caminhão. “Vai aí e pega uma pelanquinha”, diz ele, “salga e manda pra casa.” Luis é morador de rua na Glória, pedaço do Rio que cansei de cruzar quando trabalhava ali perto, na Cinelândia. Vez por outra encontrava pessoas morando na rua, como quase todo mundo encontra nas grandes cidades brasileiras. É o país da vergonha, com o qual já nos acostumamos. Marcelo Neri, da FGV, contabiliza 13% da população vivendo abaixo da linha de miséria. Para quem alimentou a expectativa, uma ou duas décadas atrás, de que eliminaríamos a miséria e daríamos um “salto civilizatório”, não deixa de ser um soco na cara.

A pobreza é um tema que muita gente evita, me disse um colega, porque acentua uma sensação de impotência sobre o país. A miséria caiu de 20%, no início dos anos 1990, para algo próximo a 6%, em 2014, e muita gente acreditou que as políticas sociais eram a chave desse processo. Quando da crise de 2014/2016, em apenas um ano perto de 2 milhões de brasileiros cruzaram, para trás, a linha da miséria. Descobrimos que a chave era o crescimento econômico. A transferência de renda importa, mas não decide o jogo. Ela reduz o que Sendhil Mullainathan chama de “armadilha da escassez”, o círculo vicioso que inibe os muito pobres a dar os passos difíceis (buscar um emprego, estudar) para superar a própria miséria.


O tema é incômodo, mas necessário. O fim da miséria é nossa fronteira civilizatória, no século XXI, tanto quanto o foi, no século XIX, o fim da escravidão. Essa intuição estava já contida na social-democracia e na tradição liberal. Pensadores liberais como Milton Friedman se bateram pela ideia de um imposto de renda negativo, e Hayek deixou claro que sua “ordem espontânea” deveria assegurar uma renda mínima, que ele definiu com “um piso abaixo do qual ninguém deveria cair”.

Martin Luther King produziu uma boa síntese dessas tradições. Depois dos direitos civis, ele dedicou seus últimos anos ao combate à pobreza, que via como o próximo desafio a ser enfrentado pela América. Lançou a “Poor people’s campaign”, percorreu o país fazendo sermões e planejava uma gigantesca marcha sobre Washington para aprovar uma espécie de lei dos direitos civis contra a pobreza. Acreditava que a lei e o direito tinham um papel a cumprir aí, se a América quisesse assegurar a cada um a “vida, a liberdade e a busca da felicidade”, como estava escrito na Constituição.

Em 1967, King discursou em Stanford dizendo que o desafio da pobreza era muito mais difícil do que o dos direitos civis, que diziam respeito à igualdade formal e a uma questão de “decência”. Do direito de um negro “pedir um hambúrguer e um café” em uma lanchonete como qualquer cidadão. O desafio agora era alcançar uma “igualdade genuína”, que nada tinha a ver com a quimera da “igualdade de renda”. Dizia respeito ao que é essencial à vida. Em primeiro lugar, um país não segregado. Assustava-lhe o espectro de uma América feita de bairros negros cercados de subúrbios brancos. Em segundo, o acesso de todos a “um salário decente” e uma “renda mínima garantida”. Andava irritado com o enorme gasto do governo com uma guerra estúpida, no Vietnã, e para levar o homem à Lua em vez de aplicar o dinheiro “com os dois pés no chão, aqui na terra”. E desconfiava que muita gente graúda que havia apoiado os direitos civis tiraria o time de campo diante dessa nova agenda. Foi com essa angústia que ele se foi, naquele dia triste de abril, em Memphis.

“Não seremos uma grande civilização sem vencer a miséria”

De certo modo, andamos na mesma batida no Brasil. Temos direitos elegantes inscritos na Constituição que mal se realizam na vida real. Nosso mundo político, lá no fundo, dá muito pouca bola ao tema da pobreza. Basta observar como encaramos a provisão de serviços pelo governo. Virou lugar-comum dizer que aeroportos e as áreas de infraestrutura são muito importantes e por isso não podem ficar nas mãos da burocracia pública. Nas mãos da burocracia pública só devem ficar as escolas, os postos de saúde e as creches públicas. Casualmente tudo que nossa elite, e virtualmente todos que tomam decisões, na política, há muito se habituaram a comprar no setor privado.

O ponto é que os mais pobres não formam um grupo de pressão no mercado político. Você vai a Brasília e observa o lobby dos bancos, dos juízes, policiais e guardas municipais. Vê o lobby dos professores públicos, igrejas evangélicas e da Zona Franca de Manaus. Vê inclusive o auto-lobby dos políticos, emplacando o fundão eleitoral. Só não encontra o lobby dos mais pobres, dos pais de filhos em escolas públicas, e muito menos o dos brasileiros como o Luis Vander, que vagueiam à noite pelas ruas da Glória, no Rio, em busca de uma pelanca ou algo melhor para saciar a fome. Costumamos disfarçar o tema da pobreza sob a ideia da “desigualdade”. É como se o importante fosse a distância entre os recursos das pessoas, e não se essas mesmas pessoas têm o suficiente para viver. Se você nascer no Maranhão terá perto de 20% de chance de crescer em uma casa com serviço de esgoto sanitário; nascendo em São Paulo, as chances irão a 90%. O importante é a diferença de 20% para 90% ou o fato de que 80% das pessoas, no Maranhão, ainda não têm o acesso?

O tema da desigualdade é sexy na arena política. Ele se presta a uma retórica de combate. O tema da pobreza não. Ele está apenas distante do universo de prioridades de quem decide, seja no governo, seja no mundo da opinião política. É muito mais fácil obter audiência falando em “taxar os mais ricos” ou amaldiçoando a fortuna do Jeff Bezos do que com um debate sem graça sobre a multidimensionalidade da pobreza, indicadores sociais e legislações inteligentes, como o recente marco do saneamento básico, facilitando investimentos e já sinalizando resultados reais para os mais pobres.

O foco de qualquer política social deve ser ajudar as pessoas a andar com as próprias pernas. Não seremos uma grande civilização sem vencer a miséria, mas também não o seremos mantendo as pessoas presas ao Estado. Por isso a atualidade da agenda de Martin Luther King. Direitos iguais e acesso universal a recursos muito básicos, que no fundo sabemos quais são.

E a utopia de um governo que gaste “com os dois pés no chão”, deixando o caminho mais livre possível para que cada um, a partir das próprias escolhas, conduza sua jornada em “busca da felicidade”.

Ossuário Brasil

 


Políticos precisam de projeto transformador para o Brasil, sem olhar para o próprio umbigo

O Brasil atravessa uma das maiores crises políticas desde a democratização. As próximas eleições ainda são uma grande incógnita e poderiam evocar novamente a ameaça de um golpe se Jair Bolsonaro visse que poderia perder a reeleição, principalmente se as pesquisas continuarem apontando Lula como vencedor. Qual poderia ser, nesse caso, a reação do Exército?

Enquanto isso, os partidos e políticos do arco democrático, diante do deserto de ideias novas para recriar a imagem desgastada de um país cada vez mais cético e desiludido, ainda não conseguiram surpreender a nação com um projeto realista e esperançoso para reconstruir uma nova sociedade que consiga reconquistar a confiança em si mesma.

Para isso, o novo projeto de nação precisaria revolucionar toda a política, começando pela economia, para não transformar o Brasil rico em recursos naturais em um país de famintos e miseráveis. Precisa também repensar toda a questão da educação, já que continua sendo um dos países onde o ensino é desprezado e onde os professores seguem sendo os mais mal pagos e os menos respeitados do mundo moderno. A educação precisa de uma revolução que leve em conta todas as iniciativas de inovação já em andamento nas democracias.


O Brasil precisa urgentemente de uma revolução copernicana na política ambiental, hoje destroçada pelo Governo bolsonarista, algo que preocupa e deixa em alarme até os outros países do mundo.

O Brasil precisa repensar urgentemente uma nova política sanitária após a catástrofe e os escândalos que estão aparecendo no Ministério da Saúde, que ficou em má situação com a política de corrupção engendrada durante a pandemia.

Também é preciso resgatar dos escombros a maltratada e desprezada cultura, reduzida a um deserto que envergonha até os menos cultos.

E a política externa, que já foi louvada como uma das mais dinâmicas do mundo? Com quais países queremos andar de mãos dadas em busca do lugar que o Brasil merece por sua importância planetária? Queremos continuar olhando pelo retrovisor ou queremos caminhar olhando para a frente para não perder o passo dos países que já estão vivendo no futuro?

E a ciência? O Brasil continua sem ter nenhum Nobel e, como temos visto na política negacionista da pandemia, a ciência tem sido desprezada até extremos inconcebíveis.

O Brasil ainda caminha aos tropeções, sem um rumo seguro e original, caindo nos mesmos pecados de sempre. Enquanto isso, os partidos − da esquerda à direita ou ao centro − que pretendem substituir um Governo que empobreceu o país em todos os aspectos ainda não conseguiram apresentar, nem individual nem coletivamente, um projeto de nação inovador e confiável para os eleitores.

A única grande preocupação que mais uma vez aparece é como conquistar votos sem explicar o que fazer com eles. Continuam olhando para o próprio umbigo. O que parece lhes importar não é tanto a nação em si nem como retirá-la das ruínas em que a loucura do bolsonarismo destrutivo a transformou. Em vez de os partidos se preocuparem em ver quem apresenta um projeto mais inovador de país, eles parecem interessados em ver quantos senadores ou deputados ou governadores poderão conseguir nas próximas eleições.

É a velha e desgastada política dos interesses próprios, pessoais ou partidários. O interesse do país como nação lhes interessa pouco. O que mais lhes interessa é continuar tirando proveito da política com “p” minúsculo, que se confirma com a visão estreita de quem só sabe olhar para o próprio umbigo.

Nem mesmo o PT de Lula, apontado pelas pesquisas pré-eleitorais como vitorioso contra qualquer outro candidato, apresentou até agora um programa que surja como uma nova visão do país, algo revolucionário para lançar o navio em alto mar rumo à conquista de novos horizontes.

Ao que parece, o próprio Lula, apesar de contar com milhões de votos e em vez de ele e seu partido já terem, juntamente com os outros partidos progressistas, apresentado um projeto revolucionário e transformador, está dedicando suas forças à política pequena de sempre, procurando garantir possíveis candidatos para aumentar suas fileiras no Congresso e nos Estados. Essa é a velha política, que tanto contribuiu para a chegada do novo fascismo bolsonarista.


O que parece difícil de entender é como o PT, partido com tanta história, não consegue encontrar novos dirigentes jovens, com mentalidade de modernidade, alheios à velha política desgastada, capazes de ver o mundo pelos olhos dos o futuro. Jovens capazes de entender que a política também evoluiu e precisa de sangue novo para saber se adaptar à grande revolução mundial.

Hoje se fala também sobre os possíveis candidatos da chamada terceira via para quebrar a luta entre esquerda e extrema direita. Mas o que estamos vendo é uma guerra de egos para se candidatar à presidência, em vez de eles também proporem esse novo projeto de nação capaz não só de garantir a democracia, como de oferecer projetos concretos e críveis que sirvam para resgatar o país da desconfiança e do descrédito geral da política. Um projeto que acabe com o maldito mantra político de que “eles são todos iguais”. Não são, mas precisam ser capazes de convencer os eleitores do contrário com fatos.

Pode haver uma surpresa desagradável se, nas próximas eleições, os partidos não golpistas não conseguirem convencer os eleitores de que é possível sair do inferno e da desesperança para os quais foram arrastados pelo bolsonarismo fascista e golpista ou pelo capitão, que demonstrou que nem sabe nem tem interesse em governar em uma democracia e sonha em ter o poder absoluto dos velhos ditadores. Isso significaria perder, por muitos anos mais, a esperança de que é possível esperar algo diferente e melhor da política.

Muito pessimismo? Talvez, mas é que as misteriosas nuvens de poeira que começam a preocupar várias cidades do Brasil poderiam ser o triste simbolismo de uma involução política destinada a contaminar até mesmo as instituições que deveriam garantir a democracia e a modernização do país.

Messias da morte

Bolsonaro já lamentou não terem matado 30 mil na ditadura e disse, apesar de nunca ter ido ao front, ser especialista em matar. Seu governo projetou 800, 4 mil e até 40 mil mortes na pandemia com imunidade de rebanho. Hoje são 600 mil que seu negacionismo ajudou. E se diz cristão
Roberto Freire, presidente do Cidadania

600 mil mortes depois

Durante todos esses meses de pandemia a principal tensão concentrou-se no definhamento da atividade econômica. Quase seiscentas mil mortes depois, a pandemia parece ter recuado substancialmente, não há a mesma necessidade de manter a população sob isolamento, os negócios estão reabertos, mas as condições econômicas estão sob forte risco, agora por outras razões.

O preço dessas mortes. Foi o resultado dos desastres já conhecidos: o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro, a desorganização dentro do Ministério da Saúde e a falta de coordenação no enfrentamento à covid-19.

Mesmo com as trombadas do processo de imunização, com os desperdícios e suposta corrupção, a vacinação avançou. Hoje são 97 milhões os vacinados com duas doses ou dose única e outros 148,8 milhões com uma dose. A variante Delta, que há alguns meses levantava temores, acabou por não ter a periculosidade temida. O relativo recuo da pandemia foi o fator que permitiu a retomada da atividade econômica.


É verdade que muita coisa não voltará a ser o que era. Apenas em parte o trabalho em home office será suspenso, algumas viagens corporativas devem ser substituídas por videochamadas e boa parte da população optou por serviços de compra e de comida via aplicativos.

No entanto, quem entendia que bastaria a reversão da pandemia para que a economia voltasse a bombar, como está acontecendo em outros países, não pode contar com essa virada porque são grandes os riscos e as incertezas que se antepõem às decisões.

A maior ameaça está na área fiscal. Os grandes projetos do governo inviabilizam-se entre si. A proposta de substituir o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, concebido para alavancar a reeleição, tromba com a quase inviabilidade da reforma do Imposto de Renda. A necessidade de saldar R$ 90 bilhões em precatórios esbarra na impossibilidade de expandir as despesas públicas (Teto de Gastos). E os demais projetos de reforma não mostraram até agora viabilidade política.

Afora isso, a inflação continua em disparada, como deverá ser confirmado nesta sexta-feira com a divulgação do IPCA de setembro. O governo quer evitar o repasse da alta global da gasolina, do diesel e do gás de cozinha para o consumidor, mas não sabe o que fazer.

Embora haja grande disponibilidade de recursos no mercado internacional, os investidores já não olham o Brasil como grande oportunidade. O leilão de áreas de petróleo na última quinta-feira só conseguiu interessados em 5 dos 92 blocos ofertados. Os investimentos estrangeiros diretos no País, que em 2011 alcançaram os US$ 100 bilhões, não deverão ultrapassar os US$ 50 bilhões neste ano. E, cá entre nós, se o próprio ministro da Economia prefere fazer seus investimentos em paraíso fiscal, como convencer os investidores estrangeiros a canalizar seus recursos para o Brasil?

E há as incertezas políticas, que podem crescer com a aproximação das eleições. Ou seja, nem mesmo a vitória contra a covid, que custou o sacrifício de 600 mil brasileiros, pode garantir a redenção para a economia nos próximos meses.

Bolsonaro sempre tem razão, você é que não o entende direito

O presidente Jair Bolsonaro está coberto de razão quando diz que o Brasil jamais teve um ministério como o dele. Ou que nada está tão ruim que não possa piorar.

Às vezes, o que ele fala corresponde de fato ao que pensa. Às vezes, o que pensa é o contrário do que diz. Só uma inteligência superior é capaz de entendê-lo.

Por exemplo: ele não quis dizer que a situação do país está ruim e que poderá piorar. Foi o inverso. Que a situação não está tão ruim e poderia ser pior, mas que irá melhorar.

A última de Nani, morto nessa sexta-feira, por covid aos 70 anos

O que um presidente teria a ganhar se reconhecesse que seu país vai mal e que tende a ficar pior? Ora, estaria dando razão aos seus adversários, e com isso perderia apoio.

Ao dizer que o Brasil jamais teve um ministério como o que tem hoje, ele fez apenas uma constatação. Não emitiu juízo de valor. Que o distinto público tire suas próprias conclusões.

Na nova versão de Jairzinho paz e amor, Bolsonaro foi apenas democrático. Ele já disse que escolheu os ministros entre pessoas do seu relacionamento como todo presidente costuma fazer.

É por isso que o governo está repleto de militares. Bolsonaro foi criado desde pequeno nesse meio. Sofreu quando o Exército o dispensou. Se não pôde voltar ao quartel, trouxe o quartel para ele.

Como o dono da caneta mais carregada de tinta da República, é razoável supor que ele esteja satisfeito com o ministério que o serve. Quando não esteve, não hesitou em mudá-lo.

Mandou embora Luiz Henrique Mandetta logo no comecinho da pandemia, lembra-se? Trocou-o pelo general Eduardo Pazuello. Tirou Pazuello do Ministério da Saúde e pôs Marcelo Queiroga.

Um médico que endossa as decisões do presidente é melhor do que um general que simplesmente cumpre ordens. Bolsonaro é contra a obrigatoriedade do uso de máscaras. Queiroga, também.

Bolsonaro é contra passaporte de vacina. Queiroga, idem. Kit-Covid? O Ministério da Saúde não recomenda. Bolsonaro é a favor. Queiroga dá um jeito de não dizer o que pensa disso.

Bolsonaro diz que inflação é um problema mundial. Paulo Guedes, ministro da Economia e às voltas com a descoberta de sua conta bancária em paraíso fiscal, concorda com ele.

Não importa que a alta de preços no Brasil seja a terceira pior do mundo. Deverá fechar 2021 na casa de 7,1%, só abaixo de Argentina e Turquia e o dobro da média dos países do G-20.

A propósito de Guedes: finalmente, ele falou sobre a conta onde guarda um naco de sua fortuna livre de impostos. Falou em inglês. A Câmara quer ouvi-lo, mas de preferência em português.

Bolsonaro vetou a distribuição de absorventes para mulheres vulneráveis. Damares Alves, ministra da Mulher, defendeu o veto. Bolsonaro recuou do veto que o Congresso iria derrubar.

Damares foi pega no contrapé, mas isso é problema dela. O ministro astronauta da Ciência e Tecnologia até pensou em pedir demissão porque cortaram 92% do seu orçamento.

Mas pensou melhor e resolveu não pedir demissão depois de participar de uma cerimônia com jovens cientistas. Não iria abandoná-los justamente em hora de graves dificuldades.

Bolsonaro espelha seus ministros, que por sua vez o espelham. Trate de compreendê-los. O exercício do poder é mais complexo do que aparenta.