sexta-feira, 24 de abril de 2020

Pensamento do Dia


Cortaram as asas do Guedes

Onde estava Paulo Guedes nesta quarta-feira, quando o novo homem forte do Brasil, o general Walter Braga Netto, apresentou o plano Pró-Brasil, de R$ 30 bilhões, para impulsionar a economia após a crise do coronavírus?

Uma espécie de New Deal brasileiro, baseado nas medidas com as quais o presidente democrata dos EUA Franklin Delano Roosevelt lutou contra a crise econômica da década de 1930. Mas ele também cheira aos PACs (Programa de Aceleração do Crescimento) lançados pelos governos do PT, só que sem Dilma Rousseff como "mãe do PAC".

Epidemias e pandemias sempre foram tempos estranhos, quando o mundo de repente vira de cabeça para baixo. No Brasil não é diferente. O vírus enterrou a reforma neoliberal do Brasil planejada pelo "superministro" Paulo Guedes. Em vez disso, todos – incluindo empresários – estão pedindo novamente o Estado forte.

Claro que tais pedidos estão sendo ouvidos por todo o mundo. Até nos Estados Unidos, onde os republicanos, especialmente o presidente Donald Trump, sempre demonizavam como "comunismo" a intromissão do Estado na economia, esse mesmo Estado agora envia gordos cheques a seus cidadãos. E assinados pelo próprio Donald Trump, que simplesmente transforma em limonada os limões da crise do coronavírus.


E o que acontecerá quando os 20 milhões de novos desempregados nos Estados Unidos perceberem, de um dia para o outro, que não têm mais seguro de saúde? Será que a política de saúde de Barack Obama está prestes a celebrar seu retorno? O senador democrata Bernie Sanders pode estar fora da disputa para a presidência, mas, de repente, suas teses não parecem mais serem radicais, mas extremamente razoáveis. E urgentemente necessárias.

Justo no Brasil está sendo introduzido, da noite para o dia, com o auxílio emergencial para trabalhadores informais, uma espécie de renda básica, o que é o sonho de visionários e utópicos de esquerda. Oficialmente só deve vigorar por três meses, mas tais programas, uma vez implementados, são difíceis de cortar sem cometer suicídio político.

Outro exemplo é o Bolsa Família, criado por Lula, ao qual o presidente Jair Messias Bolsonaro acrescentou um 13º em vez de aboli-lo. É, não é fácil botar o gênio para dentro da garrafa de novo. Bolsonaro manterá isso em mente, em vista da eleição de 2022.

E isso não é tudo. No meio dos trâmites em torno dos auxílios emergenciais para trabalhadores informais, o governo afirmou ter descoberto de 40 a 50 milhões de "invisíveis". Em outras palavras, pessoas cuja existência no Brasil ninguém conhecia, exceto as ONGs "comunistas" com as quais o governo, todos sabem, não fala. Agora o governo terá que incluir essas pessoas, seja lá como for.

O dilema já está aí. E o vento ideológico mudou de sentido. Programas como o Bolsa Família eram criticados pelos empresários como assistencialismo. Mas esses mesmos empresários deixavam financiar seus empréstimos preferenciais do BNDES com dinheiro de impostos. Ou recebiam bilhões em isenções fiscais dos governadores. Isso sempre foi hipocrisia.

Na crise pós-corona, a responsabilidade do Estado vai aumentar em vez de diminuir. Pois todos esperam ser sustentados por ele.

Paulo Guedes sabe disso, é claro, e isso lhe traz pesadelos. Seus planos de reestruturação para um Brasil moderno – sistema privado de aposentadorias, privatização de bens estatais, enxugamento do "ineficiente" aparato estatal e introdução de maior responsabilidade individual a todos os envolvidos – não foram só suspensos, mas colocados no fundo do freezer.

Sua fraqueza crescente também se deve à força crescente dos militares. Passo a passo, eles estão assumindo posições e tarefas estrategicamente cada vez mais importantes dentro do governo. Em vez de conter o presidente, como se suspeitava no início do mandato de Bolsonaro, eles cortaram as asas do Guedes.

Depois de abortarem a reforma da Previdência do Guedes, agora sabotaram seus planos de privatização. Oficialmente, as privatizações estão adiadas para 2021 ou 2022. Mas a resistência dos militares em entregar propriedades estatais a investidores – supostamente estrangeiros – é bem conhecida. É o único ponto que une quase todos os brasileiros, independentemente de estarem à esquerda ou à direita ou se chamarem Bolsonaro, Lula, Ciro ou Dilma.

Todos defendem um nacionalismo pé no chão. E ainda mais agora, quando cadeias de produção globais são questionadas e a dependência de potências estrangeiras é posta sob suspeita. Guedes, com suas ideias neoliberais, é um corpo estranho nesse meio.

Coronavírus não é 'gripezinha'

Não se enganem: nós temos um longo caminho a percorrer. O vírus estará conosco por um longo tempo.A maioria das epidemias na Europa Ocidental parece estável ou em declínio.
 
Embora os números sejam baixos, vemos preocupantes tendências ascendentes na África, na América Central e do Sul e na Europa Oriental. A maioria dos países ainda está nos estágios iniciais de suas epidemias
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS

Política macabra

"Sem leitos suficientes nos hospitais, os doentes eram amontoados no chão das enfermarias e nos corredores. Muitos morriam antes de ser atendidos. Os hospitais foram fechados às visitas e, nos enterros, só se permitia a presença dos mais próximos. Os velhos rituais —velório, cortejo e sepultamento— ficaram impraticáveis. Viam-se carros transportando caixões com tábuas mal pregadas, indicando que tinham sido feitos às pressas. Começou a faltar madeira para os caixões e gente para fabricá-los.

"As pessoas morriam e seus corpos ficavam nas portas das casas, esperando pelos caminhões que deviam transportá-los. Os motoristas os recolhiam na calçada e os atiravam nas caçambas, como se fossem sacos de areia. Às vezes descobria-se que alguém dado como morto ainda respirava. Era liquidado ali mesmo, a golpes de pá, mas houve casos de enterrados vivos.


"Nos necrotérios, os corpos jaziam empilhados por dias, sobre as mesas de mármore ou no chão. Os recolhidos nas ruas, sem identificação, eram despejados em valas comuns ou incendiados. Os coveiros também começaram a morrer. O Exército e a Cruz Vermelha os substituíram como voluntários e, por toda a cidade, armaram-se hospitais emergenciais e postos de atendimento. Etc.".

Os parágrafos acima não são um relato da vida —e da morte— neste momento em Manaus e em outras cidades do Brasil, onde o número de mortes pela Covid-19 já começou a dobrar a cada semana. Mas poderiam ser. Eles estão no prólogo de meu livro "Metrópole à Beira-Mar — O Rio Moderno dos Anos 20", recém-lançado, e que começa com a gripe espanhola matando 15 mil pessoas no Rio em menos de 30 dias, em 1918.

Nesta semana, irritado, Jair Bolsonaro disse que não é coveiro. Não é mesmo. Os coveiros brasileiros são heróis. Enquanto ele faz política, os cemitérios se preparam para os terríveis próximos dias. Só ontem foram 407 mortes.
Ruy Castro

O calibre do perigo

A reação das instituições aos constantes ataques à democracia brasileira mudou de patamar. Dois fatos são indicadores desta situação.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, aceitou o pedido do Procurador Geral da República, Augusto Aras, um aliado do presidente, de instalação de inquérito para investigar os atos pró-ditadura realizados em frente a quartéis. Um deles com a presença de Jair Bolsonaro, ao lado dos portões de entrada do Quartel General do Exército em Brasília onde se situa o Gabinete do Comandante do Exército.

As Forças Armadas, por sua vez, se distanciaram do discurso contra a democracia. Após consulta aos comandantes das três armas, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, divulgou nota oficial, reafirmando sua obediência à Constituição, como tem se pautado desde a redemocratização do país.

Não se pode subestimar esses dois fatos. Eles rompem com o ciclo de se contrapor à escalada autoritária apenas por meio de declarações.

O Procurador Geral da República teve de se movimentar. Mesmo que sejam procedentes as suspeitas, de que teria blindado previamente Bolsonaro ao excluí-lo do escopo do inquérito e apenas investigar a autoria dos atos, seu pedido visou atender à pressão da sociedade civil para que a democracia acione seus mecanismos de defesa.

À primeira vista, o presidente não teria com o que se preocupar por não ser objeto da investigação. Mas não é bem assim. O que Ulysses Guimarães dizia das CPIs vale para outros tipos de investigações: é possível saber como começam, mas não como terminam. Ao investigar a autoria e quem financiou os atos, o inquérito pode chegar a parlamentares ligados ao governo e ao chamado gabinete do ódio.

E se as investigações chegarem ao seu núcleo familiar?

Há um precedente de um presidente que não era alvo de investigação mas foi letalmente atingido por uma delas. Getúlio Vargas não era objeto do IPM instalado para investigar o atentado a Carlos Lacerda, mas quando as investigações chegaram ao seu irmão Benjamin Vargas, seu governo chegou ao fim de forma dramática.

O atual inquérito tem potencial para agravar a instabilidade de um governo que não conta com base parlamentar sólida e vive em guerra declarada com Congresso Nacional e o Supremo.


Nos tempos da ditadura, costumava-se interpretar os pronunciamentos dos militares por suas entrelinhas. Desde a redemocratização as Forças Armadas se mantiveram em silêncio sobre questões não afetas às suas atividades profissionais. Se voltaram a marcar posição é porque vivemos tempos anormais, agravados pela grave pandemia que se abate sobre a saúde pública.

Como no passado, é preciso entender o contexto da nota oficial desautorizando as manifestações.

Na noite de domingo o núcleo militar do governo, do qual participa o próprio ministro da Defesa, ainda não havia visto nada de anormal na participação do presidente em um ato no qual se pregava o AI-5, o fechamento do Congresso e do STF. Apenas acharam que Bolsonaro se empolgou. O chamado núcleo militar não tinha captado a enorme insatisfação da cadeia de comando das três armas com os atos, bem como de militares de alta patente que não fazem parte do governo.

A pregação em frente aos quartéis foi mais um passo na politização da tropa, porta pela qual a quebra da disciplina e da hierarquia sempre adentrou.

Os militares sentiram o calibre do perigo de serem arrastados para uma aventura por causa do canto fúnebre que o marechal Castelo Branco chamou de vivandeiras e que desde 1930 rondam os quartéis. Nas entrelinhas mandaram seu recado: “As Forças Armadas são instituições de Estado, não de governo”.

Esse é o lado positivo. As Forças Armadas parecem não estar dispostas a abrir mão do ativo conquistado a duras penas: o respeito e a admiração dos brasileiros por se aterem às suas funções definidas pela Constituição. Se o presidente extrapolar e apelar para estado de sítio, receberá o mesmo não que os militares deram a Dilma quando a então presidente pretendeu abortar seu impeachment com a decretação de estado de defesa.

O lado ruim é que temos um presidente que assume o papel de vivandeira e vai para frente de quartel para fazer questionável discurso político, um ato que pode ser qualificado como crime de responsabilidade.

Chavismo de direita

Tempo de horror em que os dois únicos assuntos nacionais são coronavírus e Bolsonaro. Parece que nada mais interessa. Está chato. Todo mundo escreve sobre as mesmas coisas. Desculpem, mas...

Lembrei-me de um filme de Kurosawa chamado “Homem mau dorme bem”, um grande ataque do mestre ao capitalismo. É sabido que Bolsonaro dorme pouco e mal, com um revólver na cabeceira, é natural que acorde cansado e mal-humorado. É quando fala suas maiores besteiras.

Depende do que tenha sonhado. Qual é o seu pior pesadelo? Ser impichado, o Queiroz contar tudo e Flávio ser preso, ou a depressão econômica? Ele é do tipo que não hesitaria em provocar uma guerra civil para se manter no poder, ou salvar um filho da cadeia. Mas o Exército o conhece bem, desde que o expulsou por planejar botar bombas em quartéis. Não pela democracia, por aumento de salário.

Pior é se fazer de louco, achando que todo mundo é burro, dizendo que não precisa dar um golpe porque já está no poder, fingindo que não existe o autogolpe, o parlamentar, e o golpe gradual de Hugo Chávez, o pior exemplo possível, que deu no que deu. Parece um método chavista cercar-se de generais, que não só o ajudariam como subordinados, mas também botariam as tropas na rua num eventual impeachment.

O próximo passo seria transformar suas milícias virtuais em armadas, como as chavistas, para “defender a democracia”? A coragem em um teclado não é a mesma diante de um fuzil. Robôs não usam fuzis, são virtuais, uma forma de auto-engano em que quem paga sabe que as milhões de mensagens de apoio não são verdadeiras e estão pregando para convertidos. Só servem para espalhar fake news, terrorismo digital.

Todo dia ele diz que representa 57 milhões de pessoas que votaram nele, “nós somos a maioria”. Eram. Hoje mais de 10 milhões de seus eleitores se dizem arrependidos. E seu governo tem só 33% de apoio. Um terço não é a maioria. Não basta para ganhar nada, mas pode convulsionar o país. Quantos votariam nele hoje? E, mais importante, contra quem?