terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Os interesses comerciais da família Trump no Oriente Médio

Os comentários do presidente dos EUA, Donald Trump, em 4 de fevereiro sobre investimentos imobiliários na Faixa de Gaza após o fim da guerra entre Israel e o grupo islamista Hamas reavivaram uma ideia anteriormente promovida por ele e seu genro, Jared Kushner.

O foco de seu plano para Gaza é o potencial imobiliário do enclave palestino em vez de sua situação humanitária ou política. Depois de afirmar que os EUA "assumiriam a Faixa de Gaza" e "a possuiriam", Trump afirmou que os EUA teriam "a oportunidade de fazer algo que poderia ser fenomenal. A 'Riviera do Oriente Médio' poderia ser algo magnífico."

Com essa declaração, o presidente ecoou sentimentos expressos por Kushner em uma entrevista na Universidade de Harvard, em fevereiro de 2024, quando ele disse que as propriedades à beira-mar de Gaza poderiam ser "muito valiosa se as pessoas se concentrassem em construir meios de geração de renda". Ele acrescentou que, da perspectiva de Israel, o melhor seria "tirar as pessoas e depois limpar tudo".


Trump desde então dobrou a aposta. Em entrevista à emissora americana Fox News nesta segunda-feira (10/02), sugeriu que os palestinos não deveriam retornar a Gaza porque eles teriam "moradias muito melhores" em outro lugar, contradizendo autoridades de seu governo que argumentaram que ele estava apenas pedindo a realocação temporária da população.

"Construiremos comunidades seguras, um pouco longe de onde eles estão, de onde todo esse perigo está", disse Trump. "Nesse meio tempo, eu possuiria isso. Pense nisso como um empreendimento imobiliário para o futuro. Seria um lindo pedaço de terra. Não precisaria de muito dinheiro."

Esse é um lembrete de que, para Trump e sua família, o Oriente Médio é um interesse comercial como qualquer outro.

A região se tornou cada vez mais atraente para as Organizações Trump, o conglomerado imobiliário e de hotelaria da família atualmente administrado pelos filhos do presidente Eric e Donald Junior.

Nos últimos anos, o grupo fechou vários acordos com a empresa imobiliária saudita Dar Global, o braço internacional da Companhia de Desenvolvimento Imobiliário Dar Al Arkan da Arábia Saudita.

Um luxuoso hotel e resort de golfe da marca Trump está em fase desenvolvimento em Omã, e as Organizações Trump e a Dar Global anunciaram planos para a construção de dois edifícios Trump Tower em Jedá, na Arábia Saudita, e em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Uma outra Trump Tower em Dubai, que incluiria um hotel e apartamentos residenciais, havia sido anunciada em outubro de 2005, mas o projeto foi cancelado em 2011 devido à crise financeira global.

Trump já possui um clube de golfe em Dubai, inaugurado em 2017. O local foi construído em parceria com a Damac Properties, administrada por Hussain Sajwani. Em janeiro de 2025, Sajwani apareceu ao lado de Trump numa entrevista à imprensa para anunciar que a Damac investiria "pelo menos" 20 bilhões de dólares (R$ 115 bilhões) para construir novos centros de dados nos EUA.

Os novos acordos em Omã, Jedá e Dubai farão com que as Organizações Trump projetem, gerenciem e deem nome às torres e ao resort de luxo. Os acordos são principalmente sobre o uso da marca em vez de propriedade, rendendo milhões à família em troca do uso de seu nome.

Trump e membros de sua família, de Kushner a seus filhos, têm falado repetidamente sobre a relevância cada vez maior do Oriente Médio para seus interesses comerciais. "Definitivamente faremos outros projetos nesta região. Esta região tem um crescimento explosivo, e isso não vai parar tão cedo", disse Eric Trump ao jornal britânico Financial Times pouco antes do acordo de Jedá ser anunciado.

A Arábia Saudita, um importante aliado dos EUA no Oriente Médio, é cada vez mais fundamental para os interesses da família Trump na região.

Além da Dar Global, as Organizações Trump também colaboraram com o torneio de golfe LIV Golf, um dos investimentos esportivos mais badalados e controversos do reino saudita. A empresa dos Trump possui vários campos de golfe ao redor do mundo e foi paga pelo LIV para sediar várias partidas em suas instalações nos EUA.

Enquanto isso, a empresa de capital privado de Kushner, a Affinity Partners, que é separada das Organizações Trump, desenvolveu laços estreitos com a Arábia Saudita e seu fundo soberano, conhecido como Fundo de Investimento Público (PIF).

O PIF, que é presidido pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, investiu 2 bilhões de dólares na Affinity. Vários outros grandes investidores do Golfo também despejaram dinheiro no projeto de Kushner, incluindo a Autoridade de investimentos do Catar (o fundo de investimentos catari) e a gestora de ativos Lunate, sediada em Abu Dhabi.

Kushner também tem investimentos substanciais em Israel, em especial na seguradora Phoenix Holdings e no Grupo Shlomo.
Há conflito de interesses?

Os extensivos interesses comerciais levaram a críticas de que poderia haver múltiplos conflitos de interesses envolvendo o presidente.

Embora Trump tenha renunciado a todos os cargos de gestão em seus negócios quando foi eleito pela primeira vez para a presidência dos EUA, em 2016, sua família desempenhou um papel proeminente em atividades políticas e campanhas eleitorais mesmo à frente dos negócios.

Kushner usou os contatos que fez durante sua função anterior de consultor no primeiro governo Trump para construir seu portfólio de investimentos no Oriente Médio. Isso foi alvo de críticas, em especial pelo seu relacionamento próximo com a família real saudita.

Ele se defendeu no início de 2024 numa entrevista ao site de notícias americano Axios, afirmando que "se você me perguntar sobre o trabalho que fizemos na Casa Branca, o que eu digo para meus críticos é: aponte uma única decisão que tomamos que não fosse do interesse dos Estados Unidos".
Gaza como potencial negócio imobiliário?

Trump e Kushner estão claramente interessados na ideia de desenvolver Gaza sob a perspectiva de um projeto imobiliário em vez de um lar para os mais de 2 milhões de palestinos que vivem no enclave.

"Pessoas do mundo todo viverão lá", disse Trump, na entrevista ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu. "Fazer disso um lugar internacional, inacreditável. O potencial da Faixa de Gaza é inacreditável."

As declarações de Trump provocaram reações furiosas dos palestinos e foram condenadas imediatas por um grande número de governos. Há também grandes dúvidas sobre sua viabilidade em diversos aspectos.

No entanto, levando em conta os crescentes interesses comerciais imobiliários das Organizações Trump na região e os comentários inequívocos do próprio Trump e de seu genro, parece que eles estão levando essa ideia à sério.

Queremos homens ou meros cidadãos?

A educação atual e as atuais conveniências sociais premeiam o cidadão e imolam o homem. Nas condições modernas, os seres humanos vêm a ser identificados com as suas capacidades socialmente valiosas. A existência do resto da personalidade ou é ignorada ou, se admitida, é admitida somente para ser deplorada, reprimida ou, se a repressão falhar, sub-repticiamente rebuscada. Sobre todas as tendências humanas que não conduzem à boa cidadania, a moralidade e a tradição social pronunciam uma sentença de banimento. Três quartas partes do Homem são proscritas. O proscrito vive revoltado e comete vinganças estranhas. Quando os homens são criados para serem cidadãos e nada mais, tornam-se, primeiro, em homens imperfeitos e depois em homens indesejáveis.

A insistência nas qualidades socialmente valiosas da personalidade, com exclusão de todas as outras, derrota finalmente os seus próprios fins.

O atual desassossego, descontentamento e incerteza de propósitos testemunham a veracidade disto. Tentámos fazer homens bons cidadãos de estados industriais altamente organizados: só conseguimos produzir uma colheita de especialistas, cujo descontentamento em não serem autorizados a ser homens completos faz deles cidadãos extremamente maus. Há toda a razão para supor que o mundo se tornará ainda mais completamente tecnicizado, ainda mais complicadamente arregimentado do que é presentemente; que graus cada vez mais elevados de especialização serão requeridos dos homens e mulheres individuais. O problema de reconciliar as reivindicações do homem e do cidadão tornar-se-á cada vez mais agudo. A solução desse problema será uma das principais tarefas da educação futura. Se irá ter êxito, e até mesmo se o êxito é possível, somente o evento poderá decidir.
Aldous Huxley, "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

O homem

O homem é tão necessariamente louco que não ser louco representaria uma outra forma de loucura”, escreveu Pascal. Deve ter pensado nisso a psiquiatra Karen Horney quando fez uma lista dos sintomas básicos da neurose, uma lista enorme, dela quase ninguém escapa. A loucura no cardápio. Basta ler e apontar, esta é minha. Selecionei as neuroses mais comuns e que podem nos levar além da fronteira convencionada: necessidade neurótica de agradar os outros. Necessidade neurótica de poder. Necessidade neurótica de explorar os outros. Necessidade neurótica de realização pessoal. Necessidade neurótica de despertar piedade. Necessidade neurótica de perfeição e inatacabilidade. Necessidade neurótica de um parceiro que se encarregue da sua vida – ô! Deus – mas desta última necessidade só escapam mesmo os santos. E algumas feministas mais radicais.

Tão difícil a vida e o seu ofício. E ninguém ao lado para receber a totalidade (ou parte) do fardo. Os analistas, caríssimos, e na maioria, um lixo: um lixo Freud considerava a totalidade dos seres humanos, isso nos últimos anos da sua vida sem muita ilusão. Ele não conheceu seus discípulos. E por acaso é com o analista que se comenta a fita na saída do cinema? O livro. O sabor do vinho, esse gosto meio frisante, hein? E esta pele e esta língua. A minha tiazinha falava muito na falta que lhe fazia esse ombro amigo, apoio e diversão, envelheceu procurando um. Não achou nem o ombro nem as outras partes, o que a fez choramingar sentidamente na hora da morte. Mas o que você quer, queridinha?! A gente perguntava. Está com alguma dor? Não, não era dor. Quer um padre? Não, não queria mais nenhum padre, chega de padre. Antes do último sopro, apertou desesperadamente a primeira mão ao alcance: “É que estou morrendo e não me diverti nada!"
Lygia Fagundes Telles, “A Disciplina do Amor”

Há alguma lógica nessa loucura

O novo governo americano está empreendendo uma acelerada dissolução da ordem política e econômica internacional sob a qual estivemos vivendo deste o fim da Segunda Guerra e que nos parecia até agora como uma ordem natural. Os métodos e os estilos de Trump surpreenderam a própria oposição interna nos Estados Unidos e até agora estão avançando com pouca resistência das instituições destinadas a conter e limitar os excessos dos poderes constitucionais. Há quem veja na ação do Presidente americano traços de um comportamento próximo da loucura, recurso de que tem se valido muitos líderes através da história, sempre que pretendem intimidar ou assustar os seus rivais, de que foram exemplos o ex-Presidente Nixon durante a guerra do Vietnam e o Premiê Kruschev, quando da crise dos misseis soviéticos instalados em Cuba.

Mas atrás das palavras e dos gestos impulsivos, às vezes desmentidos e logo após reafirmados, numa dança de passos desconcertantes, há muitas coisas que derivam de uma lógica bem construída. Enquanto o governo nos confunde com os seus movimentos erráticos, temos o recurso de acessar as ideias de alguns de seus intelectuais associados que trazem clareza ao debate. Dois artigos publicados nestes últimos dias jogam muita luz sobre o que está na mente do governo. Se colocados em prática vão promover uma mudança radical na ordem econômica internacional e afetar muito a vida do Brasil, embora aparentemente o governo e o Parlamento brasileiro não pareçam incomodados.


O primeiro artigo foi publicado no New York Times e é de autoria de Robert Lighthizer, Representante do Comércio no primeiro governo Trump e autor de diversos livros sobre o tema. O autor afirma que os Estados Unidos são vítimas das regras do comércio internacional, que resultam em grandes superávits para países como a China e a Alemanha e grandes déficits para os americanos. Os números parecem lhe dar razão: a China obteve em 2024 um superávit de um trilhão de dólares, enquanto os Estados Unidos incorreram em um déficit de 918 bilhões de dólares. A razão é apenas aparente, pois o que isto significa é simplesmente que os americanos consumem muito mais do que produzem, ao contrário da China e da Alemanha.

A solução que ele sugere, e que parece estar implícita nos movimentos do governo, é a criação de um novo regime de comércio no qual coexistam duas camadas de países. Os países amigos e parceiros dos Estados Unidos (ou será os que se conformam com o princípio da América em primeiro lugar?) formariam um grupo que praticaria entre si tarifas comerciais baixas, com o compromisso de manter no médio prazo o equilíbrio dos respectivos balanços de pagamento. Os demais formariam um segundo grupo, sobre o qual o primeiro grupo aplicaria altas tarifas e outras ferramentas para impedir a formação de superávits sistemáticos. ´Será o fim do livre comércio, que para ele não existe de fato, e da globalização como a conhecemos. Em que grupo estaria o Brasil nesta nova ordem?

O outro artigo, na Foreign Affairs, vai até mais longe em priorizar a primazia americana. Seus autores são Geoffrey Getz e Emily Kilcrease, ambos com passagem no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional. Eles propõem que a segurança econômica seja o princípio organizador da ordem econômica internacional e que o comércio seja regulado por acordos bilaterais ou regionais que promovam a segurança nacional dos países envolvidos e assegurem a coordenação entre eles para enfrentar seus rivais, especialmente a China.

Este é um pequeno sumário das ideias em formação no entorno do governo Trump e que estão destinadas a encontrar reação e resistência da maior parte dos países. São ideias disruptivas que não devem ser subestimadas, dado o tamanho e o poder dos Estados Unidos e a natureza da atual liderança do país. Já passou da hora de nos preocuparmos com tudo isto e principalmente nos prepararmos para as pressões que se abaterão sobre nós. Será que nesta hora teremos um país unido ou até mesmo nisso continuaremos divididos?

País órfão

A educação é órfã da República, tanto quanto foi do Império. Independentemente do partido e da ideologia dos dirigentes em cada momento, o ensino de qualidade para todos nunca foi tratado como vetor de nosso progresso. Não tivemos presidente educacionista que implantasse um sistema com qualidade e equidade para cada criança brasileira desde seu nascimento. Nestes quarenta anos de democracia, tivemos nove eleições presidenciais, mas o número de adultos analfabetos plenos continua praticamente o mesmo, acima de 10 milhões. O número de escolas, de vagas e o dinheiro aplicado cresceram, mas não melhoramos nossa posição como um dos países com pior qualidade na educação e provavelmente aquele com maior desigualdade conforme a renda da família.

Sem reforma ambiciosa de nosso atual sistema educacional, dos 2,5 milhões de brasileiros que nasceram em 2024, no máximo 500 000 concluirão a educação de base, em 2042, medianamente alfabetizados para o mundo contemporâneo, com o mapa para buscar sua felicidade pessoal e as ferramentas necessárias para construir o país que desejamos. Portanto, 2 milhões ficarão para trás.


Os políticos de direita consideram que educação deve ser tarefa das famílias conforme a renda de que dispõem; os de esquerda consideram que não há necessidade de reformas, bastariam mais investimentos e atender às reivindicações dos sindicatos de professores, sem preocupação direta com os alunos, com a qualidade e, ainda menos, com a equidade. Com essas lógicas, a direita reduz gastos e a esquerda investe sem compromisso com os resultados, chegando a apoiar greves em escolas estatais, o que reduz a pouca qualidade e amplia a desigualdade em relação às escolas privadas, imunes a paralisações.

A orfandade da educação está também na submissão da lógica assistencial, ao transformar o Bolsa-Escola em Bolsa Família, a Poupança Escola em Pé-de-Meia, o programa de Certificação Federal dos Professores Municipais no programa Pé-de-Meia do Professor. O apoio à promoção automática mesmo sem aprendizado em escolas que atendem alunos de famílias pobres também é prova da orfandade da educação em nome do assistencialismo social, aceitando que a educação de base deve ser desigual conforme a renda da criança.

As pesquisas mostram que a educação é, ainda, órfã da opinião pública, razão pela qual a busca de qualidade é relegada entre as prioridades dos eleitores, e a ideia de equidade nem ao menos é considerada como propósito nacional. Os líderes não mostram que as prioridades mais urgentes — segurança, emprego, pobreza, sustentabilidade, distribuição de renda — dependem da educação de base com qualidade para todos.

O ensino superior trata a educação de base como mero degrau para a universidade, como se fosse um mal necessário, daí a promessa de “universidade para todos” sem um programa “todos os brasileiros alfabetizados”, ainda menos “todos alfabetizados para a contemporaneidade”.

Por ser a principal causa de quase todos os nossos problemas, atalho para a pobreza, a orfandade da educação condena o país ao declínio: ao deixar nossas crianças com a educação sem pai nem mãe no presente, o Brasil pavimenta um triste futuro, porque se deve enxergar o amanhã pela cara da escola de hoje.