Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundoMillôr Fernandes
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
Receita para sobrar dinheiro
De Eduardo Gomes para Bolsonaro
Capitão Bolsonaro,
Por duas vezes fui candidato à Presidência da República, em 1945 contra o general Dutra e em 1950 contra Getúlio Vargas. Por duas vezes, perdi. Nunca duvidei antecipadamente dos resultados nem estimulei confronto com as apurações. Tenho visto vossas manifestações contra as urnas eletrônicas. Confio mais nelas do que naquelas que coletavam cédulas. É o progresso, gastei anos defendendo a aviação.
Vi todas as desordens militares do século XX. Revoltei-me em 1922, 1924, 1930, 1932, 1945 e em 1954. Ajudei a derrubar três governos (1930, 1954 e 1964) e fui derrubado num (1955). O senhor teve uma breve carreira militar e, como capitão, tomou uma cadeia. Eu tomei três, todas longas. Pelos objetivos que perseguia, tornei-me patrono da Força Aérea.
Acabo de saber que o senhor resolveu comemorar o 7 de Setembro do Bicentenário da Independência com um desfile militar na Avenida Atlântica, em Copacabana. Em julho de 1922 foi por lá que marchei, insurreto contra o governo do Epitácio Pessoa. Essa caminhada ficou conhecida como a Revolta dos 18 do Forte. Nunca fomos 18. Na minha conta, éramos 13, mas dizem que fomos entre 11 e 23. O centenário desse episódio foi esquecido.
Eu era um tenente de 25 anos. Éramos revoltosos e fomos metralhados na altura da rua que hoje tem o nome do meu companheiro Siqueira Campos. Levei um tiro na altura da virilha. (Esse ferimento está na origem deselegante do nome de brigadeiro dado àquele doce de chocolate.)
Em 1950 eu disse que não queria o voto daquela malta de desocupados que apoiavam Getúlio Vargas. Inventaram que eu não queria o voto dos “marmiteiros”. Eu nem conhecia a palavra. Como sou católico, perseguiria os evangélicos. Como sou solteiro, perseguiria as mulheres. Proibiria os negros de ir à praia. Besteiras, enfim.
Nunca contestei a legitimidade das minhas derrotas.
Tornei-me ministro da Aeronáutica em 1965 para debelar uma crise com a Marinha e dois anos depois fui para meu apartamento na Praia do Flamengo. Vivi longe das politicagens até quando um capitão da FAB foi cassado porque denunciou o uso da tropa em ações de milícia. Em 1971 mexi-me e ajudei a trocar o ministro da Aeronáutica, afastando os algozes do capitão. Dessa grave crise ocorrida no governo do general Médici, pouco se fala, e por pudor eu também silencio.
Não consegui reparar a iniquidade praticada contra o capitão e vim para cá em 1981, arrastando aquela injustiça em meu oprimido coração. Quando falei de política, foi sempre na defesa da democracia e da liberdade.
Como diz o Ernesto Geisel, general cujo nome jornalista não sabe é certamente um bom oficial. A indisciplina militar desemboca em ditadura e anarquia. Os ventos da política são diferentes dos nossos. Vou lhe dar dois exemplos.
Os tenentes daqueles anos 20 penavam com o trabalho do promotor Sobral Pinto. Pois em 1950 ele lançou minha candidatura à Presidência da República.
Em 1935 reagi aos comunistas na Escola de Aviação. Fui até ferido na mão. O presidente Getúlio Vargas elogiou-me. Dois anos depois, quando ele armou o golpe de 1937, foi colocada uma tropa artilhada para bombardear meu quartel caso reagisse.
Em tempo: a Avenida Atlântica dos 18 do Forte não existe mais. Foi engolida pelo monstruoso alargamento da praia.
Respeitosamente,
Brigadeiro Eduardo Gomes.
Por duas vezes fui candidato à Presidência da República, em 1945 contra o general Dutra e em 1950 contra Getúlio Vargas. Por duas vezes, perdi. Nunca duvidei antecipadamente dos resultados nem estimulei confronto com as apurações. Tenho visto vossas manifestações contra as urnas eletrônicas. Confio mais nelas do que naquelas que coletavam cédulas. É o progresso, gastei anos defendendo a aviação.
Vi todas as desordens militares do século XX. Revoltei-me em 1922, 1924, 1930, 1932, 1945 e em 1954. Ajudei a derrubar três governos (1930, 1954 e 1964) e fui derrubado num (1955). O senhor teve uma breve carreira militar e, como capitão, tomou uma cadeia. Eu tomei três, todas longas. Pelos objetivos que perseguia, tornei-me patrono da Força Aérea.
Acabo de saber que o senhor resolveu comemorar o 7 de Setembro do Bicentenário da Independência com um desfile militar na Avenida Atlântica, em Copacabana. Em julho de 1922 foi por lá que marchei, insurreto contra o governo do Epitácio Pessoa. Essa caminhada ficou conhecida como a Revolta dos 18 do Forte. Nunca fomos 18. Na minha conta, éramos 13, mas dizem que fomos entre 11 e 23. O centenário desse episódio foi esquecido.
Eu era um tenente de 25 anos. Éramos revoltosos e fomos metralhados na altura da rua que hoje tem o nome do meu companheiro Siqueira Campos. Levei um tiro na altura da virilha. (Esse ferimento está na origem deselegante do nome de brigadeiro dado àquele doce de chocolate.)
Em 1950 eu disse que não queria o voto daquela malta de desocupados que apoiavam Getúlio Vargas. Inventaram que eu não queria o voto dos “marmiteiros”. Eu nem conhecia a palavra. Como sou católico, perseguiria os evangélicos. Como sou solteiro, perseguiria as mulheres. Proibiria os negros de ir à praia. Besteiras, enfim.
Nunca contestei a legitimidade das minhas derrotas.
Tornei-me ministro da Aeronáutica em 1965 para debelar uma crise com a Marinha e dois anos depois fui para meu apartamento na Praia do Flamengo. Vivi longe das politicagens até quando um capitão da FAB foi cassado porque denunciou o uso da tropa em ações de milícia. Em 1971 mexi-me e ajudei a trocar o ministro da Aeronáutica, afastando os algozes do capitão. Dessa grave crise ocorrida no governo do general Médici, pouco se fala, e por pudor eu também silencio.
Não consegui reparar a iniquidade praticada contra o capitão e vim para cá em 1981, arrastando aquela injustiça em meu oprimido coração. Quando falei de política, foi sempre na defesa da democracia e da liberdade.
Como diz o Ernesto Geisel, general cujo nome jornalista não sabe é certamente um bom oficial. A indisciplina militar desemboca em ditadura e anarquia. Os ventos da política são diferentes dos nossos. Vou lhe dar dois exemplos.
Os tenentes daqueles anos 20 penavam com o trabalho do promotor Sobral Pinto. Pois em 1950 ele lançou minha candidatura à Presidência da República.
Em 1935 reagi aos comunistas na Escola de Aviação. Fui até ferido na mão. O presidente Getúlio Vargas elogiou-me. Dois anos depois, quando ele armou o golpe de 1937, foi colocada uma tropa artilhada para bombardear meu quartel caso reagisse.
Em tempo: a Avenida Atlântica dos 18 do Forte não existe mais. Foi engolida pelo monstruoso alargamento da praia.
Respeitosamente,
Brigadeiro Eduardo Gomes.
A filologia leva ao crime
Deslumbra-me quotidianamente ver o esforço desenvolvido por certos articulistas mais ou menos colados à esquerda dura ou dinossáurica, no sentido de “situarem” ou “contextualizarem” a guerra brutal e ilegal de Putine. De um lado, temos a realidade boçal, brutal e assassina da guerra, que destrói, mata, mutila e reduz a escombros um belo país; do outro, temos um inefável tecido filológico, uma teia de palavras desinfectadas, um colar de fonemas quase inocentes, a justificarem ou a ”explicarem” um crime horroroso. Quando lemos as “justificações” ou “contextualizações” de Manuel Loff, saímos confortavelmente da brutalidade destrutiva da guerra, para entrarmos no universo da filologia asséptica: palavras bem procuradas e lavadinhas envolvem-nos numa cumplicidade doce e afastam-nos do ruído mortífero das bombas. A filologia lava tudo, até as mãos cheias de sangue do carrasco. “Contextualizar” o crime é o mesmo que lavá-lo ou até apagá-lo.
Tudo isto me traz à memória uma extraordinária peça de Ionesco, que vi vezes sem conta no Théatre de la Huchette, em Paris, juntamente com a célebre Cantora Careca. Refiro-me à pecinha em um acto (curto), La Leçon (A Lição). Nela, um professor de filologia vai, numa lição que dá a uma aluna, envolvê-la, a pouco e pouco e cada vez mais, numa teia de palavras gradativamente mais apertada, que atordoam a aluna, diante das teorias desvairadas do mestre. Por fim, aterrada com aquela artilharia filológica, a pobre aluna, sem ter para onde fugir, acaba estrangulada pelo professor e pela sua aquecida e assassina filologia. A conclusão célebre é: a filologia leva ao crime. Temos visto que sim: a filologia levou ao crime, ou foi ajudante do crime ou “contextualizou” o crime (em massa), na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Rússia de Staline, na Espanha de Franco, no Cambodja de Pol Pot, para nos ficarmos por estes.
Os recados “contextualizantes” que os serventuários daqueles regimes mandavam, devidamente enlatados, para serem distribuídos urbi et orbi eram o colar de palavras que os discípulos penduravam ao pescoço, para com elas “apagarem” a visão das atrocidades cometidas, ao som da música filológica. A filologia sempre foi amiga dos tiranos (Nero ter-se-ia servido dela para cantar o incêndio de Roma), sempre cobriu os seus açougues com o manto diáfano dos fonemas. Como dizia o ardido Rei Ferrante, da peça La Reine Morte, de Montherlant, “tantas palavras para esconderem um vício!”
Os porta-vozes de serviço de Putine aprenderam há muito a arte de perverter o uso das palavras, para assim lavarem a sujidade e o sangue que as suas guerras deixam como rasto.
Tudo isto me traz à memória uma extraordinária peça de Ionesco, que vi vezes sem conta no Théatre de la Huchette, em Paris, juntamente com a célebre Cantora Careca. Refiro-me à pecinha em um acto (curto), La Leçon (A Lição). Nela, um professor de filologia vai, numa lição que dá a uma aluna, envolvê-la, a pouco e pouco e cada vez mais, numa teia de palavras gradativamente mais apertada, que atordoam a aluna, diante das teorias desvairadas do mestre. Por fim, aterrada com aquela artilharia filológica, a pobre aluna, sem ter para onde fugir, acaba estrangulada pelo professor e pela sua aquecida e assassina filologia. A conclusão célebre é: a filologia leva ao crime. Temos visto que sim: a filologia levou ao crime, ou foi ajudante do crime ou “contextualizou” o crime (em massa), na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Rússia de Staline, na Espanha de Franco, no Cambodja de Pol Pot, para nos ficarmos por estes.
Os recados “contextualizantes” que os serventuários daqueles regimes mandavam, devidamente enlatados, para serem distribuídos urbi et orbi eram o colar de palavras que os discípulos penduravam ao pescoço, para com elas “apagarem” a visão das atrocidades cometidas, ao som da música filológica. A filologia sempre foi amiga dos tiranos (Nero ter-se-ia servido dela para cantar o incêndio de Roma), sempre cobriu os seus açougues com o manto diáfano dos fonemas. Como dizia o ardido Rei Ferrante, da peça La Reine Morte, de Montherlant, “tantas palavras para esconderem um vício!”
Os porta-vozes de serviço de Putine aprenderam há muito a arte de perverter o uso das palavras, para assim lavarem a sujidade e o sangue que as suas guerras deixam como rasto.
Bolsonaro, em modo desespero
A alguns dos seus ministros, Bolsonaro confidenciou que aceitou o convite da Rede Globo de Televisão para ser entrevistado ao vivo pelo Jornal Nacional no próximo dia 22.
Embora trate a Globo como “lixo”, ele admite que não pode desperdiçar a chance de falar ao telejornal de maior audiência do país. Record, SBT, Rede TV, Jovem Pan que o perdoem.
Bolsonaro entrou em agosto, o mês do cachorro louco, batendo no sistema eleitoral brasileiro, em ministros do Supremo Tribunal Federal e nos que assinaram a Carta pela Democracia.
Na verdade, são duas cartas. Uma da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com mais de 600 mil assinaturas de professores, juristas, intelectuais, empresários e banqueiros.
A outra carta, chamada de manifesto ou documento, foi iniciativa da Federação das Indústrias de São Paulo, apoiada pela Associação Comercial de São Paulo e a Federação Brasileira de Bancos.
Embora sem citar Bolsonaro nem o governo, a primeira carta diz que a democracia no Brasil corre perigo. Menos incisiva, a outra sugere algo parecido ou se limita a defender a democracia.
Bolsonaro já disse que não assinará nenhuma delas porque não precisa provar que é um democrata. Uma piada. Democrata não defende ditadura, tortura e fuzilamento de presos políticos.
Democrata não tenta desacreditar as urnas eletrônicas que lhe deram cinco mandatos de deputado e um de presidente. E não reúne embaixadores para falar mal do seu próprio país.
Quem está louco no mês em que os cachorros costumam entrar no cio é ele, que tem dito que reagirá à bala se um dia receber ordem de prisão. Está convencido de que assim será se não se reeleger.
Daí ter entrado em modo desespero, segundo comentário de um dos seus ministros. Acha que será processado (sentimento de culpa) e que seus filhos se tornarão alvos fáceis de investigações.
Alguns dos seus auxiliares dizem que Bolsonaro está “transtornado”, outros que está “descontrolado”, outros que ele chega a chorar às vezes por julgar muito difícil se reeleger.
“Nunca serei preso”, repete com frequência. Sente-se perseguido pela Justiça e aponta como seus algozes os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo.
Estica a corda quando fala deles com a esperança de que os militares não o abandonem se for o caso de aplicar o golpe. Vê o próximo 7 de setembro como data para demonstrar sua força.
Nesse dia, quer misturar militares e bolsonaristas em desfile na praia de Copacabana ao final da tarde. Em Brasília, na parte da manhã, pretende que a parada militar seja a maior da história.
Orientado por ele, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, enviou um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral com o selo de “urgentíssimo” pedindo acesso aos códigos-fontes das urnas.
O tribunal respondeu que o acesso foi liberado há 11 meses e que as Forças Armadas sabem disso. O general se faz de bobo porque quer, só para criar tumulto e ajudar o seu supremo chefe.
No que de fato importa, as eleições, Bolsonaro vai mal. Em Minas Gerais, o terceiro maior colégio eleitoral do país, não conseguiu o apoio do governador Romeu Zena (Novo), líder das pesquisas.
Embora trate a Globo como “lixo”, ele admite que não pode desperdiçar a chance de falar ao telejornal de maior audiência do país. Record, SBT, Rede TV, Jovem Pan que o perdoem.
Bolsonaro entrou em agosto, o mês do cachorro louco, batendo no sistema eleitoral brasileiro, em ministros do Supremo Tribunal Federal e nos que assinaram a Carta pela Democracia.
Na verdade, são duas cartas. Uma da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com mais de 600 mil assinaturas de professores, juristas, intelectuais, empresários e banqueiros.
A outra carta, chamada de manifesto ou documento, foi iniciativa da Federação das Indústrias de São Paulo, apoiada pela Associação Comercial de São Paulo e a Federação Brasileira de Bancos.
Embora sem citar Bolsonaro nem o governo, a primeira carta diz que a democracia no Brasil corre perigo. Menos incisiva, a outra sugere algo parecido ou se limita a defender a democracia.
Bolsonaro já disse que não assinará nenhuma delas porque não precisa provar que é um democrata. Uma piada. Democrata não defende ditadura, tortura e fuzilamento de presos políticos.
Democrata não tenta desacreditar as urnas eletrônicas que lhe deram cinco mandatos de deputado e um de presidente. E não reúne embaixadores para falar mal do seu próprio país.
Quem está louco no mês em que os cachorros costumam entrar no cio é ele, que tem dito que reagirá à bala se um dia receber ordem de prisão. Está convencido de que assim será se não se reeleger.
Daí ter entrado em modo desespero, segundo comentário de um dos seus ministros. Acha que será processado (sentimento de culpa) e que seus filhos se tornarão alvos fáceis de investigações.
Alguns dos seus auxiliares dizem que Bolsonaro está “transtornado”, outros que está “descontrolado”, outros que ele chega a chorar às vezes por julgar muito difícil se reeleger.
“Nunca serei preso”, repete com frequência. Sente-se perseguido pela Justiça e aponta como seus algozes os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo.
Estica a corda quando fala deles com a esperança de que os militares não o abandonem se for o caso de aplicar o golpe. Vê o próximo 7 de setembro como data para demonstrar sua força.
Nesse dia, quer misturar militares e bolsonaristas em desfile na praia de Copacabana ao final da tarde. Em Brasília, na parte da manhã, pretende que a parada militar seja a maior da história.
Orientado por ele, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, enviou um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral com o selo de “urgentíssimo” pedindo acesso aos códigos-fontes das urnas.
O tribunal respondeu que o acesso foi liberado há 11 meses e que as Forças Armadas sabem disso. O general se faz de bobo porque quer, só para criar tumulto e ajudar o seu supremo chefe.
No que de fato importa, as eleições, Bolsonaro vai mal. Em Minas Gerais, o terceiro maior colégio eleitoral do país, não conseguiu o apoio do governador Romeu Zena (Novo), líder das pesquisas.
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