sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Nuestra América

A eleição do jovem Gabriel Boric para a presidência traz a esperança de que o Chile talvez consiga escapar dos ciclos de populismo, autoritarismo, estagnação econômica e decadência institucional que estão assolando a maioria dos países da América Latina.

Desde o fim da ditadura de Pinochet, entre 1990 e 2010, o Chile foi governado pela Concertación, coalizão de partidos de centro-esquerda que conseguiram combinar a abertura da economia com políticas sociais inteligentes, reduzindo a pobreza e a desigualdade, melhorando a qualidade da educação e desenvolvendo a economia como nenhum outro país da região. Isto não foi suficiente, no entanto, para evitar que o sentimento de frustração crescesse, fazendo com que o país alternasse entre governos de esquerda e direita – Michelle Bachelet e Sebastián Piñera – que culminou com as grandes manifestações de rua de 2019, a convocação de uma assembleia constituinte e a última eleição presidencial, em que candidatos independentes tomaram o lugar dos antigos partidos políticos.


Boric promete canalizar de forma produtiva a insatisfação popular, em um governo de alianças que permitam a retomada da trajetória de desenvolvimento, corrigindo distorções e reconhecendo as limitações econômicas e financeiras das quais não se pode escapar. Tomara.

A distância entre o que é possível e o que é desejável explica as explosões de insatisfação que alimentam os populismos de esquerda e direita que tornam as crises sociais e econômicas cada vez mais profundas, como estamos vendo também no Brasil. Podemos ver esta distância com toda clareza em dois livros recentes sobre famílias de imigrantes que vieram para a América Latina buscando o renascer de uma nova civilização, tendo depois que reconhecer as limitações de suas utopias.

Nuestra America, de Claudio Lomnitz, conta a história da família a partir do avô, Misha Adler, judeu que partiu da antiga Bessarábia para o Peru há um século, da mesma região e na mesma época em que meu avô veio para o Brasil. É uma história análoga à da família de Fausto Cabrera, espanhol que veio para Santo Domingo e depois Colômbia, escapando da guerra civil e do franquismo, tal como narrada por Juan Gabriel Vásquez (C. Lomnitz, Nuestra América: Utopía y persistencia de una familia judía: Fondo de Cultura Economica, 2019; J. G. Vásquez, Volver la vista atrás. Madrid:

Penguin Random House Grupo Editorial, 2021). Adler colaborou com o peruano José Carlos Mariátegui na tentativa de desenvolver na América Latina um socialismo de raízes indígenas e valor universal, foi expulso do Peru, refugiou-se na Colômbia e terminou indo para um kibutz em Israel depois da guerra na esperança de, finalmente, viver a pureza da vida simples e comunitária.

Cabrera depositou suas esperanças no poder purificador que a revolução armada poderia trazer para o novo mundo, colocando seus filhos para se preparar, na China de Mao, para ingressar nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Esgotada a experiência do kibutz, os Adlers foram para o Chile e, depois de abandonar a guerrilha, o filho de Fausto Cabrera, Sérgio, se transformou em um importante cineasta colombiano.

Ainda que de forma muito diferente, e mais trágica, o escritor judeu austríaco Stefan Zweig, que veio para o Brasil fugindo da guerra em 1940, escreveu Brasil, país do futuro, uma terra paradisíaca em que uma nova civilização estava surgindo, mais simples do que a europeia, mas livre do trauma macabro do racismo e das guerras (S, Zweig, Brasil, um país do futuro: L&PM, 2006, 1941). Não para ele, que se suicidou logo depois.

São histórias extraordinárias, escritas por autores de talento que tiveram acesso às fotografias, cartas, diários e testemunhos recolhidos por seus antepassados. Mas representativas dos milhões de anônimos que fizeram o mesmo percurso, da Europa para a América, e do interior para as cidades, em busca das promessas de uma nova vida livre da miséria, dos conflitos e da falta de perspectiva das terras onde nasceram. A grande maioria permaneceu anônima, trabalhando, organizando suas vidas e, sobretudo, investindo e acreditando no futuro de seus filhos. A vida era dura e, mesmo para os que conseguiam se educar e conseguir um trabalho razoável, a distância entre o que obtinham e o que haviam sonhado era crescente. Outros se envolveram ou buscaram apoio em movimentos sociais, organizações comunitárias, partidos políticos, igrejas, e, quando havia eleições, davam seus votos aos políticos que apareciam e melhor expressavam suas esperanças ou ressentimentos.

Cem anos depois, o Brasil e nossa América Latina não são mais o País ou a região do futuro, mas de uma promessa que não se cumpriu. A crença, no passado, era que Deus estava de nosso lado e o clima, a índole do povo e as promessas das grandes utopias garantiriam um futuro risonho. Hoje sabemos que, se houver um caminho, temos de construí-lo nós mesmos, superando as confrontações fratricidas, com governos realistas que trabalhem para o bem comum, e não vendam ilusões. Não é impossível, mas não há nenhuma garantia de que dê certo.

Para os que virão

Como sei pouco, e sou pouco,

faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda pessoa
do plural.

Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.

É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.
Thiago de Mello (1926-2022)

O Brasil dá aflição

O Brasil dá aflição. Falta dinheiro para muita coisa importante, mas às vezes há dinheiro, que os governos não sabem gastar. Foi isso que aconteceu em Ouro Preto, onde o deslizamento de uma encosta destruiu um edifício tombado pelo patrimônio histórico (foto).

Dez anos atrás, o governo de Minas Gerais captou nada menos que 35 milhões de reais para um programa de contenção de encostas em Ouro Preto. Mas o programa ficou empacado, por requerer técnicas especiais de sondagem do terreno, até que um desastre aconteceu.


Em 2019, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mediu a eficiência dos gastos públicos na América Latina. Descobriu que o Brasil desperdiça quase 4% do PIB ao ano em projetos mal concebidos e mal executados, que ficam pela metade, atrasam ou não entregam o que se esperava. São os célebres “problemas de gestão”.

Gestores ineptos, que não sabem nem por onde começar o emprego dos recursos disponíveis, têm um papel de destaque nessa história. Segundo o BID, o Brasil deixa de gastar, em média, nos diversos níveis de governo, metade do dinheiro aprovado para investimentos.

Em 2020, o governo Bolsonaro deixou no cofre 80,7 bilhões de reais reservados para o combate à Covid. No mesmo ano, o Ministério da Educação devolveu 1 bilhão de reais aos cofres públicos, porque não soube o que fazer com eles. Como se não houvesse carências na educação brasileira.

O padre Vieira já sabia que esse tipo de omissão produz desastres, como os de Ouro Preto ou da pandemia. Diz o seu Sermão da Primeira Dominga do Advento: “Está o príncipe, está o ministro divertido, sem fazer má obra, sem dizer má palavra, sem ter mau nem bom pensamento. E talvez naquela mesma hora, por culpa de uma omissão, está cometendo maiores danos, maiores estragos, maiores destruições, que todos os malfeitores do mundo em muitos anos.” O texto é de 1650.

Brasil queimou

 


O país que não lhe diz respeito

Bahia, Minas Gerais e Goiás estão debaixo d’água. Para milhões de pessoas, a vida agora se resume ao que sobrou da lama, dos escombros de suas casas e dos cacos de seus sonhos. Nenhuma delas recebeu de Jair Bolsonaro uma palavra de solidariedade e conforto, muito menos promessa de ajuda. Suas tragédias não dizem respeito ao homem em quem muitas devem ter votado. Importante é o jet ski, as provocações e o voo em primeira classe para seus ministros.

A tragédia desses estados não se limitará às enormes perdas individuais, mas envolverá a saúde, a agricultura, a produção industrial, os serviços e a economia em geral, deles e de seus vizinhos. Bahia, Minas Gerais e Goiás são rotas de passagem e, por suas estradas, destruídas ou interditadas, milhares de caminhões deixarão de rodar pelos próximos meses. Esperam-se desemprego, revoltas de caminhoneiros e desabastecimento. Mas nada disso compete a Bolsonaro. Para ele, o problema é dos governadores e prefeitos —muitos dos quais igualmente trabalharam por sua eleição em 2018.


O país voltou à casa dos milhares de contaminados diariamente pela Covid e, não importa quantos já tenham morrido, Bolsonaro acha pouco. Quanto a isso, ele pode ficar tranquilo —estamos na iminência de uma avalanche de casos, superlotação dos hospitais, falta de insumo para testes, profissionais da saúde desesperados pelas condições de trabalho e alto risco para as crianças, a quem ele sonega vacina, e para os pascácios que ele estimula a não se vacinarem.

Para Bolsonaro, não foi para cuidar disso que o elegeram. Elegeram-no para ele se reeleger. Desde que tomou posse, não passou um dia sem ter a reeleição como prioridade. Por reeleição entenda-se continuar na cadeira por quaisquer meios.

As desgraças acima lhe roubam votos em massa, mas Bolsonaro não se altera. Está confiante de que, se lhe faltar urna, as vacas fardadas que ele engorda e ordenha irão garanti-lo.

200 anos de Brasil: pouco a celebrar, tudo a questionar

O Brasil não tem sorte com seus centenários. O primeiro, em 1922, teve de conviver com os restos da devastação causada pela gripe espanhola, chegada ao País em 1918. Calculam-se em cerca de 35 mil as mortes causadas no País, concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre elas não estava, como se costuma afirmar, o presidente eleito, Rodrigues Alves, embora tenha morrido antes de assumir. O ano de 1922 foi ainda marcado pela primeira revolta tenentista e pela decretação do estado de sítio pelo presidente Epitácio Pessoa, destinada a garantir a posse do presidente eleito, Artur Bernardes.

Nas celebrações, destacou-se a Exposição Internacional de que participaram 14 países. O segundo centenário, a ocorrer neste ano, virá na cauda de outra pandemia, a da covid-19, chegada ao País em 2020 e que já matou cerca de 620 mil brasileiros, embora também sem matar presidente. Junto com a pandemia, temos hoje um país às voltas com um tumultuado mandato presidencial que gerou dúvidas sobre a solidez de nossa jovem democracia e, mais ainda, com o imenso drama social do desemprego, da desigualdade, da exclusão, da fome. Até agora, não há indicação de que haverá alguma importante celebração oficial, ficando os registros da efeméride a cargo da mídia, das instituições e do meio acadêmico.

Nesses registros, naturalmente, haverá retomadas de temas estritamente históricos, mas é importante que sejam também usados como oportunidade para uma avaliação dos 200 anos de nossa vida independente. Quero dizer, com isto, examinar a natureza do percurso feito, verificar onde acertamos, onde erramos e como chegamos à situação atual. Baseados neste exame podemos também perguntar sobre o que nos pode esperar no futuro próximo. Mao Tsé-tung dizia ser ainda cedo para avaliar adequadamente o impacto da Revolução Francesa. Para nós, no entanto, que sofremos de Alzheimer coletivo, dois séculos já são tempo suficiente para fazermos um balanço do que fizemos e perscrutarmos nosso futuro próximo.


As mudanças nesses 200 anos foram enormes. Passamos de um país de cerca de 5 milhões de habitantes, dos quais um milhão de escravos e 800 mil indígenas, para outro de 214 milhões; de um país com cerca de 10% de população urbana em 1822 para outro de 85% hoje; de um país de economia totalmente agrícola em 1822 para outro com larga participação industrial hoje; de uma população formada exclusivamente por indígenas, africanos e lusos para outra muito mais diversificada pela entrada de italianos, espanhóis, alemães, sírios, libaneses, japoneses; de uma população concentrada na região costeira para outra que cobre todo o território nacional.

No entanto, todos os analistas que se encarregaram do tema de nossa trajetória, como Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Viana, Nestor Duarte, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, entre outros, reconhecem que há mais continuidades do que rupturas. Somos um país sem revoluções. O que chamamos de revolução, como a de 1930, não passou de ajustes entre grupos dirigentes. O povo só entrou no sistema político a partir da segunda metade do século 20, tendo sido logo contido por uma ditadura. Quando falo do drama social que desautoriza celebrações me refiro, naturalmente, ao problema da desigualdade, que é de todos conhecido, mas sobre o qual, a meu ver, mais se fala do que se faz. Lembro alguns dados de amplo conhecimento.

Segundo dados do IBGE, o auxílio emergencial criado para atender os mais necessitados, adicionado aos recursos do agora extinto Bolsa Família, abrangeu cerca de cem milhões de pessoas, quase a metade da população. Somos o oitavo país mais desigual do mundo e ocupamos a 84. º posição no Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2010, o 1% mais rico da população detinha 44% da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, há três décadas, estamos crescendo a taxas medíocres incapazes de gerar os empregos necessários e viabilizar políticas sociais mais substanciais.

No entanto, apesar de termos uma das mais altas franquias eleitorais do mundo ocidental (16 anos), temos sido incapazes de aprovar no Congresso medidas redistributivas de renda, como o aumento do imposto sobre heranças, a taxação de dividendos, a alteração nas faixas do Imposto de Renda. Distribuímos, mas não redistribuímos.

Nossa faixa mais alta de Imposto de Renda é de 27, 5%. Nos Estados Unidos, ela é de 37%; no Chile, é de 40%; em Portugal, de 48%; no Japão, de 56%. Estamos acumulando uma enorme massa de desempregados, subempregados e não empregáveis sem perspectiva realista de solucionar o problema. Olhando agora para a frente, mesmo que em prazos mais curtos do que os dos chineses, digamos uns30 anos, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza.

A hipótese pode soar apocalíptica, mas talvez estejamos a brincar, ou a brigar, na praia, alheios ao tsunami que se delineia no horizonte.

Talvez estejamos a brincar, ou a brigar, na praia, alheios ao tsunami que se delineia no horizonte.

Visitantes observam tela de Pedro Américo no Museu Paulista, hoje fechado para obras: no ano do bicentenário da Independência, Brasil enfrentará dramas e desafios.

Brasil, o país das catástrofes anunciadas

Quando vi as imagens da catástrofe em Capitólio, com dez mortos, meu primeiro pensamento foi que se tratava de uma montagem bem-feita, de tão inacreditável que me pareceu que, justamente nesse lugar tão espetacular e popular entre turistas, acontecesse uma cena dessas. E me perguntei se não havia indícios de que o paredão de pedra estava instável.

Pouco depois, a Defesa Civil de Minas Gerais confirmou que tinha emitido horas antes do acidente um alerta de chuvas intensas para o município de Capitólio, com possibilidade de ocorrências graves. Mas aparentemente ninguém havia levado o alerta a sério. Além disso, imagens da catástrofe que circulam nas redes revelam que os ocupantes das embarcações foram alertados por pessoas ao redor sobre o risco de desabamento da estrutura. Ainda assim, demoraram a se afastar. Parece que as pessoas queriam aproveitar ao máximo a oportunidade de ficar perto da parede de rocha e tirar fotos.

De certa forma, pode-se falar de uma catástrofe que poderia ter sido evitada. Uma catástrofe anunciada. Algo que tenho a impressão de que acontece o tempo todo no Brasil, infelizmente.

O desastre de Brumadinho foi um acontecimento do tipo. Os responsáveis sabiam há tempos que a barragem estava instável, mas deixaram que sua segurança fosse certificada, sob circunstâncias duvidosas, pela empresa TÜV Süd. Quando a barragem se rompeu, a avalanche de lama soterrou 270 pessoas e dois bebês ainda não nascidos. Assim como os responsáveis em Capitólio, em Brumadinho também não se quis intervir porque isso custaria dinheiro e atrapalharia as operações normais. Tudo deveria continuar como antes e parecer normal. E, de fora, tudo de fato parecia normal até o último segundo, tanto em Capitólio quanto em Brumadinho.


É a aparência de normalidade pela qual gostamos de nos deixar enganar e iludir. A crença de que tudo continuará como antes. Embora se saiba que a catástrofe é iminente, se é acomodado e covarde demais para fazer alguma coisa, preferindo a cegueira. É mais fácil. Acho que isso, de certa maneira, também é humano. Algo que pode ser observado até mesmo em relacionamentos amorosos. A pessoa sente que algo não anda bem, mas, por comodismo e hábito, evita o conflito e não muda nada, deixa tudo continuar como está – até que o parceiro em algum momento se vai, e o mundo se desmorona sobre quem ficou.

É claro que é completamente diferente quando se trata de vidas humanas e responsabilidades políticas. Nesse quesito, observo que o Brasil se destaca por sua negligência. De certa forma, é o país das catástrofes anunciadas.

Dei-me conta disso pela primeira vez quando aconteceu o acidente com o bonde no bairro turístico carioca de Santa Teresa em 2011. O bonde amarelo e pitoresco descia uma rua, saiu dos trilhos, tombou e derrubou um poste. Seis pessoas morreram, e 57 ficaram feridas. A causa: os freios não estavam funcionando, faltava manutenção. Mas até hoje, ninguém foi preso ou nem sequer responsabilizado. A impunidade fomenta a irresponsabilidade.

Quando andei no bonde pela primeira vez, em 2006, percebi como tudo era velho, torto, improvisado, mal mantido, desde os trilhos até o próprio veículo. O bonde fazia um barulho enorme, como se estivesse gritando que algo não estava bem.

E quem se lembra de quando o Museu Nacional pegou fogo? Por causa de um aparelho de ar-condicionado velho e malcuidado, o Brasil perdeu alguns dos artefatos mais valiosos de toda a sua história. Faltou até mesmo água para os bombeiros nos hidrantes ao redor.

Para quem trabalhava no museu, provavelmente não era nenhum segredo que os ares-condicionados eram velhos e estavam com defeito. Talvez até se tenha tentado alertar os responsáveis. Mas nada aconteceu, deixou-se as coisas seguirem adiante.

Assim como toda chuva forte no centro do Rio leva ao transbordamento da canalização repleta de lixo. Há anos o problema é conhecido, mas nada acontece. A cada tempestade, a luz acaba no meu bairro, mas nada é feito para solucionar o problema no longo prazo. Os eletricistas da Light sempre têm que vir de novo, depois de os alimentos na geladeira já terem esquentado e várias horas de trabalho no computador perdidas.

O problema mais grave do Brasil – e que recebe muito pouca atenção –, porém, é o contínuo desmatamento da Floresta Amazônica. É a megacatástrofe anunciada. O desmatamento já está levando não só a uma enorme, irrecuperável e custosa perda de espécies, mas, sobretudo, a períodos de seca em outras regiões do Brasil. O estado de São Paulo, que fica na mesma latitude da Namíbia, seria um deserto sem as nuvens que vêm do norte e fazem chover.

Cientistas alertam que o ecossistema amazônico já pode estar à beira do colapso. O que aconteceria então, é difícil de imaginar. Capitólio, Brumadinho e o Museu Nacional são sintomas de uma doença bastante disseminada no Brasil, que provavelmente ainda não mostrou toda a sua força.
Philipp Lichterbeck