A gente vai ficar aceitando fundo de Amazônia e continuar se prostituindo em nome disso? Aqui é o Brasil, aqui quem manda somos nós. Se quiserem continuar depositando, que continuem. Se não quiserem, um abraçoEduardo Bolsonaro, deputado (PSL) nascido para a diplomacia
sexta-feira, 30 de agosto de 2019
E o Brasil virou hamburguer
Bolsonaro e Amazônia: crise anunciada
O mundo tem medo da mudança climática e não consegue entender como é possível queimar uma preciosa floresta para deixar que um boi por hectare paste no lugar durante dois anos. Antes que o solo se torne então inutilizável e uma nova porção de floresta tenha que ser derrubada. Claro, a Europa gosta de grelhar carne brasileira e alimentar seu rebanho com soja da Amazônia. Mas sua produção deve ser sustentável, caso contrário, a Europa perderá sua credibilidade.
Credibilidade, aliás, é coisa que Bolsonaro sequer tem no exterior. Lá, todo mundo sabe que, em 28 anos como deputado, o que ele fez foi principalmente insultar seus adversários políticos. Ele continua fazendo isso agora, e a última que sentiu isso na pele foi a senhora Brigitte Macron. O mundo sabe que Bolsonaro não tem bons modos e que ele até se orgulha disso. Mau comportamento faz parte de seu programa, e com isso ele ganhou todas as eleições a que se candidatou. Isso também não deixa de ser uma proeza.
Falta de bons modos como estilo político pode fazer sucesso, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode em breve até conseguir fechar relativamente bons acordos com China, Coreia do Norte e Irã. Mas Trump, como o homem mais poderoso do país mais poderoso, pode se dar ao luxo de ser um grosso. Mas Bolsonaro? É provável que os europeus descontem nele, o "Trump tropical", sua frustração com o verdadeiro Donald Trump. Este, eles não conseguem pegar, por isso agora pegam a cópia.
E, nesse caso, Emmanuel Macron parece estar fazendo o papel do policial durão, que ataca severamente Bolsonaro. Angela Merkel é a policial boazinha, que tenta trazer Bolsonaro de volta ao barco da parceria civilizada através de conversa e contratos. Mas isso só vai funcionar se o setor agrícola do Brasil, por medo de boicote, colocar pressão suficiente em Bolsonaro. Mas será que ele é sensível a pressão – seja do exterior ou do interior?
Muitos também acreditavam que os superministros Sergio Moro e Paulo Guedes domariam Bolsonaro. O que ocorre é diferente, ambos aguentam de boca fechada os ataques do chefe. Guedes, por acaso, sai do governo quando Bolsonaro matar o acordo UE-Mercosul com suas falas mal-humoradas? E será que Moro sai se Bolsonaro continuar interferindo em suas competências?
Quem ou o que pode fazer com que Bolsonaro busque soluções políticas racionais? Como é possível levá-lo a um consenso construtivo? As ameaças de Macron sobre uma internacionalização da Amazônia são apenas água nos moinhos da paranoia brasileira de que outros países estariam querendo roubar a Amazônia. Por outro lado, não dá para deixar que paranoicos simplesmente façam tudo o que dá na telha, todo enfermeiro sabe disso.
De qualquer forma, interessantes são os reflexos nacionalistas, com afirmações de que não se pode deixar que outros se intrometam em assuntos internos brasileiros como a Amazônia. Não muito tempo atrás, Bolsonaro xingou os esquerdistas na Argentina que sequer foram eleitos. Ele e seu filho Eduardo, que xingou Macron de idiota e está prestes a se mudar para os Trumps como uma espécie de "embaixador au pair", também gostam de fazer campanha gratuita para "Trump 2020". E para o Benjamin Netanyahu, de Israel.
Também na crise de Estado venezuelana, os Bolsonaros já se intrometeram, sussurrando sobre opções militares a partir de solo brasileiro. Eduardo até falou em processar o regime de Nicolás Maduro no Brasil. Isso só para tocar no tema da interferência nos assuntos de outros países. Mas pimenta nos olhos dos outros não arde, como se sabe.
Bolsonaro conseguiu em sete meses estragar o soft power que o Brasil tinha na política ambiental global. Por quê? Porque ele pode.
A ordem de mordaça do capitão
É absolutamente temerária e espantosa a conduta do capitão reformado Jair Bolsonaro que agora afronta sobranceiramente a lei, peitando sem o menor constrangimento instituições republicanas regentes da vida democrática no País. Ele despiu-se da fantasia de governar para todos. Assumiu de vez a condição de ditadorzinho de araque que quer ver atendidas suas vontades e adotou o lema do “mexeu com minha família, caço e arrebento”. Em poucos dias foi para cima da Polícia Federal, do Coaf e da Receita, atropelando instâncias, demitindo quem o contrariou e até liquidando pura e simplesmente com o funcionamento de alguns desses órgãos. Impôs a ordem da mordaça e tolheu investigações que avançavam sobre o clã familiar — não fosse suficiente já ter, anteriormente, despachado o fiscal do Ibama que o multou, o diretor do INPE que não maquiou números do desmatamento como ele queria e técnicos do IBGE que revelaram o avanço do desemprego. Messias está implacável em seu afã de calar vozes incômodas. Surpreendente que nesse pendor totalitário ele nem se preocupe mais em esconder, de ninguém mesmo, a sua intolerância a resistências, surjam elas de onde for. “Quem manda sou eu, vou deixar claro”, afirmou em um dos rompantes o tal “mito”, venerado por certos seguidores, para logo depois alegar que não é “presidente de banana”. No mandonismo desvairado deixa escapar uma latente insegurança ou, como definiu o ex-ministro Bebianno, mostra “complexos que ele traz do passado”. Também demonstra desprezo pelo profissionalismo ao resolver partir para o tudo ou nada contra aqueles que vinham, essencialmente, fazendo o seu trabalho. Não lhe interessa princípios como esse. Ou entra na linha, e aceita suas determinações e limites, ou fora. É clara a necessidade de autoafirmação e com a soberba aflorando, dia após dia, ele subiu um degrau na escala do caudilhismo. Não bastam mais apenas declarações estapafúrdias. É preciso aniquilar, perseguir abertamente supostos inimigos. A Receita Federal, no seu entender, fez uma devassa absurda na vida financeira da família, inclusive de tios, primos e parentes distantes. Resultado: vai sofrer as consequências. Deve ser fatiada em agências independentes com as portas abertas ao apadrinhamento em postos de comando, cujos nomes eventualmente serão escolhidos fora dos quadros de carreira. O Leão não pode mais “ferir” os interesses de autoridades constituídas – Bolsonaro à frente, além de juízes do Supremo, como Dias Toffoli e Gilmar Mendes, cujos cônjuges também foram, por razões justas (diga-se de passagem), alvo de averiguações. O titular da Receita no Rio de Janeiro, segundo na hierarquia geral, acaba de cair, até por ter permitido controles alfandegários rígidos no Porto de Itaguaí, alvo da cobiça de milicianos cujas supostas relações com a primeira família já foram questionadas. Seria por demais salutar em países civilizados, como se pretende o Brasil, uma ampla liberdade de atuação dos organismos investigadores e de controle. Ninguém deveria ou poderia se sentir à vontade para infringir a Lei em virtude de laços ou conexões com titulares do poder. Mas o mandatário não pensa assim. Parece reger seus atos por outra cartilha. No momento busca aparelhar tribunais, núcleos da polícia, repartições financeiras e tributárias, com seus apaniguados que, ele deseja, lhe prestem vassalagem, sem qualquer independência operacional. A bronca do capitão é maior com assuntos que envolvam os filhos. Eles podem cometer o erro que for, estarão mesmo assim livres de julgamento alheio, imunes. Bastou o Coaf se posicionar contra a decisão do STF de suspender consultas a sua base de dados para identificar corruptos e veio lá de cima a decisão de simplesmente varrê-lo do mapa. Isso mesmo: o Coaf acabou, deixará de existir nos moldes como funcionava. Deu lugar a outro bicho, controlado por instâncias superiores,não mais subordinado ao Ministério da Justiça. Passou ao ambiente fleumático do Banco Central com atribuições, digamos, mais burocráticas, sujeito até a injunções políticas. O que ocorreu de concreto? Seu titular, Roberto Leonel, criticou a ideia da necessidade de autorização judicial para que dados completos sobre as movimentações suspeitas de dinheiro, como no caso do laranjal do primeiro filho, Flavio Bolsonaro, fossem repassados ao Ministério Público. Tamanha “petulância” lhe custou não apenas a cabeça, colocada a prêmio e rapidamente substituída na semana passada, como o castigo da intervenção em toda a estrutura que pilotava. Então fica o aviso: em se tratando de casos passíveis de análise mais aprofundada para checar eventuais desvios, nos Bolsonaros ninguém mexe! Estão blindados. A Polícia Federal do Rio de Janeiro foi outra que se deixou cair na armadilha de incomodar o clã. Deixou correr solto o processo que investigava o citado laranjal do filho Flávio e o superintendente local foi defenestrado da chefia. Jair Bolsonaro queria no seu lugar um amigo dileto, transferido da Amazônia para lá. Veio a reação. Em boa hora. A PF barrou a indicação. Ensaiou um motim. Diretores e delegados ameaçaram entregar os cargos. O presidente refugou. Aceitou outro nome. Mas o clima segue pesado. Procuradores do Ministério Público também enviaram carta aberta com alertas sobre a escolha do novo titular da PGR. Repudiam o preferido do Planalto, de fora da lista tríplice disponível, pela limitada capacitação técnica. Corporações que até aqui se enfileiravam ao lado do chefe da Nação já desprezam abertamente seus métodos e questionam suas escolhas. Muitos começam a discutir se não cabe acusar, na Justiça, os possíveis desvios de conduta dele. Seria um passo para o impeachment. Decerto, o princípio da impessoalidade foi quebrado desde que Messias passou a se imaginar como alguém detentor de um poder supremo inquestionável, um monarca por excelência.
Indústria da tolice é a única que cresce com vigor
Num cenário em que as previsões apontavam para o risco de uma recessão técnica, com dois trimestres consecutivos de PIB negativo, o crescimento de 0,4% no segundo trimestre reduz a taxa de desespero do brasileiro. Os dados do IBGE trazem, aqui e ali, alguns sinais alentadores. Por exemplo: uma lenta recuperação de setores como o da construção civil e a indústria. Mas vale a pena ecoar as palavras do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, um técnico sempre muito realista. "Não dá para soltar fogos", ele disse.
Do mesmo modo, é preciso realçar que há coisas boas acontecendo no Brasil. As reformas econômicas avançam no Congresso. E existe um pedaço da Esplanada dos Ministérios que carrega o piano do governo. Nesse núcleo, suam blusas e paletós ministros como Paulo Guedes, da Economia, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, e Tereza Cristina, da Agricultura. São personagens que ajudam a impedir que o ruim se torne ainda pior.
Por último, nenhuma análise da conjuntura econômica seria completa se não levasse em conta o papel desempenhado por Jair Bolsonaro. Quando Bolsonaro tomou posse, projetavam-se taxas de crescimento acima de 2% para 2019. Hoje, a despeito do soluço do PIB no segundo trimestre, as previsões para o ano continuam rodando nas cercanias de 1%. Coisa ridícula. O único empreendimento que cresce vigorosamente no país é a usina de crises do Palácio do Planalto.
Em alguma medida, as crises tolas que o presidente fabrica em escala industrial contribuem para retardar a recuperação dos indicadores econômicos, entre eles os índices de desemprego. A demora custa caro. A economia mundial se deteriorou antes que o Brasil conseguisse exibir uma recuperação pujante. A insegurança que trava os investimentos diminuiria no país se, de repente, por milagre, baixasse no cérebro do presidente um surto de ridículo que o levasse a fechar a fábrica de tolices.
'Incêndios na Europa serão tão devastadores como os da Amazônia'
Marc Castellnou é chefe do Grupo de Ações Florestais (GRAF) dos Bombeiros da Catalunha e há anos trabalha como especialista da União Europeia na luta contra o fogo. Ele alerta que os grandes incêndios da Amazônia não podem ser combatidos somente com meios de extinção e que é preciso abordar uma mudança baseada na prevenção e na gestão da paisagem.
Na Amazônia foram registrados nesse ano 85% a mais de incêndios do que em 2018. Até que ponto isso é extraordinário?
O número de incêndios até agora não é excepcional, mas parece que pode ser até o final do ano. O mês de setembro ainda é faz parte da época de incêndios na região. Há dois ou três focos no Paraguai, Brasil e Bolívia que realmente queimaram muito; são tempestades de fogo que causaram danos de 120 quilômetros na selva e isso, sim, é extraordinário. Mas isso deve ser inserido em um marco mais global: o que acontece na África, Indonésia, Sibéria... e aqui vamos em direção a algo excepcional.
Em que consistem exatamente as tempestades de fogo?
Uma tempestade de fogo é um incêndio de sexta geração, fogos que têm capacidade de criar uma nuvem de tempestade que acaba mudando a meteorologia da região. O incêndio toma o controle da meteorologia da área afetada e não o contrário. São mais caóticos e imprevisíveis e podem chegar a queimar 400.000 hectares em dois dias. Sempre existiram, mas de forma muito excepcional. Agora tivemos três em poucos dias. Não é o que aconteceu nas Ilhas Canárias, mas se deu na Sibéria, Bolívia e Chile.
Esses chamados incêndios de sexta geração podem ser combatidos?
Podemos combater parte dos incêndios, mas não temos recursos materiais para combater todos esses incêndios. E, principalmente, não podemos combater certos níveis de intensidade. Presume-se que o limite é de 10.000 quilowatts por metro, e nessas condições as chamas queimam os bombeiros. Por isso, há um limite físico da capacidade de extinção.
O que precisamos entender é que o que acontece na África e na Indonésia tem um fundo socioeconômico, o do desmatamento, o chamado slash and burn: corta, queima, cultiva e continua cortando e queimando. E isso é a origem desses incêndios. Há muitas regiões de florestas que já não se sustentam pelo clima que precisam suportar, estão estressadas. Os grandes incêndios ocorrem nas áreas de mudança do ecossistema: o limite central do Chile, a parte central de Portugal, o sul da Suécia e Noruega e a selva amazônica entre a selva pluvial e a selva seca... E não podemos esquecer que o Mediterrâneo é outra região de mudança.
A reunião do G7 do último final de semana situou pela primeira vez a questão dos grandes incêndios no topo da agenda política. Isso lhe dá esperanças de uma mudança real?
A solução do G7 não pode ser enviar recursos para apagar as chamas, e sim solucionar o problema socioeconômico desses países. O G7 reage a uma pressão social que há nos países ricos europeus e americanos em relação aos incêndios na Amazônia. Mas a Europa e a América têm incêndios tão grandes como os da Amazônia, que custam muitas vidas com intensidade extrema também consequência da mudança climática.
Então veremos na Europa incêndios das dimensões que estamos vendo na América do Sul?
A região centro-europeia tem verões cada vez mais longos e quentes com invernos moderados e úmidos, o que gera o coquetel perfeito para os grandes incêndios. Isso, que é um pouco o clima de Portugal, está se movendo para o centro da Europa e para a Costa Leste dos Estados Unidos, de modo que não podemos apontar ninguém. É um problema de todos. A Europa Central está ficando com um clima 'portugalizado' e o regime de grandes incêndios de Portugal ocorrerá nessa região. A Europa não tem consciência do problema que terá de lidar. A Espanha é um país com um centro vazio, estamos criando paisagens que queimam mais do que antes.
Ou seja, já não há regiões seguras.
Se a Groenlândia queimou por dois meses, me diga o que não pode queimar. Esses incêndios serão tão devastadores como na Amazônia e na Indonésia. Ocorrerão grandes incêndios na Floresta Negra alemã, os Pirineus podem queimar totalmente, o mesmo em toda a Escandinávia, nas grandes massas florestais das Rochosas e no Canadá. Não podemos apontar a América do Sul, a África e a Indonésia sem ver que em casa temos esses incêndios e que teremos incêndios tão devastadores como os que estamos vendo.
A política pode deter e provocar incêndios?
Proteger as florestas amazônicas deveria ser uma prioridade política global. Após os incêndios de 2004 e 2010 foram tomadas medidas políticas que suavizaram a situação. Agora voltou a piorar, com os meses de junho e julho mais quentes da história. Estamos em um momento de mudança socioeconômica e de mudança climática e precisamos encontrar a maneira de ajudar as matas a adaptarem-se ao clima. No sul do Brasil cortam florestas para plantar soja, uma soja que, é bom lembrar, nós europeus consumimos.
O que pode ser feito para se evitar os incêndios no futuro?
A era da extinção de incêndios está acabando e está começando a era da gestão da paisagem. Tentar fazer com que as coisas não mudem é cair em armadilhas. A Europa, mais do que olhar para o Brasil, deveria tomar decisões sobre como fazer paisagens seguras daqui a 20 anos. Não há capacidade para extinguir os grandes incêndios, é preciso gerir a paisagem. Os grandes incêndios estão chegando a áreas em que não são esperados. Deixaram de ser a exceção para começar a ser a regra.
É possível viver com segurança ao lado das florestas no Mediterrâneo?
Sim, se tiver uma carga de combustível diminuída. Mas uma floresta não gerida, com falta de espécies e com um ecossistema empobrecido, queimará. A reposta deve ser sempre procurar paisagens saudáveis e, seja por matas maduras e gestão florestal, retirar combustível da paisagem, e isso nunca foi feito nos tempos modernos.
Na Amazônia foram registrados nesse ano 85% a mais de incêndios do que em 2018. Até que ponto isso é extraordinário?
O número de incêndios até agora não é excepcional, mas parece que pode ser até o final do ano. O mês de setembro ainda é faz parte da época de incêndios na região. Há dois ou três focos no Paraguai, Brasil e Bolívia que realmente queimaram muito; são tempestades de fogo que causaram danos de 120 quilômetros na selva e isso, sim, é extraordinário. Mas isso deve ser inserido em um marco mais global: o que acontece na África, Indonésia, Sibéria... e aqui vamos em direção a algo excepcional.
Em que consistem exatamente as tempestades de fogo?
Uma tempestade de fogo é um incêndio de sexta geração, fogos que têm capacidade de criar uma nuvem de tempestade que acaba mudando a meteorologia da região. O incêndio toma o controle da meteorologia da área afetada e não o contrário. São mais caóticos e imprevisíveis e podem chegar a queimar 400.000 hectares em dois dias. Sempre existiram, mas de forma muito excepcional. Agora tivemos três em poucos dias. Não é o que aconteceu nas Ilhas Canárias, mas se deu na Sibéria, Bolívia e Chile.
Esses chamados incêndios de sexta geração podem ser combatidos?
Podemos combater parte dos incêndios, mas não temos recursos materiais para combater todos esses incêndios. E, principalmente, não podemos combater certos níveis de intensidade. Presume-se que o limite é de 10.000 quilowatts por metro, e nessas condições as chamas queimam os bombeiros. Por isso, há um limite físico da capacidade de extinção.
Estamos em um momento de mudança socioeconômica e de mudança climática e precisamos encontrar a maneira de ajudar as matas a adaptarem-se ao clima. No sul do Brasil cortam florestas para plantar soja, uma soja que, é bom lembrar, nós europeus consumimosEntão só o que resta é a prevenção. Como pode ser abordada?
O que precisamos entender é que o que acontece na África e na Indonésia tem um fundo socioeconômico, o do desmatamento, o chamado slash and burn: corta, queima, cultiva e continua cortando e queimando. E isso é a origem desses incêndios. Há muitas regiões de florestas que já não se sustentam pelo clima que precisam suportar, estão estressadas. Os grandes incêndios ocorrem nas áreas de mudança do ecossistema: o limite central do Chile, a parte central de Portugal, o sul da Suécia e Noruega e a selva amazônica entre a selva pluvial e a selva seca... E não podemos esquecer que o Mediterrâneo é outra região de mudança.
A reunião do G7 do último final de semana situou pela primeira vez a questão dos grandes incêndios no topo da agenda política. Isso lhe dá esperanças de uma mudança real?
A solução do G7 não pode ser enviar recursos para apagar as chamas, e sim solucionar o problema socioeconômico desses países. O G7 reage a uma pressão social que há nos países ricos europeus e americanos em relação aos incêndios na Amazônia. Mas a Europa e a América têm incêndios tão grandes como os da Amazônia, que custam muitas vidas com intensidade extrema também consequência da mudança climática.
Então veremos na Europa incêndios das dimensões que estamos vendo na América do Sul?
A região centro-europeia tem verões cada vez mais longos e quentes com invernos moderados e úmidos, o que gera o coquetel perfeito para os grandes incêndios. Isso, que é um pouco o clima de Portugal, está se movendo para o centro da Europa e para a Costa Leste dos Estados Unidos, de modo que não podemos apontar ninguém. É um problema de todos. A Europa Central está ficando com um clima 'portugalizado' e o regime de grandes incêndios de Portugal ocorrerá nessa região. A Europa não tem consciência do problema que terá de lidar. A Espanha é um país com um centro vazio, estamos criando paisagens que queimam mais do que antes.
Ou seja, já não há regiões seguras.
Se a Groenlândia queimou por dois meses, me diga o que não pode queimar. Esses incêndios serão tão devastadores como na Amazônia e na Indonésia. Ocorrerão grandes incêndios na Floresta Negra alemã, os Pirineus podem queimar totalmente, o mesmo em toda a Escandinávia, nas grandes massas florestais das Rochosas e no Canadá. Não podemos apontar a América do Sul, a África e a Indonésia sem ver que em casa temos esses incêndios e que teremos incêndios tão devastadores como os que estamos vendo.
A política pode deter e provocar incêndios?
Proteger as florestas amazônicas deveria ser uma prioridade política global. Após os incêndios de 2004 e 2010 foram tomadas medidas políticas que suavizaram a situação. Agora voltou a piorar, com os meses de junho e julho mais quentes da história. Estamos em um momento de mudança socioeconômica e de mudança climática e precisamos encontrar a maneira de ajudar as matas a adaptarem-se ao clima. No sul do Brasil cortam florestas para plantar soja, uma soja que, é bom lembrar, nós europeus consumimos.
O que pode ser feito para se evitar os incêndios no futuro?
A era da extinção de incêndios está acabando e está começando a era da gestão da paisagem. Tentar fazer com que as coisas não mudem é cair em armadilhas. A Europa, mais do que olhar para o Brasil, deveria tomar decisões sobre como fazer paisagens seguras daqui a 20 anos. Não há capacidade para extinguir os grandes incêndios, é preciso gerir a paisagem. Os grandes incêndios estão chegando a áreas em que não são esperados. Deixaram de ser a exceção para começar a ser a regra.
É possível viver com segurança ao lado das florestas no Mediterrâneo?
Sim, se tiver uma carga de combustível diminuída. Mas uma floresta não gerida, com falta de espécies e com um ecossistema empobrecido, queimará. A reposta deve ser sempre procurar paisagens saudáveis e, seja por matas maduras e gestão florestal, retirar combustível da paisagem, e isso nunca foi feito nos tempos modernos.
Vilões das queimadas estão no poder
Na minha remota adolescência, ninguém falava na questão ambiental, fora alguns idealistas esquisitos. Para todos os efeitos relevantes, o ambiente não existia. Hoje “vilão” não é mais o proprietário rural sem consciência do mal que suas queimadas fazem, pode ser um investidor ausente que só vê suas terras em chamas da janela de um avião. Contra os protestos de quem quer a Amazônia como o último refúgio de um mundo que se torna rapidamente irrespirável, ganha força um vilão ao qual só faltava uma coisa para se impor, o poder. Agora, ele está no poder.
À visão romântica de uma Amazônia refúgio impõe-se a do tesouro escondido, muito mais realista e excitante. O que haverá de riqueza sob as árvores da Amazônia, uma vez desmatado tudo e afastados os índios, é difícil de imaginar. Madeira, petróleo, ouro... Nada nos faltará. Salvo, claro, ar.
Falando em memória... Não sei por que, pensei nos Beatles. Já sei por quê. Li numa matéria sobre o mercado editorial que três capas garantem as vendas de livros, no mundo todo: capas em que apareçam Lincoln, Hitler ou cachorros. A matéria não explicava a preferência. Os livros sobre Hitler vendem mais na Alemanha; os sobre Lincoln, nos Estados Unidos; e os sobre cachorros, em toda parte. Comecei a imaginar um encontro de Lincoln e Hitler numa pet shop, mas logo fui tomado por grande melancolia. E os Beatles, por que não eram os mais vendidos? Lembrei que anos atrás o Internacional formou um ataque de jovens que logo ganhou o apelido de ataque iê, iê, iê. Um eco do yeah, yeah, yeah dos Beatles, que na época era a referência cultural de uma geração e ninguém mais canta. Enfim, saudade de mim mesmo.
Democracia em tempos de cólera
A procuradora Raquel Dodge fala em uma “ação orquestrada longamente cultivada para chegar a este resultado” e há informações bastante vagas sobre sindicalistas e fazendeiros promovendo o “dia do fogo”. Tudo soa um tanto inverossímil.
Há perguntas reais que precisam ser feitas. Houve relaxamento da fiscalização, por parte de órgãos de Estado? Trata-se de um problema de governança, de omissão criminosa, ou um reflexo perverso do quase “shutdown” da máquina pública, provocado pelo esgotamento fiscal (o mesmo que levou ao corte nas universidades, ao virtual fim do investimento público e vem paralisando a máquina federal).
É evidente que, para os donos da verdade de sempre, já está tudo explicado. Para quem detesta o governo, o que houve foi um “sucateamento do Ibama”, como li em uma publicação aparentemente séria. De uma jornalista influente, li que tudo foi causado pelas falas do presidente, que subliminarmente “incentivaram” os madeireiros e agricultores a tacar fogo na mata.
O que veio depois é apenas loucura. Da culpabilização genérica das ONGs, feita por Bolsonaro, até a criativa provocação de que voltando as demarcações de terras indígenas “o fogo acaba na Amazônia daqui a alguns minutos”.
Vejo nisso tudo uma espécie de fracasso coletivo. A constrangedora incapacidade, nestes tempos de cólera, de se fazer um debate minimamente racional sobre um tema complexo como este.
É um quadro semelhante, ainda que em outra escala, ao que vem acontecendo na educação e no tema dos cortes orçamentários. A truculência de um lado, a irracionalidade e oportunismo político, de outro.
Para quem quiser aprender alguma coisa, a crise nos dá uma aula prática sobre os riscos da democracia digital. Tenho dito e repito aqui: a internet deu poder aos cidadãos e fez explodir o nível de informação disponível e transparência do sistema político, mas definitivamente envenenou a democracia.
O ruído permanente, as fotos fake, o mapa mostrando a Amazônia queimando até o Paraguai, o achismo generalizado, a retórica de fim de mundo. Tudo vindo não apenas do cidadão comum, mas por parte de quem deveria lidar profissionalmente com a informação. Vai aí um quadro sem volta.
A gritaria e a irrelevância se tornaram o novo normal da democracia. O que me surpreende, neste episódio, é a figura do chefe de Estado como protagonista da algazarra digital. O líder latino de traço populista, de um lado, e o líder europeu de centro, aparentemente “racional”, de outro. Suspeito que não deveria me surpreender.
Por último, fica uma lição sobre o comportamento do presidente Bolsonaro, que vai se afirmando, na boa definição de J.R. Guzzo, como uma “máquina de produzir atritos, problemas de conduta e confusões inúteis”.
Não há manual, na ciência política, para explicar onde tudo isso termina, e não se trata aqui de imaginar que teremos, em algum momento, um presidente politicamente correto.
Não elegemos Justin Trudeau, elegemos Jair Bolsonaro. O ponto é que tudo passou um pouco do limite.
Para os apoiadores incondicionais do presidente, não há problema nenhum em seu estilo trombador e suas piadas de gosto discutível, dado que tudo que o grande líder faz está, de antemão, justificado. Para seus odiadores profissionais, tudo já se perdeu.
Como bem disse Noam Chomsky, em uma divertida entrevista a esta Folha, Bolsonaro e Trump são piores que Hitler, que só queria “matar todos os judeus”. Eles querem é “matar toda a sociedade, destruir tudo e ter lucro”. Não entendi exatamente como ter lucro, depois de matar todo mundo, mas deu para perceber o tom da crítica.
Os dois grupos são perfeitamente iguais e não valem nada para o bom debate público, mas a questão prossegue no ar: qual é exatamente o custo político que teremos ainda que pagar pelo destempero e pela instabilidade permanentemente provocada pela retórica presidencial.
E quem sabe, numa versão mais otimista da mesma questão, dirigida não apenas para o presidente: há alguma chance de que esta crise nos ensine alguma coisa?Fernando Schüler
Ao que se petrificaram na m...
Os tempos mudam. Alguns estão dentro do trem da mudança, mas nem todos estão. Alguns ficaram na plataformaBrigitte Macron, mulher do presidente Emmanuel Macron, ridicularizada por Bolsonaro
A fala do inimigo
Um dos maiores privilégios da Democracia é a liberdade de expressão. Ela se torna central para estimular pensamento crítico, evitar conchavos reservados e escusos, manifestar a diferença de uma sociedade e a heterogeneidade natural do humano. Incluída na “Bill of Rights” fundamental dos EUA, dominante na Declaração dos Direitos Universais do Homem da ONU e defendida na nossa Constituição de 1988, a liberdade de expressão é eixo definidor de todo o resto. Ilimitada? O próprio texto constitucional já imagina seu abuso nas figuras jurídicas da calúnia, da difamação e da injúria. Mas, importante, a afirmação continua livre, a lei maior apenas garante defesa a quem se sentir prejudicado pelo ataque de outrem.
Não existe vida democrática sem liberdade de expressão. Sua falta danifica mais o edifício democrático do que o eventual abuso. Liberdade de expressão implica, sempre, o risco de ouvir besteiras, injustiças, insanidades, asneiras, sandices, desvarios, idiotices completas e, até, afirmações admiráveis. Seu ideal? Um cidadão brasileiro como eu, autor da crônica, expresso minha opinião neste grande veículo de imprensa. Como todo ser humano falho, posso dizer inverdades ou defender coisas sem nexo. Outros cidadãos podem, gozando da liberdade de expressão, admirar o que eu digo, redarguir, discordar em parte e no todo e, inclusive, como é comum no mundo de redes, atacar com adjetivos variados. Tudo é parte da liberdade democrática. O público lê meu argumento, vê o alheio, pondera, e segue o seu próprio. Nas contradições discursivas, cremos, a ideia se aperfeiçoa. Qual o defeito estrutural de uma censura? Acreditar que um indivíduo ou um corpo restrito de pessoas sejam os detentores da verdade e substituir o debate pela convicção de um ou de poucos. Mesmo que o déspota seja esclarecido, ele não é capaz de calcular o alcance das medidas, se não ouvir as reclamações ou sugestões dos atingidos.
Como eu disse, liberdade de expressão incomoda. Exemplos? Em 2013, a ativista cubana Yoani Sánchez veio ao Brasil e apresentou uma opinião crítica do regime cubano. Assim que desembarcou, ela foi acusada por um ruidoso grupo, com gritos e cartazes, de ser agente da CIA. Um manifestante afoito puxou com força o cabelo da jornalista. Ela se manifestou espantada, porque ela lutava para que aquele tipo de manifestação pudesse ocorrer em Cuba também.
Passados quatro anos, recebemos outra visita internacional, a filósofa norte-americana Judith Butler. Seus temas de pesquisa envolviam o conceito de gênero. Na porta do Sesc Pompeia, em São Paulo, manifestantes contra e a favor gritavam. Um site apresentava 300 mil assinaturas pedindo o cancelamento do evento. De novo: muito bom que se debatam pareceres distintos, todavia o processo se repete: não querem ouvir o que se afasta da zona da crença. Não é um debate, é um cala-boca. Nisso, há militantes de esquerda e de direita que se assemelham terrivelmente: ditadura é só no outro campo e liberdade de expressão é só a minha. Lamento sempre tais equívocos.
Há pouco, Miriam Leitão e Sergio Abranches foram desconvidados de um evento literário em Jaraguá do Sul, SC. De novo, não se trata de discordar, ou de comparecer ao evento e ouvir argumentos para achar outros. Trata-se do “não quero ouvir” e “você não pode falar”. Não gosta de Miriam Leitão? Existe uma solução sempre ao seu alcance: não leia, não assista, não siga a jornalista nas redes sociais. Discorda de ideias dela? Outra solução excelente na democracia: escreva um livro desdizendo o dela ou participe da sua palestra e, educadamente, traga dados opostos que demonstrem o possível equívoco. O resto é ignorância, autoritarismo de direita e de esquerda, incapacidade de ouvir o contraditório, infantilidade e sempre: sedução pelas ditaduras.
Temos um longo caminho pela frente. Por mais que alguns detestem, a sociedade é compartilhada por muitas outras pessoas e, incrível, algumas delas não têm minha luz e meu discernimento. Debata com elas e, assim, o farol ofuscante do seu saber poderá brilhar ainda mais e rasgar a noite da ignorância dos seus inimigos. Afinal, se seus adversários são “idiotas” ou “analfabetos funcionais”, qual o risco que você correria? É preciso ter esperança e muita, muita paciência democrática.
Bolsonaro, líder parlamentarista
O presidente faz tanta lambança ao lidar com o poder que a cada dia parece mais inadequado para liderar o país. Um líder não despreza a nação como faz Bolsonaro. Eleito, a primeira medida deveria ser a de atrair os que lhe fizeram oposição nas urnas. Bolsonaro não apenas se lixou para estes como se afastou até mesmo daqueles que votaram nele apenas para evitar o outro. E assim segue desfazendo a política. Há algumas semanas rodou na internet uma fake dando conta de que o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, elaboravam “um golpe parlamentarista”. Era bobagem. Mas uma hora poderá deixar de ser.
O Brasil já foi parlamentarista uma vez para evitar dar a um vice-presidente o poder do titular que renunciara. João Goulart só tomou posse, com a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, depois de aprovada uma emenda parlamentarista. A história do Brasil deveria servir de lição. Mas o governo Bolsonaro não gosta de lições, julga-se pleno. Goulart era um político de esquerda. Temia-se que, detendo o poder, transformasse o Brasil num satélite soviético. Por isso, ele quase não assumiu, e só o fez quando o Congresso lhe confiscou o poder. Depois acabou deposto, mas esta é outra história.
Hoje, temos um presidente de extrema direita, anacrônico, que se orgulha do seu anacronismo. E, mais do que isso, não passa um dia sequer sem exercitar com todas as cores e todos os verbos essa condição. O grave nesse caso nem são as bobagens que repete sempre que pode. O que importa é que ele atrapalha, e muito, o governo do Brasil, pátria amada. Nesse episódio das queimadas na Amazônia, deixou de cabelo em pé mais da metade de seu Ministério. Apenas os que o seguem de maneira cega e incondicional repetiram ou endossaram sua retórica.
O presidente também desrespeita instituições, atropela subordinados, agride chefes de Estado estrangeiros e já tentou legislar sem o Congresso. Seus ataques ao Judiciário e ao Legislativo passaram muitas vezes do limite democrático, e só foram interrompidos graças à boa vontade dos seus contendores. Suas broncas em ministros resultaram na demissão de uma meia dúzia em oito meses, e o vexame a que submeteu Sergio Moro entrará para a história. O ministro será lembrado como o maior engolidor de sapos de todos os tempos. Nem o ex-senador Cristovam Buarque, que Lula demitiu do Ministério da Educação pelo telefone, foi tão humilhado.
Já tratar com desrespeito o presidente francês Emmanuel Macron resulta de um capricho. Nenhum problema em confrontar Macron. Cabia classificar o seu discurso como tentativa de se recuperar de um mal desempenho político ou como resposta a cobranças de agricultores franceses. Podia até dizer que o francês deveria cuidar do seu quintal, que do nosso ele se ocuparia. O que Bolsonaro não podia era desrespeitar o líder francês e sua mulher. Tampouco podia afrontar Noruega, Alemanha e G-7, que há anos ajudam o Brasil. Em três semanas, Bolsonaro jogou pela janela quase meio bilhão de dólares.
Mas foi ao tentar mudar lei por decreto, como no caso da flexibilização da posse e do porte de armas, que Bolsonaro provou que não consegue ser do tamanho que o cargo exige. Foi um erro grosseiro, do qual ele depois pediu desculpas e disse que foi um equívoco. Ok, presidente. Mas duvido que alguém consiga ver equívoco mais absurdo do que esse. Mudar lei por decreto, francamente. Parecia aquela coisa do “se colar, colou”. Por isso, o que outro dia era fake, amanhã pode brotar como alternativa política.
Ascânio Seleme
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