quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Emendas dominam a política com mais de R$ 80 mi por dia
Em 1º de fevereiro o comando do Congresso será trocado e muito provavelmente Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) vão assumir as cadeiras de presidente da Câmara e do Senado, respectivamente.
Toda renovação pressupõe alguma esperança de mudança, mas sempre há exceções.
Motta deve ser o mais jovem presidente da Câmara da história —ele tem 35 anos—, mas já está em seu quarto mandato na Câmara e chega ao cargo pelas mãos de Arthur Lira (PP-AL), o atual ocupante do posto. Alcolumbre volta ao cargo que ocupou de 2019 a 2021 e após emplacar em seu lugar o hoje presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Retomando ao segundo parágrafo desse texto, então, nada indica sinais de renovação. Isso apesar de haver um modelo que exigira uma ampla rediscussão de seu formato e volume. As conhecidas emendas parlamentares.
Reportagem de Mateus Vargas mostrou que de 2020 a 2024 os 594 deputados federais e senadores destinaram 150 bilhões de verbas federais para obras e investimentos em seus redutos eleitorais. Isso representa uma média de mais de R$ 80 milhões por dia, todos os dias. Úteis, sábados, domingos, dias santos, feriados.
Os valores se quadruplicaram em relação a igual período anterior, o que transformou a maior parte dos parlamentares em vereadores de luxo cujos mandatos são consumidos em sua quase totalidade na gerência da bolada com ministérios, prefeituras e lobistas.
As emendas assumiram nos últimos anos o protagonismo do dia a dia do Congresso.
É impressionante que o modelo tenha atingido essa magnitude, consumindo cerca de 20% das despesas discricionárias do governo federal. Mais impressionante é a transparência ausente ou precária, além das incontáveis suspeitas de corrupção.
Motta e Alcolumbre não dão qualquer sinal de mudança e mesmo que tivessem tal disposição, seria improvável obterem algum apoio no "chão de fábrica".
Fevereiro, que poderia trazer ventos de mudança, tende a trazer os mesmos ventos de sempre —dessa vez, a renovada ameaça de retaliação ao governo, que na visão do mundo legislativo, está por trás das decisões trava-emendas do ministro do STF Flávio Dino
Toda renovação pressupõe alguma esperança de mudança, mas sempre há exceções.
Motta deve ser o mais jovem presidente da Câmara da história —ele tem 35 anos—, mas já está em seu quarto mandato na Câmara e chega ao cargo pelas mãos de Arthur Lira (PP-AL), o atual ocupante do posto. Alcolumbre volta ao cargo que ocupou de 2019 a 2021 e após emplacar em seu lugar o hoje presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Retomando ao segundo parágrafo desse texto, então, nada indica sinais de renovação. Isso apesar de haver um modelo que exigira uma ampla rediscussão de seu formato e volume. As conhecidas emendas parlamentares.
Reportagem de Mateus Vargas mostrou que de 2020 a 2024 os 594 deputados federais e senadores destinaram 150 bilhões de verbas federais para obras e investimentos em seus redutos eleitorais. Isso representa uma média de mais de R$ 80 milhões por dia, todos os dias. Úteis, sábados, domingos, dias santos, feriados.
Os valores se quadruplicaram em relação a igual período anterior, o que transformou a maior parte dos parlamentares em vereadores de luxo cujos mandatos são consumidos em sua quase totalidade na gerência da bolada com ministérios, prefeituras e lobistas.
As emendas assumiram nos últimos anos o protagonismo do dia a dia do Congresso.
É impressionante que o modelo tenha atingido essa magnitude, consumindo cerca de 20% das despesas discricionárias do governo federal. Mais impressionante é a transparência ausente ou precária, além das incontáveis suspeitas de corrupção.
Motta e Alcolumbre não dão qualquer sinal de mudança e mesmo que tivessem tal disposição, seria improvável obterem algum apoio no "chão de fábrica".
Fevereiro, que poderia trazer ventos de mudança, tende a trazer os mesmos ventos de sempre —dessa vez, a renovada ameaça de retaliação ao governo, que na visão do mundo legislativo, está por trás das decisões trava-emendas do ministro do STF Flávio Dino
Abrindo as janelas de um novo tempo
Volto, depois de alguns dias de descanso, com muitas dúvidas e um pouco de esperança. Hora de grande reflexão: tenho cumprido o meu dever neste 2025 que ainda não mostrou a cara? Como viverá o planeta com um Donald Trump se fazendo de imperador, ameaçando anexar o Canadá, tornando-o o 52º Estado americano e, mais, querendo comprar a Groenlândia? Quem vai dirigir o país da maior democracia ocidental, a partir de 20 de janeiro próximo, é um bilionário que ameaça o planeta com ideias estapafúrdias. A Europa vai suportar isso? China e Rússia, o que farão para impedir essa ambição? As guerras entre Ucrânia e Rússia terão um fim? Israel continuará a reagir contra seus inimigos no Oriente Médio? A faixa de Gaza continuará a ser alvo de bombardeios? E os países da América Latina seguirão na curva da direita ou da esquerda?
As interrogações ganham volume. Tempos de turbulência, novos ciclos de medo e de paisagens mortuárias nos aguardam. A par das tensões que viveremos nesse segundo tempo do governo Lula III, quando o jogo da economia, apitado pelo árbitro Fernando Haddad, será disputado entre os times da gastança e da poupança. A vereda por onde devemos passar é estreita, daí o esforço para não sermos engolidos pela batalha que se travará na arena econômica. Os grupos internacionais já estão pulando fora do nosso chão, temerosos de verem seus volumosos investimentos escorregarem nas mãos inábeis dos nossos financistas.
Querem um conselho? Vamos a ele: não gastem mais do que devem poupar. Saibam administrar quando e como abrir o cofre. Sob a lembrança de que Sua Excelência, Luiz Inácio, prometeu, quando se assentou na cadeira central do Planalto pela terceira vez, realizar o melhor governo de toda a história republicana. Olhe o tempo, senhor presidente. A partida está no 52º minuto.
Mãos à obra. Ao lado da prudência na escolha de novos integrantes do seu Ministério, urge, presidente Lula da Silva, adotar a virtude da moderação, tão importante nesses tempos agressivos que estamos presenciando. Sabe-se que o senhor desconfia muito dos conselhos que chegam aos seus ouvidos. Mas abandone, paulatinamente, o tom palanqueiro e evite usar imagens que tendem a causar polêmica, como esta dos homens brasileiros que preferem amantes às esposas. Claro, sua intenção não foi a de enaltecer o adultério, mas a índole nacional levou o caso para o foro da fofoca. Não exagere, não rompa os limites de sua autoridade, desfrute livremente de sua linguagem, mas contente-se com o estritamente necessário, sem arroubos e extravagâncias que acabam roubando o estoque de bom senso. A intemperança, dizia Montaigne, é “a peste da volúpia”.
Evite, ainda, cair na sela da pavonice, muito comum nos tempos de desfiles canhestros para chamar a atenção de espectadores e ouvintes. Os idos de Luís XIV, que desfilava em Versailles em seu cavalo branco adornado de diamantes, já se foram. O Brasil de 2003 até que propiciava momentos de Estado-Espetáculo, onde o ator principal podia desfilar vaidades e virtudes. O senhor, afinal de contas, subiu ao cume da montanha, trilhando um tortuoso caminho, que começou na base da pirâmide. E os brasileiros ansiavam vê-lo como se comportaria no comando do transatlântico nacional.
Seu estilo de governar, de falar e se comportar foi bem observado pela plebe e pelas elites. Até 2011. Oito anos e oito dias. O Brasil de hoje é outro, mesmo continuando com as amarras do passado. Dessas observações, sai mais uma sugestão. Tenha cuidado com a imagem plástica que o “novo comunicador” do Lula III, Sidônio Palmeira, tentará construir. Publicizar em demasia um ente público, seja um indivíduo, seja uma organização, é construir um castelo na areia.
Atente, também, para o valor da humildade, que ganhou de André Comte-Sponville, filósofo francês, a definição: “a humildade é a virtude do homem que sabe não ser Deus”.
Tempos de dureza, de polarização intensa e continuada entre seus exércitos e os de seu opositor, um capitão que nunca foi bem-visto nas Forças Armadas, tempos de ódio, com a arena cheia de opostos se matando. É hora de criar um contraponto à desdita. Procure viver de modo mais leve, suave, evitando rompantes, atitudes tresloucadas, viagens longas. Cuide de sua saúde.
E não menospreze o vozeirão do imperador global, que já fez uma ameaça, mesmo leve, ao Brasil. O senhor Donald quer o trono do planeta. Seja justo. E o leme do Itamarati deve seguir os ajustes sob a égide do pragmatismo.
“Ainda estamos aqui”, disse o senhor, em sua fala por ocasião do evento que lembrou dois anos da barbárie que assolou os Três Poderes, em Brasília. Temos que comemorar com orgulho a espetacular performance de nossa atriz Fernanda Torres, no magistral filme de Walter Salles sobre a vida do ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva. Esse filme é um pilar de conscientização para bloquear a tirania.
Viva!
Em suma, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, busque se guiar pela deusa de olhos tapados, Têmis, aquela que o senhor avista de sua sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, e que é desenhada com uma balança e dois pratos em equilíbrio, que apontam para o estado da ordem e da igualdade. Ao seu lado, o senhor tem uma conselheira. E parceira. A primeira-dama, Janja, é, pelo que se intui, uma luz que ilumina seus passos.
Não se deixe envolver pelas doses de ódio que continuam a emergir nas ondas de intensa polarização política. Nietzsche anunciava: “o que fazemos por amor se consuma além do bem e do mal”.
As interrogações ganham volume. Tempos de turbulência, novos ciclos de medo e de paisagens mortuárias nos aguardam. A par das tensões que viveremos nesse segundo tempo do governo Lula III, quando o jogo da economia, apitado pelo árbitro Fernando Haddad, será disputado entre os times da gastança e da poupança. A vereda por onde devemos passar é estreita, daí o esforço para não sermos engolidos pela batalha que se travará na arena econômica. Os grupos internacionais já estão pulando fora do nosso chão, temerosos de verem seus volumosos investimentos escorregarem nas mãos inábeis dos nossos financistas.
Querem um conselho? Vamos a ele: não gastem mais do que devem poupar. Saibam administrar quando e como abrir o cofre. Sob a lembrança de que Sua Excelência, Luiz Inácio, prometeu, quando se assentou na cadeira central do Planalto pela terceira vez, realizar o melhor governo de toda a história republicana. Olhe o tempo, senhor presidente. A partida está no 52º minuto.
Mãos à obra. Ao lado da prudência na escolha de novos integrantes do seu Ministério, urge, presidente Lula da Silva, adotar a virtude da moderação, tão importante nesses tempos agressivos que estamos presenciando. Sabe-se que o senhor desconfia muito dos conselhos que chegam aos seus ouvidos. Mas abandone, paulatinamente, o tom palanqueiro e evite usar imagens que tendem a causar polêmica, como esta dos homens brasileiros que preferem amantes às esposas. Claro, sua intenção não foi a de enaltecer o adultério, mas a índole nacional levou o caso para o foro da fofoca. Não exagere, não rompa os limites de sua autoridade, desfrute livremente de sua linguagem, mas contente-se com o estritamente necessário, sem arroubos e extravagâncias que acabam roubando o estoque de bom senso. A intemperança, dizia Montaigne, é “a peste da volúpia”.
Evite, ainda, cair na sela da pavonice, muito comum nos tempos de desfiles canhestros para chamar a atenção de espectadores e ouvintes. Os idos de Luís XIV, que desfilava em Versailles em seu cavalo branco adornado de diamantes, já se foram. O Brasil de 2003 até que propiciava momentos de Estado-Espetáculo, onde o ator principal podia desfilar vaidades e virtudes. O senhor, afinal de contas, subiu ao cume da montanha, trilhando um tortuoso caminho, que começou na base da pirâmide. E os brasileiros ansiavam vê-lo como se comportaria no comando do transatlântico nacional.
Seu estilo de governar, de falar e se comportar foi bem observado pela plebe e pelas elites. Até 2011. Oito anos e oito dias. O Brasil de hoje é outro, mesmo continuando com as amarras do passado. Dessas observações, sai mais uma sugestão. Tenha cuidado com a imagem plástica que o “novo comunicador” do Lula III, Sidônio Palmeira, tentará construir. Publicizar em demasia um ente público, seja um indivíduo, seja uma organização, é construir um castelo na areia.
Atente, também, para o valor da humildade, que ganhou de André Comte-Sponville, filósofo francês, a definição: “a humildade é a virtude do homem que sabe não ser Deus”.
Tempos de dureza, de polarização intensa e continuada entre seus exércitos e os de seu opositor, um capitão que nunca foi bem-visto nas Forças Armadas, tempos de ódio, com a arena cheia de opostos se matando. É hora de criar um contraponto à desdita. Procure viver de modo mais leve, suave, evitando rompantes, atitudes tresloucadas, viagens longas. Cuide de sua saúde.
E não menospreze o vozeirão do imperador global, que já fez uma ameaça, mesmo leve, ao Brasil. O senhor Donald quer o trono do planeta. Seja justo. E o leme do Itamarati deve seguir os ajustes sob a égide do pragmatismo.
“Ainda estamos aqui”, disse o senhor, em sua fala por ocasião do evento que lembrou dois anos da barbárie que assolou os Três Poderes, em Brasília. Temos que comemorar com orgulho a espetacular performance de nossa atriz Fernanda Torres, no magistral filme de Walter Salles sobre a vida do ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva. Esse filme é um pilar de conscientização para bloquear a tirania.
Viva!
Em suma, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, busque se guiar pela deusa de olhos tapados, Têmis, aquela que o senhor avista de sua sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, e que é desenhada com uma balança e dois pratos em equilíbrio, que apontam para o estado da ordem e da igualdade. Ao seu lado, o senhor tem uma conselheira. E parceira. A primeira-dama, Janja, é, pelo que se intui, uma luz que ilumina seus passos.
Não se deixe envolver pelas doses de ódio que continuam a emergir nas ondas de intensa polarização política. Nietzsche anunciava: “o que fazemos por amor se consuma além do bem e do mal”.
O Grande Ruído
Nada há de mais ruidoso - e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a política.
Eça de Queirós
Eles continuam aqui
No evento para lembrar o 8 de janeiro, o presidente Lula disse "nós, democratas, ainda estamos aqui", mas depois de 40 anos de democracia, eles, os golpistas, também estão aqui: tanto militares que ameaçam de fora, quanto civis que enfraquecem a democracia por dentro. Apesar de nada ter a ver com os crimes do passado, a atual geração de militares ainda tem sintonia com aqueles que sequestraram Rubens Paiva. Mais ameaçador que isso, a maioria dos parlamentares não parece ter sintonia com os líderes que lutaram contra a ditadura desejando construir um futuro democrático para o país, os parlamentares de hoje apodrecem a democracia.
Ao assistir a Fernanda Torres recebendo o prêmio de melhor atriz do ano no Golden Globe, vi Eunice e milhares de outras mulheres que passaram pelo que ela sofreu: maridos, filhos, irmãos e amigos desaparecidos. Lembrei de Dilma Rousseff e Miriam Leitão e de centenas de mulheres que sofreram elas próprias prisão e tortura. Vi milhares de homens e mulheres que sofreram durante a brutalidade ditatorial. Lembrei também dos milhões que não perderam a vida, nem foram presos, mas atravessaram 21 anos da história sem participação democrática, sem ver o país caminhar na direção do desenvolvimento rico, justo, sustentável, distribuído, livre. Mas também lembrei que já temos duas vezes mais tempo de democracia do que tivemos de ditadura e ainda não enfrentamos as questões fundamentais para a construção do Brasil que queremos e nosso potencial permite.
Não enfrentamos a questão militar: nossos soldados ainda aprendem que nada daquilo ocorreu, ou o que ocorreu teria sido necessário para salvar o país e que é sua obrigação patriótica, se necessário, recusar resultados das urnas de eleitores equivocados ao escolherem líderes políticos incompatíveis ou corruptos. Foi esse aprendizado que fez com que, por pouco, não tivéssemos tido em 2023 outro golpe, repetindo 1964. Mas a questão militar não é a única nem a mais forte ameaça à democracia: nossos políticos civis e partidos não estão sendo instrumento de consolidação da democracia.
Imaginei o que Rubens Paiva e todos os outros milhares de lutadores que deram a vida pensariam se assistissem como funciona hoje o democrático Congresso Nacional, sem tutela militar, mas usando dezenas de bilhões de reais do dinheiro público para atender a volúpia por voto ou mesmo por aumento da fortuna pessoal. O que pensariam ao ter dado a vida por uma democracia que, no lugar de eliminar, ampliou privilégios, mordomias, vantagens; aumentou a extensão, o tamanho e a tolerância com a corrupção, ao ponto de a honestidade passar a ser motivo de galhofa.
Foi importante acabar com a censura que impedia escrever e publicar livremente, mas, depois de quase meio século, a democracia não eliminou a mais absoluta forma de censura que pesa sobre os 10 milhões de brasileiros adultos analfabetos, incapazes até de reconhecer a própria bandeira; aumentamos o número de universitários, mas pouco fizemos para universalizar a educação de base, não construímos um sistema nacional de educação de base com a qualidade e equidade necessárias ao progresso econômico e à justiça social. Foi fundamental abrir as cadeias, mas, para justificar a democracia, é preciso também derrubar os muros dos condomínios. A partir de 1990, reduzimos a penúria com transferências de renda mínima e com o SUS, mas até hoje não definimos uma estratégia para quebrar a obscena concentração de renda e abolir a vergonha do quadro de pobreza. Em 1994, conseguimos construir uma moeda estável, mas até hoje não conseguimos equilibrar nossas contas públicas devido ao corporativismo, ao imediatismo, à demagogia, à irresponsabilidade e à falta de espírito patriótico.
Fernanda Torres e Walter Salles nos despertam para o que sofremos simbolizado no Rubens, o quanto lutamos simbolizado na Eunice e o quanto ainda estamos devendo a eles e a todos os outros que lutaram pela democracia. Eles nos fazem gritar que "ainda estamos aqui", mas não estamos dizendo "para que estamos aqui": porque, para consolidar a democracia política, é preciso consolidar a democracia social. Fernanda nos deslumbra e orgulha, mas também nos alerta e provoca. O presidente Lula deveria convidar os comandantes e cadetes das Forças Armadas para assistirem ao filme Ainda estou aqui no cinema do Palácio do Planalto para superarmos os traumas do passado, mas também convidar aos parlamentares para assistirem a filmes que mostram o Brasil que estamos construindo: sugiro Grande Sertão, de Guel Arraes.
Ao assistir a Fernanda Torres recebendo o prêmio de melhor atriz do ano no Golden Globe, vi Eunice e milhares de outras mulheres que passaram pelo que ela sofreu: maridos, filhos, irmãos e amigos desaparecidos. Lembrei de Dilma Rousseff e Miriam Leitão e de centenas de mulheres que sofreram elas próprias prisão e tortura. Vi milhares de homens e mulheres que sofreram durante a brutalidade ditatorial. Lembrei também dos milhões que não perderam a vida, nem foram presos, mas atravessaram 21 anos da história sem participação democrática, sem ver o país caminhar na direção do desenvolvimento rico, justo, sustentável, distribuído, livre. Mas também lembrei que já temos duas vezes mais tempo de democracia do que tivemos de ditadura e ainda não enfrentamos as questões fundamentais para a construção do Brasil que queremos e nosso potencial permite.
Não enfrentamos a questão militar: nossos soldados ainda aprendem que nada daquilo ocorreu, ou o que ocorreu teria sido necessário para salvar o país e que é sua obrigação patriótica, se necessário, recusar resultados das urnas de eleitores equivocados ao escolherem líderes políticos incompatíveis ou corruptos. Foi esse aprendizado que fez com que, por pouco, não tivéssemos tido em 2023 outro golpe, repetindo 1964. Mas a questão militar não é a única nem a mais forte ameaça à democracia: nossos políticos civis e partidos não estão sendo instrumento de consolidação da democracia.
Imaginei o que Rubens Paiva e todos os outros milhares de lutadores que deram a vida pensariam se assistissem como funciona hoje o democrático Congresso Nacional, sem tutela militar, mas usando dezenas de bilhões de reais do dinheiro público para atender a volúpia por voto ou mesmo por aumento da fortuna pessoal. O que pensariam ao ter dado a vida por uma democracia que, no lugar de eliminar, ampliou privilégios, mordomias, vantagens; aumentou a extensão, o tamanho e a tolerância com a corrupção, ao ponto de a honestidade passar a ser motivo de galhofa.
Foi importante acabar com a censura que impedia escrever e publicar livremente, mas, depois de quase meio século, a democracia não eliminou a mais absoluta forma de censura que pesa sobre os 10 milhões de brasileiros adultos analfabetos, incapazes até de reconhecer a própria bandeira; aumentamos o número de universitários, mas pouco fizemos para universalizar a educação de base, não construímos um sistema nacional de educação de base com a qualidade e equidade necessárias ao progresso econômico e à justiça social. Foi fundamental abrir as cadeias, mas, para justificar a democracia, é preciso também derrubar os muros dos condomínios. A partir de 1990, reduzimos a penúria com transferências de renda mínima e com o SUS, mas até hoje não definimos uma estratégia para quebrar a obscena concentração de renda e abolir a vergonha do quadro de pobreza. Em 1994, conseguimos construir uma moeda estável, mas até hoje não conseguimos equilibrar nossas contas públicas devido ao corporativismo, ao imediatismo, à demagogia, à irresponsabilidade e à falta de espírito patriótico.
Fernanda Torres e Walter Salles nos despertam para o que sofremos simbolizado no Rubens, o quanto lutamos simbolizado na Eunice e o quanto ainda estamos devendo a eles e a todos os outros que lutaram pela democracia. Eles nos fazem gritar que "ainda estamos aqui", mas não estamos dizendo "para que estamos aqui": porque, para consolidar a democracia política, é preciso consolidar a democracia social. Fernanda nos deslumbra e orgulha, mas também nos alerta e provoca. O presidente Lula deveria convidar os comandantes e cadetes das Forças Armadas para assistirem ao filme Ainda estou aqui no cinema do Palácio do Planalto para superarmos os traumas do passado, mas também convidar aos parlamentares para assistirem a filmes que mostram o Brasil que estamos construindo: sugiro Grande Sertão, de Guel Arraes.
Brasil precisa finalmente punir militares golpistas
"Não é maravilhoso que os jovens estejam finalmente descobrindo o que aconteceu na ditadura militar?": uma amiga me mandou essa mensagem comemorando o fato de que, nas redes e nas conversas, os jovens (e boa parte da sociedade brasileira) estão revoltados com os crimes praticados na ditadura militar, período horroroso da história que se seguiu ao golpe de 1964.
Isso acontece por causa do sucesso do filme "Ainda estou aqui", que conta a história da família do engenheiro e deputado federal Rubens Paiva, morto na tortura e "desaparecido" em 1971. O filme, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do engenheiro, e dirigido por Walter Salles, colocou o Brasil cara a cara com a ditadura. Que coisa boa ver todo mundo lembrando do passado e muitos jovens curiosos sobre essa "página infeliz da nossa história".
É extremamente necessário que estejamos olhando para a ditadura e conversando sobre isso. Em quase todas as entrevistas, Marcelo e seus familiares, assim como o elenco do filme, repetem: "É preciso lembrar para que não se repita".
É verdade. E isso nunca foi tão óbvio. O país não rememorou o suficiente, jamais puniu os militares e banalizou a ditadura. E por isso quase sofreu um golpe militar de novo. O plano golpista foi revelado semana passada pela Polícia Federal e mostra que um grupo que incluiria o ex-presidente Jair Bolsonaro teria planejado dar um golpe de Estado no Brasil em dezembro de 2022. Além de tomar o poder por meio da força e dos tanques, segundo o relatório da PF, eles pretendiam assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
A Polícia Federal indiciou Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito e formação de organização criminosa. Dos 37 indiciados, 25 são militares. Entre eles estão Augusto Heleno, general da reserva, que foi capitão na ditadura militar e ministro de Segurança Institucional do governo Bolsonaro, e Walter Braga Netto, também general da reserva e ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro. A mesma operação prendeu preventivamente cinco pessoas. Quatro delas eram militares.
Ou seja, no ano em que todos falam sobre ditadura, soubemos que escapamos por pouco de outro golpe militar ao estilo do de 1964.
Como chegamos a isso? Em parte, porque por muito tempo, os horrores da ditadura foram deixados embaixo do tapete e muitos absurdos foram banalizados. Os militares golpistas e os torturadores de Rubens Paiva (e de muitos outros brasileiros) foram anistiados em 1979 e até hoje seus familiares desfrutam de generosas pensões. Segundo levantamento do portal UOL, só os torturadores de Rubens Paiva ganham cerca de R$ 1,8 milhão por ano de pensão.
Além de não haver punição, os horrores foram totalmente banalizados.
Entre os bolsonaristas mais radicais, virou quase moda usar uma camiseta com o rosto e o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos piores torturadores da ditadura e ex-chefe do DOI-Codi, uma casa dos horrores. Em 2016, na noite do impeachment de Dilma Rousseff (a ex-presidente foi barbaramente torturada na ditadura), Jair Bolsonaro, então deputado federal, dedicou seu voto a "Carlos Alberto Ustra, o terror de Dilma Rousseff". Sim, ele glorificou um torturador e fez piada com a tortura de Dilma em pleno microfone, com transmissão em rede nacional. De novo. E nada aconteceu. Ficou por isso mesmo. Deu no que deu. O fã de torturador queria, segundo a PF, dar um golpe junto com os militares.
E agora? A única alternativa decente para que o país não se torne definitivamente um antro golpista é que todos os envolvidos nos planos antidemocráticos e terroristas paguem criminalmente pelos seus crimes, independentemente de patente, de cargo político que já ocuparam ou do número de seguidores que têm nas redes sociais.
Se isso não acontecer, ficaremos presos para sempre nesse ciclo do horror, onde os governos têm medo de punir os militares e "desagradar as tropas". Como disse Marcelo Rubens Paiva em entrevista para a DW, "nós sempre vivemos nessa espécie de chantagem dos militares contra nós, os civis, que deveriam ser quem manda naqueles que têm armas."
É verdade. Há anos e anos o país vive com medo dos militares e pisando em ovos para que eles "não se chateiem". O Brasil precisa, finalmente, quebrar esse ciclo abusivo. Chega de varrer os crimes dos militares para debaixo do tapete. É preciso lembrar e punir para que o horror não se repita para sempre.
Nina Lemos
Isso acontece por causa do sucesso do filme "Ainda estou aqui", que conta a história da família do engenheiro e deputado federal Rubens Paiva, morto na tortura e "desaparecido" em 1971. O filme, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do engenheiro, e dirigido por Walter Salles, colocou o Brasil cara a cara com a ditadura. Que coisa boa ver todo mundo lembrando do passado e muitos jovens curiosos sobre essa "página infeliz da nossa história".
É extremamente necessário que estejamos olhando para a ditadura e conversando sobre isso. Em quase todas as entrevistas, Marcelo e seus familiares, assim como o elenco do filme, repetem: "É preciso lembrar para que não se repita".
É verdade. E isso nunca foi tão óbvio. O país não rememorou o suficiente, jamais puniu os militares e banalizou a ditadura. E por isso quase sofreu um golpe militar de novo. O plano golpista foi revelado semana passada pela Polícia Federal e mostra que um grupo que incluiria o ex-presidente Jair Bolsonaro teria planejado dar um golpe de Estado no Brasil em dezembro de 2022. Além de tomar o poder por meio da força e dos tanques, segundo o relatório da PF, eles pretendiam assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
A Polícia Federal indiciou Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito e formação de organização criminosa. Dos 37 indiciados, 25 são militares. Entre eles estão Augusto Heleno, general da reserva, que foi capitão na ditadura militar e ministro de Segurança Institucional do governo Bolsonaro, e Walter Braga Netto, também general da reserva e ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro. A mesma operação prendeu preventivamente cinco pessoas. Quatro delas eram militares.
Ou seja, no ano em que todos falam sobre ditadura, soubemos que escapamos por pouco de outro golpe militar ao estilo do de 1964.
Como chegamos a isso? Em parte, porque por muito tempo, os horrores da ditadura foram deixados embaixo do tapete e muitos absurdos foram banalizados. Os militares golpistas e os torturadores de Rubens Paiva (e de muitos outros brasileiros) foram anistiados em 1979 e até hoje seus familiares desfrutam de generosas pensões. Segundo levantamento do portal UOL, só os torturadores de Rubens Paiva ganham cerca de R$ 1,8 milhão por ano de pensão.
Além de não haver punição, os horrores foram totalmente banalizados.
Entre os bolsonaristas mais radicais, virou quase moda usar uma camiseta com o rosto e o nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos piores torturadores da ditadura e ex-chefe do DOI-Codi, uma casa dos horrores. Em 2016, na noite do impeachment de Dilma Rousseff (a ex-presidente foi barbaramente torturada na ditadura), Jair Bolsonaro, então deputado federal, dedicou seu voto a "Carlos Alberto Ustra, o terror de Dilma Rousseff". Sim, ele glorificou um torturador e fez piada com a tortura de Dilma em pleno microfone, com transmissão em rede nacional. De novo. E nada aconteceu. Ficou por isso mesmo. Deu no que deu. O fã de torturador queria, segundo a PF, dar um golpe junto com os militares.
E agora? A única alternativa decente para que o país não se torne definitivamente um antro golpista é que todos os envolvidos nos planos antidemocráticos e terroristas paguem criminalmente pelos seus crimes, independentemente de patente, de cargo político que já ocuparam ou do número de seguidores que têm nas redes sociais.
Se isso não acontecer, ficaremos presos para sempre nesse ciclo do horror, onde os governos têm medo de punir os militares e "desagradar as tropas". Como disse Marcelo Rubens Paiva em entrevista para a DW, "nós sempre vivemos nessa espécie de chantagem dos militares contra nós, os civis, que deveriam ser quem manda naqueles que têm armas."
É verdade. Há anos e anos o país vive com medo dos militares e pisando em ovos para que eles "não se chateiem". O Brasil precisa, finalmente, quebrar esse ciclo abusivo. Chega de varrer os crimes dos militares para debaixo do tapete. É preciso lembrar e punir para que o horror não se repita para sempre.
Nina Lemos
Vamos discutir o Brasil
“Tinha razão aquele velho brasileiro que, escandalizado com a futilidade dos nossos debates políticos, lembrava a conveniência de, ao lado do Congresso Nacional, organizar-se uma comissão permanente de brasileiros de boa vontade, sem outra preocupação que a prosperidade e a grandeza da Pátria, para o fim de estudar e resolver os grandes problemas políticos de nossa terra. O Congresso ficaria para as parolagens inúteis, para os bate-bocas apaixonados, para as exibições teatrais (...).” Nada mais atual do que o comentário publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 23 de novembro de 1935.
Nos dias que correm, a divisão e a polarização da sociedade brasileira dificultam e influenciam a discussão e o debate sobre os múltiplos aspectos das questões nacionais. O foco de debate reproduzido pela mídia tradicional e pela mídia social reflete aspectos importantes da economia, da política, das questões sociais, das questões identitárias, as reformas estruturais, a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, as questões ambientais e de mudança de clima, a violência e a corrupção. São raramente analisados os impactos relacionados com o cenário global (guerras, nacionalismo, protecionismo, geoeconomia e uso da força, inovação, inteligência artificial, entre outras) sobre a economia e a política nacionais.
Discute-se tudo, mas pouco ou quase nada sobre o Brasil. É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias. A ausência de lideranças no governo, no Legislativo, no Judiciário, na classe política, nos setores industriais e agrícolas contribui para a discussão fatiada, sem a preocupação mais geral de pensar o Brasil em primeiro lugar, em um mundo em grandes transformações, e sem reconhecer as mudanças ocorridas nas últimas décadas no País e no seu entorno geográfico (América Latina e do Sul), relevantes para uma análise objetiva. Está mudando a economia global, a ordem internacional, a geopolítica, o meio ambiente e a mudança de clima, a inovação tecnológica se acelerou e a inteligência artificial criou desafios na área civil e militar, a geoeconomia e a segurança nacional são as forças do momento. Qual o impacto dessas transformações sobre o Brasil? Quais as decisões estratégicas, internas e externas, que terão de ser adotadas para o Brasil responder a esses desafios?
Como tentar reduzir as vulnerabilidades e aproveitar as oportunidades que se oferecem na nova ordem econômica e mundial? Como enfrentar as novas e as tradicionais ameaças à soberania, ao desenvolvimento e à segurança do País?
A radicalização da política interna, na minha visão, torna difícil, neste momento, a discussão sobre um projeto para o Brasil. Na impossibilidade de se chegar a um acordo em torno de um projeto nacional por diferenças ideológicas e político-partidárias, torna-se necessário preencher essa grave lacuna do ponto de vista estratégico. Não existe nenhum documento oficial (e poucos de origem na academia) que pensem o Brasil no contexto global e que tenha sido discutido com a sociedade civil.
Chegou a hora de começar a discutir o Brasil e tentar colocar os interesses nacionais permanentes acima de visões setoriais, como fazem todos os principais países do mundo, com uma visão de médio e longo prazo. O documento Uma Estratégia para o Brasil – O Lugar do Brasil no Mundo, preparado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), procura contribuir para um debate que está atrasado, mas que se faz necessário (interessenacional.com.br). Não se trata de um documento elaborado a partir das políticas do governo de turno nem com viés ideológico ou partidário. Necessariamente genérico, sempre com uma visão estratégica e não conjuntural, o trabalho trata dos objetivos nacionais, do lugar do Brasil no mundo, sinaliza as prioridades e vulnerabilidades de uma potência de médio porte emergente que tem um peso no cenário internacional como oitava economia global, com um território continental e mais de 210 milhões de habitantes. O documento vai além da Estratégia Nacional de Defesa e da Política Nacional de Defesa, produzidos pelo Ministério da Defesa, que refletem posições nacionais, mas de um ponto de vista setorial.
Durante o ano de 2025, serão promovidos encontros virtuais e presencias para discutir o trabalho e suscitar o debate sobre uma estratégia para o Brasil, do ponto de vista interno e externo, com uma visão de médio e longo prazo. Com isso, se pretende começar a focalizar o Brasil em primeiro lugar, em um novo mundo, em complemento ao debate interno conjuntural de todos os problemas políticos, econômicos e sociais nacionais.
O Irice, com o apoio do Portal Interesse Nacional, organizará uma série de encontros para sensibilizar a sociedade civil para esse debate. Serão buscadas parcerias com as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa, da Câmara e do Senado, com os partidos políticos, com instituições civis e militares, públicas ou privadas, empresariais e acadêmicas, além de formadores de opinião na mídia social que possam se interessar.
Vamos discutir o Brasil acima de interesses ideológicos e partidários.
Nos dias que correm, a divisão e a polarização da sociedade brasileira dificultam e influenciam a discussão e o debate sobre os múltiplos aspectos das questões nacionais. O foco de debate reproduzido pela mídia tradicional e pela mídia social reflete aspectos importantes da economia, da política, das questões sociais, das questões identitárias, as reformas estruturais, a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, as questões ambientais e de mudança de clima, a violência e a corrupção. São raramente analisados os impactos relacionados com o cenário global (guerras, nacionalismo, protecionismo, geoeconomia e uso da força, inovação, inteligência artificial, entre outras) sobre a economia e a política nacionais.
Discute-se tudo, mas pouco ou quase nada sobre o Brasil. É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias. A ausência de lideranças no governo, no Legislativo, no Judiciário, na classe política, nos setores industriais e agrícolas contribui para a discussão fatiada, sem a preocupação mais geral de pensar o Brasil em primeiro lugar, em um mundo em grandes transformações, e sem reconhecer as mudanças ocorridas nas últimas décadas no País e no seu entorno geográfico (América Latina e do Sul), relevantes para uma análise objetiva. Está mudando a economia global, a ordem internacional, a geopolítica, o meio ambiente e a mudança de clima, a inovação tecnológica se acelerou e a inteligência artificial criou desafios na área civil e militar, a geoeconomia e a segurança nacional são as forças do momento. Qual o impacto dessas transformações sobre o Brasil? Quais as decisões estratégicas, internas e externas, que terão de ser adotadas para o Brasil responder a esses desafios?
Como tentar reduzir as vulnerabilidades e aproveitar as oportunidades que se oferecem na nova ordem econômica e mundial? Como enfrentar as novas e as tradicionais ameaças à soberania, ao desenvolvimento e à segurança do País?
A radicalização da política interna, na minha visão, torna difícil, neste momento, a discussão sobre um projeto para o Brasil. Na impossibilidade de se chegar a um acordo em torno de um projeto nacional por diferenças ideológicas e político-partidárias, torna-se necessário preencher essa grave lacuna do ponto de vista estratégico. Não existe nenhum documento oficial (e poucos de origem na academia) que pensem o Brasil no contexto global e que tenha sido discutido com a sociedade civil.
Chegou a hora de começar a discutir o Brasil e tentar colocar os interesses nacionais permanentes acima de visões setoriais, como fazem todos os principais países do mundo, com uma visão de médio e longo prazo. O documento Uma Estratégia para o Brasil – O Lugar do Brasil no Mundo, preparado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), procura contribuir para um debate que está atrasado, mas que se faz necessário (interessenacional.com.br). Não se trata de um documento elaborado a partir das políticas do governo de turno nem com viés ideológico ou partidário. Necessariamente genérico, sempre com uma visão estratégica e não conjuntural, o trabalho trata dos objetivos nacionais, do lugar do Brasil no mundo, sinaliza as prioridades e vulnerabilidades de uma potência de médio porte emergente que tem um peso no cenário internacional como oitava economia global, com um território continental e mais de 210 milhões de habitantes. O documento vai além da Estratégia Nacional de Defesa e da Política Nacional de Defesa, produzidos pelo Ministério da Defesa, que refletem posições nacionais, mas de um ponto de vista setorial.
Durante o ano de 2025, serão promovidos encontros virtuais e presencias para discutir o trabalho e suscitar o debate sobre uma estratégia para o Brasil, do ponto de vista interno e externo, com uma visão de médio e longo prazo. Com isso, se pretende começar a focalizar o Brasil em primeiro lugar, em um novo mundo, em complemento ao debate interno conjuntural de todos os problemas políticos, econômicos e sociais nacionais.
O Irice, com o apoio do Portal Interesse Nacional, organizará uma série de encontros para sensibilizar a sociedade civil para esse debate. Serão buscadas parcerias com as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa, da Câmara e do Senado, com os partidos políticos, com instituições civis e militares, públicas ou privadas, empresariais e acadêmicas, além de formadores de opinião na mídia social que possam se interessar.
Vamos discutir o Brasil acima de interesses ideológicos e partidários.
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