quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Dilma previsao futuro 2016 cigana corre em panico medo grito munch

Ano Novo?

Chega o Ano Novo (do calendário), e eu me sinto mais velho do que nunca. E o nunca é uma palavra pesada porque — além de predispor quem a usa ao traiçoeiro cacófato (veja-se, o trivial e horrível “nunca-ganha”) — ela se refere a um tempo sem tempo...

O fato, porém, é que o menino dentro de mim tem que segurar esses incríveis dois milênios, uma década e seis anos. E o menino é também um velho — ou um jovem de idade, como me diz um bondoso geriatra —, está tão alarmado quanto esperançoso. Já tivemos passagens mais auspiciosas e menos vexatórias.


O novo ano que era sempre “bom” tornou-se duvidoso. Todas as previsões econométricas e éticas dizem que ele vai ser um ano ruim. Mas como festejar um “mau ano” na virada protocolar com a qual marcamos o tempo, dividimos eras e, mais uma vez, tentamos cortar a água?

Revolvi calendários de muitas crises — suicídio de Vargas, golpe militar, ditadura, ato institucional, prisões por motivos políticos, ódios partidários irremissíveis, discussões acaloradas permeadas de bofetes, hiperinflação e roubalheiras com macumba presidencial — e eis que muitos desses supostos antigos brasileirismos estão na nossas costas neste ambíguo e novíssimo 2016.

Posso fugir do espaço, mas não posso me evadir do tempo. E para aumentar minhas ansiedades, inauguramos um belíssimo Museu do Amanhã justo num momento que o amanhã ensolarado do progresso, da solução de problemas recorrentes, e de um Brasil mais justo, administrado com mais rigor e honestidade, sumiu de todos nós.

Em 2016, não será fácil “arrumar” esse nosso Brasil do qual sabemos mais do que queremos. A restrospectiva é tenebrosa.

Jamais vi em toda a minha vida um desmanche tão grande do drama político nacional.

Jamais fui espectador de tantos atores medíocres tentando fazer o papel público que lhes cabia desempenhar e, em pleno ato, desabando pela mais completa ausência de sinceridade diante do papel. A presidente, por exemplo, não consegue acertar as falas nem quando as lê!

Não se assiste a tal desastre sem pedir de volta o dinheiro da entrada. Imagine a cena: o presidente da Câmara, sério e de olho na câmera, diz não ter conta na Suíça. Dias depois, a procuradoria suíça o desmente. O presidente nega mentira dita em tempo real. Uma lógica idêntica enquadra o presidente do Senado, o qual fala como um pároco moralista, quando se sabe que ele próprio deve explicações à Republica. Mas, muito pior que isso, é aguentar a recapitulação da roubalheira planejada e consentida da Petrobras. Um roubo inédito do governo roubando a si mesmo.

E nisso vai a conta dos generosos empréstimos do BNDES ao Sr. Bumlai, amigo do peito do ex-presidente Lula, um cara que tinha entrada livre no Palácio. Um amigo de fé mas com o qual Lula somente falava de coisas banais e impessoais. Nem futebol Bumlai discutia com Lula, o qual, como informante da polícia, afirma que a Petrobras era controlada pelo famoso “guerreiro do povo brasileiro”, José Dirceu. Herói injustamente condenado que, contudo, teve a imaginação e a capacidade para ganhar mais do que nós recebemos em todas as nossas vidas enquanto estava é mais embrulhado com a lei do que presente de Natal. Dentro em breve, porém, eis uma boa nova no novo ano: circula que ele será indultado.

No Brasil sempre valeu o axioma do “aos inimigos a lei; aos amigos, tudo!” Menos, é claro para o ex-presidente Lula, para a presidenta Dilma e para os petistas graduados. Entre eles, não cabe esse lema político que tem fabricado a História do Brasil e explicado o país mais do que a fábula da tal “Revolução Burguesa”. Revolução aliás, com burguesia, mas sem os burgueses de Maupassant, Balzac e Flaubert.

Vamos entrar 2016 com a República nos devendo muito. Sobretudo no que tange ao equilibrio delicado entre Executivo, Legislativo e Jucidiário, pois o que testemunhamos é o alto risco de um total desequilibrio entre esses poderes. Isso para não falar da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal.

Mesmo não sendo pessimista, eu sei que devemos todos passar por um sério momento de reconstrução da honestidade e do sentido de dever neste ano de 2016. Caso contrário, morremos civicamente.

De um lado, tudo retorna mas volta como farsa, conforme se gosta de repetir, mas como densa tragédia; do outro, tudo vai ser novo e cristalino porque assim exigimos. E nisso está, espero, o espirito de 2016.

Feliz Ano Novo!

Roberto DaMatta

Obra do diabo

A colheita será sempre de acordo com a qualidade da semente plantada. E eleição também não deixa de seguir esse princípio.

A verdade é que temos votado mal – nossos votos têm sido como sementes podres. Votar nesses candidatos do PT é plantar em terras áridas e desérticas. Mais cedo do que pensamos, vamos ver a desgraça que foi o inverno tenebroso do período Lula-Dilma – o tempo é o senhor da razão, diz o provérbio português.


Política é mesmo uma ciência do diabo, e o Brasil, tudo leva a crer, fez pacto com o demo. De acordo com o dito popular, pau que nasce torto morre torto, e nós, brasileiros, entortamos antes de nascer...

Imaginem só: o que aconteceu com Tancredo, fruto de armação do Ulisses, fez sobrar para nós o Sarney, que continua frequentando, como alma do outro mundo, os acontecimentos que marcam isso que está aí – uma verdadeira obra do diabo.

Apesar da vaidade do Fernando Henrique, o que teria sido de nós, nesse inverno petista que dura mais de doze anos, não fosse a modesta clarividência de Itamar Franco, autor do Plano Real?

Minha geração e as seguintes pagarão a conta, pendurada por um governo de analfabetos, que teve como sucessora, no mínimo, uma mentirosa. Que dizer de uma “doutora” que se diz orgulhosa pela conquista da mandioca, “uma coisa muito importante”? E o inventor da figura, o ex-Luiz? Escolheu alguém que o sucedesse sem deixar dúvidas de que era um produto de sua própria ignorância e de ninguém mais. E deu no que deu.

Ao final deste ano que se encerra depois de amanhã, o Brasil, sempre varonil, estará devendo U$ 550 bilhões e mais R$ 2,5 trilhões, mais ou menos, R$ 4,5 trilhões... E para onde terá ido esse dinheirão, a não ser para a corrupção? A Constituição cidadã de 1988 manda que essa dívida seja auditada. Foi? Foi e continuará sendo, no dia de São Nunca, na parte da tarde...

A partir do dia primeiro, ou seja, a partir de sábado próximo, até meados de junho, nós, brasileiros, estaremos trabalhando só para pagar impostos. Pagamos imposto pra tudo, até pra dormir, e adiantado. Após o ano fiscal, que coincide com o ano civil, todos nós faremos nossa declaração de renda e ficaremos esperando o resultado. Quem fez negócios no ano findo já pagou na fonte, e quem vive de vencimentos, a maioria esmagadora dos brasileiros, vai esperar a boa vontade da Receita Federal para ter a devolução dos impostos pagos adiantados e em excesso.

Mas cada povo tem o governo que merece. Então: ou nós entendemos isso ou vamos viver eternamente deitados em berço esplêndido, morrendo de raiva com nossa própria apatia.

Enquanto tudo isso acontece, transformaram o Cunha, que também não é santo, em protagonista desse filme de terror e desviaram a atenção da Lava Jato dos verdadeiros culpados. E o ex-Luiz continuará fazendo conferências para trouxas e Dona Dilma voando com ar “blasé” apreciando enchentes com cara de piedade. E o povo? Ah! Sim, o povo...

Vida de parafuso

O parafuso anda cheio,
pois tem o corpo enrolado,
cabeça partida ao meio,
e vive sendo apertado

Izo Goldman

O ódio na política e a política do ódio

A divisão do Brasil de alto a baixo, as ideias raivosas que poluem as redes sociais e lamentáveis episódios de truculência e intransigência fazem relembrar, nesta virada de ano, um dos grandes filmes de Bernardo Bertolucci: 1900. Não é o caso de analisar sua genial narrativa, um pouco maniqueísta, é verdade, da luta de classes no século passado e da ascensão de duas ideologias totalitárias tão marcantes do século XX; o fascismo e o comunismo.

A cena final serve como exemplo do risco do ridículo que corre a atual polarização político-ideológica, se continuar na mesma toada. Só para relembrar, nela Bertolucci satiriza com muito bom humor a luta de classes, em vez de legitimá-la. Já velhinhos, de bengala e se arrastando, os personagens Olmo (Gerard Depardieu) e Alfredo (Robert De Niro) prosseguem com sua briga incansavel, enfadonha e inutil, como se assim marchassem para o fim de suas vidas.

Relembrar a cena magistral do cineasta italiano nos faz rir mas, na vida real, no Brasil de hoje, não tem a menor graça. Tudo o que foi construído por um meio de uma longa e custosa engenharia política, onde a travessia da ditadura para a democracia e a transição do governo FHC para governo Lula foram dois marcos, vem sendo consumido pelas chamas da insensatez, pelas labaredas da intolerância, que queimam o Brasil no norte a sul, de leste a oeste.

Sabe-se como isso começou e qual é a cota que cabe a cada um neste latifúndio. Mas é melhor não esmiuçar, até para não jogar mais lenha em uma fogueira já em alta combustão. Importa aqui chamar a atenção para dois sentimentos negativos que urge ser combatidos.

O primeiro deles é o ódio à política. Até certo ponto e grau é perfeitamente compreensível o senso comum de largos contingentes da sociedade, segundo o qual a política é uma coisa abjeta, exercida para que muitos possam dela se servirem. Os sucessivos escândalos dos últimos treze anos, o mundo carcomido da política real, elevaram tais sentimentos a um novo patamar.

Compreender não é sinônimo de aceitar ou concordar. E muito menos de não lutar para sua superação. Tal como está posta, a rejeição à política gera uma postura niilista, conformista. Além de abrir espaço para novos Messias e aventureiros.

Sim, Churchill tinha razão. “A democracia é o pior forma de governo, excetuando-se todas as demais”. Fora da política, a barbárie.

A segunda onda é mais deletéria. É a política do ódio, algo elaborado e praticado por forças que se apossam do senso comum das massas, do seu desencanto, para introduzir na nossa cultura a intolerância, a intransigência. Com vistas a objetivos obscuros e totalitários.

Estamos, portanto, diante de um ódio elaborado, erigido à ideologia, a uma espécie de religião, a uma nova cruzada. É uma nova concepção totalitária que se manifesta a destra e a sinistra, a montante e a jusante. Que entende o ódio como a continuidade da política por outros meios, numa deformação grosseira do pensamento do gênio militar Clauzewitz.

Errado!

O ódio é a negação da política no seu sentido mais nobre. Aquele descoberto pela Grécia Antiga, como o meio civilizado de a humanidade equacionar os seus conflitos.

Neste final de ano, além do filme de Bernardo Bertolucci, vem a mente um fato marcante da eleição de 1974. Naquele ano, um político ainda jovem se elegeu senador em Pernambuco. Seu nome, Marcos Freire. Seu slogan: “Sem ódio e sem medo”.

É o que desejo a todos em 2016.

PT, governo, Dilma e Lula: impasse irreversível

Mais do que um sinal de rompimento, foi uma declaração de guerra ao governo Dilma a mensagem distribuída nas redes sociais, segunda-feira, com a assinatura do presidente do PT, Rui Falcão. De início, leia-se Lula como o signatário real.

Significa o quê, nessa passagem de ano, a veemente crítica da direção dos companheiros à política econômica reafirmada dias atrás pelo novo ministro Nelson Barbosa? Nada mais, nada menos, do que o estado de beligerância entre o criador e a criatura. Referindo-se à participação da CUT e do MST na condenação às diretrizes adotadas antes por Joaquim Levy e agora pelo substituto, o PT demonstra repúdio e rejeição aos métodos de Madame para enfrentar a crise econômica. Nada de apoiar as soluções de mercado, neoliberais, que só tem feito aumentar o desemprego em massa, os impostos, taxas e tarifas, o custo de vida e a redução de direitos sociais. Esse modelo só beneficia as elites, fechando as portas para a retomada do crescimento. Não dá para, através dessas iniciativas, devolver à população a confiança perdida. De um ano para cá vem despencando a popularidade de Dilma, do governo e do PT. Como persistir na alta de juros e nos cortes em investimentos? Responsabilidade e ousadia são recomendações a contrapor à estratégia econômica atual.


Faz tempo que o Lula vem batendo nessa tecla, ignorado pela sucessora e agora disposto a seguir isolado e isolando o

grupo encastelado no palácio do Planalto. Porque o PT é o Lula, e o Lula, o PT. Importa menos saber se o desmonte do outrora objetivo maior do partido, de mudar o Brasil, acontece por obra e graça daqueles que o representam no governo.

O resultado do choque de concepções tornou-se público. Tem-se a impressão de ser definitiva a separação. Nem Dilma cederá aos apelos do PT e do Lula, nem esses admitirão ir para o precipício. Em meio ao impasse, identifica-se a sombra do impeachment, hoje esmaecida, mas capaz de ressurgir por conta da presença de deputados e senadores em suas bases, durante o recesso parlamentar. Queixas e reclamos da sociedade só fazem crescer, sem que o governo demonstre disposição de mudanças. Com todo o respeito, sem programas de recuperação e de reaproximação do governo com a opinião pública, logo se fará sentir a voz rouca das ruas.

Carlos Chagas

O nacional-estatismo nas cordas

O primeiro golpe veio no dia 22 de novembro passado, com a vitória do liberal Mauricio Macri sobre Daniel Scioli, candidato do peronismo, por apertada maioria. Pouco depois, em 2 de dezembro, o inacreditável e desacreditado Eduardo Cunha autorizava o início do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Mais quatro dias, seria a vez de Nicolás Maduro sofrer contundente derrota eleitoral por uma diferença de dois milhões de votos.

Em apenas duas semanas foram severamente abaladas as três atuais mais importantes experiências nacional-estatistas nas Américas ao sul do Rio Grande. Qual o contexto histórico das derrotas? Que futuro se poderá vislumbrar a partir delas?

Antes de falar do presente, é importante referir a densidade da cultura política nacional-estatista. Execrado por muitos, à direita e à esquerda, chamado de “populismo”, sinônimo das piores taras da história política latino-americana, o nacional-estatismo, em Nuestra America, tem sólidas raízes — sociais, históricas e culturais.

Getúlio Vargas, Domingo Perón e Gustavo Rojas Pinilla, o populismo na América Latina
Elaborado como programa nos anos 1930, no Brasil (varguismo), na Argentina (peronismo) e no México (cardenismo), foi obrigado a recuar no imediato pós-Segunda Guerra Mundial.

Refez-se, porém, nos anos 1950 com tinturas variadas, indo de um nacionalismo moderado (Vargas e Jango no Brasil), a programas radicais (Bolívia, Guatemala e Cuba), construindo, em certos momentos, pontes entre o nacionalismo e o socialismo (castrismo e guevarismo). A sequência das ditaduras dos anos 1960/1970 sufocaria a maré montante desta segunda versão do nacional-estatismo, com a exceção solitária de Cuba.

A última década do século XX, contudo, registrou uma nova onda. Como se fora uma fênix, reapareceu como alternativa à hegemonia do liberalismo dos anos 1980, colecionando vitórias, através de diferentes experiências, mas com aspectos comuns: Venezuela (chavismo), Argentina (kirchnerismo), Brasil (Lula/Dilma), Bolívia (Evo Morales), Uruguai (José Mujica), Paraguai (Fernando Lugo), Equador (Rafael Correa) e Nicarágua (Daniel Ortega).

Como no passado, o nacional-estatismo elege o Estado (burocracias militar e civil), encabeçado por líderes carismáticos, como fator decisivo para o desenvolvimento da nação. Sua ambição: unir os cidadãos num amplo arco de alianças, incluindo desde setores da burguesia agrária, industrial e financeira, aspergidos com empréstimos subsidiados, proteções e incentivos de toda ordem, passando por apetitosas classes médias emergentes, bafejadas pela prosperidade econômica, e mais trabalhadores urbanos e rurais, cujos direitos sociais são reconhecidos, sem falar nas camadas empobrecidas e marginalizadas, beneficiadas com políticas de inclusão (assistência social). Um detalhe negativo: as gentes acostumam-se a olhar para o alto, o Estado e o líder e não aprendem a valorizar a autonomia, condição de real emancipação.

A arquitetura, para dar certo, depende de circunstâncias positivas: conjunturas internacionais permitindo ciclos de prosperidade, quando se viabilizam jogos de ganha-ganha, atribuindo-se a todos um lugar ao sol; governos legitimados; grandes líderes, capazes de conciliar e harmonizar a variedade de interesses e demandas que se estruturam no interior dos arranjos pactuados.

Foi o concurso destes fatores que ensejou o ressurgimento e um novo apogeu do nacional-estatismo: prosperidade, conciliação de classes, euforia nacional. Entretanto, o conjunto da situação alterou-se de modo significativo, impondo desafios. O contexto internacional mudou para pior. A prosperidade naufragou, dando lugar a crises — econômica e política. Já não há recursos para bancar subsídios e financiamentos amigos, e mesmo os programas sociais periclitam. Volta o espectro da inflação num processo de desaquecimento da economia, de desemprego, de crise fiscal e desestabilização política. E o pior de tudo é que os grandes líderes, senhores do Verbo e do Carisma, pelo chamado da morte (Chávez e Néstor Kirchner) ou por infelizes escolhas (Lula), cederam lugar a pálidas figuras, que penam para lidar com o momento difícil.

Para sair do buraco, sem dúvida, haverá um custo, e será alto. A velha questão, familiar às crises, retorna com força imprevista: quem vai pagar a conta? Tempos de escolhas e de decisões. De apuros para as lideranças nacional-estatistas, acostumadas à conciliação. O que farão elas? Mobilizarão as camadas populares em sua defesa? Ou aceitarão passivamente a derrota, retirando-se sem luta e descarregando o custo da superação da crise, como de hábito, nas costas dos trabalhadores? Considerando a densidade de sua história, o colapso definitivo da proposta não é uma hipótese provável, como já quiseram e ainda querem seus inimigos de sempre. Mas o fato é que, a depender de suas respostas, o nacional-estatismo, agora nas cordas, poderá conhecer um outro eclipse histórico.

Daniel Aarão Reis

Corrupto, é a mãe!

Com a redação “Todos nós somos corruptos”, a estudante Liliana Rodrigues, de 14 anos, que cursa o 9º ano da Escola Municipal Jorge Amado, em Salvador, venceu o concurso de redação lançado pelo Ministério Público Federal, com o tema “Corrupção, Não!”.

Assustadoramente o que se vê é a doutrinação extrapolando a mídia e chegando às escolas. Há muito interesse nos poderes em esclarecer "cientificamente" que o brasileiro já nasce corrupto. Ou no mínimo, nossa corrupção é made in Portugal, absurdo de que somos corruptos devido à colonização lusa.

O besteirol, defendido mesmo por mentes brilhantes como purpurina, virou moda e vai ficar difícil em breve descobrir brasileiro que não se ache corrupto desde criancinha, quando chorava para mamar no seio. Quem sabe, talvez mesmo se ache corrupção por descendência. 


A generalização só interessa aos corruptos, assim como a afirmativa de que o Aedes aegypti é inseto doméstico livra os governo de responsabilidade por falta de saneamento básico. Nos dois casos, a participação popular é um ingrediente bem menor do que se imagina, mas generalizar tem efeito benéfico para os delinquentes político-governamentais.

Se todos são corruptos, os bandidos da Lava Jato são equiparados àqueles que molham a mão de policiais. Assim roubar milhões ou corromper funcionário público terá o mesmo valor penal apesar de qualificadamente diferentes - um sendo ato pessoal e outro, quadrilheiro.

Com o peso do crime rebaixado bem por baixo, se estará reduzindo a carga de importância da propina de alto escalão. Psicologicamente, quem estacionou em local proibido se sentirá tão culpado quanto se tivesse recebido propina de milhões de dólares. Uma excelente manobra, mas que transforma um país em nação de corruptos apenas para efeito de contabilidade marginal.

A estratégia malandra tem apenas uma falha: não há 220 milhões de corruptos no Brasil. São milhares, bem menos do que se calcula, mas deixaram há muito a corrupção: são ladrões governamentais, categoria bem diferente do corrupto comum e rastaquera, que é roubado pelo quadrilheiro partidário, pela gangue de governos e partidos. 

Um sonho para 2016: cidades felizes

Ouvi esta expressão “cidade feliz” recentemente durante um encontro de fim de ano do PACC – o Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ. Ela veio da historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, da PUC-Rio, que falava sobre ‘cidades: história e teoria’. Cidade feliz no sentido de uma utopia urbana no Brasil atual, pois, lembrou Maria Alice, as nossas cidades estão difíceis para viver, feias, desajustadas. Creio que é verdade. Conforme a professora falava para o grupo de intelectuais e pensadores, entrei num estado de sonho.
JeronimoSanz/Flickr
Transito entre o Rio de Janeiro, onde moro, e São Paulo, de onde vim e me recordo de várzeas e terrenos baldios hoje repletos de concessionárias de veículos, lojas de autopeças e comércios vários ao longo da Avenida Sumaré, na zona oeste, outrora um córrego. No caso do Rio de Janeiro contemporâneo, e pelo menos naquilo que me afeta diretamente o cotidiano, a cidade se encheu de carros. As ruas, porém, continuaram tão estreitas quanto antes. Quando acompanhei uma jornalista chinesa da BBC essas ruas esguias do Rio lhe pareceram apenas as veias de uma imensa bagunça (o fluxo de pensamento foi seguindo seu rumo na sala da universidade – é para isso que estas instituições servem, para que pensemos). Em São Paulo, algum tempo atrás, andei por uma alameda perto da Avenida Paulista e senti o cheiro forte de gasolina. Já na favela do Jardim Colombo, na zona sul da capital, onde dei aulas de alfabetização nos anos 1980, quando lá voltei recentemente para visitar um ex-aluno, vi que tudo tinha melhorado e piorado ao mesmo tempo nos últimos 20 anos. Havia mais saneamento indicavam os números frios do IBGE; mas pelas vielas ainda corria esgoto a céu aberto; havia luz para todos, mas muitas ligações eram clandestinas e os apagões constantes; em duas décadas as construções deixaram de ser de tábua e agora são de bloco, a favela cresceu para cima, ao mesmo tempo em que a insegurança aumentou. Lá houve uma guerra, me contou um morador, o mais antigo do local. Coisa de drogas, algo assim, não me aprofundei nos detalhes pois quando chega nesses assuntos todos apenas sussurram – e ‘seu’ Tião queria mesmo era lembrar do tempo em que lá havia um córrego que dava uma espécie de pitu, pois ele chegou da Bahia à capital paulista em meados dos anos 1970 e a estação da Luz lhe pareceu uma imensa teia de aranha. “Tudo mudou, nada mudou”, ele balançava a cabeça, enquanto ouvíamos o som de um rap: “aqui não é mais favela, Rogério, aqui agora é cidade”.

Lembrei disso tudo ao ouvir a professora falar na possibilidade – um projeto político na verdade – de uma “cidade feliz”. Claro, o transporte, a segurança, o saneamento serão apenas parte dela. Modo geral, esta cidade feliz brasileira oferecerá a infraestrutura necessária para que as pessoas possam realizar na trama urbana o seu potencial de vida. Pensando bem, é o básico que uma cidade pode oferecer a seus habitantes. Temos chance?

Rogério Jordão

A conscientização sobre a pobreza e a mudança climática, finalmente

Desenvolvimento urbanístico junto ao deserto, em Cathedral City, Califórnia, em plena seca
Este ano será lembrado pelos importantes avanços que foram obtidos mediante a cooperação internacional para o enfrentamento de dois desafios basilares de nossa geração: a erradicação da pobreza e a luta contra a mudança climática.

Em julho, países ricos e pobres se reuniram em Adis Abeba (Etiópia) para a Terceira Conferência Internacional sobre Financiamento do Desenvolvimento. Os representantes governamentais admitiram que muito se avançou desde a primeira conferência, realizada em Monterrey (México) em 2002, mas que continuam existindo enormes desafios em muitos lugares do mundo, especialmente na África subsaariana.

Foi muito decepcionante que muitos países ricos não tenham respeitado o compromisso assumido em Monterrey de investir 0,7% de seu Produto Interno Bruto na ajuda internacional aos países pobres. Muito poucos países alcançaram este objetivo, e isso deveria provocar uma grande vergonha aos Governos que não cumpriram a promessa feita aos povos mais pobres do mundo.

Mas no encontro de Adis Abeba tomou-se consciência da escala dos esforços necessários para atingir o objetivo de erradicar a pobreza e a fome, e para se obter um desenvolvimento sustentável mediante o fomento do crescimento econômico inclusivo, da proteção ao meio ambiente e do aumento da inclusão social.

A conscientização coletiva sobre este desafio e o compromisso dos países ricos no sentido de incrementar a ajuda internacional assentaram as bases do acordo alcançado em setembro na Assembleia Geral das Nações Unidas. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, e um conjunto de 169 propósitos relacionados a eles, pretendem lutar contra a desigualdade, o consumo e as formas de produção insustentáveis, a infraestrutura deficiente e a falta de trabalho digno em todos os países do mundo.

Enquanto os diferentes países trabalham duro na elaboração do novo plano de desenvolvimento sustentável, também levam adiante as iniciativas para enfrentar os enormes perigos da mudança climática, completando um processo iniciado há quatro anos em Durban (África do Sul).

Em dezembro de 2011, os Governos concordaram, na reunião anual das Nações Unidas sobre a mudança climática, em trabalhar para alcançar um novo pacto em 2015. Até o fim de 2014, tinham sido produzido avanços lentos, mas este ano era necessário acelerar o processo. Por sorte, alguns acontecimentos contribuíram para que as negociações internacionais chegassem a bom porto.

Em novembro de 2014, o presidente Xi Jinping e o presidente Barack Obama, dirigentes da China e Estados Unidos, respectivamente, que são os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, assinaram uma declaração conjunta que propunha novos compromissos para reduzir e limitar as emissões anuais a partir de 2020. Isso persuadiu mais de 180 países a se comprometer também, com vistas à reunião das Nações Unidas sobre mudança climática, prevista para dezembro deste ano em Paris.

As negociações entre os diferentes países se aceleraram em maio deste ano, quando o papa Francisco publicou o Laudato Si, sua encíclica sobre o meio ambiente e a ecologia humana. O papa combinava sua avaliação dos aspectos científicos e econômicos com um poderoso argumento moral a favor da luta contra a mudança climática, o que contribuiu para convencer muitos católicos, e sem dúvida a população em geral, sobre a necessidade de tomar medidas urgentes.

Quando chegou o momento de mais de 190 Governos se reunirem na COP21 em Paris, tinha sido gerado um impulso que propiciou um acordo verdadeiramente histórico, adotado em 12 de dezembro, para limitar o aquecimento do planeta muito abaixo dos 2 graus centígrados da temperatura pré-industrial.

Uma das razões cruciais pelas quais o Acordo de Paris foi possível é que cada vez mais países se deram conta de que, para lutar contra a mudança climática, não é preciso sacrificar o crescimento econômico e o desenvolvimento. A transição para um nível baixo de emissões de carbono nos leva para um caminho de incrementar a qualidade de vida e erradicar a pobreza, que é mais atraente e emocionante que seu predecessor muito daninho, o das elevadas emissões de carbono.

Acredito e espero que este ano seja lembrado no futuro como um ponto de inflexão importante na história humana, quando se conseguiu uma vitória crucial na batalha contra a pobreza e a mudança climática, que trouxe mais prosperidade e bem-estar não só a nós, mas também a nossos filhos, netos e gerações futuras.

Nicholas Sterné