sábado, 21 de janeiro de 2017
Reforma, reflexão, mistura
É velho o dilema entre revolução e reformas. Neste ano de 2017, o calendário assinala em outubro os 100 anos da Revolução Russa, e certamente propiciará análises, discussão do socialismo e do comunismo, dos rumos que tomaram, da inevitabilidade ou não de se apoiarem em ditadura e repressão. Mas teremos também o transcurso de meio milênio da Reforma — a original, religiosa, de Martinho Lutero, marco de um movimento moralizador e libertário que propunha que os fieis pudessem ler os textos bíblicos e tratar de interpretá-los. Sem autoritarismo e escapando a práticas de ética duvidosa, como a de comprar indulgências, privilégios pseudoespirituais adquiridos por favores materiais. Essa coincidência de datas propicia a oportunidade de refletir sobre muitas questões.
Na semana que vem, em uma grande festa literária, o Hay Festival de Cartagena, escritores de diversos países estão convidados a repetir o gesto original de Lutero ao afixar numa igreja suas 95 teses propondo reformas às autoridades eclesiásticas. De minha parte, a proposta que faço se dirige à autoridade que me parece suprema: a consciência individual de cada um de nós.
Trata-se de uma reforma interior. Consiste em que cada um se disponha a ouvir com respeito os argumentos e razões alheias, de modo a se deixar eventualmente fecundar por alguma contribuição de outros pensamentos além dos que já traz consigo. Ou seja, proponho que celebremos o convívio e o diálogo, bem como a leitura atenta e acolhedora de ficção e ensaios, entendidos como parte de um processo fundamental para o humanismo.
Olhando a evolução do homo sapiens, constatamos que nos desenvolvemos a partir de duas atitudes que serviram como garantia para nossas condições de sobrevivência.
A primeira foi a do sujeito ativo. Frente aos tremendos perigos que ameaçavam a espécie num ambiente hostil, era indispensável uma ação rápida, não sujeita a dúvidas, hesitação ou paralisia. Se uma fera atacasse, o homem primitivo devia correr o mais depressa que pudesse. Subir em uma árvore alta, jogar-se ligeiro na água ou golpear o animal com o objeto duro e pesado mais ao alcance e com maior probabilidade de causar dano ao inimigo que ameaçava. Tudo em decisões rápidas, pouco mais que atos reflexos. A rapidez e a reação automática podiam ser decisivas para salvar a vida.
Passado o auge do perigo, os indivíduos que conseguiam escapar podiam então se dar ao luxo de passar à segunda atitude: a do sujeito reflexivo. Pensar sobre o que ocorrera. Comparar sua sorte com a de outros, menos afortunados, que haviam sido mortos ou atingidos pelo perigo. Recordar os movimentos observados em companheiros que também haviam escapado, graças a ideias diferentes das suas, mas igualmente eficientes. Mais que isso: foi possível aprender que havia uma potencialidade positiva no intercâmbio de experiências, na soma de reflexões, em estratégias conjuntas para enfrentar a ameaça comum. Se o sujeito ativo era importante para garantir a sobrevivência individual, logo se tornou inevitável reconhecer que o sujeito reflexivo se revelava fundamental para assegurar a sobrevivência do grupo.
Hoje em dia, com o desenvolvimento tecnológico, os meios digitais e uma rede de comunicação universal, esse intercâmbio de relatos, experiências e opiniões se oferece com uma amplitude e rapidez antes inimagináveis. Para aproveitá-lo em sua plenitude, precisamos ir além da reação imediata e automática de dar um simples clique ou curtida, escolher mãos aplaudindo ou uma carinha vomitando. É preciso sair dos limites do pequeno grupo que reage como se fosse um único indivíduo, ativo e militante, mas voltado apenas para si mesmo — como o primeiro momento daquele homem primitivo que tratava de sua sobrevivência pessoal, sem qualquer reflexão a partir de narrativas e experiências alheias, que permitiriam progressos para toda a coletividade.
Aprendemos com Hannah Arendt que, para dominar de maneira absoluta, o terror precisa se exercer sobre pessoas que estejam isoladas umas das outras. Por isso, uma das primeiras, mais fortes e constantes preocupações de todo governo tirânico é construir esse isolamento entre os cidadãos. Mais ainda: ela observou também que o súdito ideal para um domínio totalitário é sempre aquele para quem não existe mais a distinção entre fato e ficção. Ou seja, para quem desaparece a realidade da experiência. Ou então, aquele que perdeu a distinção entre verdade e falsidade. Quer dizer, para quem desapareceram os paradigmas de pensamento.
Para evitar que isso se produza, uma boa reforma interior sugere que cada um acolha e ouça atentamente o que os outros têm a dizer, em uma atitude reflexiva, procurando ver o que possa existir de verdadeiro e útil nessa contribuição, sem reforço de palavras de ordem, sem hostilidade prévia, sem belicosidade, sem desqualificação automática do pensamento alheio. E de novo se possa constatar, com o poeta Drummond, “como a vida é isto misturado àquilo”.
Ana Maria Machado
Na semana que vem, em uma grande festa literária, o Hay Festival de Cartagena, escritores de diversos países estão convidados a repetir o gesto original de Lutero ao afixar numa igreja suas 95 teses propondo reformas às autoridades eclesiásticas. De minha parte, a proposta que faço se dirige à autoridade que me parece suprema: a consciência individual de cada um de nós.
Olhando a evolução do homo sapiens, constatamos que nos desenvolvemos a partir de duas atitudes que serviram como garantia para nossas condições de sobrevivência.
A primeira foi a do sujeito ativo. Frente aos tremendos perigos que ameaçavam a espécie num ambiente hostil, era indispensável uma ação rápida, não sujeita a dúvidas, hesitação ou paralisia. Se uma fera atacasse, o homem primitivo devia correr o mais depressa que pudesse. Subir em uma árvore alta, jogar-se ligeiro na água ou golpear o animal com o objeto duro e pesado mais ao alcance e com maior probabilidade de causar dano ao inimigo que ameaçava. Tudo em decisões rápidas, pouco mais que atos reflexos. A rapidez e a reação automática podiam ser decisivas para salvar a vida.
Passado o auge do perigo, os indivíduos que conseguiam escapar podiam então se dar ao luxo de passar à segunda atitude: a do sujeito reflexivo. Pensar sobre o que ocorrera. Comparar sua sorte com a de outros, menos afortunados, que haviam sido mortos ou atingidos pelo perigo. Recordar os movimentos observados em companheiros que também haviam escapado, graças a ideias diferentes das suas, mas igualmente eficientes. Mais que isso: foi possível aprender que havia uma potencialidade positiva no intercâmbio de experiências, na soma de reflexões, em estratégias conjuntas para enfrentar a ameaça comum. Se o sujeito ativo era importante para garantir a sobrevivência individual, logo se tornou inevitável reconhecer que o sujeito reflexivo se revelava fundamental para assegurar a sobrevivência do grupo.
Hoje em dia, com o desenvolvimento tecnológico, os meios digitais e uma rede de comunicação universal, esse intercâmbio de relatos, experiências e opiniões se oferece com uma amplitude e rapidez antes inimagináveis. Para aproveitá-lo em sua plenitude, precisamos ir além da reação imediata e automática de dar um simples clique ou curtida, escolher mãos aplaudindo ou uma carinha vomitando. É preciso sair dos limites do pequeno grupo que reage como se fosse um único indivíduo, ativo e militante, mas voltado apenas para si mesmo — como o primeiro momento daquele homem primitivo que tratava de sua sobrevivência pessoal, sem qualquer reflexão a partir de narrativas e experiências alheias, que permitiriam progressos para toda a coletividade.
Aprendemos com Hannah Arendt que, para dominar de maneira absoluta, o terror precisa se exercer sobre pessoas que estejam isoladas umas das outras. Por isso, uma das primeiras, mais fortes e constantes preocupações de todo governo tirânico é construir esse isolamento entre os cidadãos. Mais ainda: ela observou também que o súdito ideal para um domínio totalitário é sempre aquele para quem não existe mais a distinção entre fato e ficção. Ou seja, para quem desaparece a realidade da experiência. Ou então, aquele que perdeu a distinção entre verdade e falsidade. Quer dizer, para quem desapareceram os paradigmas de pensamento.
Para evitar que isso se produza, uma boa reforma interior sugere que cada um acolha e ouça atentamente o que os outros têm a dizer, em uma atitude reflexiva, procurando ver o que possa existir de verdadeiro e útil nessa contribuição, sem reforço de palavras de ordem, sem hostilidade prévia, sem belicosidade, sem desqualificação automática do pensamento alheio. E de novo se possa constatar, com o poeta Drummond, “como a vida é isto misturado àquilo”.
Ana Maria Machado
Teori e o buraco na estrada
É claro que é muito cedo para descartar qualquer possibilidade acerca da queda do avião em que estava o ministro Teori Zavascki. Eu, no entanto, tomei uma medida drástica desde que o senhor Lula da Silva assumiu o poder, mais de uma década atrás: viajante contumaz que eu era pelas estradas brasileiras, nunca mais pus o pé fora da porta.
O motivo é óbvio: aqui se morre de Brasil. De incompetência, de irrelevância, de bala perdida, de buraco na estrada. Não há o menor valor à vida, nem mesmo dos próprios proprietários das mesmas, que se arriscam diariamente nesta pocilga para continuar respirando este ar fétido. Há motivos sim – muitos – para que não tenha sido um acidente. Mas há muito mais motivos para que tenha sido.
A começar pelo fato de que o ministro foi “corajoso” ao assumir uma cadeira num avião daqueles, no momento da vida em que estava. É óbvio que deveria zelar pela própria existência, dada a importância do que estava fazendo. Me parece que um misto de ingenuidade, confiança nas aeronaves de pequeno porte e alcance, confiança no mau tempo, confiança na capacidade do brasileiro de dar um jeitinho em tudo foram as causas principais deste acidente.
Em respeito ao homem público, me abstenho tanto de acreditar nas teorias da conspiração quanto na possibilidade de ter sido uma licenciosidade dele mesmo. Já afirmei por aqui que procuro não parar debaixo das pontes. Sou engenheiro. Sei como elas andam sendo construídas, só com a metade do dinheiro. A outra metade é transferida em tenebrosas transações.
O que fica é o perigo, rondando nossas cabeças incautas, de que tudo desabe num trágico “acidente pavoroso”. Conta agora a do papagaio. Nunca é tarde para lembrar a inutilidade de um atentado dessa monta, uma vez que a equipe toda do ministro continua viva, não é mesmo? Ou será que eles não sabem do que se trata a Lava Jato?
O motivo é óbvio: aqui se morre de Brasil. De incompetência, de irrelevância, de bala perdida, de buraco na estrada. Não há o menor valor à vida, nem mesmo dos próprios proprietários das mesmas, que se arriscam diariamente nesta pocilga para continuar respirando este ar fétido. Há motivos sim – muitos – para que não tenha sido um acidente. Mas há muito mais motivos para que tenha sido.
Em respeito ao homem público, me abstenho tanto de acreditar nas teorias da conspiração quanto na possibilidade de ter sido uma licenciosidade dele mesmo. Já afirmei por aqui que procuro não parar debaixo das pontes. Sou engenheiro. Sei como elas andam sendo construídas, só com a metade do dinheiro. A outra metade é transferida em tenebrosas transações.
O que fica é o perigo, rondando nossas cabeças incautas, de que tudo desabe num trágico “acidente pavoroso”. Conta agora a do papagaio. Nunca é tarde para lembrar a inutilidade de um atentado dessa monta, uma vez que a equipe toda do ministro continua viva, não é mesmo? Ou será que eles não sabem do que se trata a Lava Jato?
Essa parte de Trump que nos habita
Trump já é mais do que um presidente dos Estados Unidos. É um fenômeno que dá calafrios. Seu nome faz retumbar ecos de tambores de guerra.
Todos os adjetivos que engendram medo ou repulsa já foram usados para descrever sua pessoa e suas ideias. Mas quantos pedaços de Trump existem em nós? Elegeram-no os deuses, ou fomos todos nós, não só os norte-americanos?
Ninguém é totalmente inocente. Onde começa a fronteira entre a vítima e o verdugo?
Trump é uma interrogação. Para uns, uma surpresa sombria; para outros, o líder que ri dos políticos e os julga e despreza. Personagem ainda indecifrável, apesar de sua linguagem óbvia, insubstancial e às vezes até pobre.
É mais do que um problema político. Não é de esquerda nem de direita. Talvez de nada, só de si mesmo. Um palhaço ou algo menos divertido, mais inquietante?
Por ser mais que um político chamado a governar o maior império do planeta, precisaríamos de outras ciências para enquadrá-lo. Talvez a psiquiatria?
E se fosse um cidadão que espelha o sentir de milhões de pessoas, cansadas da desfaçatez e do aburguesamento de seus governantes tradicionais, engordados sob o manto da impunidade e da corrupção que foram marginalizando a metade do Planeta que precisa se conformar com as migalhas caídas da mesa dos seus festins?
Ou será a falsa esperança desses milhões de cidadãos que já não esperam nada dos politicamente corretos e correm em busca da miragem de um “chefe”, o mais macho e incorreto possível?
Trump ainda nem estreou e já é o personagem do mundo. O que há nele de morbidez política ou existencial para que, oco de ideias e saciado de presunção, tenha se tornado o maior fenomenal viral das redes sociais do mundo?
Sobre Trump já se escreveu de tudo, mas talvez pouco sobre nós mesmos frente ao nosso espelho. Há uma pergunta que inquieta não só a psicologia e a psicanálise, mas também a nossa própria consciência: que parte do Trump se esconde em cada um de nós?
Somos todos um reflexo de Trump cada vez que nos inflamamos diante dos diferentes. Não somos uma selfie dele quando sofremos se a nossa filha branca se casa com um negro? Ou quando nosso filho pardo se orgulha de ter se casado com uma branca?
Cada vez que um pai diz: “Prefiro um filho morto a um filho gay”, e quando em algum canto sombrio da nossa alma nos alegramos cada vez que um delinquente é linchado na rua, não estaremos poluídos pelo vírus trumpiano?
Ou quando continuamos acreditando que a cor da pele é um defeito da luz em vez de uma tonalidade do arco-íris?
Ou quando os homens, talvez sem verbalizar, consideram que muitos estupros são causados e justificados pelas mulheres com seus vestidos provocantes, ou quando acreditam que todas elas são facilmente prostituíveis diante do poder ou do dinheiro?
Somos habitantes do planeta Trump quando degradamos os direitos humanos, defendemos a tortura ou a pena de morte e nos opomos a que a mulher possa decidir conscientemente sobre a sua maternidade.
Somos pequenos Trumps quando acreditamos que é a pobreza que causa a violência. E a polícia é trumpiana quando, na dúvida entre um branco e um negro, se inclina pela inocência do branco.
A Justiça, até a mais democrática, espelha Trump cada vez que enche as prisões com os sem-nome e deixa em liberdade os que se gabam de dizer: “Você sabe com quem está falando?”.
Até as democracias mais sólidas, como a europeia, exalam hoje aromas de trumpismo. Basta pensar na incômoda política para os imigrantes e refugiados. No fundo nos irritam porque estariam invadindo nosso território sagrado. São a ameaça à nossa tranquilidade.
Somos um pedaço de Trump quando acreditamos que é necessário pensar antes no nosso pequeno curral do que na grande praça do mundo.
Somos Trump quando já não nos espanta o silêncio de morte daquela parte do mundo à qual condenamos a não ter voz.
Trump não é um alienígena nem um extraterrestre. É a expressão do nosso mundo que está se fechando em si como um ouriço, com seus espinhos em alerta, contra aqueles que não pensam nem amam como ele.
Todos os adjetivos que engendram medo ou repulsa já foram usados para descrever sua pessoa e suas ideias. Mas quantos pedaços de Trump existem em nós? Elegeram-no os deuses, ou fomos todos nós, não só os norte-americanos?
Ninguém é totalmente inocente. Onde começa a fronteira entre a vítima e o verdugo?
Trump é uma interrogação. Para uns, uma surpresa sombria; para outros, o líder que ri dos políticos e os julga e despreza. Personagem ainda indecifrável, apesar de sua linguagem óbvia, insubstancial e às vezes até pobre.
É mais do que um problema político. Não é de esquerda nem de direita. Talvez de nada, só de si mesmo. Um palhaço ou algo menos divertido, mais inquietante?
Por ser mais que um político chamado a governar o maior império do planeta, precisaríamos de outras ciências para enquadrá-lo. Talvez a psiquiatria?
E se fosse um cidadão que espelha o sentir de milhões de pessoas, cansadas da desfaçatez e do aburguesamento de seus governantes tradicionais, engordados sob o manto da impunidade e da corrupção que foram marginalizando a metade do Planeta que precisa se conformar com as migalhas caídas da mesa dos seus festins?
Ou será a falsa esperança desses milhões de cidadãos que já não esperam nada dos politicamente corretos e correm em busca da miragem de um “chefe”, o mais macho e incorreto possível?
Trump ainda nem estreou e já é o personagem do mundo. O que há nele de morbidez política ou existencial para que, oco de ideias e saciado de presunção, tenha se tornado o maior fenomenal viral das redes sociais do mundo?
Sobre Trump já se escreveu de tudo, mas talvez pouco sobre nós mesmos frente ao nosso espelho. Há uma pergunta que inquieta não só a psicologia e a psicanálise, mas também a nossa própria consciência: que parte do Trump se esconde em cada um de nós?
Somos todos um reflexo de Trump cada vez que nos inflamamos diante dos diferentes. Não somos uma selfie dele quando sofremos se a nossa filha branca se casa com um negro? Ou quando nosso filho pardo se orgulha de ter se casado com uma branca?
Cada vez que um pai diz: “Prefiro um filho morto a um filho gay”, e quando em algum canto sombrio da nossa alma nos alegramos cada vez que um delinquente é linchado na rua, não estaremos poluídos pelo vírus trumpiano?
Ou quando continuamos acreditando que a cor da pele é um defeito da luz em vez de uma tonalidade do arco-íris?
Ou quando os homens, talvez sem verbalizar, consideram que muitos estupros são causados e justificados pelas mulheres com seus vestidos provocantes, ou quando acreditam que todas elas são facilmente prostituíveis diante do poder ou do dinheiro?
Somos habitantes do planeta Trump quando degradamos os direitos humanos, defendemos a tortura ou a pena de morte e nos opomos a que a mulher possa decidir conscientemente sobre a sua maternidade.
Somos pequenos Trumps quando acreditamos que é a pobreza que causa a violência. E a polícia é trumpiana quando, na dúvida entre um branco e um negro, se inclina pela inocência do branco.
A Justiça, até a mais democrática, espelha Trump cada vez que enche as prisões com os sem-nome e deixa em liberdade os que se gabam de dizer: “Você sabe com quem está falando?”.
Até as democracias mais sólidas, como a europeia, exalam hoje aromas de trumpismo. Basta pensar na incômoda política para os imigrantes e refugiados. No fundo nos irritam porque estariam invadindo nosso território sagrado. São a ameaça à nossa tranquilidade.
Somos um pedaço de Trump quando acreditamos que é necessário pensar antes no nosso pequeno curral do que na grande praça do mundo.
Somos Trump quando já não nos espanta o silêncio de morte daquela parte do mundo à qual condenamos a não ter voz.
Trump não é um alienígena nem um extraterrestre. É a expressão do nosso mundo que está se fechando em si como um ouriço, com seus espinhos em alerta, contra aqueles que não pensam nem amam como ele.
STF põe em risco no petrolão prestígio amealhado no mensalão
Superado o receio de que o novo relator da Lava Jato saia da caneta de Michel Temer, um potencial investigado, o país passa a conviver com o pavor de que o Supremo Tribunal Federal escolha um relator inconfiável. A hipótese de que o substituto de Teori Zavascki seja escolhido por sorteio é horrorizante. A impressão de que nem todos os ministros da Suprema Corte são dignos da função é horripilante.
Nenhum cidadão no mundo recebe mais informações jurídicas do que o brasileiro. Um visitante estrangeiro estranha que o noticiário fale mais sobre inquéritos, denúncias e ações penais do que sobre futebol. A maioria entende de leis apenas o suficiente para saber precisaria entender muito mais.
Entretanto, as transmissões da TV Justiça desenvolveram na plateia habilidades que permitem diferenciar certos magistrados dos magistrados certos. O que tornava Teori especial aos olhos leigos era o estilo de zagueiro de time de várzea, não o notório saber jurídico.
O relator morto da Lava Jato sabia como demarcar o seu território na grande área de um processo. Cara amarrada, mirava a canela já na primeira entrada. Com dois trancos, arrancou Eduardo Cunha da presidência da Câmara e do exercício do mandato. Abriu o caminho para a cassação e a prisão. Com outro tranco, empurrou gente como Lula para dentro do “quadrilhão”, como os investigadores chamam o inquérito-mãe da Lava Jato.
Não são negligenciáveis as chances de que o novo relator saia da Sugunda Turma do Supremo, onde tramita a Lava Jato. Com a morte de Teori, restaram nesse colegiado: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Tofoli e Ricardo Lewandowski. Responda rápido: você levaria a mão ao fogo por todos eles?
Em geral, essa gente leiga que conhece o seu valor costuma achar inacreditável que jogadores remunerados pelo teto do serviço public, tratados com todo o pão de ló que o dinheiro público pode pagar, não consiga prevalecer sobre o time dos corruptos de goleada.
O pedaço mais esclarecido da arquibancada raciocina assim: eu, com o mesmo salário e igual tratamento, ficaria envergonhado se não pintasse duas ou três capelas sistinas por mês.
Quer dizer: ou o Supremo Tribunal Federal acomoda na relatoria da Lava Jato um ministro com a disposição de um zagueiro e o talent de um Michelangelo ou vai jogar no ralo todo o prestígio que amealhou no julgamento do mensalão.
Nenhum cidadão no mundo recebe mais informações jurídicas do que o brasileiro. Um visitante estrangeiro estranha que o noticiário fale mais sobre inquéritos, denúncias e ações penais do que sobre futebol. A maioria entende de leis apenas o suficiente para saber precisaria entender muito mais.
Entretanto, as transmissões da TV Justiça desenvolveram na plateia habilidades que permitem diferenciar certos magistrados dos magistrados certos. O que tornava Teori especial aos olhos leigos era o estilo de zagueiro de time de várzea, não o notório saber jurídico.
O relator morto da Lava Jato sabia como demarcar o seu território na grande área de um processo. Cara amarrada, mirava a canela já na primeira entrada. Com dois trancos, arrancou Eduardo Cunha da presidência da Câmara e do exercício do mandato. Abriu o caminho para a cassação e a prisão. Com outro tranco, empurrou gente como Lula para dentro do “quadrilhão”, como os investigadores chamam o inquérito-mãe da Lava Jato.
Não são negligenciáveis as chances de que o novo relator saia da Sugunda Turma do Supremo, onde tramita a Lava Jato. Com a morte de Teori, restaram nesse colegiado: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Tofoli e Ricardo Lewandowski. Responda rápido: você levaria a mão ao fogo por todos eles?
Em geral, essa gente leiga que conhece o seu valor costuma achar inacreditável que jogadores remunerados pelo teto do serviço public, tratados com todo o pão de ló que o dinheiro público pode pagar, não consiga prevalecer sobre o time dos corruptos de goleada.
O pedaço mais esclarecido da arquibancada raciocina assim: eu, com o mesmo salário e igual tratamento, ficaria envergonhado se não pintasse duas ou três capelas sistinas por mês.
Quer dizer: ou o Supremo Tribunal Federal acomoda na relatoria da Lava Jato um ministro com a disposição de um zagueiro e o talent de um Michelangelo ou vai jogar no ralo todo o prestígio que amealhou no julgamento do mensalão.
Um pouco de alegria
Shirley Temple e George Murphy, que seria depois
senador americano, em "Little Mis Broadway" (1938)
Pagante nacional
Tempos de escolha
Por três anos, a população de Brasília assistiu ao governo do Distrito Federal e ao governo federal construírem, ao custo de R$ 2 bilhões, um estádio para 70 mil espectadores — em uma cidade em que seus times carecem de torcedores — enquanto a poucos quilômetros seu Teatro Nacional estava fechado e se degradando.
Diante deste desperdício de recursos e deste crime contra a cultura brasileira, os artistas de Brasília silenciaram por duas razões: a afinidade em relação aos governos federal e local, e a tradição brasileira de considerar que os recursos fiscais são ilimitados, sem disputa entre as diferentes prioridades.
O caso de Brasília não foi único: nos últimos anos, dezenas de museus, cinemas, teatros foram sendo depredados, degradados e abandonados, ao lado de novos estádios e outros gastos públicos.
Mesmo entre os poucos artistas que se manifestaram em defesa da recuperação do teatro, nenhum protestou contra o desperdício do estádio por não perceberem que cada tijolo usado em uma obra não pode ser utilizado em outra; eles não tinham a percepção de que os gastos públicos exigem escolha: estádios ou teatros, viadutos ou escolas, palácios ou saneamento.
Felizmente, nesta semana, o ministro Roberto Freire e o presidente Temer assumiram o compromisso de recuperar e reabrir o Teatro Nacional Claudio Santoro (foto).
Mas, diante das novas regras que definem um teto para os gastos da União, a vida política e fiscal brasileira vai entrar em um tempo de realismo na escolha de suas prioridades.
A disponibilidade de recursos orçamentários para uma ou outra finalidade vai depender de luta política na elaboração do Orçamento federal. Por isso, os artistas que até aqui assistiram calados a um teatro definhar na sombra de um estádio que surgia precisam estar atentos.
Será preciso convencer os eleitores para que eles convençam os governos e parlamentares a preferirem um teatro necessário a um estádio sem função. Caso contrário, democraticamente, o teatro continuará fechado e o estádio, vazio.
Os gregos separaram aritmética e dramaturgia, a fantasia nos palcos e a realidade na política.
Foi a aliança dos políticos de todos os partidos com os líderes de classes, patronais ou trabalhistas, que nos passaram a ilusão de que os recursos financeiros públicos seriam ilimitados, permitindo fantasias na política.
A partir de agora não bastará lutar por mais recursos para o teatro, será necessário lutar também para tirar recursos para outras finalidades.
A política subirá para o mundo da realidade, por disputas conforme interesses, preferências, lutas entre classes. A ilusão ficará no palco, nos roteiros das peças, nas partituras, no destino dos personagens, não na política e nas finanças.
Pena que muitos ainda preferem a ilusão fiscal do orçamento à ilusão artística do teatro; e o sectarismo faz com que alguns artistas fiquem contra a recuperação do teatro porque estará sendo feita por um governo ao qual se opõem.
Diante deste desperdício de recursos e deste crime contra a cultura brasileira, os artistas de Brasília silenciaram por duas razões: a afinidade em relação aos governos federal e local, e a tradição brasileira de considerar que os recursos fiscais são ilimitados, sem disputa entre as diferentes prioridades.
O caso de Brasília não foi único: nos últimos anos, dezenas de museus, cinemas, teatros foram sendo depredados, degradados e abandonados, ao lado de novos estádios e outros gastos públicos.
Mesmo entre os poucos artistas que se manifestaram em defesa da recuperação do teatro, nenhum protestou contra o desperdício do estádio por não perceberem que cada tijolo usado em uma obra não pode ser utilizado em outra; eles não tinham a percepção de que os gastos públicos exigem escolha: estádios ou teatros, viadutos ou escolas, palácios ou saneamento.
Felizmente, nesta semana, o ministro Roberto Freire e o presidente Temer assumiram o compromisso de recuperar e reabrir o Teatro Nacional Claudio Santoro (foto).
Mas, diante das novas regras que definem um teto para os gastos da União, a vida política e fiscal brasileira vai entrar em um tempo de realismo na escolha de suas prioridades.
A disponibilidade de recursos orçamentários para uma ou outra finalidade vai depender de luta política na elaboração do Orçamento federal. Por isso, os artistas que até aqui assistiram calados a um teatro definhar na sombra de um estádio que surgia precisam estar atentos.
Será preciso convencer os eleitores para que eles convençam os governos e parlamentares a preferirem um teatro necessário a um estádio sem função. Caso contrário, democraticamente, o teatro continuará fechado e o estádio, vazio.
Os gregos separaram aritmética e dramaturgia, a fantasia nos palcos e a realidade na política.
Foi a aliança dos políticos de todos os partidos com os líderes de classes, patronais ou trabalhistas, que nos passaram a ilusão de que os recursos financeiros públicos seriam ilimitados, permitindo fantasias na política.
A partir de agora não bastará lutar por mais recursos para o teatro, será necessário lutar também para tirar recursos para outras finalidades.
A política subirá para o mundo da realidade, por disputas conforme interesses, preferências, lutas entre classes. A ilusão ficará no palco, nos roteiros das peças, nas partituras, no destino dos personagens, não na política e nas finanças.
Pena que muitos ainda preferem a ilusão fiscal do orçamento à ilusão artística do teatro; e o sectarismo faz com que alguns artistas fiquem contra a recuperação do teatro porque estará sendo feita por um governo ao qual se opõem.
Valeu a pena
Não dá para aceitar a suposição de ter havido um atentado, sabotagem ou coisa igual. Mesmo assim, lá no fundo do cérebro, permanecerá a dúvida. Mesmo sabendo que de nada adiantaria, pois a Operação Lava Jato dobrou a curva da esquina. Quem se tornar relator do processo estará obrigado a seguir adiante na condenação dos corruptos envolvidos no escândalo.
A vida tem dessas surpresas. De Tancredo, Ulysses e Teori, entre tantos outros, já estava escrito. Importa seguir adiante. A delação da Odebrecht não demora a ser conhecida. E outras. Tanto faz quem será o novo relator. Ou quantos corruptos serão denunciados, dispondo ou não de foro especial. A verdade é que montes de políticos, parlamentares ou não, deixarão de ser políticos e certamente, os que tiverem sido parlamentares.
O fundamental, a partir do início da Operação Lava Jato, e tanto faz quem irá encerrá-la, é que conluio entre empreiteiras e políticos está terminado. Claro que crimes continuarão a ser praticados, ainda que em número bem menor. As estrelas de primeira grandeza se apagarão, por ação do ministro Teori Zavaski, abruptamente interrompida mas já completada em sua fase mais importante.
Agora é aguardar as investigações já iniciadas pelas autoridades competentes para apurar o acidente nas águas de Parati. Que o exemplo do morto ilustre permaneça para sempre na crônica do Poder Judiciário. Onde quer que ele se encontre, deixará marcada sua passagem com a lição de que, se a alma não é pequena, valeu a pena…
A vida tem dessas surpresas. De Tancredo, Ulysses e Teori, entre tantos outros, já estava escrito. Importa seguir adiante. A delação da Odebrecht não demora a ser conhecida. E outras. Tanto faz quem será o novo relator. Ou quantos corruptos serão denunciados, dispondo ou não de foro especial. A verdade é que montes de políticos, parlamentares ou não, deixarão de ser políticos e certamente, os que tiverem sido parlamentares.
Agora é aguardar as investigações já iniciadas pelas autoridades competentes para apurar o acidente nas águas de Parati. Que o exemplo do morto ilustre permaneça para sempre na crônica do Poder Judiciário. Onde quer que ele se encontre, deixará marcada sua passagem com a lição de que, se a alma não é pequena, valeu a pena…
País árvore. Cidade floresta
Parece tão longínqua na memória, face ao acúmulo de fatos violentos desde então, tal qual um Febeapá demoníaco assombrando-nos, a cerimônia de abertura das Olimpíadas no Rio.
A era da informação nos revela a onipresença vacilante do personagem de John Travolta em “Pulp Fiction” ou a frequente aparição do descomunal membro sexual de um homem negro de chapéu como relevantes. Mas podemos também, com poucos cliques, rever a bela abertura dos Jogos de 2016. Sugiro, portanto, ao leitor que deixe um pouco de lado tais informações “pop”, ou poop, e mire novamente seu olhar para aquela ocasião no distante 2016.
Naquela abertura colocamos em bilhões de telas do mundo uma coincidência que raramente acessamos como fenômeno disruptivo e transformador: nosso país, Brasil, é o único do mundo batizado com o nome de uma árvore, o pau-brasil.
Pode parecer anedótico, e quanto mais nos deixamos deprimir pelo conhecimento de como defendem os interesses pátrios, políticos e empresários, mais vulgarizamos a palavra Brasil.
Assim, o corante sanguíneo da árvore tropical cobria os corpos das monarquias europeias. Essa é uma leitura. A beleza de uma cor ímpar seduzia, abrindo o campo do desejo e do intelecto, ampliando os mundos exteriores e íntimos de uma sociedade envelhecida. Também é uma leitura possível. A brasileína, como meio, também era mensagem, nos ensinou Marshall McLuhan.
O entendimento das mudanças climáticas como anedotas da internet, como quer fazer parecer a nova elite mundial, tem naquela cerimônia dos Jogos Olímpicos do Rio uma contramanifestação global. Há um vazio de saber que precisa ser preenchido com uma nova inteligência planetária, mais amorosa com a Terra. Consigamos nós, brasileiros, mirar nosso olhar para novas cores, mesmo diante das cabeças sem corpos que ocupam posições de autoridade, e poderemos sentar à mesa do mundo e falar de árvores.
Outro Vale do Silício necessário é o Vale Silvícola, a surgir no Brasil, onde a Embrapa pode ser uma nova Apple. Quanto falta para termos políticos da estatura de uma sumaúma?
Pensar o arco temporal de um século é muito difícil numa economia de juros altos. O que torna difícil demonstrar a agenda urbana como urgente para o país, pois cidades são organizações lentas. Priorizar as economias que podemos gerar e compartilhar no território urbano é dar valor estratégico a uma escala que não é menor, mas estrutural para o estabelecimento de um ciclo econômico sustentável e mais pleno de cidadania, onde possamos conjugar o binômio natureza-cidade como conhecimento de que o planeta precisa e que dominamos intimamente.
O reconhecimento como Patrimônio da Humanidade para a Paisagem Cultural do Rio de Janeiro não é um título erudito de burocratas globais, é uma grande vitória geopolítica onde, após dez anos de candidatura, em esforço público e privado, propusemos uma outra perspectiva urbana. A cacofonia do ambiente urbano carioca revelaria uma ordem mais complexa, fruto do esforço de erguer uma grande cidade tropical em dança com a natureza. Amplia-se a história do urbanismo, pois uma nova relação descortina-se, onde não há natureza subjugada, tal qual numa cidade-jardim, mas um baile. A floresta usada inicialmente para fins econômicos e científicos, com o tempo, converte-se em campo poético. No Rio, a preservação, através das continuadas políticas de patrimônio cultural, promoveu uma singularidade urbanística, uma cidade-floresta.
Não só o Rio contém o Parque Nacional da Tijuca como é contido por ele. São inúmeros saberes muito úteis para um planeta quente. Priorizar a arborização urbana como infraestrutura essencial assim como água e esgoto. Inovar no tratamento das favelas como bairros ecológicos. Acessar a natureza como parte da experiência da vida na cidade.
O’Brazil, ou Hy’Brazil, é um mito gaélico. As Ilhas Afortunadas, ou Ilha do Brasil, narradas por São Brandão, navegador-santo irlandês do século V, ficariam no Atlântico Norte e seriam um Éden terreno. O isolamento da Irlanda durante o obscurantismo da Idade Média permitiu-lhe proteger e passar conhecimentos adiante. Tal lenda, como conhecimento empírico, ajudaria a impulsionar a Europa às navegações. Iria também ajudar a batizar o pau-brasil. Poderiam um país-árvore e uma cidade-floresta impulsionar seus saberes?
Washington Fajardo
A era da informação nos revela a onipresença vacilante do personagem de John Travolta em “Pulp Fiction” ou a frequente aparição do descomunal membro sexual de um homem negro de chapéu como relevantes. Mas podemos também, com poucos cliques, rever a bela abertura dos Jogos de 2016. Sugiro, portanto, ao leitor que deixe um pouco de lado tais informações “pop”, ou poop, e mire novamente seu olhar para aquela ocasião no distante 2016.
Naquela abertura colocamos em bilhões de telas do mundo uma coincidência que raramente acessamos como fenômeno disruptivo e transformador: nosso país, Brasil, é o único do mundo batizado com o nome de uma árvore, o pau-brasil.
Pode parecer anedótico, e quanto mais nos deixamos deprimir pelo conhecimento de como defendem os interesses pátrios, políticos e empresários, mais vulgarizamos a palavra Brasil.
Açúde Solidão (Floresta da Tijuca) |
O tronco da árvore de pau-brasil (Paubrasilia echinata) fornecia um corante vermelho “brasa”, a brasileína, importante tanto para as tintas para escrita quanto, e principalmente, para o tingimento de sedas e veludos tão apreciados pelas cortes europeias.
Assim, o corante sanguíneo da árvore tropical cobria os corpos das monarquias europeias. Essa é uma leitura. A beleza de uma cor ímpar seduzia, abrindo o campo do desejo e do intelecto, ampliando os mundos exteriores e íntimos de uma sociedade envelhecida. Também é uma leitura possível. A brasileína, como meio, também era mensagem, nos ensinou Marshall McLuhan.
O entendimento das mudanças climáticas como anedotas da internet, como quer fazer parecer a nova elite mundial, tem naquela cerimônia dos Jogos Olímpicos do Rio uma contramanifestação global. Há um vazio de saber que precisa ser preenchido com uma nova inteligência planetária, mais amorosa com a Terra. Consigamos nós, brasileiros, mirar nosso olhar para novas cores, mesmo diante das cabeças sem corpos que ocupam posições de autoridade, e poderemos sentar à mesa do mundo e falar de árvores.
Outro Vale do Silício necessário é o Vale Silvícola, a surgir no Brasil, onde a Embrapa pode ser uma nova Apple. Quanto falta para termos políticos da estatura de uma sumaúma?
Pensar o arco temporal de um século é muito difícil numa economia de juros altos. O que torna difícil demonstrar a agenda urbana como urgente para o país, pois cidades são organizações lentas. Priorizar as economias que podemos gerar e compartilhar no território urbano é dar valor estratégico a uma escala que não é menor, mas estrutural para o estabelecimento de um ciclo econômico sustentável e mais pleno de cidadania, onde possamos conjugar o binômio natureza-cidade como conhecimento de que o planeta precisa e que dominamos intimamente.
O reconhecimento como Patrimônio da Humanidade para a Paisagem Cultural do Rio de Janeiro não é um título erudito de burocratas globais, é uma grande vitória geopolítica onde, após dez anos de candidatura, em esforço público e privado, propusemos uma outra perspectiva urbana. A cacofonia do ambiente urbano carioca revelaria uma ordem mais complexa, fruto do esforço de erguer uma grande cidade tropical em dança com a natureza. Amplia-se a história do urbanismo, pois uma nova relação descortina-se, onde não há natureza subjugada, tal qual numa cidade-jardim, mas um baile. A floresta usada inicialmente para fins econômicos e científicos, com o tempo, converte-se em campo poético. No Rio, a preservação, através das continuadas políticas de patrimônio cultural, promoveu uma singularidade urbanística, uma cidade-floresta.
Não só o Rio contém o Parque Nacional da Tijuca como é contido por ele. São inúmeros saberes muito úteis para um planeta quente. Priorizar a arborização urbana como infraestrutura essencial assim como água e esgoto. Inovar no tratamento das favelas como bairros ecológicos. Acessar a natureza como parte da experiência da vida na cidade.
O’Brazil, ou Hy’Brazil, é um mito gaélico. As Ilhas Afortunadas, ou Ilha do Brasil, narradas por São Brandão, navegador-santo irlandês do século V, ficariam no Atlântico Norte e seriam um Éden terreno. O isolamento da Irlanda durante o obscurantismo da Idade Média permitiu-lhe proteger e passar conhecimentos adiante. Tal lenda, como conhecimento empírico, ajudaria a impulsionar a Europa às navegações. Iria também ajudar a batizar o pau-brasil. Poderiam um país-árvore e uma cidade-floresta impulsionar seus saberes?
Washington Fajardo
Regra no presídio
Há algo mais de muito errado no sistema prisional. Talvez uma espécie de acordo tácito entre autoridades carcerárias e os chefões do tráfico para manter a paz nos presídios e fora deles, desde quando o PCC tocou o terror em São Paulo, o que só serve para permitir que as quadrilhas se fortaleçam ainda mais.
Essa parece ser uma espécie de regra do jogo, na qual os traficantes, e não as autoridades, estabelecem o próprio código de conduta. É aí que está o maior dos problemasLuiz Carlos Azedo
Lava Jato não está em risco! Isso é terrorismo mixuruca
Desde que a Operação Lava jato existe, vamos ser claros, dizem estar ela em risco, não é mesmo? Vocês já perceberam ser essa a principal peça de marketing dos seus integrantes? Se alguém propõe um lei contra abuso de autoridade, grita-se: “Lava Jato em risco!”. E a imprensa ecoa: “risco, isco, isco, isco…”. Se alguém critica propostas fascistoides do Ministério Público Federal, grita-se: “Lava Jato em risco!”. E a imprensa ecoa: “risco, isco, isco…”. Parte do jornalismo virou mero repetidor de uma espécie de lobby que entende ser “do bem”.
Eis que leio os jornais e os principais portais e, ora vejam, dada a morte trágica de Teori Zavascki, o que temos? Grita-se: “A Lava Jato está em risco”. E a imprensa, bem…, “isco, isco, isco”. Leio no Estadão que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou na Suíça que a operação “está em jogo”.
Como é que é?
Então morre um ministro do Supremo, o que, sem dúvida, é lamentável, e se parte do princípio de que isso pode ameaçar a operação? Ameaçar por quê? Então não há procedimentos institucionais no Brasil? Então as decisões não são tomadas segundo a prescrição e a disciplina legais? Então somos mesmo uma republiqueta de bananas, onde o estado de direito depende do voluntarismo deste ou daquele?
Teori era, sem dúvida, um nome adequado para a relatoria do petrolão em razão do perfil. Mostrava-se um homem desapaixonado de abstrações. Nunca se viu nele a centelha da ideologia. Ao contrário: brinquei certa feita que havia nele um quê de burocrata búlgaro. Coibiu excessos, deixou passar outros tantos, errou, acertou… Como todo mundo.
Lamento profundamente a sua morte porque, em primeiro lugar, há a dimensão humana da tragédia, que não pode ser ignorada. Mas lastimo também que se perca, vá lá, uma parcela importante de comedimento e racionalidade fria. Acho que isso sempre há de fazer falta quando estamos a falar dessa operação. Vimos nesta quinta, por exemplo, um delegado da força-tarefa a falar bobagem pelos cotovelos…
Mas é preciso que certos setores parem com essa Síndrome do Coelho do Bambi! A qualquer evento que lhes desagrada ou os assusta, lá vem a gritaria: “ A Lava Jato está em risco! A Lava Jato está em jogo!”.
Fogo, fogo na floresta!
Sergio Moro, o juiz, numa manifestação pública que é menos de apreço por Teori do que de desapreço pelo Supremo, diz que a operação não teria existido sem o ministro. Ora, tenham a santa paciência! Algumas almas sirigaitas que andam por aí aproveitam para erigir o cadáver em mártir de uma grande conspiração, embora, até anteontem, acusassem o ministro de ser o principal responsável por Lula ainda estar solto. A suposição era que ele havia manobrado para isso. Antes, ele era o conspirador. Agora que está morto, é vítima da conspiração. Que gente mixuruca! Que gente patética! Que gente sem-vergonha!
O espetáculo é grotesco. O ministro, de resto, não apanhou menos quando passou a fazer parte do julgamento do mensalão. Sim, eu também o critiquei algumas vezes — críticas que mantenho, porque diziam respeito aos votos que proferia, não à pessoa do magistrado.
É evidente que lamento profundamente a morte de Teori também em razão dos desdobramentos políticos, que já começam a mostrar a fuça…
Risco da Lava Jato? Qual risco?
Não gosto de conversa oblíqua. Nunca gostei. Vamos ser claros? Janot, Moro, o delegado Adriano Anselmo estão é ocupando posições no tabuleiro político. Para quê? Para deixar claro que é bom que o futuro relator da Lava Jato seja um fiel servidor de suas respectivas vontades. Ou eles começam a gritar: “A Lava Jato está em risco…”. E a imprensa vai fazer o de sempre: “isco, isco, isco…”.
O Coelho do Bambi é hoje a personagem mais influente do Brasil. Só que, naquele caso, o incêndio existia…
Eis que leio os jornais e os principais portais e, ora vejam, dada a morte trágica de Teori Zavascki, o que temos? Grita-se: “A Lava Jato está em risco”. E a imprensa, bem…, “isco, isco, isco”. Leio no Estadão que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou na Suíça que a operação “está em jogo”.
Como é que é?
Então morre um ministro do Supremo, o que, sem dúvida, é lamentável, e se parte do princípio de que isso pode ameaçar a operação? Ameaçar por quê? Então não há procedimentos institucionais no Brasil? Então as decisões não são tomadas segundo a prescrição e a disciplina legais? Então somos mesmo uma republiqueta de bananas, onde o estado de direito depende do voluntarismo deste ou daquele?
Lamento profundamente a sua morte porque, em primeiro lugar, há a dimensão humana da tragédia, que não pode ser ignorada. Mas lastimo também que se perca, vá lá, uma parcela importante de comedimento e racionalidade fria. Acho que isso sempre há de fazer falta quando estamos a falar dessa operação. Vimos nesta quinta, por exemplo, um delegado da força-tarefa a falar bobagem pelos cotovelos…
Mas é preciso que certos setores parem com essa Síndrome do Coelho do Bambi! A qualquer evento que lhes desagrada ou os assusta, lá vem a gritaria: “ A Lava Jato está em risco! A Lava Jato está em jogo!”.
Fogo, fogo na floresta!
Sergio Moro, o juiz, numa manifestação pública que é menos de apreço por Teori do que de desapreço pelo Supremo, diz que a operação não teria existido sem o ministro. Ora, tenham a santa paciência! Algumas almas sirigaitas que andam por aí aproveitam para erigir o cadáver em mártir de uma grande conspiração, embora, até anteontem, acusassem o ministro de ser o principal responsável por Lula ainda estar solto. A suposição era que ele havia manobrado para isso. Antes, ele era o conspirador. Agora que está morto, é vítima da conspiração. Que gente mixuruca! Que gente patética! Que gente sem-vergonha!
O espetáculo é grotesco. O ministro, de resto, não apanhou menos quando passou a fazer parte do julgamento do mensalão. Sim, eu também o critiquei algumas vezes — críticas que mantenho, porque diziam respeito aos votos que proferia, não à pessoa do magistrado.
É evidente que lamento profundamente a morte de Teori também em razão dos desdobramentos políticos, que já começam a mostrar a fuça…
Risco da Lava Jato? Qual risco?
Não gosto de conversa oblíqua. Nunca gostei. Vamos ser claros? Janot, Moro, o delegado Adriano Anselmo estão é ocupando posições no tabuleiro político. Para quê? Para deixar claro que é bom que o futuro relator da Lava Jato seja um fiel servidor de suas respectivas vontades. Ou eles começam a gritar: “A Lava Jato está em risco…”. E a imprensa vai fazer o de sempre: “isco, isco, isco…”.
O Coelho do Bambi é hoje a personagem mais influente do Brasil. Só que, naquele caso, o incêndio existia…
A rota da lesma
Dizem os historiadores que por volta do ano 200 a.C. surgiu uma certa "Rota da Seda", conectando a China à Europa. Dir-se-ia tratar-se de uma mera via comercial. Nada mais falso. Naqueles distantes dias por ela sacolejavam, sobre o lombo dos camelos, muito mais que mercadorias - ia, antes e acima de tudo, o embrião do que hoje denominamos "aldeia global".
Uns bons dois mil anos se passaram - mas a visão daqueles intrépidos mercadores cruzando desertos e montanhas geladas permanece viva, inspirando um mundo cujo potencial ainda fascina a realidade.
Fiquei a pensar nisso há poucos dias, quando do lançamento de um serviço ferroviário ligando Yiwu, na China, a Londres, no Reino Unido - ao fim do cabo, a atualização de uma ideia milenar.
Economizando metade do tempo, quando comparado com o transporte marítimo, e custando a metade do preço do frete aéreo, os trens percorrem 12.000 km, atravessando sete países em 18 dias - Casaquistão, Rússia, Belarus, Polônia, Alemanha, Bélgica e França. Calculou-se que o volume de mercadorias transportados por esta rota alcance a fabulosa cifra de US$ 2,5 trilhões ao longo da próxima década.
Registre-se, ainda, que este serviço complementa dois outros, já em plena operação, que ligam a China à Alemanha e à Espanha.
Anunciou-se, paralelamente, a expansão da parte chinesa deste fabuloso sistema ferroviário. Serão US$ 503 bilhões investidos até 2020, de forma a que 80% das maiores cidades da China sejam interligadas por uns 30 mil km de ferrovias de alta velocidade.
Enquanto isso, em um vergonhoso contraste, 70% de nossas cargas são transportadas em sangrentos matadouros, digo, rodovias caríssimas, no lombo de milhares de caminhões adquiridos a peso de ouro de empresas transnacionais aqui instaladas. Dos 29.798 km de ferrovias que o Brasil tem, uns 10 mil foram construídos por Dom Pedro II. Para completar, 7 mil km de nossas ferrovias estão desativados, e uns 40% do restante em péssimo estado. Por conta de tal estado de coisas, a velocidade média dos nossos trens gira em torno de 20 km/h. Quem ganha com isso? Aliás, por qual motivo este gravíssimo problema nacional é tão pouco discutido?
Pois é. Do outro lado do mundo, uma pujante e moderna Rota da Seda. E aqui, em um país infinitamente mais rico, a humilhante "Rota da Lesma"...
Pedro Valls Feu Rosa
Uns bons dois mil anos se passaram - mas a visão daqueles intrépidos mercadores cruzando desertos e montanhas geladas permanece viva, inspirando um mundo cujo potencial ainda fascina a realidade.
Fiquei a pensar nisso há poucos dias, quando do lançamento de um serviço ferroviário ligando Yiwu, na China, a Londres, no Reino Unido - ao fim do cabo, a atualização de uma ideia milenar.
Economizando metade do tempo, quando comparado com o transporte marítimo, e custando a metade do preço do frete aéreo, os trens percorrem 12.000 km, atravessando sete países em 18 dias - Casaquistão, Rússia, Belarus, Polônia, Alemanha, Bélgica e França. Calculou-se que o volume de mercadorias transportados por esta rota alcance a fabulosa cifra de US$ 2,5 trilhões ao longo da próxima década.
Registre-se, ainda, que este serviço complementa dois outros, já em plena operação, que ligam a China à Alemanha e à Espanha.
Anunciou-se, paralelamente, a expansão da parte chinesa deste fabuloso sistema ferroviário. Serão US$ 503 bilhões investidos até 2020, de forma a que 80% das maiores cidades da China sejam interligadas por uns 30 mil km de ferrovias de alta velocidade.
Enquanto isso, em um vergonhoso contraste, 70% de nossas cargas são transportadas em sangrentos matadouros, digo, rodovias caríssimas, no lombo de milhares de caminhões adquiridos a peso de ouro de empresas transnacionais aqui instaladas. Dos 29.798 km de ferrovias que o Brasil tem, uns 10 mil foram construídos por Dom Pedro II. Para completar, 7 mil km de nossas ferrovias estão desativados, e uns 40% do restante em péssimo estado. Por conta de tal estado de coisas, a velocidade média dos nossos trens gira em torno de 20 km/h. Quem ganha com isso? Aliás, por qual motivo este gravíssimo problema nacional é tão pouco discutido?
Pois é. Do outro lado do mundo, uma pujante e moderna Rota da Seda. E aqui, em um país infinitamente mais rico, a humilhante "Rota da Lesma"...
Pedro Valls Feu Rosa
Abandono da escola e a imersão no crime
A educação nunca foi prioridade no Brasil. O colonizador português restringia a abertura de escolas porque considerava povo instruído um risco a seu domínio. Essa postura foi mantida, após a Independência, sem manifestações explícitas porque era importante camuflar as estratégias de preservação das formas mais iníquas de subordinação de alguns em benefício da classe dominante. Assim, desde a Constituição de 1824, prescreve-se a obrigatoriedade do ensino básico para todas as crianças, mas os investimentos estiveram sempre aquém das necessidades, e nunca há (...) um discurso consistente quanto à relevância da escolarização universal para integração plena de cada cidadão ao mundo moderno. Muitas famílias exigem que os filhos façam curso superior, mas financiam fraudes para que eles se deem bem nas avaliações, sem se preocuparem com os índices de aprendizagem, desde que a diplomação esteja garantida. Surgem, então, mensagens subliminares, depreciando a educação como caminho consistente para a qualificação profissional.
Nas classes subalternas, isso se torna mais dramático, contribuindo para a marginalização dos jovens desses segmentos, porque há mais obstáculos para frequentar a escola e eles não têm experiências compatíveis para a imersão no universo das letras, da ciência e das artes. Seu cotidiano é sempre repleto de dificuldades, que incluem trabalho desde a infância, carência material, desnutrição e deslocamento para o colégio, no campo ou na cidade grande.
O baixo prestígio da educação tem condicionado a péssima rede de ensino, que inclui a precariedade da infraestrutura e o corpo docente desmotivado. As atividades são, então, pouco atraentes, desestimulando os pais a exigir dos filhos dedicação aos estudos, enquanto os imaturos não reconhecem a relevância da instrução para sua vida. Tudo soa como um mundo indecifrável e sem aplicabilidade em seu cotidiano miserável. Logo, as crianças perdem o interesse nas aulas em instituições públicas, interrompendo a formação que lhes garantiria a participação efetiva na sociedade urbano-industrial. Procuram, então, trabalho para ganhar seu sustento, mas encontram apenas atribuições inferiores; portanto, malremuneradas. Ficam, ao mesmo tempo, acessíveis ao recrutamento por gangues que instalaram o terror no país. Elas assumem, primeiro, funções auxiliares, mas vão, em seguida, para as mais complexas, sempre expostas à violência como agentes ou alvos.
As rebeliões nos presídios vêm escancarando a superlotação e a demanda crescente por vagas. Isso mostra que a raiz do problema é a marginalização das novas gerações porque não frequentaram a escola ou não se adaptaram às atividades e aos objetivos de qualificação profissional, que as levariam à inserção no mercado de trabalho. A irresponsabilidade dos governantes em manter uma rede escolar insuficiente, ineficiente e descomprometida com o futuro dos brasileirinhos está, portanto, escancarada. Resta saber até quando.
Nas classes subalternas, isso se torna mais dramático, contribuindo para a marginalização dos jovens desses segmentos, porque há mais obstáculos para frequentar a escola e eles não têm experiências compatíveis para a imersão no universo das letras, da ciência e das artes. Seu cotidiano é sempre repleto de dificuldades, que incluem trabalho desde a infância, carência material, desnutrição e deslocamento para o colégio, no campo ou na cidade grande.
As rebeliões nos presídios vêm escancarando a superlotação e a demanda crescente por vagas. Isso mostra que a raiz do problema é a marginalização das novas gerações porque não frequentaram a escola ou não se adaptaram às atividades e aos objetivos de qualificação profissional, que as levariam à inserção no mercado de trabalho. A irresponsabilidade dos governantes em manter uma rede escolar insuficiente, ineficiente e descomprometida com o futuro dos brasileirinhos está, portanto, escancarada. Resta saber até quando.
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