quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Pensamento do Dia

 


Orgulho de ser Brasileiro

Não há do que se orgulhar de um presidente que incita continuamente a quebra da ordem institucional em pleno ambiente de normalidade democrática, sem que haja qualquer ameaça interna ou externa ao país, após o extremo fracasso da política econômica e de suas políticas sociais. O episódio de 7 de setembro e a passagem de Bolsonaro por Nova Iorque com seu discurso na ONU, diametralmente oposto e desconectado da realidade, são vexames mundiais.


Em Pesquisa Nacional da Sensus, 90% apontam os motivos para se ter e não ter orgulho de ser brasileiro. Dentre os motivos positivos, estão as “riquezas naturais” com 26%, as “praias e belezas naturais” com 10%, o “futebol e os esportes” com 6%. Dentre os motivos negativos, estão a “corrupção” com 41%, a “violência” com 17%, e a “pobreza e miséria” com 13%. Ou seja, os motivos de orgulho são os culturais e de nossas belezas naturais, e os motivos para não se orgulhar são os das atitudes e situação social.

Os indicadores econômicos e sociais do Brasil não são muito alentadores. Na economia, a renda per-capita é de US$ 8.900,00 anuais, abaixo da média mundial, de US$ 10.600,00. Na educação secundária, o Brasil ocupa a 59ª colocação no PISA dentre 79 países do mundo. Na segurança pública, o índice anual de homicídios por 100 mil habitantes é de 27, China com 0,5, Europa 1, Estados Unidos 5. Adicione-se o completo descaso para com o meio ambiente.

Adicionalmente, o Brasil apresenta aspectos pouco imagináveis no mundo moderno de hoje. Recentemente, o mais significativo é a esdrúxula e mal fundada discussão sobre o tratamento precoce para o Covid por meio de hidroxicloroquina, medicamento cientificamente comprovado como ineficaz para o vírus, defendido por Bolsonaro na ONU, motivo de galhofa em todos os países do mundo. Adicione-se a desinformação de que a OMS não recomendaria a vacinação para Covid dos adolescentes, agora revogada.

Roberto DaMatta, em sua maestria, sintetiza os símbolos e motivos que agregam o povo brasileiro. Se me permitam fazer uma leitura livre, em Carnavais, Malandros e Heróis, DaMatta discorre sobre os símbolos de nosso povo, o carnaval com a inversão antropológica das classes, o malandro que dá um jeitinho para navegar na sociedade autocrática, e o herói que simboliza a ordem e a hierarquia. Em O que faz o brasil, Brasil?, o primeiro Brasil com b minúsculo, o das dificuldades econômicas na sociedade autocrática, e o segundo Brasil com B maiúsculo, o do ufanismo de nosso país e de nossa gente, no futebol, na comida, na música, da gargalhada fácil em condições adversas, onde a feijoada une os diferentes polos em um amplo congraçamento social, DaMatta em muito resume o que poderíamos livremente chamar de o jeito brasileiro de ser.

Este é o nosso país, bom e ruim ao mesmo tempo. Que Bolsonaro não nos tire a graça, com nada a oferecer, ou a substituir, nem na economia nem na cultura, sem moeda de troca.

Os mil dias da Sodoma e Gomorra bolsonarista

Os mil dias do governo de Jair Bolsonaro foram comemorados com inaugurações de obras pífias e entrevistas a veículos chapa-branca, nas quais o vazio mental do presidente da República não conseguiu ser preenchido por jornalistas que estavam ali dispostos a colaborar para que o inquilino do Planalto tentasse passar a imagem de estadista. Numa das entrevistas, inclusive, diante do deserto de ideias que se estendia a perder de vista, Jair Bolsonaro foi perguntado sobre armas atômicas, uma das questões nacionais mais urgentes, como se sabe. Se bem entendi, queriam saber se, no caso de o Brasil voltar a investir em usinas nucleares, isso poderia levar à fabricação de bombas atômicas. O presidente da República garantiu que não. Fiquei aliviado.

Do governo de Jair Bolsonaro, consigo extrair duas coisas boas até agora, como já disse em outro artigo: a modernização das leis trabalhistas, que será solapada pelos sindicalistas de toga e sem toga, e a sanção do novo Marco Legal do Saneamento, que abre caminho para que empresas privadas possam universalizar a rede de água potável e de tratamento de esgotos até 2033. Para não ser injusto, lembro agora da Reforma da Previdência. Adiou bastante a explosão da bomba-relógio fiscal. Três aspectos bons, portanto. Se Jair Bolsonaro não tivesse feito nada de certo além disso, já teria sido medíocre o suficiente para entrar no panteão das glórias nacionais. O problema é que as coisas erradas suplantaram em muito as corretas.

Eu classificaria os mil dias de governo como os mil dias de Sodoma e Gomorra, nos quais a racionalidade e a estabilidade foram seguidamente violadas, em uma orgia que, iniciada pelo Palácio do Planalto, tomou conta da Praça dos Três Poderes. No livro Me Odeie pelos Motivos Certos, que reúne artigos que escrevi para a Crusoé e para O Antagonista e acaba de ser lançado em versão impressa pela Topbooks, fiz um balanço sucinto do atual governo:


“Uma vez no poder, Jair Bolsonaro açulou as suas hostes contra os poderes constituídos, dando pretexto a que manifestações legítimas de liberdade de expressão fossem misturadas às ilegítimas. Ele também flertou com o autogolpe, tentando cooptar militares. Como escrevi em outro artigo, ‘depois de explodir todas as pontes de tráfego decente com o Congresso — com a ajuda estimável do gabinete do ódio especializado em fake news, equivalente aos blogs sujos do petismo — e inviabilizar um diálogo político minimamente saudável com deputados e senadores, o presidente sem partido estabeleceu uma pinguela com o Centrão, para contornas as dificuldades que ele mesmo criou e, no limite, um processo de impeachment. Sob os aplausos dos seus cúmplices no parlamento (petistas incluídos), Bolsonaro chancelou a destruição da Lava Jato e atingiu o máximo da infâmia ao forçar a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, a fim de mudar o diretor-geral da Polícia Federal e, assim, tentar evitar que investigações conduzidas no Rio de Janeiro alcançassem os seus filhos ou até ele próprio. A demissão de Moro teve ainda outro motivo: o medo de que o ex-ministro da Justiça lhe fizesse sombra em 2022. Bolsonaro, ao contrário do que dizia na campanha, quer ser reeleito. Com a cabeça na reeleição e refém do Centrão, o presidente estoura os cofres públicos. Em meio à urgência sanitária mundial, ele ainda demonstra o mais sociopático desprezo pela perda de milhares de vidas dos seus concidadãos’. Como não poderia deixar de ser, declarou guerra aberta à imprensa independente, que aponta os desvios no seu governo e critica o seu comportamento abjeto e característico de um sociopata no enfrentamento a pandemia. Para tanto, usa da intimidação judicial. Enquanto bate no jornalismo independente, ele beneficia empresários amigos no setor de comunicação, a fim de obter noticiário favorável, quando não francamente propagandístico.

Desesperado com as consequências políticas e criminais do relatório da CPI da Covid, além da possibilidade cada vez maior de perder a eleição em 2022, passou a atacar com virulência o STF e o TSE, com xingamentos a ministros do Supremo, e a divulgar notícias falsas sobre a falta de segurança das urnas eletrônicas. O seu alvo principal é o ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou a abertura da CPI no Senado, em obediência à Constituição e ao regimento da casa, e preside neste momento o TSE. O ministro é forte opositor da adoção do voto impresso, que virou cavalo de batalha de Bolsonaro, apesar de ter sido fonte de inúmeras fraudes em eleições em todos os níveis, o contrário do que o presidente apregoa. Qualquer discussão racional sobre o tema foi anulada pelo destempero do presidente e as suas ameaças de intervenção militar. Em reação inédita na história da República, o STF e o TSE abriram investigações sobre a conduta de Jair Bolsonaro, atribuindo-lhe a suposta prática de diversos crimes. Na economia, o seu discurso de campanha, em prol de uma agenda liberal, deu lugar ao fisiologismo, à perpetuação do inchaço da máquina estatal, ao assistencialismo eleitoreiro e à intervenção federal em estatais que eram para ser privatizadas. A política populista de juros baixos resultou em aumento exponencial do preço do dólar e, consequentemente, em aumento de inflação. Hoje é possível dizer que Jair Bolsonaro e Lula se equivalem como ameaças à democracia, cada um a seu modo. E as recidivas de ambos podem ser ainda piores para o país.”

O balanço foi feito antes de Jair Bolsonaro ser relativamente domesticado pelo ex-presidente da República Michel Temer, que visou a manter tudo isso aí, viu, e o ministro Alexandre de Moraes, a cujos ímpetos autoritários o presidente da República deu vazão, com seus ataques desmiolados ao STF. Mas se algo mudou, foi para não mudar.

Quando foi eleito, Jair Bolsonaro disse que governaria pelo exemplo. Faltou dizer que era pelo péssimo exemplo.

Dá pena ao mundo

O mundo já invejou, já amou, já desejou o Brasil. Nunca sentiu pena. Agora sente
Paulo Coelho

A tática nazista da Prevent Senior

Já pode chamar Bolsonaro de genocida? Denúncias que vieram à tona na segunda-feira (27/9) acrescentaram elementos ainda mais tenebrosos às práticas da Prevent Senior. Acusada de promover ensaios usando medicamentos com ineficácia cientificamente comprovada para o tratamento contra a Covid-19, a rede hospitalar é agora suspeita de homicídio. “Eutanásia disfarçada”, responsabilizou o senador Otto Alencar.

A Prevent Senior tratou doentes como cobaias, nas barbas do Ministério da Saúde e do presidente Bolsonaro. O capitão e seus filhos replicaram, nas redes sociais, a “pesquisa” com cloroquina e outros bichos. E tinham intermediários como fontes. Dra. Nise Yamagushi, frequentadora da Prevent, era conselheira de Bolsonaro, entre outros negacionistas.


O que dirá agora o presidente da República diante de provas – literalmente – vivas dos expedientes desumanos utilizados pela rede hospitalar e por seu quadro profissional? Bolsonaro poderá alegar desconhecimento. Difícil acreditar. Impossível crer em qualquer palavra desse ser baixo e ignorante.

A GloboNews trouxe o chocante depoimento de Tadeu Frederico de Andrade, 65 anos, literalmente sobrevivente da Prevent Senior. No laboratório da morte, após um mês internado e intubado, Tadeu foi considerado caso perdido. Os médicos notificaram à família: Tadeu teria tratamento “paliativo para que morresse com dignidade”.

Seus filhos reagiram, contrataram um médico de outro hospital, e viram o pai reagir. O caso foi levado pelo próprio paciente à CPI da Covid e ao Ministério Público de São Paulo. Ontem mesmo, a Assembleia Legislativa de São Paulo anunciou a instalação da CPI da Prevent. Em Brasília, o caso ainda vai render. As graves denúncias tornam ainda mais necessárias novas investigações.

Senadores da CPI da Covid veem relação entre a Prevent Senior e o governo Bolsonaro. Suspeita-se que o Ministério da Saúde tenha usado protocolo da operadora para estimular a utilização de medicamentos sem comprovação científica por médicos e pacientes contra a doença. Não é pouca coisa. O chamado kit Covid pode ter causado milhares de mortes.

Nesta quarta-feira (29/9), estará na CPI o farofeiro Luciano Hang. Já autodenominado “Véio da Havan”, Hang é dono de muitas mentiras e confia na impunidade que reina nesse país – à exceção de uns poucos. Pode entregar alguns quilates à CPI. Ele fala. Provoca. Ficou seis meses suspenso das redes sociais e voltou mais atrevido.

Com fortuna de R$ 15 bilhões e quase 150 lojas físicas pelo Brasil afora, Luciano Hang chega mal na foto. Mensagens revelaram à CPI como esse empresário bilionário e bolsonarista de primeira hora financiou a disseminação de fake news e o funcionamento do “gabinete do ódio”. A intermediação foi do deputado Eduardo Bolsonaro.

Há quem ache um exagero a convocação de Hang. Senadores e alguns comentaristas políticos alegam que um dos assuntos é extremamente delicado: a morte de sua mãe por Covid-19. Estranho duvidar de seu poder de fogo. O próprio internou a mãe com Covid-19 num hospital da Prevent Senior e o atestado de óbito não traz a doença como causa da morte.

Hang vai render uma sessão interessante. Fanfarrão e loroteiro, o Véio da Havan lançou desafio ontem nas redes sociais. Postou um vídeo com algemas e debochou da CPI. “Terei todo o tempo do mundo para falar e, se não ficarem satisfeitos, me prendam.”

De onde menos se espera…

Um brasileiro em Nova York


1.Nascido no gigante adormecido, Jair Bolsonaro foi à cidade que jamais dorme para fazer um discurso na ONU.

O resultado foi um discurso pífio e um patético flagrante do Supremo Mandatário e de sua comitiva desamparados, comendo pizza numa calçada. É claro, como já mencionei aqui, Bolsonaro se acha acima das normas e da biologia, embora tenha contraído a doença. Superiores não se vacinam e, irresponsavelmente, esquecem o caráter exemplar de seus cargos. Você pode ser individualista, mas o vírus é coletivista.

Bolsonaro é uma extremada ambivalência ambulante, essa marca dos poderosos nacionais. Pois — com raríssimas exceções — ter poder no Brasil é “ter a faca e o queijo nas mãos”, é ignorar normas. Seja porque os “superiores” não lhes obedecem; ou porque estão convencidos de que são seus donos. Afinal, eles as inventam e, se têm esse poder, não precisam segui-las. Elas são feitas para o “povo”. As elites legislativas (que estão em todo lugar) relativizam tudo com o “você sabe com quem está falando?”.

Só que, em Nova York, as regras valem para todos. Um presidente pode declarar uma guerra, mas não acaba com o ataque viral... Recusando fazer em Roma como os romanos, Bolsonaro viu sua teimosia virar pizza.

2. Seus defensores dizem que a implicância com a vacinação é um exercício de liberdade. Ignorantes, não sabem que o mais importante papel público da República restringe a vida pessoal. O preço do comando é a paradoxal submissão do comandante a seu papel. Poderes excepcionais roubam o prazer dos papéis comuns. O capitão de um navio tem medo da tempestade como passageiro, mas, como capitão, ele a enfrenta. É o preço do papel cerimonioso e sagrado, porque pertence ao povo, tem exigências.

Nosso “esquecido” viés aristocrático acentua os privilégios, ignorando suas responsabilidades. É nesse espaço que germinam a corrupção e a destruição institucional da má-fé golpista.

3. Então o presidente não tem direitos? Eis uma grave questão. Claro que ele decide sobre sua vida pessoal, mas com uma aguda consciência dos papéis que desempenha. Pode o Supremo Mandatário da nação fazer campanha contra a vacina tomando o partido da pandemia e da morte? Pode convocar o povo a apoiá-lo no desmonte dos Poderes da República?

4. É óbvio que — como cidadão — ele pode ser o que bem entender, desde que perceba que seu lugar como pessoa comum foi englobado pelo cargo para o qual foi eleito e que dele exigiu um juramento de lealdade. O juramento solene de lealdade ao papel torna o papel mais importante que o ator.

Numa democracia, talvez o mais espinhoso seja a exigência de que ele é um ocupante temporário do cargo — um cargo, aliás, interligado a outros poderes. Algo obviamente difícil para mandões, numa sociedade em que o “mandonismo” — como dizia a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz — é parte inconsciente do poder no Brasil. Aliás, com esse viés absolutista, como resistir aos parentes, comadres, amigos, bem como às seduções do sicofantismo e, sem dúvida, da burrice teimosa que faz parte de todo papel de direção e é uma característica do governo Bolsonaro?

5. Numa Nova York pandêmica, essa consciência do papel foi aguçada. Um representante de um país tem o dever de exibir o bom senso desse país. Coisa ignorada pelo presidente, que, diante de uma pandemia, entende ser contra a vacina e se expõe ao ridículo de verbalizar isso numa cidade que impôs a regra sanitária da vacinação em lugares reservados.

O direito de não se vacinar é moralmente equivalente ao direito de pular de um abismo. Alguns direitos — os de matar, de cometer incesto ou de procurar adoecer — são interditos. Verbalizados, eles denunciariam a penúria ética da sociedade. É exatamente isso que está em jogo com as vacinas. Não é a liberdade do idiota que não se vacina, mas a ameaça que ele representa aos que com ele convivem.