terça-feira, 29 de junho de 2021

Funerária Brasil

 


Brasil é citado na ONU por risco de genocídio de indígenas

O Brasil foi citado nesta segunda-feira pela primeira vez no Conselho de Direitos Humanos da ONU como um caso de risco de genocídio, devido aos crescentes crimes contra as populações indígenas.

A menção foi feita por Alice Wairimu Nderitu, conselheira especial para prevenção de genocídio, em relatório apresentado em sessão regular do conselho.

"Na região das Américas, estou particularmente preocupada com a situação dos povos indígenas. No Brasil, Equador e outros países, peço aos governos que protejam as comunidades em risco e garantam a responsabilização pelos crimes cometidos", disse Nderitu.

Em seu último relatório, do final de 2020, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou que os casos de violência contra indígenas no Brasil praticamente dobraram no primiero ano do governo Jair Bolsonaro.

Em meio a uma série de retrocessos nos últimos anos, preocupa os observadores atualmente o polêmico Projeto de Lei (PL) 490/2007, que muda as regras sobre a demarcação de terras indígenas e dificulta o processo.

Segundo o Estatuto de Roma, o regimento que descreve os crimes que podem ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), o crime de genocídio configura "atos perpetrados com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Isso pode se dar através da morte de membros do grupo; lesão grave à integridade física ou mental dos membros do grupo; infligir intencionalmente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física no todo ou em parte; medidas destinadas a evitar nascimentos dentro do grupo; transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Em novembro de 2019, antes da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro se tornou alvo de denúncia no TPI acusado de incitação ao genocídio de povos indígenas e crimes contra a humanidade, ao minar a fiscalização de crimes ambientais na Amazônia.

A denúncia foi apresentada pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – a Comissão Arns, uma entidade civil que reúne juristas e acadêmicos com a finalidade de denunciar violações aos direitos humanos.

Em entrevista à DW no ano passado, Sylvia Steiner, a única juíza brasileira a já ter atuado no TPI, a denúncia apresentada à Corte em Haia pode levar o presidente a um julgamento e a uma condenação internacional por genocídio. 

A menção ao Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU foi interpretada por observadores como um primeiro alerta para o governo Bolsonaro de que o órgão está ciente das atrocidades cometidas contra indígenas e pode dar fôlego à denúncia apresentada em Haia.
 

Clamor da ralé

Enquanto o povo, em todas as grandes revoluções, luta por um sistema realmente representativo, a ralé brada sempre pelo "homem forte", pelo "grande líder". Porque a ralé odeia a sociedade da qual é excluída, e odeia o Parlamento onde não é representada 
Joel Silveira, "Guerrilha noturna"

Barros e a morte como negócio

Era um segredo de Polichinelo a identidade do parlamentar mencionado na conversa entre Bolsonaro e o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) sobre “rolos” na compra da vacina Covaxin. O anonimato se mantinha havia horas na CPI quando o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) furou o tumor: “Está lhe faltando coragem para falar o nome do deputado federal Ricardo Barros”.

A pressão, com técnica de interrogatório, funcionou. Na inquirição seguinte, Miranda, já desestabilizado emocionalmente, capitulou diante da senadora Simone Tebet (MDB-MS). Esta é a revelação mais explosiva obtida pela CPI até agora. Indica uma quadrilha incrustada no Ministério da Saúde e aponta indícios de crimes cometidos por Bolsonaro e Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara e expoente do centrão.


Não é surpresa que Barros apareça no "vacinagate". Trago à memória caso revelado em 2017, quando ele era ministro da Saúde do governo Michel Temer. Naquele ano, fiz uma série de reportagens para o Fantástico, mostrando que o ministério comprou um remédio produzido na China, sem comprovação de eficácia, para tratar um tipo de câncer muito agressivo que ataca principalmente crianças.

A alegação do ministério era o preço mais barato do medicamento chinês. O contrato estava repleto de irregularidades. Foi feito por meio de triangulação com uma empresa que tinha escritórios de fachada no Uruguai e no Brasil. Soa familiar? Barros defendeu o contrato e tentou desqualificar as reportagens.

Na época, 4.000 crianças estavam em tratamento. Médicos se mobilizaram para manter a importação de outro remédio, usado até então no Brasil e validado por estudos internacionais. A Justiça chegou a proibir o uso do produto chinês, mas o ministério manteve sua distribuição. Botar em risco a vida de crianças deveria ser crime hediondo. Não surpreende que o mesmo personagem apareça agora no morticínio comandado por Bolsonaro.

Os 20 mil Fiats Elba de Barros & Bolsonaro

Desde a última terça-feira 22 de junho, os despertadores do Palácio da Alvorada e do condomínio Vivendas da Barra foram desligados e o estoque de ansiolíticos nas farmácias das proximidades dos esconderijos da famiglia Bolsonaro, reforçado. Em reportagem que deu manchete de primeira página (Governo comprou vacina indiana por preço 1.000% mais cara), Júlia Affonso relatou: “Telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi de agosto do ano passado, ao qual o Estadão teve acesso, informava que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a dose). Em dezembro, outro comunicado diplomático dizia que o produto fabricado na Índia ‘custaria menos do que uma garrafa de água’. Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade (R$ 80,70, na cotação da época) – a mais cara das seis vacinas compradas até agora”.

Tudo leva a denúncia espetacular de uma compra escatológica e estapafúrdia. O sobrepreço da vacina indiana, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) teve enorme dificuldade em aprovar, e com restrições, apesar das pressões sofridas pelo servidor encarregado de importações de insumos e vacinas no Ministério da Saúde, é o fio da meada de um escândalo gravíssimo. O governo Bolsonaro, que tinha levado quase um ano para comprar imunizantes testados no mundo inteiro e oferecidos pela Pfizer, comprou a Covaxin em um quarto desse tempo, graças à interferência pessoal do presidente da República, Jair Bolsonaro, em telefonema ao primeiro-ministro da Índia, Narenda Modri. Para isso empenhou R$ 1,6 bilhão, o equivalente aproximado ao custo de 20 mil Fiats Elba, cuja compra serviu de prova para fundamentar o impeachment de Fernando Collor, em 1992.


A cada dia, sua agonia, diria dona Benta. Desde então até hoje já se sabe que, ao contrário do que dizia Bolsonaro — aliado de Collor, quem diria ­–, não ficamos esperando o vendedor de mezinhas oferecer o produto. Ao contrário das compras feitas de Coronavac, AstraZeneca e Pfizer, houve um atravessador, a Precisa Medicamentos, de propriedade do queridinho da vez, Francisco Maximiano. O pagamento da partida seria pago à Madison, com sede em Singapura e não foi porque a compra não foi entregue.

Desdobramentos diários do furo do Estadão levaram à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, um bolsonarista de quatro costados, não como suspeito, mas como delator. O deputado Luís Cláudio Miranda procurou a cúpula dela para informar que acompanhou o irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, em visita ao chefe do governo no Palácio da Alvorada para denunciar a falcatrua. No depoimento duplo, ele detalhou, pressionado pelos senadores Alessandro Vieira e Simone Tebet, um claríssimo flagrante de prevaricação.

O próprio parlamentar da base governista deu detalhes em entrevista, publicada domingo na Folha de S.Paulo: “Com 10 minutos de conversa ele (Bolsonaro) já soltou. Quando a gente começa a mostrar os papéis acontece essa conversa, ele dá uma desabafada, fala dos combustíveis, que era aquilo que estava irritando. Ele falou assim: ‘Vocês têm informações se o Ricardo Barros estava influenciando ou fazendo?’. Eu digo: ‘Presidente, a gente não sabe o nome de ninguém, trouxemos informações técnicas’. Aí ele disse: ‘Esse pessoal, meu irmão, tá foda. Não consigo resolver esse negócio. Mais uma desse cara, não aguento mais’”.“Ou o presidente da República desmente cabalmente ter citado o líder de seu governo aos irmãos Miranda ou o presidente passa a ser, pelo silêncio, o maior acusador do deputado Ricardo Barros”, resumiu o relator da CPI, senador Renan Calheiros, no Twitter.

“Fica evidente que não há dados concretos ou mesmo acusações objetivas, inclusive pelas entrevistas dadas no fim de semana pelos próprios irmãos Miranda”, disse Barros, que, exemplo de seus aliados do governo, nada esclareceu, até porque não se submeteu a uma entrevista coletiva, com perguntas de repórteres. A temporada do terrorista fardado dos anos 80 não é favorável. Os norte-americanos interceptaram uma carga de madeira contrabandeada do Brasil com evidências de participação do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Este foi exonerado, derrubando, na queda, o diretor da Polícia Federal (PF), Alexandre Saraiva, e outro delegado federal, Franco Perazzoni, que chefiou busca e apreensão ordenada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, relator do inquérito contra o até então o mais querido do chefão.

Bolsonaro mandou o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e o ex-secretário-geral do Ministério da Saúde coronel Elcio Franco ameaçarem o servidor que levou a informação com inquéritos da Advocacia-Geral da União, da Coordenadoria-Geral da União e da própria PF. Ou seja, em vez de investigar o delito gravíssimo, como dizem os irmãos que ele faria, no encontro, inventou a delação punida. Aparentemente, lançou mão de éditos de um Estado policialesco. Na prática, contudo, adotou método das milícias, que matam ou infernizam quem se dispõe a narrar os podres dos chefões das quadrilhas.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, passou o recibo da aposta na ingenuidade do pagador de impostos ao alinhavar argumentos vazios para tentar defender o indefensável. Em discurso na sessão histórica da CPI na sexta-feira 25, equiparou o atravessador ao Instituto Butantan, fabricante da Coronavac, e à Fiocruz, parceira da AstraZeneca.

Papelão maior fez Flávio Bolsonaro ao confessar que levou Francisco Maximiano ao presidente do BNDES, Gustavo Montezano, para vender uma “boa ideia” do apadrinhado. “Não era vacina”, disse ele. Mas não teve imaginação sequer para dizer qual teria sido e defendê-la perante os senadores e os cidadãos em geral.

Me chama de jacaré, que eu gosto!

Eu sabia que iria me transformar num jacaré e estava feliz por essa oportunidade única. Não via a hora de fazer a mutação. Sairia do posto de vacinação direto para o pantanal da vida cotidiana, com muito prazer. Mas, inesperadamente, caí no choro.

Sou um caboclo chorador. Minha mãe, além de um irmão e uma irmã, são a mesma coisa. A nossa emoção se expressa nos olhos. Quando a moça me avisou que eu iria receber uma dose de AstraZeneca, e perguntou qual o braço que eu gostaria de receber a primeira dose, comecei a chorar.

Pelo que dizem, crocodilos é que choram. Se fosse assim, já estaríamos falando de outra espécie, de outro réptil. Chorei feito um jacaré mesmo, coisa família. E não lembro da última vez que senti tanta emoção.

Há uma música que diz: “Chorei, não procurei esconder, todos riram”. Riram mesmo, chamei a atenção. No posto, houve quem imaginasse que eu estava chorando por medo da agulha. Que nada, eu tenho medo é do vírus da covid-19, de político escroto e da covardia da máfia miliciana.


Não acho que foi mico, nem dei vexame. Foi de emoção o meu choro, as lágrimas caíam de quatro em quatro. Eu tinha planejado fazer umas coisas, fotos com plaquinha e tudo, para postar nas redes sociais. Não fiz nada, só chorei. Não gritei viva o SUS! Não disse vacina para todos!

O curioso é que a agente de saúde também se emocionou. Ela ficou sensível porque eu explicava que estava chorando porque lembrei dos amigos que partiram. Três homens e uma mulher, que tive a graça de conhecer nesta dimensão. A vacina não chegou a tempo.

Poderiam estar vivos, comemorando conosco, mas agora fazem parte das estatísticas. Pessoas com quem partilhei minha vida e, com a morte delas, morri um pouco também. Beto, Lúcia, Carlinhos e Tarcísio. Como dói.

Ao final, saí do posto muito grato pela oportunidade que me foi dada de continuar vivo. Tive covid-19 no ano passado, fiquei com sequelas, superei. Hoje, sou um jacarezinho fofo, com bocarra, e dentes afiados.

Agradeço a Deus, à ciência, cientistas, pesquisadores, médicos, pessoas que estão aplicando as vacinas. Ser imunizado contra um mal que nos mata é só uma das razões da minha felicidade. A principal, na verdade.

Para além de vencer a pandemia, ser vacinado é também uma atitude política e afirmativa contra um governo negacionista, que fere indefesos, que tira onda com a nossa dor; e gosta de nos ver na pior. Que enterrou milhares de brasileiros, nossos afetos.

A marca da vacina, no braço, é o sinal de nossa resistência. Se tivermos alguma reação ao imunizante, será o símbolo da nossa aflição. Não vamos nos esquecer dos dias que choramos sem socorro e sem esperança.

Se hoje somos aqueles que ainda podem sorrir, com plaquinhas, nas redes sociais, também somos os sequelados. Temos muito respeito pela dor que acusou nossos limites. Ser vacinado é o status de quem, agora, faz parte de um clube que assiste à vitória da ciência sobre a cretinice.

Quem se vacina recebe no braço uma dose de misericórdia. Saímos dos postos com a sensação de renascimento e a convicção de que não é por acaso que continuamos. É como se, eureca, entendêssemos nossa missão.

Gratidão exige resposta afetiva, com alegria. Chorei e vou chorar de novo, na segundona, em setembro. É como na música Sol de Primavera, de Beto Guedes, que mal sei a letra: “Já sonhamos juntos. Muitos se perderam no caminho… Agora, quero ver crescer nossa voz no que falta sonhar”.