terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Brasil mais verde-oliva

 


O Paraíso Restaurável

“A História da Riqueza no Brasil” nasceu clássico. Agora, Caldeira, Luana Schabib e Julia Maria Sekula lançaram “Brasil, o Paraíso Restaurável”. Nasceu profético.

Os autores recorrem à máxima de José Bonifácio: “O problema no Brasil é que o real é maior do que o possível”. É exatamente o que a história contemporânea oferece ao Brasil: a oportunidade de dar sentido a uma Nação e não apenas redirecionar o modelo econômico.

Daí a definição de “Paraíso Restaurável” que deve ser tomada neste sentido estratégico. Paraíso sem conotações míticas ou visões edênicas. Neste sentido, Sérgio Buarque de Holanda, em “Visão do Paraiso”, publicado em 1959, reeditado e ampliado em novembro de 1968, se aprofunda na cultura das “mentalidades” hispânicas e, especialmente, lusitanas quando se deparam com a abundância da natureza tropical.

A crença mitológica do “paraíso na terra” animava o impulso dos descobrimentos. A descrição do Éden permeava crônicas e cartas sobre os bons ares do Brasil, culminando com conclusão antológica: “se houvesse paraíso na terra eu diria que agora o havia no Brasil’.

O ímpeto colonizador e a ocupação territorial do Brasil obedeceram a ciclos de prosperidade que geraram um passivo ambiental que, globalmente, ameaça a existência da humanidade.

Outro aspecto positivo: a obra não se resume a relato histórico ou narrativa sobre a evolução das fontes renováveis de energia. É uma possibilidade real, capaz “não apenas de fazer a nação se integrar no mundo futuro da energia renovável, mas de liderar essa transformação no intervalo de décadas que o restante do mundo vai levar para chegar aonde o Brasil já está”.

A oportunidade fortalece o esforço de recuperação pós-pandemia: o novo pacto global verde e distributivista. E o governo negacionista? David Quammen, autor de “Spillover: infecções animais e a próxima pandemia humana”, responde”: “Nós provocamos disrupção em ecossistemas; nós movimentamos vírus para além de seus hospedeiros animais. Eles têm necessidade de um novo hospedeiro. Muitas vezes somos nós”.

Agora, o tema volta à agenda global com força. A vitória de Joe Biden e a fixação de 2060 definido pela China para interrupção das emissões de carbono confirmam que a questão ambiental não permite espaço para segregação e, sim, para cooperação.

No Brasil, há base cultural e ampla mobilização social com forças capazes de viabilizar o projeto de um Paraíso Restaurável e para os autores: “Com o governo é bom, mas também dá para mudar sem ele – e esse é o verdadeiro padrão de mudança”.

Governo desrespeita até os mortos


Tem aparecido com muita frequência no Brasil o desrespeito à vida, mas agora vemos também o desrespeito à morte
Michel Misse

De Marechal.Bittencourt para Pazuello: 'Vosmicê está sendo frito'

Estimado general Eduardo Pazuello

O senhor sabe que sou o patrono da arma da Intendência, mas só alguns oficiais lembram quem fui. Menos gente recorda que sou o único marechal do nosso Exército que morreu literalmente defendendo o poder civil.

Na tarde de 4 de novembro de 1897 acompanhei o presidente Prudente de Moraes ao desfile da tropa que voltava vitoriosa de Canudos. Um anspeçada avançou com uma garrucha, ela falhou e ele avançou com uma faca contra Sua Excelência. Interpus-me, embolamo-nos e ele me feriu no peito, na virilha e numa das mãos. Morri pouco depois.

O lugar onde caí, em frente ao Arsenal de Guerra, que hoje é o Museu Histórico Nacional, foi demarcado com uma placa de bronze e dois mourões. Puseram um busto meu do outro lado da rua e minhas luvas ensanguentadas ficavam numa vitrine do museu.

O busto saiu de lá, os mourões foram derrubados e hoje a placa fica embaixo dos chassis dos carros que lá estacionam. O Exército pouco fala do meu gesto. Marechal-ministro que morre defendendo um presidente civil é coisa esquisita. Afinal de contas, desde 1897, generais depuseram três presidentes. A memória das gentes é bastante seletiva.



Deixemos de velharias, general Pazuello. Escrevo-lhe para dizer que vosmicê está sendo frito, como se diz hoje. Consigo fritam-se os militares. O senhor substituiu dois médicos e levou pelo menos 20 oficiais para o Ministério da Saúde. No dia da sua posse os mortos da pandemia eram 15 mil. Hoje passaram dos 170 mil. Nossa Arma não tem parte nisso, mas fomos metidos na fabricação de cloroquina e acompanhamos um negacionismo irracional. A máquina da administração civil estoca testes que arriscam perder a validade dentro das caixas.

Seu comandante já disse que a pandemia talvez seja “a missão mais importante de nossa geração”. Que seja.

Conheci os casacas dos primeiros anos da República. Quando disseram que eu era o “Marechal de Ouro”, queriam contrapor-me ao Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”, com que me dou muito bem. Os casacas não mudam e digo-lhe que muitos colegas nossos, deixando o serviço ativo, encasaqueiam-se.

Não me cabe dizer como, mas digo-lhe que deve impedir o prosseguimento de sua fritura. Na semana passada o mundo bateu o recorde de mortes provocadas pela pandemia. Vem aí o desafio logístico da aplicação de uma vacina. Não vislumbro um dedo de racionalidade no planejamento dessa operação.

O senhor está numa situação rara nos anais militares. Responde a um comando confuso, a um Estado-Maior inerte e tem que aguentar fogos inimigos e dos amigos.

Na Revolta da Vacina de 1904, na qual meteram-se alguns generais atraídos pelos casacas, o presidente da República deu mão forte ao doutor Oswaldo Cruz. Rodrigues Alves engrandeceu a medicina brasileira apoiando seu colaborador. Vossa fritura não tem motivo para apequenar nossa arma.

Outro dia estive com meu colega Cordeiro de Farias. Ele me contou o que disse ao presidente Castello Branco quando ele decidiu aceitar a candidatura do marechal Costa e Silva à Presidência: “Não quero ter parte nisso” (A frase só foi conhecida décadas depois).

Atenciosamente, do seu companheiro de Arma

Marechal Carlos Machado Bittencourt