sábado, 1 de dezembro de 2018

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Claude LeTien

Em desmanche

Circulou no noticiário um pensamento muito interessante que o novo presidente, Jair Bolsonaro, expressou durante uma conversa com a também nova deputada Janaina Paschoal. 

“O importante não é o que vamos fazer”, disse ele, “mas o que vamos desfazer.” 

O Brasil será um país a caminho da felicidade se Bolsonaro estiver mesmo pensando assim — e, principalmente, se conseguir até o fim do seu mandato desmanchar metade do que imagina que precisa ser desmanchado. 

O país, caso essa visão se transforme em realidade, fará mais progresso em seu governo do que fez nos últimos cinquenta anos. 



Já aconteceu com o Mais Médicos, que sumiu antes mesmo de o novo governo começar. 

Continuará a acontecer? 

É claro que muita gente pode perguntar: como assim, se há tanta coisa que precisa ser feita, e com tanta urgência? 

Simples: isso tudo deverá vir naturalmente, no espaço deixado pela monstruosa montanha de entulho que foi jogada em cima da sociedade brasileira nos últimos quinze anos. 

Pense um minuto, por exemplo, no “trem-bala” dos presidentes Lula e Dilma.
Não existe trem-bala nenhum.

Nunca existiu. 

Nunca vai existir. 

A única coisa que existiu, aí, foi a transferência de dinheiro do seu bolso para o bolso dos empresários do “campo progressista”. 

Mas até hoje continua existindo a empresa estatal legalmente constituída para cuidar do “projeto”. 

Chama-se EPL, tem diretoria, 140 funcionários, orçamento de 70 milhões de reais e por aí afora. Nenhum país no sistema solar pode dar certo desse jeito.
A escolha é clara: ou o Brasil progride, cria riquezas, cria empregos, gera e distribui renda com o desenvolvimento da atividade econômica produtiva, ou tem o trem-bala de Lula e Dilma. 

É uma coisa ou a outra: não dá para ter as duas ao mesmo tempo. 

Também não dá para melhorar a vida de um único pobre, um só que seja, doando 1,3 milhão de reais de dinheiro público à cantora Maria Bethânia, para que ela declame poemas num blog pessoal, em clipes produzidos pelo diretor Andrucha Waddington. 

Não será possível ir a nenhum lugar enquanto continuar existindo a TV Brasil, invenção de Lula que custa 1 bilhão de reais por ano, emprega mais de 2 000 amigos do PT e tem zero de audiência. 

Que mais? 

Mais de mil coisas, ou seja lá quantas forem, que a segunda parte do governo Dilma — este que está aí, com o nome de “governo golpista” de Michel Temer — deixou intactas para você pagar. 

Tirem esse lixo todo daí e o Brasil dará um salto.

A verdade, para simplificar a história, é que o país se prejudica muito mais com as coisas que o governo faz do que com as coisas que não faz. 

Eis aí: o ideal, mesmo, seria um governo que não fizesse nada do que não precisa ser feito. 

O Brasil não precisa de Plano Quinquenal. Não precisa de “obras estruturantes” nem de “políticas públicas”. 

Não precisa da Refinaria Abreu e Lima, pela qual você está pagando 20 bilhões de dólares desde o início do governo Lula — dez vezes mais do que estava orçado — e que até agora não ficou pronta. (Essa era a tal em que fizeram a Petrobras ficar sócia da Venezuela de Hugo Chávez, que nunca colocou um único tostão na obra.) 

Não precisa de PAC — um monumento mundial à roubalheira, à incompetência e à mentira. 

Não precisa de pirâmides como a Copa do Mundo, ou a Olimpíada, com estádios e uma Vila Olímpica inteira hoje afundando no chão, porque roubaram no material, no projeto e em tudo o que foi humanamente possível roubar — sem que nenhuma alma em todo o majestoso Estado brasileiro ficasse sabendo de nada. 

O teste mesmo é o seguinte: o Brasil estaria melhor ou pior se não tivesse feito nada disso?

Num país em que uma empresa pode gastar 2 000 horas por ano só lidando com as exigências que o governo inventa para arrecadar impostos — e quando se vê que essas 2 000 horas significam 83 dias de 24 horas, inteiramente perdidos, sem que se produza um único alfinete —, dá para se ter uma ideia da ruína em que colocaram o Brasil. 

Se o governo desfizer isso, simplesmente desfizer, será melhor ou pior? Fala-se aqui, singelamente, das aberrações mais estúpidas. 

Espere até chegarem os problemas realmente classe AAA, gold-platinum-­plus — como a constatação de que 50% de todos os gastos federais vão unicamente para a Previdência Social, e que o grosso disso é engolido com o pagamento das aposentadorias dos funcionários públicos — sobretudo da elite de gatos gordos. (Esses são os “direitos” que não podem ser tocados.) 

Será inútil, simplesmente, querer montar alguma coisa de útil no Brasil enquanto não se desmontar esse ambiente de demência.

O Rio está politicamente podre

O Cristo Redentor, símbolo protetor da maravilhosa cidade do Rio, capital de um dos Estados mais importantes do continente brasileiro, deve estar envergonhado. A corrupção de seus políticos e governantes chegou a tal estágio que tudo parece podre. O governador Pezão, que acaba de ser preso sob a acusação de ter roubado 40 milhões de reais do Estado, passa a fazer companhia ao seu antecessor Cabral, condenado a mais de 100 anos de cadeia.

Pezão é o quarto governador consecutivo a terminar nas mãos da Justiça no Estado do Rio. Até quando esse maravilhoso território dos deuses da cultura e da arte será capaz de suportar semelhante vexame público?


Enquanto as televisões e os jornais davam as imagens da detenção do governador Pezão — que pediu à polícia, impávido, que “o deixassem tomar o café da manhã” antes de levá-lo —, eu pensava em tantos humildes servidores públicos do Rio, de policiais a professores, que estão com os salários atrasados e não conseguem sobreviver, a ponto de alguns deles terem preferido o suicídio. Pensava nas filas às portas dos hospitais sem recursos, nas Universidades públicas endividadas até os olhos, na merenda minguada das crianças pobres das escolas, nas mais de mil favelas abandonadas à violência cruzada do narcotráfico e de tantos policiais vendidos.

Você acha estranho que, quando chega a hora, o cidadão comum, que contempla indefeso toda essa podridão política, opte por soluções-limites de candidatos radicais e pregadores da violência? Não, a culpa de que cresça no Brasil o desejo iconoclasta de acabar com “tudo isso aí” não nasce da índole violenta e irresponsável da gente trabalhadora. Nasce da acumulada frustração do dia a dia com quem a governa e saqueia.

A detenção do quarto governador consecutivo do Estado de Rio, de vários partidos diferentes, revela que é todo o sistema político como tal que está doente, e que esse mar de corrupção não acabará enquanto não for feita uma reforma política drástica que, se não impedir, pelo menos possam frear essa vergonha que sente o cidadão. Esse trabalhador que sai de casa a cada dia, quando não está castigado pelo desemprego, para ganhar honestamente o pão para sua família. Samuel, um desses trabalhadores, que ganha 1.500 reais por mês num trabalho duro, confidenciava-me hoje, vendo as notícias sobre o governador acusado de corrupção, que não conseguia imaginar o que são os 40 milhões que Pezão teria roubado. “Um milhão para mim já é muito difícil de pensar”, dizia-me.

Tem razão. De fato, se fizesse cálculos, para poder ganhar esses 40 milhões, fruto de corrupção pela qual o governador é acusado, meu amigo precisaria trabalhar nada mais e nada menos que dois mil e quinhentos anos. Não, não é demagogia, é dor e injustiça que os pobres acumulam até que acordam do seu pesadelo e dizem chega!

Enquanto isso, os senhores togados do Supremo, que sempre acham pouco o seu salário e demais privilégios, preparavam-se para legitimar um suculento indulto natalino decidido pelo presidente Temer, que permitiria que mais de 20 corruptos, entre políticos e empresários, saíssem da prisão.

Dizem que eles, em seu Olimpo, não têm por que escutar a turma que grita por justiça nas ruas. Para eles, conta só a fria letra da lei. Eles se esquecem que, junto com a garantia dessa letra escrita, existe também o espírito da mesma, que está esculpido com sangue na carne viva dos que perdem o sono por não saberem como pagar as contas do mês ou como comprar um remédio para seu filho doente.

Até quando, Rio?

'Criança! Não verás nenhum país tão surreal como este!', diria Olavo Bilac

O país está de cabeça para baixo, ou ponta cabeça, como dizem os paulistas. Há uma esperança enorme no governo híbrido de Jair Bolsonaro, que é um misto de civil/militar. Mas a realidade não nos abre grandes perspectivas, porque a crise é muito grave.

Os pesquisadores estrangeiros, que eram chamados de “brasilianistas”, já desistiram de entender os pecados políticos que são praticados aqui do lado de debaixo do Equador, como diriam Chico Buarque e Ruy Guerra.

Realmente, como um analista estrangeiro pode compreender que o Brasil continue a ser presidido por um político corrupto como Temer. Em qualquer outro país medianamente democrático Temer já estaria preso faz tempo, mas aqui nada lhe acontece e seu indulto de Natal aos criminosos da elite é tema do momento.


O surrealismo é de tal ordem que um político corrupto como Paulo Maluf ganha direito a prisão domiciliar apenas porque usa fraldas geriátricas. Dois meses depois, ele recorre ao Supremo para exigir que lhe seja devolvido o mandato de deputado federal. Bem, se ele tem saúde para exercer o mandato, porque não pode ir para a cadeia? Isso não dá para entender.

E o caso de Jorge Picciani, um dos políticos mais corruptos da História Republicana? Mesmo não sendo longevo, pois tem apenas 63 anos, também está cumprindo prisão domiciliar porque precisa usar fraldas geriátricas. Como um cientista político estrangeiro pode aceitar essa “normalidade jurídico-democrática”?
A realidade brasileira é mesmo um Teatro do Absurdo com requintes de besteirol. No Congresso Nacional, mesmo os parlamentares que foram reeleitos e já moram em Brasília têm direito de receber R$ 70 mil para fazer a mudança.

Um político sem caráter como Lula, que traiu o povo e os trabalhadores, mesmo preso tentou se candidatar a presidente da República, houve uma disputa jurídica chatíssima até se concluir que ele não podia disputar a eleição. Qual é o analista estrangeiro capaz de compreender uma situação como esta? É mais fácil considerá-lo “preso político”.

É tudo uma grande maluquice. E um dos filhos do presidente eleito bota lenha na fogueira, dizendo “a morte de Jair Bolsonaro não interessa somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto. Principalmente após de sua posse!”. Caraca! Em tradução simultânea, ele está denunciando diretamente o general Hamilton Mourão, vice-presidente eleito, o único a se beneficiar caso Bolsonaro morra após a posse. E todo mundo acha tudo normal. Ah, Brasil!