sábado, 1 de agosto de 2020

Pensamento do Dia


Livre expressão de pensamento, desde que a favor do governo

O direito à livre expressão de pensamento é sempre invocado pelo presidente Jair Bolsonaro toda vez que seus seguidores nas redes sociais sentem-se ameaçados ou tolhidos. Mas é bom saber que o que ele defende para sua gente não vale para os que possam criticá-lo. Nos últimos dias, acumula-se uma série de fatos de que o negócio é diferente para uso interno do governo.

O Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, segundo o GLOBO, prepara norma que permitirá ao governo processar servidores públicos pelo que eles publicarem nas redes sociais em sua vida privada. Minuta da norma diz que servidores e prestadores de serviços devem compreender “que suas atividades nas redes podem impactar a imagem da organização”.



O servidor público federal poderá ser processado desde que os atos ou comportamentos praticados nas redes guardem “relação direta ou indireta com o cargo que ocupa, com suas atribuições ou com a instituição à qual esteja vinculado”. Na mesma linha, a Controladoria Geral da República baixou uma norma em que defende a punição do servidor que critique o governo nas redes.

Se o fizer, de acordo com a norma, ele terá descumprido o “dever de lealdade”, uma vez que o que disse atingiu a imagem e feriu a credibilidade da instituição que integra. Em meados do mês passado, servidores do Ministério da Saúde foram obrigados a assinar um documento em que se tornam sujeitos à Lei de Segurança Nacional caso vazem informações sensíveis.

O ministro André Mendonça jura que não sabia que a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça monitora 579 funcionários públicos federais da área de segurança que se declararam antifascistas nas redes sociais. Não soube explicar, ou então não lhe perguntaram, por que a secretaria não faz a mesma coisa com funcionários públicos federais fascistas.

Mendonça, bom de bico, enrolou, enrolou, e tentou sair de fininho: “Tomei conhecimento desse possível dossiê pela imprensa. [...] É de rotina que se produzam relatórios para se prevenir situações que gerem insegurança para as pessoas, com potenciais de conflito, depredação, atos de violência contra o patrimônio público, então não é uma atividade que surgiu agora".

Dito de outra maneira: liberdade de expressão para servidor público só a favor do governo. Contra, a porta da rua é a serventia da casa.

É a vida... dos outros

Nós temos três ondas a questão da vida, a recessão, e em cima da miséria, vem o socialismo. É isso que vocês querem no Brasil? Temos é que enfrentar as coisas, acontece.
 
Eu estou no grupo de risco. Eu nunca negligenciei, eu sabia que um dia ia pegar. Como infelizmente, eu acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta. Lamento. Lamento as mortes, tá certo. Morre gente todo dia de uma série de causas e é a vida
Jair Bolsonaro

Generais caíram no conto do Centrão

Era óbvio que um bando de generais ingênuos e neófitos na articulação parlamentar não ia montar uma base no Congresso para Jair Bolsonaro. Caíram na conversa mole do primeiro esperto que se apresentou, o líder do PP e do ex-blocão, Arthur Lira, e prometeu que, em troca de cargos e verbas, o Planalto levaria o apoio fechado de 220 deputados. A votação do Fundeb, com 492 votos contra o governo, mostrou que o rei estava nu: Bolsonaro não tem, nunca teve e nunca terá tropa de choque desse tamanho, e nem adesão incondicional do Centrão.

Mas a saída do MDB e do DEM do bloco e, logo depois, o anúncio do PTB e do Pros de que também estão em retirada, passam a ideia de que a casa caiu de vez. Não é bem assim. No blocão, no Centrão ou em qualquer outro canto, MDB e DEM continuam os mesmos. Por exemplo, votando, em sua maioria, contra um eventual pedido de impeachment de Bolsonaro nas atuais condições de temperatura e pressão – sem povo nas ruas e desidratação total de sua popularidade. O que não quer dizer que, se essas circunstâncias mudarem, não apoiarão no futuro. O que fariam de qualquer jeito, com ou sem blocão, Centrão ou coisa que o valha.


Da mesma forma que se lixaram para as propostas da equipe econômica sobre o Fundo da Educação, esses partidos vão se posicionar em relação a outras reformas, como a tributária, segundo seus próprios interesses – que, aliás, estão explícitos no projeto do presidente e líder do MDB, Baleia Rossi, que começou a tramitar antes da proposta do governo. Reforma tributária, se houver, não será a de Paulo Guedes, mas sim a de Rodrigo Maia, Baleia, Aguinaldo Ribeiro e outros. Mas, se for obtido um acordo em torno dela e de outras reformas como a Lei do Gás e a independência do Banco Central  o governo poderá até capitalizar vitórias, como fez na Previdência.

Ou seja, nada está totalmente perdido. Nem ganho. O que ficou claro nos movimentos partidários da semana é que os articuladores do Planalto estavam comprando gato por lebre das mãos de Arthur Lira, que coordenou a distribuição de cargos ao Centrão, prometeu vitórias e não entregou. Foi ele, com a ambição de ser o próximo presidente da Câmara, o principal alvo da operação. Agora, cada um desses partidos vai negociar em separado.

Por trás do reagrupamento de forças há, naturalmente, projetos de poder que vão além de cargos e do comando do Legislativo. A reedição da velha Aliança Democrática de MDB e DEM (hoje minguada com 63 deputados) pode prenunciar uma articulação centrista para 2022, agregando também PSDB e o PSD em torno da candidatura João Dória. Mas esse não foi o objetivo mais imediato, e nem é coisa para já.

A implosão da narrativa do Centrão como alicerce da estabilidade política ao governo era uma pedra cantada para quem acompanha o dia-a-dia do Congresso. Só os incautos generais do Planalto parecem ter acreditado que a profusão de emendas e cargos distribuídos nos últimos meses havia consolidado uma base parlamentar. Não consolidou e nem vai consolidar, nem que Maquiavel seja contratado como articulador político. É missão impossível quando o presidente da República só olha para o próprio umbigo e faz política de forma desagregadora. A confiança, matéria prima básica dos acordos políticos, sumiu das prateleiras.
Helena Chagas

O autódromo e a floresta do Camboatá, uma fábula carioca

Não sei se chamo de escândalo. Roubalheira. Ou burrice. Na dúvida, tudo junto. Precisamos impedir que se passe a boiada no Rio. Pensamos na Amazônia e esquecemos que há florestas em perigo na nossa esquina. Cerca de 180 mil árvores na Floresta do Camboatá podem ser dizimadas, com bênção oficial, para construir um autódromo de quase R$ 1 bilhão. Tudo para levar a Fórmula 1 de Interlagos, em São Paulo, para a Zona Norte do Rio. Rixa provinciana, inoportuna, sem sentido. Pior, um crime ambiental. Uma audiência pública virtual prevista para 7 de agosto, agora, é passo decisivo para se ir adiante com o novo autódromo.

Esses verdes ecochatos são todos contra o desenvolvimento econômico, não é mesmo? Vamos aproveitar a pandemia para passar a motosserra no desconhecido Camboatá, naquela região carente, cimentada e calorenta de Deodoro e Guadalupe. Você já ouviu falar?

Os influenciadores ricos da Zona Sul só visitam o Jardim Botânico e o Parque Lage. Nem sabem onde fica o Camboatá.

Com árvores raras de até 20 metros, floresta
está ameaçada pela construção de um circuito de F1 
Eu nunca fui ao Camboatá nem conhecia sua história. O nome vem de uma árvore comum, com flores brancas e frutos que atraem pássaros. Último lugar de Mata Atlântica de áreas planas na cidade, com fauna e flora em extinção. Só restam no Brasil 12% de Mata Atlântica. O Camboatá tem 200 hectares, equivalente a 200 campos de futebol, com nascentes e áreas úmidas onde, nas cheias, ressurgem os peixes rivulídeos, conhecidos como peixes das nuvens, porque reaparecem com as chuvas. Peixes nas nuvens me remetem ao realismo fantástico latino-americano.

Como trocar oxigênio e beleza eternos por especulação imobiliária e uma pista de 5.835 metros de extensão com uso esporádico nos GPs? Um projeto que nem sabemos se ficará pelo meio ou se será abandonado após a construção, como tantos elefantes brancos de obras megalômanas. Querem destravar logo. E construir o circuito em um ano, para ter a F1 já no Rio em 2021. Que chá de cogumelo esse pessoal toma? 

O terreno é do Exército. Havia ali paióis de munição. Cientistas do Jardim Botânico, entre eles o biólogo e pesquisador Haroldo Lima, minha maior fonte para este artigo, começaram a catalogar as árvores do Camboatá na década de 1980 a pedido dos militares. No governo Cabral, em 2010, surgiu a conversa de construir ali um autódromo. E como as péssimas ideias sempre sobrevivem no Rio, quando há muita grana envolvida, a pressão aumentou agora.

Vamos comemorar, cariocas, vamos tirar a F1 dos paulistas, num ano em que o Grande Prêmio Brasil foi cancelado por conta da pandemia descontrolada. Por que será que insistem no novo autódromo num estado quebrado, falido, desigual, com necessidades urgentes como escolas, hospitais, saneamento, moradias dignas e segurança? Como assim? Ah, esqueci. Tem aquela história de “legado” pra boi dormir.

Faz quatro anos desde a Olimpíada do Rio. O Brasil prometeu a 2 bilhões de espectadores criar a Floresta dos Atletas. No Maracanã, os atletas plantaram, em totens, sementes que seriam levadas para Deodoro. Lindo. Seria “um legado olímpico verde”. Faltou dinheiro. Tinha de faltar. Precisávamos de joias e barras de ouro. As sementes viraram arbustos em um sítio. Com manutenção cara. Somente em dezembro do ano passado, três anos após os Jogos Olímpicos, foram replantadas as 13.725 mudas de 207 espécies da Mata Atlântica com o esforço de Patricia Amorim. Os custos de mais de R$ 3 milhões foram cobertos por empresas devedoras que causaram danos ambientais.

Quanto papo me-engana-que-eu-gosto no Camboatá. A turma do autódromo do Rio promete compensar a destruição da floresta com propostas inexequíveis, como “um novo corredor verde entre maciços da região”. Tudo para rotular o projeto de “autódromo verde e sustentável”. O único verde que esse pessoal idolatra, sério, deve ser o dólar.

Os argumentos a favor são os de sempre. “O dinheiro não será público, será privado”. “F1 trará receita milionária para o Rio”. “Vamos plantar árvores para compensar a derrubada da floresta”. “Atrairemos turismo para uma área degradada”. Tem cara de maracutaia, tem focinho de maracutaia. O autódromo será um lindo cartão postal, já pensou se nem uso tiver? 

O hexacampeão mundial Lewis Hamilton já se disse contra o autódromo no Camboatá. “Vão derrubar árvores? Amo o Rio. Mas não quero correr em um circuito que prejudique uma terra tão bonita para nosso futuro”. Felipe Massa também reprovou. Correr sobre as cinzas de árvores nativas não pega bem. O mundo dos negócios não está mais disposto a associar suas marcas à devastação de uma floresta rara.

Construam o autódromo em outro lugar, gritam os ambientalistas e Caetano Veloso, que morou adolescente em Guadalupe. O Movimento SOS Camboatá sugeriu seis outros lugares no entorno para a construção do circuito, sem mexer na floresta. Mas, sabe como é, tem coisa aí. Meu apelo é mais radical. Esqueçam esse autódromo do Rio, que virou para o presidente B. uma obsessão semelhante à cloroquina. Quer porque quer a F1 no Rio. Lembram o Ronaldão falando que “não se faz Copa com hospitais”? Sempre é bom lembrar. Um copo vazio está cheio de ar.

Quantas negociatas se escondem por trás? Os idealizadores do GP no Rio alegam que vão derrubar (apenas) 30 mil árvores. Mas esse é só o espaço ocupado pela pista e pelo aparato necessário às corridas. Os restantes 41% do terreno serão “cedidos à Rio Motorpark”, subsidiária da americana Rio Motorsports”, como “contrapartida imobiliária”. Ou seja, para construir condomínios, prédios, derrubar mais árvores.

O projeto está cheio de pegadinhas. A empresa Rio Motorpark foi criada às pressas, 11 dias antes de ser anunciada sua escolha. Sem capital e sem estrutura para obra desse porte. Sua garantia é um “bank” não autorizado pelo Banco Central. 

Tenho uma esperança. O projeto é tão esdrúxulo que não vingará. E não será apenas por uma reação ambientalista, mas do business da F1, que planeja futuramente corridas sustentáveis, com carbono zero e combustível não poluente. A história do Camboatá vai correr o mundo. Vai virar uma luta de todos. A boiada não vai pastar na floresta carioca.

* Este artigo foi editado para corrigir um erro na versão original. Eu dizia que as mudas dos atletas olimpicos não haviam sido replantadas. Mas a Floresta dos Atletas existe e está em Deodoro. Minhas desculpas à prefeitura do Rio e aos leitores.

'Não devemos nos curvar aos imperadores digitais'

Contra a ameaça de regulamentação, a história do sonho americano. Diante dos congressistas que passaram mais de um ano investigando os possíveis danos que o enorme tamanho de suas empresas pode causar aos consumidores e à concorrência, e que finalmente conseguiram reuni-los para questioná-los, mesmo que de maneira virtual, os chefes Gigantes da tecnologia invocam suas histórias de sucesso genuinamente americanas nesta quarta-feira. Quatro das pessoas mais poderosas do mundo ―os CEOs do Facebook, Apple, Amazon e Google― destacaram em seus discursos iniciais os benefícios que trazem ao país e argumentaram que sua necessidade de crescer constantemente se deve justamente à competição que enfrentam.


“Para cumprir nossas promessas aos consumidores neste país, precisamos que os trabalhadores americanos tragam produtos para os consumidores americanos”, disse Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, em sua primeira aparição no Congresso. “A China está construindo sua própria versão da Internet focada em idéias muito diferentes e está exportando essa visão para outros países”, disse Mark Zuckerberg, do Facebook, em sua quarta aparição.

Junto com eles também aparecem Sundar Pichai, do Google, e Tim Cook, da Apple, que defendeu que a empresa é “uma empresa exclusivamente americana, e cujo sucesso só é possível neste país”. Os quatro empresários, que testemunham por videoconferência a partir de seus escritórios, participam de uma audiência marcante na longa investigação, que acumula dezenas de entrevistas e centenas de milhares de documentos, conduzida pelos legisladores dos Estados Unidos sobre a posição no mercado e as práticas de empresas cujo tamanho e poder se multiplicaram nos últimos anos.

O democrata David Cicilline, presidente da subcomissão antitruste da Câmara dos Deputados, onde a audiência é realizada, apelou para as essências americanas, mas, no seu caso, para defender a necessidade de limitar o poder das grandes tecnologias. “Nossos pais fundadores não se curvaram a um rei”, lembrou ele em seu discurso inicial, com mais de uma hora de atraso. “Nem devemos nos curvar aos imperadores da economia digital”.

Seu domínio do mercado, acusam os congressistas, diminui a inovação e reduz a concorrência. O objetivo dos membros do comitê é determinar se o tremendo crescimento das quatro empresas os colocou em posições ilegais de monopólio, suprimindo a concorrência em áreas como pesquisa na Internet (Google), vendas on-line (Amazon), marketing de aplicativos móveis (Apple) ou distribuição de informações (Facebook). “Simplificando: eles têm poder demais”, disse Cicilline, que anunciou que seus quatro convidados nesta quarta-feira não vão gostar das conclusões da investigação, que planejam tornar pública no outono.

A necessidade de limitar gigantes da tecnologia também é compartilhada pelo presidente Trump, que não perdeu a oportunidade de atacar empresas que são alvo regular de sua fúria. Em particular, as empresas de mídia social, com as quais ele está travando uma batalha que se intensificou nos últimos meses, depois que o Twitter e o Facebook tomaram medidas contra suas mensagens por violarem suas regras. Em resposta, Trump emitiu uma ordem executiva pedindo para reconsiderar a regulamentação que protege as empresas de Internet do conteúdo que elas publicam. “Se o Congresso não trouxer justiça às grandes tecnológicas, algo que deveria ter feito anos atrás, eu mesmo farei isso com ordens executivas. Em Washington, tem sido tudo conversa e nenhuma ação há anos, e o povo do nosso país está farto disso‘‘, tuitou Trump, pouco antes do início da audiência.

O tuíte do presidente enfatiza que, nesta quarta-feira, não são apenas os executivos que passam por um exame, mas também o próprio Congresso, que passou anos tentando agir contra as empresas de tecnologia, mas não conseguiu aprovar nenhuma legislação a esse respeito.

Os executivos defendem que, apesar da imagem onipresente de suas marcas, eles também enfrentam forte concorrência. “Por exemplo, as pessoas têm mais maneiras de procurar informações do que nunca, e isso acontece cada vez mais fora do contexto de um mecanismo de busca”, disse Pichai, do Google.

“As empresas não são ruins apenas porque são grandes”, disse Zuckerberg, que lembra que o Facebook alcançou seu sucesso “à maneira americana, começando do nada”. Bezos também queria destacar a mesma ideia. “Eu amo empreendedores de garagem, eu era um deles”, explicou. “Mas assim como o mundo precisa de pequenas empresas, também precisa de grandes empresas”.

Possíveis práticas monopolistas, que estão no centro dessa investigação no Congresso, não são o único aspecto das empresas que criaram os membros do subcomitê. Os legisladores republicanos foram rápidos em expressar sua queixa recorrente de que os gigantes da tecnologia suprimem consistentemente pontos de vista conservadores. O congressista Jim Jordan, em seu discurso inicial, acusou as empresas de “tentar impactar as eleições” e “censurar os conservadores”,

A audiência histórica servirá para moldar a futura legislação de monopólio. Mas grandes mudanças regulatórias não são esperadas iminentemente. Portanto, seu valor mais imediato será oferecer ao público uma visão do funcionamento das empresas que, além do escrutínio no Congresso, enfrentam investigações do Departamento de Justiça e da Comissão Federal de Comércio.
Pablo Guimón