terça-feira, 6 de setembro de 2016

Charge do dia 05/09/2016

Estamos sem 'porquês'

Li outro dia uma frase aterrorizante que nos explica – hoje. Quando o escritor Primo Levi foi preso em Auschwitz, ele perguntou algo a um oficial do campo. O sujeito respondeu: “Hier ist kein warum” (“Aqui não há o porquê”). Estamos sem porquês.

Aquela fotografia de um menino sírio em Alepo, coberto pelos restos de uma explosão, mostra nossa solidão diante do mal. Existe hoje no mundo um novo mal, um mal sem culpados visíveis. O mal no mundo atual é o “incompreensível”.

Quando Hitler atacou o mundo com o nazismo, quando Stálin matou mais gente que o alemão, ainda havia uma sórdida “finalidade” em seus atos; sua violência era justificada por uma “causa” a ser atingida: ou o Milênio Ariano, ou o paraíso comunista. Para eles, todos os atos eram perdoados por essa intenção de futuro. O futuro de nosso presente só nos promete tragédias anunciadas.

Designer cria imagens que nos convidam a filosofar sobre a vida moderna:

O mal ficou difuso. Onde está o mal hoje? No terror, no meio da miséria, entre fezes? Os fanáticos do islã querem destruir o demônio – que somos nós. Os atentados são cada vez mais terríveis, procurando apagar a alegria da vida ocidental que tanto invejam.

A Coreia do Norte, governada por um porco, ameaça-nos com a bomba atômica. O Maduro destrói seu país entre assassinatos e fome, o Assad arrasa a Síria e exporta milhões de pobres-diabos; Putin, aquele agente do mal, não permite a queda do ditador russo. Aqui, mais perto, na América, temos o Trump, que é o mal encarnado; para ele, os democratas são os cães infiéis, exatamente como pensam os muçulmanos radicais que matam pelo prazer de nos horrorizar com degolamentos na mídia.

Os terroristas injetaram o arcaico no moderno. No 11 de Setembro, os aviões viraram balas, mísseis. Osama nos fez ver o lixo que se escondia sob o progresso, a “razão” suja do Ocidente sob o governo do estafermo do Bush. Osama desmoralizou a América, nosso mito de competência, e comandou todos os erros pavorosos da vingança norte-americana.

Nunca a América errou tanto. O horror atual tem várias origens, mas uma delas é o Bush. O mal ocidental escondido sob o “bem” apareceu – o eixo ocidental do mal. Hoje, com o EI, a arma maior é a internet, doutrinando malucos para o mal.

Antigamente, era mole. O mal era o capitalismo, o bem era o socialismo. Todos fingiam ser o bem. Ninguém dizia, de fronte alta: “Eu sou o mal!” ou: “Muito prazer, Diabo de Oliveira...”

Agora, os intelectuais orgânicos, padres de esquerda, caridosos de carteirinha, cafetões da miséria, santos oportunistas estão em pânico. Pensam: “Se não houver um mal claro, como seremos bons?” Sente-se no ar uma sede, uma fome de mal. Jovens neonazistas declararam outro dia na Áustria: “Não aguentamos mais a monotonia da democracia”. O mal é excitante. Ninguém quer ser livre. O sucesso planetário dos evangélicos, as massas delirando com ídolos de rock, mostram que, no mundo inteiro, as massas querem slogans irracionais, querem o fundamentalismo da crueldade prática, das soluções finais. Infelizmente, como disse Baudrillard: “Contra o mal, só temos o fraco recurso dos direitos humanos”.

O mal parece uma forma perversa de liberdade.

O mundo atual está numa sinuca de bico. Não há mais dualidades. Inimigos de “vários matizes” estão disseminados nos países. O bem não sabe para onde vai, não sabe nem mesmo se ainda é o bem. Desde que me entendo, nunca vi uma mutação tão intempestiva. Não é nas mentalidades, mas na matéria da vida, nas engrenagens que movem o mundo.

Hoje, a desesperança com qualquer hipótese de totalidade está parindo novas formas larvais de sobrevivência neste mundo decepcionante.

Esse mal em polvilho, em pó, essa chuva de mal se “balcaniza” em ilhas ideológicas e psicológicas – o mundo se “desunifica” em vazios, em avessos, em “buracos brancos” que vão se alargando à medida que o tecido da sociedade “linear” se esgarça. É um arquipélago de zonas de terror. Se, antes, havia a polarização de ideologias em oposições binárias, pretos contra brancos, socialismo versus capitalismo, isso vinha da ideia de “sistema e contrassistema”, de “cultura e contracultura”. Essa oposição acabou.

Um dos dramas de hoje é que não há mais fatos – só expectativas. A história vai devagar e por linhas tortas. A última grande mudança foi a queda das torres em Nova York. Em dez minutos, nossa vida mudou. O que houve no mundo foi o fim do sonho da unidade, o fim da possibilidade de uma “grande narrativa” – como dizem os pós-utópicos, perplexos e com uma pontinha de alívio da obrigação de grandes “relevâncias”. O que acabou foi o “UM”. Acabou o anseio totalizante de se achar uma única resposta, desejo antiquíssimo de tudo reduzir a um símile do corpo humano: a sociedade funcionando como um organismo sob controle.

Como escreveu Paul Valéry em seu texto “A Política do Espírito”: “A desordem do mundo atual nos habitua intimamente a ela; nós a vivemos, nós a respiramos, nós a fomentamos, e ela acaba por ser uma verdadeira necessidade nossa. Nós encontramos a desordem a nossa volta e dentro de nós mesmos, nos jornais, nos dias e noites, em nossas atitudes, nos prazeres, até em nosso saber”.

O mal se espalha em formas cada vez mais inventivas. O mal tem imaginação.

No Brasil é diferente. O que nos assola não é o grande mal. O perigo aqui é o pequeno mal, enquistado nos estamentos, nos aparelhos sutis do Estado, nos seculares dogmas jurídicos, nos crimes que são lei. O mal do Brasil não está na infinita crueldade de elites egoístas; está mais em sua cordialidade. O mal está no mínimo.

Aqui, o perigo é o bem.

A tentação totalitária do PT

A crise que culminou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff parece ter estimulado o PT a adotar estratégias típicas de movimentos totalitários. Numa delas, a realidade percebida pelos sentidos é rejeitada in limine, pois é considerada como uma mentira construída pelos inimigos do povo para realizar seu perverso projeto de dominação. Em seu lugar, o PT oferece a “verdadeira” realidade, aquela que se constitui do que não é perceptível, do que está escondido, do que não se dá a conhecer senão por meio da revelação dos que passaram pelo adequado treinamento ideológico. A ideologia petista dá a seus simpatizantes o conforto de substituir o mundo real, com suas contradições e seus acidentes, por um mundo em que tudo faz “sentido”, graças ao discurso que lhe empresta coerência, mesmo que nada disso tenha a mais remota conexão com a realidade.

É com esse viés que os petistas, derrotados pela Constituição e pela democracia, querem fazer acreditar que o País viveu um “golpe”, com a destituição da presidente Dilma Rousseff, e que agora está em curso um processo que culminará em breve num “estado de exceção”, semelhante ao da ditadura militar.



De acordo com essa estratégia, é preciso apostar na confusão moral. A manutenção da ordem, dever da polícia, é tratada como repressão arbitrária – e qualquer ato da polícia nesse terreno, mesmo que no estrito cumprimento do seu dever, é logo apropriado e divulgado de forma estridente pela máquina de propaganda partidária com o objetivo de construir a realidade que lhe interessa.

Assim, uma manifestante que teve ferimentos num olho em razão de estilhaços de uma bomba de gás lacrimogêneo atirada pela polícia, no último dia 31 de agosto, foi imediatamente convertida em mártir petista. Sua vida deixou de lhe pertencer. Ela passou a servir como ilustração do “golpe de Estado dado no País”, como afirmou Dilma em seu perfil no Twitter. A moça foi “vítima da violência policial que tenta reprimir manifestações democráticas”, disse Dilma, sem se ater ao fato de que a bomba que feriu a jovem foi atirada para dispersar vândalos e baderneiros, que não estavam fazendo nenhuma “manifestação democrática” e tinham de ser contidos, como manda a lei.

Mas Dilma não tem nenhum interesse no mundo real. Seguindo a delirante cartilha de seu partido, ela colhe acontecimentos aqui e ali conforme estes se encaixem na tese lulopetista de que está em andamento uma grande conspiração para estabelecer uma ditadura no Brasil, como a de 1964. “As pessoas vão para as ruas e vem a repressão. Cegam uma menina. Depois, matam alguém, como foi com o estudante Edson Luís”, disse Dilma em entrevista a jornalistas estrangeiros, fazendo absurdo paralelo do caso atual com o do assassinato de Edson Luís em março de 1968 pelas forças do regime militar. Mas ela foi adiante: “O terrorismo de Estado é gravíssimo. O poder dele para reprimir é muito forte. Assim começam as ditaduras”.

É com essa lógica rasteira que os petistas pretendem convencer os brasileiros de que estamos às portas de um regime de exceção. O objetivo é criar uma atmosfera favorável à defesa de soluções que, a título de preservar a democracia, representariam na verdade uma ruptura, ou seja, um golpe, cujo objetivo é restituir o poder aos que, em respeito à Constituição, dele foram apeados. É o caso da proposta de antecipação das eleições presidenciais, que o PT agora encampou sob o título “Diretas Já” – alusão malandra ao nome do movimento que há mais de 30 anos ajudou a enterrar a ditadura militar.

A resolução do PT que anunciou a tal “Diretas Já” nem se dá ao trabalho de dizer como essas eleições seriam realizadas, já que contrariam a Constituição. Mas o pensamento petista prescinde da razão – esta, aliás, é sua inimiga mortal e deve ser combatida com todas as forças e por todos os meios. Assim, sempre que alguém renuncia à capacidade de pensar e abraça a lógica oferecida pela doutrina petista, o exército de liberticidas se adensa, e o cerco pernicioso à democracia se fecha um pouco mais.


Imagem do Dia

                                                                                                Ocho Rios Jamaica

O inexorável caminho da cadeia

Se Lula já andava um caco, com o ânimo em frangalhos e o medo da cadeia colado à sua insônia, agora a coisa piorou ainda mais na quarta-feira 31, quando Dilma Rousseff foi definitivamente derrotada no processo do impeachment. Enquanto foi possível, ela tentou dar-lhe guarida, a ponto de nomeá-lo ministro com a intenção de retirar seus inquéritos das mãos do juiz da Lava Jato, Sergio Moro, e dar-lhe a prerrogativa de foro privilegiado. Tudo em vão. O ex-presidente Lula, nesse momento em que ele não pode mais contar com a proteção e a cobertura de sua pupila, é sabedor de que seu caminho inexorável é a cadeia. Amargo, muito amargo presente, que às vezes o passado distante parecia insinuar e o passado recente, recheado de crimes e ilicitudes, só fez confirmar. Voltemos então um pouco no tempo…

Apaixonado por desenho a ponto de nenhum tampo de mesa de bar ter saído incólume do grafite de sua lapiseira, o publicitário Carlito Maia colocou a sua criatividade a serviço do PT sem nunca cobrar um centavo em troca. E deu frases ao partido e a Lula que, olhadas com os olhos do presente, parecem epifanias. “Meio bruxo na adivinhação do futuro”, como costumava brincar, ele certa vez escreveu: “Brasil: Fraude explica”, numa referência ao psicanalista Sigmund Freud. Nada mais atual, convenhamos, para setores petistas. Também anotou que no dia em que Lula chegasse ao poder ele sairia do partido. Muito estranho! Por que o abandonaria? Eternizou-se o mistério: Carlito morreu cinco meses após Lula iniciar o seu primeiro mandato, em 2002, com os brasileiros crendo que a ética em pessoa subira a rampa do Planalto.

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Ledo engano. Lula esfarrapou os princípios éticos, morais e republicanos. Acreditava-se em um Lula alimentado por democrática ideologia, mas o poder revelou-nos um corrupto embalado no demagógico populismo. Não sem motivo, portanto, martela-lhe a alma uma contagem regressiva à condição de réu em diversos inquéritos que deverão virar processos (alguns já se tornaram), uma contagem regressiva que move as suas pernas rumo à tornozeleira eletrônica e à prisão – e, nessa caminhada, já houve até condução coercitiva por ordem do juiz Moro. Todas as acusações podem ser resumidas em três crimes: corrupção, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Lula costuma dizer que sente “coceira de voltar a ser presidente” cada vez que surge novo ilícito penal envolvendo o seu nome, mas isso é pura bravata: é visível que seu semblante tornou-se cada vez mais apreensivo e envelhecido, muito envelhecido. E não são rugas de anciã sabedoria de 70 anos, são de medo mesmo. É o destino selado da trajetória de alguém que migrou do chão firme da ideologia ao pântano da corrupção. Lula não será a Fênix em 2018, Lula é a cinza definitiva da história recente de nossa república. Agora é só bater a brisa da aguardada primavera para dispersá-la de vez.

Lula costumava dizer que, se o governo de Dilma desse certo, ele daria certo no futuro; quem o viu na segunda-feira 29 no Senado, acompanhando o depoimento da companheira, percebe que ambos deram com os burros n’água. O futuro lhe é morto. Em Lula não há nem sombra do homem que presidiu o País, até porque esse homem, quando esteve no Planalto, já era um arremedo do Lula que ocupou outra presidência, a do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. O Luiz Inácio da Silva daqueles idos de 1980 construíra-se como o mais autêntico líder sindical, enfrentando a máquina pelega herdada do populismo de Getúlio Vargas. Era o tempo da ditadura militar, e Lula comandava greves tão somente de reposição salarial, era um reformista que sequer gostava de políticos. O arbítrio da ditadura afastou-o do sindicato e o prendeu em abril de 1980. Lula passou 31 dias no extinto DEOPS, foi-lhe permitido ter tevê para assistir aos jogos do Corinthians e foi-lhe autorizado ir ao velório de sua mãe. Mas a prisão transformou o Lula sindicalista no Lula político. Nesse mesmo ano o PT é fundado, apoiado na Igreja progressista e no sindicalismo, mas tentando também se equilibrar numa inadequada proposta “revolucionária” ao abrigar ex-militantes da luta armada que não haviam desembarcado de sua utopia. Pode-se perguntar: a política corrompeu Lula? Ou no Lula das greves já habitava o Lula do Planalto e da corrupção? Na verdade, tanto faz. Lula é agora apenas mais um no féretro em que repousa o PT.

O fascismo vermelho está nas ruas

O PT organiza alguns movimentos sociais. Suas ONGs dão origem a outros, ligados a questões étnicas. Esses grupos atropelam a lei e a ordem, o direito de propriedade e as determinações legais e judiciais, fazendo uso da violência. Quem diz que tais crimes são crimes passa a ser acusado, imediatamente, como eu tenho sido ao longo das décadas, de "criminalizar os movimentos sociais". De mero espectador e cronista dos fatos, o sujeito é maldito como indivíduo antissocial, por afirmar que quebra-quebras, pichações, tumultos, rupturas da ordem e infrações à lei, são o que são.

Para o quanto fazem - tudo mesmo - têm apoio oficial. Militantes do MST, por exemplo, atacaram sede do STF, fizeram pichações, atravessaram a praça e foram recebidos como companheiros no Palácio do Planalto. Gilberto Carvalho visitou e se articulou com black blocs às vésperas da Copa e a presença destes inibiu protestos ordeiros que contrariariam o interesse do governo. Lula anunciou a convocação das tropas do general João Pedro (quebra-quebra) Stédile. Presidente da CUT, Vagner Freitas, dentro do Palácio do Planalto, na frente da então presidente da República, convocou sindicalistas a saírem às ruas, com armas na mão, para defenderem seu mandato. Nos últimos dias, em sucessivas manifestações, a contrariada elite petista tem usado e abusado da palavra "luta" para designar o que esperam da turma da mortadela em suas "reações populares". Ora, a turma da mortadela só pega em sanduíche e pau de bandeira. Atos de violência são praticados por pessoas jovens, de outros grupos, treinadas como as que aparecem nessas fotos. Ocupam patamar mais distinto na hierarquia política da esquerda e são por ela conveniente abastecidos, seja lá do que for, mas nada têm a ver com Bolsa Família ou sanduíche.

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São tão antigas quanto as respectivas histórias as lutas e semelhanças entre o comunismo e o fascismo. Designar seus opositores como fascistas era conduta corrente entre os comunistas e assim continuou mesmo depois de o fascismo estar morto e sepultado. No entanto, a incitação e o uso da violência, a intimidação, os patrulhamentos, eram atitudes comuns a ambos e persistem nos atuais movimentos comunistas. Assim, quando um grupo de esquerda - qualquer grupo de esquerda - usa a palavra fascista para designar, por exemplo, as pacíficas manifestações populares dos cidadãos brasileiros nos anos de 2013 a 2016, podemos saber que estamos diante de comunistas defendendo suas posições de poder e se conduzindo segundo aprenderam durante quase um século de sua própria história como movimento político tão revolucionário quanto desrespeitador da lei e da ordem.

É essa praga que está nas ruas de algumas capitais brasileiras quebrando tudo e escondendo o rosto, segundo as melhores práticas fascistas dos combatentes comunistas.

Percival Puggina

Dilma dá adeus à Brasília

Esta tarde, a ex-presidente Dilma Rousseff voará de volta a Porto Alegre pela última vez em um jato da Força Aérea Brasileira. Ao longo do dia, quatro caminhões deixarão o Palácio da Alvorada levando os pertences que ela acumulou por lá desde janeiro de 2010 quando ali pisou pela primeira vez.

Bons tempos aqueles para os que acreditavam nos generosos sonhos do PT. Nos jardins do palácio ainda havia uma gigantesca estrela vermelha à base de flores plantada pelo casal Lula da Silva. Funcionava como um sinal da ocupação que o partido imaginava prolongar por 20 anos ou mais. O projeto parecia factível.

Muda Brasil:

Lula governara o país por oito anos. Elegera Dilma para mais quatro. Se não quisesse voltar em 2014, daria um jeito de reelegê-la como acabou fazendo. Voltaria em 2018 para, se fosse o caso, se reeleger em 2022. Só aí teriam se passado 24 anos. Mais do que os 20 anos que estiveram no cálculo do PSDB quando Fernando Henrique se elegeu em 1994.

O plano do PSDB gorou depois de oito anos tão logo a economia começou a emborcar. O do PT ao cabo do governo mais desastroso da história recente do país, os cinco anos e quase seis meses de Dilma. Sua herança maldita mistura a mais cruel recessão econômica desde os anos 30 do século passado com o maior escândalo de corrupção que já vimos.

Bem ou mal sucedidos, os antecessores de Dilma – à exceção, naturalmente, dos generais presidentes – foram políticos testados em várias eleições. Ela, não. Nunca fora eleita para coisa alguma, nem mesmo para síndica do prédio onde morava em Porto Alegre. De resto, não gostava de política, detestava os políticos e não ambicionava o poder.

Foi uma candidata a presidente construída pelo marketing. E eleita como “a mulher de Lula”. Quando soube que fora reeleita, uma das primeiras coisas que confidenciou aos que a cercavam no Palácio da Alvora foi: “Nunca mais”. Repetiu a mesma frase depois de saber que a Câmara dos Deputados aprovara a instauração do seu processo de impeachment.

Que ninguém espere sua volta mais adiante em condição alguma. Foi um equívoco que ela mesma pretende esquecer. Um equívoco que infelicitou o país.

Uma festa sem cidadania

Há alguns anos penso na Paralimpíada de 2016 como uma agressão às pessoas com deficiência que vivem no Rio. Por que nossos governos inventaram pretextos comerciais internacionais para justificar o exercício de suas obrigações de governar? Por que fazer uma festa internacional se a nossa casa nunca foi construída? Se nossa legislação é excelente, mas não há quem a implemente? Para que louvar a competência da pessoa com deficiência apenas através dos Jogos?

Fui chefe da delegação brasileira em Atlanta, acredito no poder do esporte para uma reabilitação prazerosa e para o bem-estar físico. Compreendo a possibilidade de os Jogos Paralímpicos ajudarem na construção de um novo imaginário social. Mas, se essa força de demonstração não vier acompanhada de acesso a direitos, quebra de preconceito e mudança de comportamento, ela não constrói nada. E não adianta dizer que políticas serão construídas. Como de nada adianta acharmos que pessoas com deficiência têm uma capacidade de superação admirável se isso não resultar na convivência harmoniosa de cidadãos que se respeitam.

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No Rio, pessoas com deficiência não têm como exercer seus direitos básicos de cidadania. Administradores, gestores de serviços públicos e empresas assistirão aos Jogos, poderão até no futuro dar atenção a um ou outro cidadão com deficiência, mas é preciso um movimento permanente, e esse não nascerá dos dez dias de exibição nos Jogos.

Como ter direito à vida se até mesmo um simples aparelho para respirar ou um remédio anticonvulsivante de baixíssimo custo não são fornecidos pelos serviços de saúde? É razoável pessoas saírem do hospital amputadas ou paraplégicas sem uma cadeira de rodas?

Escolas cariocas não estão preparadas para serem inclusivas, mas a lei assim o determina. Como uma escola pode ser inclusiva se não ensina Braille, se não ensina nem interpreta Libras? Se não tem rampas?

De que adianta a lei de cotas determinar que empresas empreguem pessoas com deficiência, se as empresas dizem que não conseguem cumprir a lei? Se o governo nem fiscaliza nem oferece conhecimento para que a lei seja efetivada? Dados oficiais dizem que o percentual de pessoas com deficiência empregadas se mantém baixíssimo, com pequenas flutuações que reafirmam sua vergonha.

São também quase intransponíveis os obstáculos para que um cadeirante ou um cego exerçam seu direito de ir e vir. No Rio, temos apenas um sinal sonoro para cegos. Quantos sinais comuns existirão? Trens e ônibus, principais meios de transporte da população, não são acessíveis, e de nada adianta instalar plataformas que não funcionam ou pintar símbolos de acessibilidade. Pouco acresce dizer que VLT, BRT e metrôs são acessíveis. Os veículos novos obedecem a exigências internacionais, o metrô obedeceu a Ação Civil Pública. Nenhum deles resultou da decisão de implementar acessibilidade.

A prefeitura tem insistentemente desobedecido à lei e às decisões judiciais, nem mesmo respeita a decisão de Ação Civil Pública para que o alvará só seja concedido a estabelecimentos acessíveis.

O tempo para construir direitos e políticas sociais para pessoas com deficiência já passou, seja o tempo longo do Estado brasileiro, seja o tempo curto desde 2009, quando o Rio venceu a disputa para realizar os Jogos. O tempo da vergonha de mostrarmos ao mundo que não respeitamos os direitos das pessoas com deficiência chegou. A recusa permanente da prefeitura a desenvolver políticas públicas pode agora ser exibida ao mundo todo.

Na delegação brasileira, um bom número de atletas não teria deficiência se tivesse acesso a serviços de saúde de qualidade.

No palco, as pessoas com deficiência sempre permanecerão diferentes.

Teresa Costa d’Amaral

A vergonha

 Coluna Papo Político: Charge do dia...:
O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato
Apparício Torelly

O novo cenário nacional das eleições municipais

Gosto de eleições. Desde criança. Com o passar dos anos, o gosto só foi aumentando pari passu o maior entendimento do processo político.

O período eleitoral é momento especial para aumentar a consciência política do povo, discutir a importância e o valor do voto na aquisição e manutenção da cidadania, do bem comum, bem como colocar em debate a cidade, o Estado e o país que queremos.

Quando da escolha de um prefeito ou uma prefeita, o que faz sentido é indagar o que queremos da futura administração da cidade, pois todo município é, no mínimo, dois, e o caminho da cidadania implica diminuir o fosso que separa um do outro, adotando a equidade: mais para quem precisa de mais.

As eleições municipais são mais intimistas, logo, mais apropriadas para diálogos. O financiamento empresarial para as candidaturas nos últimos 20 anos torna até as eleições municipais um espetáculo deprimente, de performances hollywoodianas, que suplantavam a possibilidade do debate de aspirações e ideias.

Esperei as eleições municipais de 2016, as primeiras após a proibição do financiamento empresarial, sonhando que elas estabelecessem um novo patamar, sob o concurso das novas tecnologias de informação, para as eleições como momento cívico solene: das andanças, das conversas, da busca do voto pelo convencimento presencial das candidaturas. E sonhei até que quem se elegesse mostrasse os sapatos gastos nas perambulações pelo voto!

Do que tenho lido, ouvido e visto na TV, a maioria expressiva das candidaturas às prefeituras e à vereança está perdida e sem saber como fazer uma campanha pé no chão, sem dinheiro a rodo! As candidaturas parecem morar numa bolha de vidro, num país das maravilhas, nada a ver com a atual conjuntura brasileira de perda de direitos, como se mudar o mundo hoje, mesmo o microcosmo municipal, e o futuro só dependesse da bondade de cada um deles. Para pedir voto, todo mundo é igualmente santo e tenta nos impingir que suas vitórias seriam privilégios de cada um de nós!

Com raras exceções, nem sequer dão ideia de que sabem qual é o papel de um vereador, de um prefeito, até confundem o que é da alçada do Parlamento e do Executivo! Ao fim de cada programa eleitoral, quedo-me a indagar de qual país são as figuras que pedem o meu voto.

O cenário é de enormes dificuldades, com quase todos os governadores de Estado que nem sequer se preocupam em responder aos casos de síndrome de zika congênita; antes, com prefeitos que nem dão conta de matar mosquito – em geral por negligência; com as ameaças à universalidade do Sistema Único de Saúde (“Saúde, direito de todos, dever do Estado”); o fato de que, pela primeira vez em 13 anos, o reajuste do salário mínimo será menor do que a inflação; com anúncios de cerceamento ao acesso ao Bolsa Família, que hoje abriga 50 milhões de pessoas e é o maior programa do mundo de distribuição de renda; sem falar na síndrome de terror de mudança nas regras das aposentadorias, até naquelas em vigor; e o congelamento dos investimentos (que estão chamando de gastos!) em saúde e educação por 20 anos!

Num cenário assim, seria bastante salutar que candidaturas à vereança e às prefeituras assumissem compromissos da defesa dos direitos que correm riscos, sobretudo na saúde e na educação; de apoio às lutas pela manutenção dos direitos; e de revitalização dos conselhos locais e municipais de saúde, como trincheiras excepcionais de luta popular, tendo o controle social como polo de aglutinação, sobretudo contra a “prefeiturização” deles, como tem sido a regra geral pelo país afora!

A pílula da longevidade

Que a leitura distrai, informa, instrui, leva-nos ao passado e ao futuro, passando de quebra pelo presente, todos sabemos. Há tempos circula entre nós a expressão “viagem da leitura” para sintetizar essa ideia.

Poucos, no entanto, conhecem os outros benefícios da leitura, especificamente para o cérebro. Estudos feitos por neurocientistas, inclusive no Brasil, mostram que um bom livro de ficção acelera a velocidade do raciocínio e cria circuitos neuroniais duradouros.

Assim, a leitura ajuda-nos a chegar à idade avançada com menor tendência para problemas como a doença de Alzheimer. Comprove em sua própria família: seus parentes que leram e leem bastante provavelmente têm boa qualidade de vida na velhice.

Outros estudos demonstraram que quem lê raciocina melhor, pois possui maior contato com as emoções – os livros são doses maciças de emoção, muitas das quais não experimentaremos durante a vida, a não ser nas páginas de um romance ou de um conto. A emoção precede a razão. Melhor emoção, melhor razão. Palavra de estudiosos da mente.

Também se descobriu que os leitores assíduos são mais tolerantes, menos egoístas, mais chegados à chamada Teoria da Mente: conseguem colocar-se no lugar do outro, portanto percebem com maior facilidade as emoções alheias. Daí terem afirmado que os devoradores de livros são capazes de ler o pensamento alheio, o que é um exagero.

Entre os jovens, constatou-se que os bons leitores arrumam um número maior de companheiros ou companheiras. A evolução parece privilegiá-los.

Por outro lado, em nosso país a questão da leitura continua catastrófica. Para ficar apenas num escândalo: um terço dos formandos em nossos cursos superiores é analfabeto funcional, ou seja, não sabe ler nem escrever direito. Numa avaliação internacional de compreensão de textos, entre quarenta países, ficamos na vice-lanterna. Só ganhamos dos indonésios.


Na semana passada, a mídia divulgou uma notícia surpreendente, vinda da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, após o estudo de um batalhão de quase 4000 pessoas por mais de uma década: quem lê tende a viver 20% a mais que o não leitor. 20% a mais de vida! Por exemplo, quem chegaria aos 80, com bons romances tenderia a beirar os 96. Quanto mais se lê, mais se vive.

Para chegar à conclusão, os pesquisadores retiraram os fatores que poderiam influenciar o resultado e brindaram-nos com a novidade: a leitura, além de todos os benefícios citados acima, é ainda uma pílula de longevidade. Divertindo, ela aumenta nossos dias. Que tal começar a ler aquele romance, sempre adiado, ainda hoje? Você o terminará mais longevo.

Enquanto isso, nosso país não parece se importar com a questão. Na escola, cada vez lemos menos e pior. Os programas de renovação de bibliotecas do governo federal foram esfacelados. O incentivo aos alunos caiu. O ânimo dos professores despencou.

A nova descoberta tem consequências para a educação. Além de prejudicar a qualidade de vida, a falta de leitura reduz a própria vida. Não é um bom motivo a mais para cobrarmos da administração pública uma reviravolta em nosso atual padrão de leitura?

Luís Giffoni