quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Vade retro novidade!
Deus nos livre dela!
A “novidade” em matéria de politica e administração pública resulta no que o Brasil se tornou. A revolução, a salvação da pátria está em faze-la visitar, pela primeira vez na vida, o velho, o certo, o sabido, o testado, o consagrado. A boa e velha democracia de que nós nunca sentimos nem o cheiro, por exemplo.
A colonização apoiada exclusivamente no “latifúndio escravocrata exportador”, a definição em cima da qual se estruturou tudo que se pensou sobre o país no ultimo século, é uma redução grosseira e distorcida de uma realidade muito mais rica, complexa e matizada, que tem origem num movimento reacionário deliberadamente arquitetado para nos colocar à margem do curso geral da História no exato momento em que “o sonho” começou a desmoronar lá atras.
Comprada e cristalizada pelo marxismo de almanaque dos intelectuais século 20 que ainda controlam nossas escolas foi imposta a varias gerações de brasileiros como uma “verdade” intocável. Banido da narrativa oficial, o Brasil real, que construiu-se a si mesmo escondido do estado passou quase cem anos tomando remédios pesados para uma doença que nunca teve. Foi uma criança normal tratada como excepcional. E acabou por convencer-se tão profundamente de sua excepcionalidade; por acreditar tão completamente que tudo que serve e funciona para todos os outros povos do mundo não serve nem funciona para “o povinho que deus pôs neste paraíso” que agora, mesmo batendo de frente no muro onde termina o beco sem saida em que isso nos meteu, não consegue produzir um unico candidato com um discurso consistente de mudança.
Mas aqui fora a conversa também só flui dentro de compartimentos estanques. É crença contra crença, sem lugar para a informação. Estamos perdidos numa absoluta ausência de referências de sucesso porque nossas escolas só estudam aquilo que fracassou. A verdade está ha tanto tempo interditada nelas que o Brasil dos sobreviventes, o da classe média meritocrática com sua obra e sua autoestima reduzidas a pó, também não consegue focar no futuro. Formados na censura, os que se querem engajados “na mudança” aqui fora também estão voltados para o passado. Para as culpas das pessoas que o sistema fabricou e não para as culpas do próprio sistema. Querem muda-lo de mãos com os instrumentos da polícia e não mudar-lhe o sentido com os instrumentos da política. Cada brasileiro, individualmente, põe-se fora da realidade que critica e balbucia chavões sobre uma “ética” que não pratica. O país inteiro fala vagamente de “mudanças” mas não sabe definir quais nem exatamente para que. E essa falta geral de repertório nos empurra para mais do mesmo ou para o arbítrio com sinal invertido pois, se tudo está certo com o sistema, só podem ser as pessoas que o operam neste momento que estão erradas.
“Comigo vai funcionar”!
“Concursismo” e revolução são, os dois, instrumentos de minorias. O Brasil que as sustenta permanece excluído. A História oferece mais alternativas do que isso. Só a tomada do poder pela força irresistível da maioria, de que tivemos um ensaio absolutamente convincente no curto período em que a maré das manifestações de rua esteve montante, pode fechar para sempre as portas do privilégio.
Mas sem ilusões, por favor!
Também nesse departamento é o meio que é a mensagem. Não existe outra humanidade. É o interesse que nos move. A resposta está, portanto, em armar a mão da maioria para que ela, em lugar da minoria, sujeite “o sistema” ao seu interesse, mas tomando o cuidado de fragmentar esse poder de tal forma que essa sujeição não se transforme em outra tirania.
Democracia, enfim…
O voto distrital puro com recall, referendo e leis de inciativa popular num contexto realmente federalista é o estado mais avançado a que a elevou a sofridíssima epopeia da humanidade para criar um poder capaz de cercear O Poder sem se transformar no veneno para o qual pretendia ser o antídoto. Essas ferramentas, usadas em conjunto, dão plenos poderes a sua majestade o eleitor, o outro nome da maioria, no pedacinho do pais onde ele mora – o bairro, o distrito – e permitem que ele os exerça de forma prática, legitima e pouco traumática para o conjunto da nação e para as outras liberdades essenciais. Uma vez conquistado ele não apenas põe o país imediatamente sob nova direção como torna essa mudança irreversivel. Ao colocar o povo em condições de mandar e os políticos e funcionários públicos na obrigação de obedecer para sobreviver, essa reforma abre as portas a todas as outras, e as mantém para sempre escancaradas como é adequado que elas permaneçam para bem servir a uma espécie que só aprende com o erro numa realidade hiper cambiante.
Não é preciso inventar nada. Esta tudo ao alcance da mão. Basta uma pontinha de humildade asiática para ter. Esse consagrado “aplicativo” de arrumar países vem com o mais infalível dos “tutoriais” de uso. Instalado primeiro na instância municipal, oferece a sociedades inteiramente jejunas a oportunidade de aprender passo a passo a praticar democracia e ir se ajustando a ela na exata velocidade que sentir que aguenta. É o primeiro conjunto que efetivamente funciona exatamente porque é o primeiro que tem a humildade de imitar a vida em vez de pretender reinventá-la.
144 milhões de juízes para a Lava Voto?
A sociedade brasileira começa a ter a percepção de que o Supremo Tribunal Federal não demonstra muita pressa em condenar os políticos denunciados por corrupção, nem mesmo aqueles que, como o senador Renan Calheiros, são alvo de uma dúzia de acusações. Até agora, o tribunal de primeira instância de Curitiba, por exemplo, já emitiu, na Operação Lava Jato, mais de cem sentenças de condenação, muitas delas confirmadas em segunda instância. O Supremo ainda não apresentou uma condenação definitiva de um político. Assim se chegará às eleições do próximo ano com candidatos a presidente, deputados, senadores e governadores acusados de corrupção, mas ainda sem sentença que os impeça de disputar as eleições, nas quais poderão ser reeleitos e manter assim o foro privilegiado que lhes permite eternizar seus processos no Supremo.
O que a sociedade pode fazer? A pré-candidata à presidência Marina Silva teve uma ideia que seria bom que viralizasse nas redes sociais: criar um tribunal com 144 milhões de juízes − todos os brasileiros com direito a voto −, que deveriam se negar a votar em qualquer candidato sobre o qual recaia não uma condenação, e sim uma simples acusação ou suspeita de ter usado dinheiro público em vantagem própria. Esses 144 milhões de eleitores-juízes não precisam lutar com os intrincados problemas jurídicos que podem permitir que um réu em um processo dor corrupção dispute uma eleição. Para que esses milhões de juízes condenem um candidato, bastará uma simples acusação ou suspeita de que se trate de um político corrupto, porque poderão usar o argumento da moralidade pública que um representante do povo deveria poder demonstrar para pedir seu voto. Afinal, será que faz sentido que um candidato condenado, por exemplo, a vários anos de prisão em segunda instância − e apesar da Lei da Ficha Limpa − possa, por meio de recursos de seus advogados, disputar uma eleição? Legalmente, é possível, moralmente, não deveria sê-lo. Essa condenação de negar o voto a quem não demonstrar ter respeitabilidade e moral suficiente para poder representar a sociedade pode ser tão ou mais eficaz do que uma condenação judicial.
Será possível alegar que muitos desses milhões de eleitores não contam com informações suficientes sobre os candidatos para poder julgar sua honestidade. Poderia ser assim no passado, mas não agora, quando as técnicas de comunicação permitem conhecer em tempo real a vida e as ações dos cidadãos, ainda mais daqueles que já ocupam cargos públicos. Bastaria apresentar na internet, ou em cartazes nas ruas e praças do país, os nomes dos candidatos à eleição ou à reeleição acompanhados de suas biografias e das acusações ou suspeitas que possam recair sobre cada um deles quanto a condutas moralmente inconciliáveis com o cargo que desejam disputar. Não se trata de um julgamento sumário nas ruas, já que a sentença dos eleitores não tem valor de lei, mas existe a necessidade e o direito do cidadão de saber se a pessoa em quem pensa em votar merece ou não sua confiança no campo da decência moral. Para isso, existem hoje leis severas de transparência, que nos permitem conhecer as condutas dos escolhidos para governar o país. Não se trata de nenhuma caça às bruxas, apenas de saber um mínimo sobre a conduta pública de um candidato.
Um cidadão tem o direito de se negar a votar em um indivíduo, mesmo que este ainda não tenha sido declarado réu ou condenado por um tribunal de Justiça, se considerar que as denúncias que pesam sobre esse candidato, por parte da procuradoria ou da polícia, são suficientes para alertar o eleitorado antes de lhe conceder um voto de confiança. Eu não voto no Brasil, mas se pudesse fazer isso, não daria meu voto para reeleger um deputado ou senador sobre quem pesa não uma, mas até uma dúzia de acusações que ainda caminham lentamente pelos tribunais superiores, graças, muitas vezes, ao fato de ele ter advogados de renome que conseguem prolongar seus processos.
Lançar para as próximas eleições a Operação Lava Voto poderia significar o início de uma verdadeira catarse nacional, levando ao Congresso e à Presidência da República pessoas que não parecem ter se sujado com os jogos perversos da corrupção, cujo dinheiro foi subtraído dos hospitais, das escolas ou da pesquisa científica. É dinheiro de todos e de cada um, e por isso existe o direito sagrado de que cada cidadão que se aproxima de uma urna com seu voto possa se transformar em juiz e sem apelação. Se, apesar de tudo isso, houver pessoas que continuem dando seu voto a um candidato sabendo de sua falta de honradez moral, nesse caso serão elas mesmas que se condenarão ante sua consciência.
O fato de que existe uma grande perplexidade da sociedade brasileira frente à nomeação, por exemplo, do novo presidente da República é demonstrado pelos dados reveladores da última pesquisa do Datafolha, segundo a qual mais da metade dos eleitores ou não sabem ainda em quem vão votar ou não pensam em votar em ninguém, o que pode ser também um voto de resistência cívica. Nesse grupo estão 55% dos eleitores. Poderia parecer indiferença, mas também perplexidade em relação ao momento que vive o país e medo de poder se enganar votando em quem talvez continue agindo dando as costas para a população. Minha convicção, e tomara não me equivoque, é que desta vez, depois da Lava Jato, os cidadãos pensarão duas vezes antes de votar em um candidato, sinal de que, apesar de tudo, estamos diante de uma sociedade fundamentalmente saudável que quer participar ativamente da construção de seu próprio destino, o que seria impossível reelegendo os corruptos ou os que simplesmente têm cheiro de corrupção.
Marina Silva tem razão, uma Lava Voto seria a melhor culminação da limpeza política iniciada pela Lava Jato, que, apesar da artilharia lançada contra seus juízes e promotores, orquestrada muitas vezes nas sombras pelos corruptos, continua sendo uma das instituições mais valorizadas e mais aplaudidas por uma sociedade que está aperfeiçoando sua democracia.
O que a sociedade pode fazer? A pré-candidata à presidência Marina Silva teve uma ideia que seria bom que viralizasse nas redes sociais: criar um tribunal com 144 milhões de juízes − todos os brasileiros com direito a voto −, que deveriam se negar a votar em qualquer candidato sobre o qual recaia não uma condenação, e sim uma simples acusação ou suspeita de ter usado dinheiro público em vantagem própria. Esses 144 milhões de eleitores-juízes não precisam lutar com os intrincados problemas jurídicos que podem permitir que um réu em um processo dor corrupção dispute uma eleição. Para que esses milhões de juízes condenem um candidato, bastará uma simples acusação ou suspeita de que se trate de um político corrupto, porque poderão usar o argumento da moralidade pública que um representante do povo deveria poder demonstrar para pedir seu voto. Afinal, será que faz sentido que um candidato condenado, por exemplo, a vários anos de prisão em segunda instância − e apesar da Lei da Ficha Limpa − possa, por meio de recursos de seus advogados, disputar uma eleição? Legalmente, é possível, moralmente, não deveria sê-lo. Essa condenação de negar o voto a quem não demonstrar ter respeitabilidade e moral suficiente para poder representar a sociedade pode ser tão ou mais eficaz do que uma condenação judicial.
Será possível alegar que muitos desses milhões de eleitores não contam com informações suficientes sobre os candidatos para poder julgar sua honestidade. Poderia ser assim no passado, mas não agora, quando as técnicas de comunicação permitem conhecer em tempo real a vida e as ações dos cidadãos, ainda mais daqueles que já ocupam cargos públicos. Bastaria apresentar na internet, ou em cartazes nas ruas e praças do país, os nomes dos candidatos à eleição ou à reeleição acompanhados de suas biografias e das acusações ou suspeitas que possam recair sobre cada um deles quanto a condutas moralmente inconciliáveis com o cargo que desejam disputar. Não se trata de um julgamento sumário nas ruas, já que a sentença dos eleitores não tem valor de lei, mas existe a necessidade e o direito do cidadão de saber se a pessoa em quem pensa em votar merece ou não sua confiança no campo da decência moral. Para isso, existem hoje leis severas de transparência, que nos permitem conhecer as condutas dos escolhidos para governar o país. Não se trata de nenhuma caça às bruxas, apenas de saber um mínimo sobre a conduta pública de um candidato.
Um cidadão tem o direito de se negar a votar em um indivíduo, mesmo que este ainda não tenha sido declarado réu ou condenado por um tribunal de Justiça, se considerar que as denúncias que pesam sobre esse candidato, por parte da procuradoria ou da polícia, são suficientes para alertar o eleitorado antes de lhe conceder um voto de confiança. Eu não voto no Brasil, mas se pudesse fazer isso, não daria meu voto para reeleger um deputado ou senador sobre quem pesa não uma, mas até uma dúzia de acusações que ainda caminham lentamente pelos tribunais superiores, graças, muitas vezes, ao fato de ele ter advogados de renome que conseguem prolongar seus processos.
Lançar para as próximas eleições a Operação Lava Voto poderia significar o início de uma verdadeira catarse nacional, levando ao Congresso e à Presidência da República pessoas que não parecem ter se sujado com os jogos perversos da corrupção, cujo dinheiro foi subtraído dos hospitais, das escolas ou da pesquisa científica. É dinheiro de todos e de cada um, e por isso existe o direito sagrado de que cada cidadão que se aproxima de uma urna com seu voto possa se transformar em juiz e sem apelação. Se, apesar de tudo isso, houver pessoas que continuem dando seu voto a um candidato sabendo de sua falta de honradez moral, nesse caso serão elas mesmas que se condenarão ante sua consciência.
O fato de que existe uma grande perplexidade da sociedade brasileira frente à nomeação, por exemplo, do novo presidente da República é demonstrado pelos dados reveladores da última pesquisa do Datafolha, segundo a qual mais da metade dos eleitores ou não sabem ainda em quem vão votar ou não pensam em votar em ninguém, o que pode ser também um voto de resistência cívica. Nesse grupo estão 55% dos eleitores. Poderia parecer indiferença, mas também perplexidade em relação ao momento que vive o país e medo de poder se enganar votando em quem talvez continue agindo dando as costas para a população. Minha convicção, e tomara não me equivoque, é que desta vez, depois da Lava Jato, os cidadãos pensarão duas vezes antes de votar em um candidato, sinal de que, apesar de tudo, estamos diante de uma sociedade fundamentalmente saudável que quer participar ativamente da construção de seu próprio destino, o que seria impossível reelegendo os corruptos ou os que simplesmente têm cheiro de corrupção.
Marina Silva tem razão, uma Lava Voto seria a melhor culminação da limpeza política iniciada pela Lava Jato, que, apesar da artilharia lançada contra seus juízes e promotores, orquestrada muitas vezes nas sombras pelos corruptos, continua sendo uma das instituições mais valorizadas e mais aplaudidas por uma sociedade que está aperfeiçoando sua democracia.
Quando a pobreza se enraíza no espaço geográfico de um país
François Perroux, o principal economista francês do pós-Segunda Guerra Mundial, destacando-se, inclusive, como pioneiro na concepção da União Europeia, afirmava que o desenvolvimento é um processo seletivo e acumulativo que não aparece em todo lugar ao mesmo tempo, mas torna-se manifesto em certos pontos do espaço, com intensidade variável. De fato, dos 5.570 municípios brasileiros, cerca de 2.000 se localizam em áreas economicamente deprimidas. Em Minas, dos 853 municípios, quase 200 se encontram nessas áreas.
Uma área economicamente deprimida se caracteriza como um conjunto de municípios com um baixo nível de PIB per capita (inferior a 30% do PIB per capita brasileiro), elevados índices de pobreza e de carência de serviços sociais básicos, insuficiência de absorção de mão de obra (elevadas taxas de desemprego aberto, de subemprego ou desemprego disfarçado). Essas áreas se encontram, principalmente, no Sertão e no Agreste do Nordeste do país, no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Mucuri, no Norte de Minas e em áreas desmatadas da Amazônia.
Essas áreas têm em comum o fato de que utilizaram, historicamente, sua base de recursos naturais renováveis de forma predatória (florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a floresta amazônica) e não renováveis (Ciclos do Ouro e do Diamante em Minas). Na perspectiva da ecologia integral, não se pode segmentar de forma isolada e parcial os indicadores de desenvolvimento humano e os indicadores de sustentabilidade ambiental. A evolução da humanidade e a evolução da natureza são consideradas capítulos da mesma história.
Essa integração se processa pelos modelos de desenvolvimento do território que prevalecem em cada tempo histórico e em cada espaço geográfico. São os modos de consumo, de produção e de acumulação, conjugados com a organização espacial do território. É no processo de ocupação e desenvolvimento (“aménagement”) do território que ocorre a integração dialética entre homem e natureza.
O papa Francisco afirma, em sua encíclica “Laudato Si”, de 2015, que não estamos diante de duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas de uma crise complexa que é, ao mesmo tempo, social e ambiental. É essencial encontrar soluções e estratégias abrangentes que considerem as interações entre os próprios sistemas naturais com os sistemas sociais.
O processo de desenvolvimento sustentável define que o valor de um recurso ambiental (água doce, biodiversidade, climas amenos, ar puro etc.) é igual à soma do valor de uso e do valor de não uso. O valor de não uso considera o legado dos benefícios dos recursos ambientais que serão herdados pelas futuras gerações, os netos e bisnetos dos brasileiros. No caso das áreas economicamente deprimidas, onde o valor dos ativos ambientais e dos serviços ecossistêmicos foi destruído no passado, os indicadores socioeconômicos e socioambientais registram incontestáveis custos ecológicos e sociais.
E quem paga os custos dessa nefasta dívida histórica? É evidente que há custos que são inestimáveis. Outros são compensados por meio de políticas públicas. As populações das áreas economicamente deprimidas são beneficiárias, ainda que de forma precária, de políticas sociais compensatórias, financiadas pela carga tributária que pesa sobre as regiões mais desenvolvidas. Suas prefeituras são financiadas por transferências federais constitucionais e por fundos especiais, tendo como fontes de recursos a riqueza gerada nos Estados e municípios mais bem-aquinhoados. É como se centenas de municípios brasileiros vivessem de mesadas do governo federal. Sua esperança é que “as coisas mudam no devagar depressa dos tempos”, como já disse Guimarães Rosa.
Uma área economicamente deprimida se caracteriza como um conjunto de municípios com um baixo nível de PIB per capita (inferior a 30% do PIB per capita brasileiro), elevados índices de pobreza e de carência de serviços sociais básicos, insuficiência de absorção de mão de obra (elevadas taxas de desemprego aberto, de subemprego ou desemprego disfarçado). Essas áreas se encontram, principalmente, no Sertão e no Agreste do Nordeste do país, no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Mucuri, no Norte de Minas e em áreas desmatadas da Amazônia.
Essa integração se processa pelos modelos de desenvolvimento do território que prevalecem em cada tempo histórico e em cada espaço geográfico. São os modos de consumo, de produção e de acumulação, conjugados com a organização espacial do território. É no processo de ocupação e desenvolvimento (“aménagement”) do território que ocorre a integração dialética entre homem e natureza.
O papa Francisco afirma, em sua encíclica “Laudato Si”, de 2015, que não estamos diante de duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas de uma crise complexa que é, ao mesmo tempo, social e ambiental. É essencial encontrar soluções e estratégias abrangentes que considerem as interações entre os próprios sistemas naturais com os sistemas sociais.
O processo de desenvolvimento sustentável define que o valor de um recurso ambiental (água doce, biodiversidade, climas amenos, ar puro etc.) é igual à soma do valor de uso e do valor de não uso. O valor de não uso considera o legado dos benefícios dos recursos ambientais que serão herdados pelas futuras gerações, os netos e bisnetos dos brasileiros. No caso das áreas economicamente deprimidas, onde o valor dos ativos ambientais e dos serviços ecossistêmicos foi destruído no passado, os indicadores socioeconômicos e socioambientais registram incontestáveis custos ecológicos e sociais.
E quem paga os custos dessa nefasta dívida histórica? É evidente que há custos que são inestimáveis. Outros são compensados por meio de políticas públicas. As populações das áreas economicamente deprimidas são beneficiárias, ainda que de forma precária, de políticas sociais compensatórias, financiadas pela carga tributária que pesa sobre as regiões mais desenvolvidas. Suas prefeituras são financiadas por transferências federais constitucionais e por fundos especiais, tendo como fontes de recursos a riqueza gerada nos Estados e municípios mais bem-aquinhoados. É como se centenas de municípios brasileiros vivessem de mesadas do governo federal. Sua esperança é que “as coisas mudam no devagar depressa dos tempos”, como já disse Guimarães Rosa.
Direito das ruas
É comum ouvirmos que as coisas vão realmente mal num país quando você percebe que para produzir alguma coisa tem de pedir autorização a quem não produz nada. É a situação de todos os dias no Brasil – e ela vai ficando pior de governo em governo, com o aumento implacável na quantidade de cidadãos encarregados de dar ou recusar as autorizações para se fazer seja lá o que tem de ser feito. Reproduzem-se como coelhos; são pagos com salários extravagantes para regular todos os aspectos possíveis da vida humana, das licenças para cortar um galho de árvore à proibição da galinha de cabidela. Chamam a si próprios de “Estado”, como os padres se chamam de “clero” e os marqueses se chamavam de “nobreza”. São um dos principais motivos pelos quais o Brasil continua sendo um país subdesenvolvido. Já é ruim o suficiente, mas acaba de acontecer uma novidade para pior. Agora se pode dizer, além do que está dito acima, que as coisas também vão muito mal num país quando se vê, como acontece no Brasil de hoje, que cumprir a lei tornou-se um risco.
Os responsáveis pela criação desta nova realidade são os juízes, procuradores e altos burocratas da Justiça do Trabalho que não aprovaram a reforma da legislação trabalhista recentemente aprovada pelo Congresso Nacional – e que passou a ser a lei em vigor na República Federativa do Brasil nas questões relativas a trabalho. Essa porção da magistratura e da máquina trabalhista oficial não concorda com uma série de artigos da nova lei e, embora a sua obrigação, como a dos demais 200 milhões de brasileiros, seja obedecer o que está escrito nela, declarou que não vai cumprir as disposições das quais não gosta. Parecem, todos eles, envolvidos de alguma forma com uma postura mental que vem sendo chamada de “Novo Direito”, ou “Direito das Ruas”, ou algo assim. Segundo essa maneira de ver o mundo, os juízes só devem aplicar as leis que acham justas, ou que consideram boas para a sociedade, ou que estão de acordo com as suas crenças. No caso, parte dos magistrados trabalhistas acha que a nova lei é ruim – e, por isso, afirmam que não vão respeitar as suas determinações.
Há, naturalmente, toda uma discussão de alta teoria jurídica a respeito. Seu ponto central é que a magistratura não deve ser um instrumento cego de aplicação da lei, cabendo-lhe examinar antes da sentença como o texto legal tem de ser executado. É o que diz a exposição de motivos do decreto que criou a Justiça Federal em 1890; é o que recomenda a boa jurisprudência do direito americano. O fato de alguma coisa ter sido escrita em 1890 não é suficiente para torná-la uma verdade, nem aquilo que se faz num país tem de ser necessariamente bom para outro. Mas o que realmente importa é o seguinte: como é que ficam as coisas, então, na vida real de todo mundo? Se um juiz não estiver de acordo, por exemplo, com o fim do imposto sindical obrigatório, conforme determina a nova lei, o que vai acontecer? Ele pode dar a si próprio o direito de forçar os cerca de 40 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada a pagarem – e obrigar os empregadores a fazerem o desconto em folha? E a empresa – arrisca-se a ser punida se cumprir a lei e não fizer o recolhimento? O que acontece se o juiz não concordar que o empregado reduza o seu horário de almoço para sair mais cedo? O que a justiça trabalhista decidir na Bahia vai valer no Paraná? Há outras perguntas. Quem elegeu os juízes para alguma coisa? O fato de passarem num concurso público lhes dá agora o direito de escrever suas próprias leis? Mais: quem garante que os juízes são mais importantes para defender os interesses dos trabalhadores do que os empreendedores que criam seus empregos e pagam seus salários?
Isso é insegurança jurídica – nome que se dá a situações de caos onde o Estado não garante o cumprimento das leis. Costuma ser consequência de guerras, golpes de Estado ou outras calamidades; no Brasil de hoje é produzida pela própria justiça. Trata-se, também, de hipocrisia em estágio avançado. Para muitos, a recusa de obedecer a lei se destina a defender o pesqueiro da Justiça do Trabalho, com seus mais de 40.00 funcionários, cerca de 3.500 juízes (salário inicial: 27.500 reais por mês) e 4 milhões de novas causas trabalhistas por ano, segundo os números de 2016. Têm privilégios que causam espanto no mundo. Têm um fenômeno chamado Ministério Público do Trabalho. Têm, até, um supremo tribunal trabalhista. Não aceitam, é claro, que se mexa em nenhuma das aberrações que sustentam a sua existência.
Há, naturalmente, toda uma discussão de alta teoria jurídica a respeito. Seu ponto central é que a magistratura não deve ser um instrumento cego de aplicação da lei, cabendo-lhe examinar antes da sentença como o texto legal tem de ser executado. É o que diz a exposição de motivos do decreto que criou a Justiça Federal em 1890; é o que recomenda a boa jurisprudência do direito americano. O fato de alguma coisa ter sido escrita em 1890 não é suficiente para torná-la uma verdade, nem aquilo que se faz num país tem de ser necessariamente bom para outro. Mas o que realmente importa é o seguinte: como é que ficam as coisas, então, na vida real de todo mundo? Se um juiz não estiver de acordo, por exemplo, com o fim do imposto sindical obrigatório, conforme determina a nova lei, o que vai acontecer? Ele pode dar a si próprio o direito de forçar os cerca de 40 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada a pagarem – e obrigar os empregadores a fazerem o desconto em folha? E a empresa – arrisca-se a ser punida se cumprir a lei e não fizer o recolhimento? O que acontece se o juiz não concordar que o empregado reduza o seu horário de almoço para sair mais cedo? O que a justiça trabalhista decidir na Bahia vai valer no Paraná? Há outras perguntas. Quem elegeu os juízes para alguma coisa? O fato de passarem num concurso público lhes dá agora o direito de escrever suas próprias leis? Mais: quem garante que os juízes são mais importantes para defender os interesses dos trabalhadores do que os empreendedores que criam seus empregos e pagam seus salários?
Isso é insegurança jurídica – nome que se dá a situações de caos onde o Estado não garante o cumprimento das leis. Costuma ser consequência de guerras, golpes de Estado ou outras calamidades; no Brasil de hoje é produzida pela própria justiça. Trata-se, também, de hipocrisia em estágio avançado. Para muitos, a recusa de obedecer a lei se destina a defender o pesqueiro da Justiça do Trabalho, com seus mais de 40.00 funcionários, cerca de 3.500 juízes (salário inicial: 27.500 reais por mês) e 4 milhões de novas causas trabalhistas por ano, segundo os números de 2016. Têm privilégios que causam espanto no mundo. Têm um fenômeno chamado Ministério Público do Trabalho. Têm, até, um supremo tribunal trabalhista. Não aceitam, é claro, que se mexa em nenhuma das aberrações que sustentam a sua existência.
Os 'eleitos'
Precisamos dos profissionais da política, dessas pessoas que se dedicam integralmente à atividade política e que têm todo um aprendizado especialGilmar Mendes, ministro do STF
Quando política vira escárnio, só a urna resolve
Sérgio Cabral virou sinônimo de escárnio. Mas não chegou a esse ponto sozinho. Foi com a ajuda do eleitor do Rio de Janeiro que o PMDB de Cabral tornou-se força hegemônica no Estado. Em 2012, quando Lava Jato era apenas o nome que se dava aos lugares onde se lavavam carros, Eduardo Paes, reeleito prefeito do Rio pelo PMDB, chegou a lançar o nome de Cabral para vice de Dilma Rousseff.
Nessa época ainda brilhavam no dedo de Adriana Anselmo, a mulher de Cabral, os diamantes do anel comprado pelo empreiteiro Fernando Cavendish em Mônaco, num aniversário de madame. Era um achaque, informa agora Cavendish. Não, “foi um presente de puxa-saco”, disse Cabral em depoimento, antes de emendar: “Não sou Adhemar de Barros, rouba, mas faz…” Ai, ai, ai…
Nesta terça-feira, horas antes de Cabral prestar depoimento no Rio, o ministro Gilmar Mendes declarou em Brasília que não se pode considerar todos os políticos corruptos. Verdade. Só os que roubam. Precisamos dos profissionais da política, acrescentou Gilmar. Corretíssimo. Desnecessários são apenas os larápios.
Por ora, o Supremo de Gilmar não condenou nenhum político da Lava Jato. Assim, na Era das malas de dinheiro e dos anéis de diamantes, não resta ao brasileiro senão transformar as urnas de 2018 numa espécie de Juízo Final. Isso, evidentemente, se não quiser continuar fazendo o papel de bobo.
Nesta terça-feira, horas antes de Cabral prestar depoimento no Rio, o ministro Gilmar Mendes declarou em Brasília que não se pode considerar todos os políticos corruptos. Verdade. Só os que roubam. Precisamos dos profissionais da política, acrescentou Gilmar. Corretíssimo. Desnecessários são apenas os larápios.
Por ora, o Supremo de Gilmar não condenou nenhum político da Lava Jato. Assim, na Era das malas de dinheiro e dos anéis de diamantes, não resta ao brasileiro senão transformar as urnas de 2018 numa espécie de Juízo Final. Isso, evidentemente, se não quiser continuar fazendo o papel de bobo.
208 votos a favor e apenas 184 contra
Se a Medida Provisória 795/2017, que concede isenção de impostos para petrolíferas estrangeiras, fosse a proposta de emenda à Constituição (PEC) que reforma o sistema previdenciário, o governo teria experimentado na noite desta quarta-feira (30) uma derrota por diferença de 100 votos na tentativa de aprovar a PEC, que necessita de ao menos 308 votos.
Com texto-base aprovado por 208 votos a favor e 184 contra, a chamada “MP do Trilhão” provocou seis “dissidências” no PMDB, partido do presidente Michel Temer e pilar da base aliada no Congresso. No PSDB, legenda que está em vias de desembarque da aliança com Temer, dos 38 tucanos, nove votaram contra a medida provisória patrocinada pela gestão peemedebista.
Por parte da oposição, apenas PCdoB, PDT, Psol, PT e Rede votaram fechados em suas bancadas, assegurando 86 votos contra a matéria. No PPS, dos sete que votaram, apenas Arthur Oliveira Maia (BA), relator da reforma da Previdência, votou a favor do governo. Dos 23 que votaram no PSB, partido que saiu da base recentemente, quatro resolveram apoiar a proposição governista.
Apelidada de “MP do Trilhão” – por supostamente impor perdas da ordem de R$ 1 trilhão à União nos próximos 25 anos, em decorrência da isenção fiscal –, a medida isenta de taxas de importação, entre outras providências, produtos, projetos e serviços sob responsabilidade de empresas estrangeiras com interesses nos campos de petróleo brasileiros. Resta a votação de destaques apresentados para alterar o texto principal, a ser realizada na próxima semana.
Em vez de remédio contra Aids, Brasil financia analgésico em Moçambique
Quem entra na Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM), a única fábrica de remédios de Moçambique, dá de cara com um objeto em exibição dentro um cubo de vidro, sobre um pedestal. É um frasco de nevirapina 200 mg, componente de um dos tratamentos para a Aids. Pelo rótulo, sabemos que foi produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Brasil, e embalada no país africano. Validade: 05/2014.
Esperava-se que fosse um motivo de orgulho. Mas ali dentro estão as esperanças, vencidas e frustradas, dos dois países. Faz 14 anos que o Brasil apoia a criação dessa fábrica, destinada a produzir antirretrovirais - como são chamados os remédios que combatem o vírus HIV. É o mais longo projeto de cooperação do governo brasileiro na África, e o mais caro, com custo estimado em R$ 40 milhões.
Mas a iniciativa acaba de passar por uma transformação radical. Em vez de antirretrovirais, a fábrica produzirá paracetamol, analgésico comumente usado contra dor de cabeça e cólica. Para isso, contará com apoio técnico da Fiocruz e com um novo repasse de R$ 5 milhões do Ministério da Saúde brasileiro, aprovado no segundo semestre deste ano.
"Notícia boa é que não é. É triste para nós, mas não podemos fazer mais nada", desabafa Joaquim Govene, um dos moçambicanos treinados pelo Brasil para produzir medicamentos. "Nós não podemos fabricar antirretrovirais, mas pelo menos vamos produzir algo para a população."
O motivo principal da mudança é que a nevirapina, cuja tecnologia de produção o Brasil transferiu para Moçambique, ficou ultrapassada. Já foi muito importante no combate ao HIV, mas, à medida que o projeto da fábrica de antirretrovirais demorava para sair do papel, foi sendo substituída por outras drogas mais modernas e eficazes. Hoje, é raramente usada nos dois países.
"Produzir nevirapina é desperdiçar material, vai ser farinha", diz a médica Sheila Cassamo, responsável pela área de HIV da direção de saúde de Maputo, capital moçambicana. "Está obsoleta como droga", completa Adele Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle do HIV/Aids, do Ministério da Saúde brasileiro.
Jorge Mendonça é diretor de Farmanguinhos, unidade da Fiocruz responsável pela parceria com a SMM. Ele não participou da concepção do projeto, mas faz mea culpa.
"A indústria de medicamentos é muito agressiva. Um novo medicamento, uma nova abordagem, uma nova descoberta podem mudar o mercado completamente. Se fosse possível voltar atrás, talvez poderíamos não ter apostado tantas fichas de que essa seria uma fábrica para antirretrovirais. Tinha que ser uma fábrica para atender a saúde pública moçambicana."
Além da nevirapina, os planos eram que a fábrica produzisse outros dois antirretrovirais, mas isso não aconteceu. E se tivesse ocorrido, faria pouca diferença. Os dois também são pouquíssimo usados hoje.
Mendonça advoga pela importância do Brasil continuar financiando a fábrica: "O que está sendo investido lá não é nenhuma fortuna, é uma pequena contribuição para terminar esse projeto".
Esperava-se que fosse um motivo de orgulho. Mas ali dentro estão as esperanças, vencidas e frustradas, dos dois países. Faz 14 anos que o Brasil apoia a criação dessa fábrica, destinada a produzir antirretrovirais - como são chamados os remédios que combatem o vírus HIV. É o mais longo projeto de cooperação do governo brasileiro na África, e o mais caro, com custo estimado em R$ 40 milhões.
"Notícia boa é que não é. É triste para nós, mas não podemos fazer mais nada", desabafa Joaquim Govene, um dos moçambicanos treinados pelo Brasil para produzir medicamentos. "Nós não podemos fabricar antirretrovirais, mas pelo menos vamos produzir algo para a população."
O motivo principal da mudança é que a nevirapina, cuja tecnologia de produção o Brasil transferiu para Moçambique, ficou ultrapassada. Já foi muito importante no combate ao HIV, mas, à medida que o projeto da fábrica de antirretrovirais demorava para sair do papel, foi sendo substituída por outras drogas mais modernas e eficazes. Hoje, é raramente usada nos dois países.
"Produzir nevirapina é desperdiçar material, vai ser farinha", diz a médica Sheila Cassamo, responsável pela área de HIV da direção de saúde de Maputo, capital moçambicana. "Está obsoleta como droga", completa Adele Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle do HIV/Aids, do Ministério da Saúde brasileiro.
Jorge Mendonça é diretor de Farmanguinhos, unidade da Fiocruz responsável pela parceria com a SMM. Ele não participou da concepção do projeto, mas faz mea culpa.
"A indústria de medicamentos é muito agressiva. Um novo medicamento, uma nova abordagem, uma nova descoberta podem mudar o mercado completamente. Se fosse possível voltar atrás, talvez poderíamos não ter apostado tantas fichas de que essa seria uma fábrica para antirretrovirais. Tinha que ser uma fábrica para atender a saúde pública moçambicana."
Além da nevirapina, os planos eram que a fábrica produzisse outros dois antirretrovirais, mas isso não aconteceu. E se tivesse ocorrido, faria pouca diferença. Os dois também são pouquíssimo usados hoje.
Mendonça advoga pela importância do Brasil continuar financiando a fábrica: "O que está sendo investido lá não é nenhuma fortuna, é uma pequena contribuição para terminar esse projeto".
Como no tempo dos coronéis
Quase um terço dos domicílios do Nordeste recebe Bolsa Família, informou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2016, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 18,3 milhões de lares existentes na região, 29,3% são beneficiários diretos do programa do governo federal, que atende famílias extremamente pobres (renda per capita mensal de até R$ 85) e pobres (renda per capita mensal de R$ 85,01 a R$ 170).
Se o Nordeste é a região mais pobre do País, é natural que receba a ajuda do governo federal. O ponto, no entanto, não é esse. Diante das constatações da Pnad Contínua 2016, a questão que se apresenta é se o programa Bolsa Família, nos moldes desenhados pelas administrações petistas, é uma ajuda real à população nordestina ou se, pelo contrário, é mero expediente para manter um terço de toda a população da região dependente do Estado.
Avaliar a eficácia e os efeitos do Bolsa Família é muito mais do que uma análise ideológica do papel do Estado, já que estão envolvidos direitos e interesses de uma população extremamente vulnerável. Basta ver que um terço desse contingente de pessoas é considerado pobre ou extremamente pobre. Urge desvencilhar-se do discurso populista e examinar, com isenção e realismo, como se pode enfrentar o grave problema social que persiste há gerações no Nordeste.
Em primeiro lugar, o Bolsa Família não reverte as causas da situação de pobreza. O programa apenas atenua momentaneamente as adversidades da carência de recursos econômicos. Ou seja, o programa de transferência de renda minimiza os efeitos da pobreza, mas está longe de representar uma resposta adequada para o subdesenvolvimento econômico e social.
A crise econômica iniciada em 2014 evidenciou essa fragilidade do Bolsa Família em termos de proteção social. Apesar de um terço dos lares nordestinos receber ajuda direta do governo, o Nordeste foi a região mais afetada pela crise, com índices recordes de desemprego e de decréscimo de renda.
Por mais extenso que possa ser, o Bolsa Família é sempre uma resposta frágil e insuficiente ao problema social da pobreza. E nessa sua insuficiência o programa termina por ser perverso, ao criar uma relação de dependência. Sem tirar as pessoas da situação de pobreza, o Bolsa Família dá apenas uma ajuda momentânea recorrente. Ou seja, se nada mais relevante for feito, no mês seguinte, no ano seguinte, na geração seguinte, as pessoas continuarão precisando da ajuda estatal. Melhor seria, portanto, nem chamar esse tipo de atuação do Estado de programa social.
Logicamente, é preciso cuidar do curto prazo. As pessoas que vivem em situação de pobreza necessitam de auxílio imediato. No entanto, quando o Estado se limita a fazer isso, ele condena essas pessoas à dependência, com a manutenção dos índices de pobreza e desigualdade, como informa a Pnad Contínua 2016 a respeito do Nordeste.
Tanto por sua extensão - um terço das famílias - como pela própria limitação da sua finalidade - um auxílio de renda mensal, sem contrapartida -, as características do Bolsa Família no Nordeste revelam um traço atroz do PT. Em vez de promover o desenvolvimento econômico e social de sua região, o sr. Lula da Silva fez da pobreza uma oportunidade eleitoral, exatamente como os antigos coronéis nordestinos. Não deve ser surpresa, portanto, se a situação social continua exatamente igual como nos tempos pretéritos, com o Nordeste campeão em pobreza e em desigualdade.
Os números do Bolsa Família no Nordeste confirmam o diagnóstico da Pnad Contínua sobre a realidade econômica e social da região. O Nordeste continua sendo a região mais pobre e mais desigual do País. No ano passado, o rendimento mensal médio na região foi de R$ 1.352, ante uma média nacional de R$ 2.053. Em relação ao índice de Gini, que avalia a igualdade - de zero (perfeita igualdade) a um (máxima desigualdade) -, o Nordeste recebeu a pontuação de 0,555.
Se o Nordeste é a região mais pobre do País, é natural que receba a ajuda do governo federal. O ponto, no entanto, não é esse. Diante das constatações da Pnad Contínua 2016, a questão que se apresenta é se o programa Bolsa Família, nos moldes desenhados pelas administrações petistas, é uma ajuda real à população nordestina ou se, pelo contrário, é mero expediente para manter um terço de toda a população da região dependente do Estado.
Avaliar a eficácia e os efeitos do Bolsa Família é muito mais do que uma análise ideológica do papel do Estado, já que estão envolvidos direitos e interesses de uma população extremamente vulnerável. Basta ver que um terço desse contingente de pessoas é considerado pobre ou extremamente pobre. Urge desvencilhar-se do discurso populista e examinar, com isenção e realismo, como se pode enfrentar o grave problema social que persiste há gerações no Nordeste.
Em primeiro lugar, o Bolsa Família não reverte as causas da situação de pobreza. O programa apenas atenua momentaneamente as adversidades da carência de recursos econômicos. Ou seja, o programa de transferência de renda minimiza os efeitos da pobreza, mas está longe de representar uma resposta adequada para o subdesenvolvimento econômico e social.
A crise econômica iniciada em 2014 evidenciou essa fragilidade do Bolsa Família em termos de proteção social. Apesar de um terço dos lares nordestinos receber ajuda direta do governo, o Nordeste foi a região mais afetada pela crise, com índices recordes de desemprego e de decréscimo de renda.
Por mais extenso que possa ser, o Bolsa Família é sempre uma resposta frágil e insuficiente ao problema social da pobreza. E nessa sua insuficiência o programa termina por ser perverso, ao criar uma relação de dependência. Sem tirar as pessoas da situação de pobreza, o Bolsa Família dá apenas uma ajuda momentânea recorrente. Ou seja, se nada mais relevante for feito, no mês seguinte, no ano seguinte, na geração seguinte, as pessoas continuarão precisando da ajuda estatal. Melhor seria, portanto, nem chamar esse tipo de atuação do Estado de programa social.
Logicamente, é preciso cuidar do curto prazo. As pessoas que vivem em situação de pobreza necessitam de auxílio imediato. No entanto, quando o Estado se limita a fazer isso, ele condena essas pessoas à dependência, com a manutenção dos índices de pobreza e desigualdade, como informa a Pnad Contínua 2016 a respeito do Nordeste.
Tanto por sua extensão - um terço das famílias - como pela própria limitação da sua finalidade - um auxílio de renda mensal, sem contrapartida -, as características do Bolsa Família no Nordeste revelam um traço atroz do PT. Em vez de promover o desenvolvimento econômico e social de sua região, o sr. Lula da Silva fez da pobreza uma oportunidade eleitoral, exatamente como os antigos coronéis nordestinos. Não deve ser surpresa, portanto, se a situação social continua exatamente igual como nos tempos pretéritos, com o Nordeste campeão em pobreza e em desigualdade.
Tempo de menino Jesus e do Papai Noel
Durante dois milênios não houve Papai Noel, e o Menino Jesus reinou triunfante no Natal, sem avós, sem tios, sem quaisquer outros parentes, nem amigos, acolhido e cuidado apenas por sua mãe e seu pai, rodeado de animais num estábulo, entretanto saudado por anjos e visitado por reis.
Em presépios medievais, o número de soberanos passou de duzentos, dando a ideia de que monarcas de todo o mundo foram visitar aquele que seria o rei dos reis.
Mas por que tudo mudou tanto? Machado de Assis pergunta em célebre soneto: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. Tudo mudou primeiramente porque os evangelhos, incluindo os apócrifos, inventaram um outro Jesus.
As festividades de Natal surgiram apenas no século III. Mandatários cristãos fizeram coincidir o nascimento de Jesus com uma grande festa pagã, realizada em dezembro, no solstício de inverno (no hemisfério norte; no hemisfério sul é solstício de verão), tornada oficial pelo imperador romano Aureliano para homenagear o deus Solis Invictus, o Sol Invencível.
A Igreja procurava fazer as pazes com o poderoso Império Romano que tanto a perseguira no passado, mas do qual tornara-se promissora aliada, como demonstraria no século seguinte, a partir do reinado de Constantino, o Grande.
Jesus nascera em Belém porque Maria, já nos últimos dias da gravidez, viajava em companhia do marido para atender ao recenseamento ordenado pelo imperador César Otaviano Augusto e dado a cumprir por Quirino, governador da Síria, jurisdição à qual estava subordinada a Judeia.
As informações deveriam ser dadas em Belém porque José, o declarante, tinha nascido lá, a 150 km de Nazaré, onde o casal então vivia. Na época, a distância era percorrida em quatro ou cinco dias, provavelmente em caravana de camelos.
Dizem os Evangelhos que a gravidez de Maria foi anunciada pelo anjo Gabriel em meio a uma luz muito brilhante. No século VII, este dia foi fixado em 25 de março e tornado festivo para celebrar a Anunciação, com o fim de fazer com o que nascimento do menino ocorresse exatamente em 25 de dezembro, pois até então o Natal era celebrado em outras datas.
No século XIII, São Francisco de Assis, nome religioso de Giovanni di Pietro di Bernardone, que viveu entre fins do século XII e começo do século XIII, fez mudança decisiva no Natal, ao instalar o primeiro presépio do mundo.
No início, em Assis, os personagens eram moradores da própria localidade, mas a partir do século XV, em Nápoles, foram substituídos por manequins de madeira. E da Itália, sede da cristandade, este tipo de presépio espalhou-se pelo mundo inteiro.
Já Papai Noel é personagem lendário, entretanto amparado na existência real de São Nicolau, um arcebispo irlandês que viveu entre os séculos III e IV e que ajudava muito os pobres. Certa vez, teria poupado três irmãs da escravidão ou da prostituição, ao colocar moedas de ouro na chaminé da casa onde moravam e assim possibilitar-lhes pagar os respectivos dotes.
Todavia o Papai Noel, tal como o conhecemos hoje, deve muito ao conto Uma visita de São Nicolau, escrito pelo americano Clement Clark Moore, em 1822.
Foi este autor quem fixou a residência de Papai Noel na Lapônia, na Finlândia, e é dele também a invenção de que o bom velhinho viaja numa carruagem puxada por renas.
Reza a frase famosa que “quando a lenda supera a realidade, publica-se a lenda”. É o que vem acontecendo com o Natal há milhares de anos!
Deonísio da Silva
Em presépios medievais, o número de soberanos passou de duzentos, dando a ideia de que monarcas de todo o mundo foram visitar aquele que seria o rei dos reis.
Mas por que tudo mudou tanto? Machado de Assis pergunta em célebre soneto: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. Tudo mudou primeiramente porque os evangelhos, incluindo os apócrifos, inventaram um outro Jesus.
A Igreja procurava fazer as pazes com o poderoso Império Romano que tanto a perseguira no passado, mas do qual tornara-se promissora aliada, como demonstraria no século seguinte, a partir do reinado de Constantino, o Grande.
Jesus nascera em Belém porque Maria, já nos últimos dias da gravidez, viajava em companhia do marido para atender ao recenseamento ordenado pelo imperador César Otaviano Augusto e dado a cumprir por Quirino, governador da Síria, jurisdição à qual estava subordinada a Judeia.
As informações deveriam ser dadas em Belém porque José, o declarante, tinha nascido lá, a 150 km de Nazaré, onde o casal então vivia. Na época, a distância era percorrida em quatro ou cinco dias, provavelmente em caravana de camelos.
Dizem os Evangelhos que a gravidez de Maria foi anunciada pelo anjo Gabriel em meio a uma luz muito brilhante. No século VII, este dia foi fixado em 25 de março e tornado festivo para celebrar a Anunciação, com o fim de fazer com o que nascimento do menino ocorresse exatamente em 25 de dezembro, pois até então o Natal era celebrado em outras datas.
No século XIII, São Francisco de Assis, nome religioso de Giovanni di Pietro di Bernardone, que viveu entre fins do século XII e começo do século XIII, fez mudança decisiva no Natal, ao instalar o primeiro presépio do mundo.
No início, em Assis, os personagens eram moradores da própria localidade, mas a partir do século XV, em Nápoles, foram substituídos por manequins de madeira. E da Itália, sede da cristandade, este tipo de presépio espalhou-se pelo mundo inteiro.
Já Papai Noel é personagem lendário, entretanto amparado na existência real de São Nicolau, um arcebispo irlandês que viveu entre os séculos III e IV e que ajudava muito os pobres. Certa vez, teria poupado três irmãs da escravidão ou da prostituição, ao colocar moedas de ouro na chaminé da casa onde moravam e assim possibilitar-lhes pagar os respectivos dotes.
Todavia o Papai Noel, tal como o conhecemos hoje, deve muito ao conto Uma visita de São Nicolau, escrito pelo americano Clement Clark Moore, em 1822.
Foi este autor quem fixou a residência de Papai Noel na Lapônia, na Finlândia, e é dele também a invenção de que o bom velhinho viaja numa carruagem puxada por renas.
Reza a frase famosa que “quando a lenda supera a realidade, publica-se a lenda”. É o que vem acontecendo com o Natal há milhares de anos!
Deonísio da Silva
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