A eleição de Bolsonaro insere-se no fenômeno do surgimento da direita nacional-populista que levou ao poder Trump nos Estados Unidos, Viktor Orbán na Hungria, Salvini e Beppe Grillo na Itália, ao Brexit e a Johnson na Inglaterra.
Líderes vencem não pela consistência de suas convicções, mas porque, orientados por especialistas em opinião pública, lançam mão de técnicas e algoritmos na internet. Conhecem, então, a receita do bolo a ser servido a cada tribo de consumidores/eleitores, por via do estudo científico dos medos, aspirações, alegrias e ódios desvelados no uso das redes sociais, das quais surge perfeita tomografia de corpo e alma dos usuários. As frustrações e a raiva que produzem são fonte de energia e formam o cardápio político. Conforme Moura e Corbellini (A Eleição Disruptiva – por que Bolsonaro venceu, Record, 2019),“a vitória de Bolsonaro foi a manifestação da ira contra tudo o que está aí, foi a eleição dos indignados”.
Os magos por trás da máquina de controle daqueles que se pensam, enganadamente, fautores do próprio destino por integrarem as redes sociais são os técnicos como Gianroberto Casaleggio, na Itália, Dominic Cummings, que conduziu a campanha em favor do Brexit, o ex-chefe de campanha de Trump e próximo de Olavo de Carvalho, Steve Bannon, o articulador de Orbán, Arthur Finkelstein e o controvertido jornalista Milo Yiannopoulos.
É Giuliano Da Empoli, no livro Os Engenheiros do Caos (Vestígio, 2019, tradução de Arnaldo Bloch), que revela a nova política tecnicamente administrada, gerida sem nenhum limite ético.
As manobras antes utilizadas em face do consumidor passaram a ser aplicadas ao eleitor, objeto de cooptação para levar ao poder ambiciosos sem pudor, falsos moralistas que prometem expulsar os maus do “templo” valendo-se do ressentimento e da raiva fáceis de ser explorados, sempre sob a ótica conspiratória contra bodes expiatórios denunciados com fake news nas redes sociais.
Adotam esses chefes autoritários posições diversas a cada passo. Dizem um dia o necessário para contentar parcela Y da sociedade, para no seguinte, sem preocupação com a coerência, aderirem ao inverso, se preciso, para satisfazer a parcela X.
No caso brasileiro, o desencanto com a corrupção após a ditadura, a desesperança de dias melhores após a nova Constituição, bem como a crise de segurança pública facilitaram um discurso raso de direita e a indicação dos culpados: a classe política, acusada de só ver o próprio interesse, as elites traidoras, o aparelhamento do Estado.
A eventual frustração de cada qual nos planos profissional, econômico, sexual, familiar se soma à indignação dos eleitores contra o PT, a corrupção, o Congresso, o STF, muitos sem perceber que ir contra os dois últimos lesa direitos fundamentais e instaura o arbítrio.
A tática é sempre a mesma: populistas, ao se nutrirem do ódio dos outros, fazem da humilhação dos poderosos a sua promessa, como diz Da Empoli. Ser vulgar e grosseiro, mormente com a imprensa, e afrontar o politicamente correto passa por exprimir autenticidade, atendendo ao gosto popular, ao contrário dos hábitos das elites e da velha política.
Buscam-se os cantos, e não o centro, ou um denominador comum. Não há união, mas adjunção. Somam-se desconhecidos, cada qual carregando sua revolta em direção aos extremos e a ser explorada pelos líderes populistas manobrados pelos técnicos em algoritmos e internet.
Da Empoli ressalta: “No mundo de Trump, Johnson e Bolsonaro cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo e, mal se está comentando um evento, esse já é eclipsado por outro, numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática”.
No carnaval houve reiterada conduta agressiva de Bolsonaro: ofendeu a jornalista da Folha; divulgou conversa do general Heleno chamando congressistas de chantagistas e sugerindo ida às ruas; postou no WhatsApp dois vídeos convocando para ato em 15 de março: num conclama patriotas a resgatar o Brasil e defender o presidente cristão e incorruptível; no outro põe os nomes Gen. Heleno/Cap. Bolsonaro e se faz de mártir ante os inimigos do Brasil; na quinta-feira 27/2 acusou mendazmente a jornalista Vera Magalhães de mentir.
Se Bolsonaro nunca teve apreço pela democracia representativa e pelos partidos políticos, sabe, todavia, o valor de um gabinete do ódio no terceiro andar do palácio a calibrar a relação direta entre o “líder” e o povo a ser emocionalmente explorado. Basta assistir ao vídeo compartilhado no qual sem pudor é endeusado: “Foi chamado a lutar por nós”, “quase morreu por nós”, “única esperança de dias cada vez melhores”, “presidente trabalhador, patriota”, “precisa de nosso apoio nas ruas”. Apoio por quê? Ora, apenas em favor da ambição do poder populista, sem intermediação.
O que parece desatino em muito é planejado. Na convocação para o dia 15 Bolsonaro exagerou e pulou no carnaval fora da dignidade e dos limites constitucionais impostos pelo cargo. O mesmo na triste comédia do PIB.
Não tendo como mentir sobre o pibinho, Bolsonaro convocou um humorista travestido de Bolsonaro para distribuir bananas à imprensa —um humorista, aliás, que é fake: autodenominado Carioca, ele nasceu em Niterói. Jornalistas não cooptados pelas verbas do governo se recusaram a participar da palhaçada, agravando uma discussão deontonlógica: diante de tantas ofensas, repórteres devem continuar ouvindo o presidente no cercadinho em frente ao Palácio da Alvorada?
O "talkey show" é uma vergonha, mas deve, sim, ser registrado, para que no futuro não digam que estávamos aumentando ou faltando com a verdade —por mais inverossímil que ela pareça. E até para que possamos rir dela, ao lado de nossos netos, quando o pesadelo passar. Se o próprio presidente quer fazer um papel ridículo, o problema é dele. E, se não formos nós, quem irá questioná-lo? A claque? Isso não quer dizer que não possamos protestar: na próxima semana está marcado um dia de braços cruzados simbólico.
Na esperança de que a relação entre imprensa e governo possa se estabelecer de maneira responsável, segue uma pequena pauta com perguntas a serem respondidas pelo verdadeiro presidente, aquele que fez o juramento de manter e cumprir a Constituição, e não pelos muitos bobos da corte, profissionais ou não, que o circundam:
Por que o senador Flávio Bolsonaro tentou nove recursos para trancar as investigações contra ele envolvendo crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa? Por que o governo privilegia Sul e Sudeste na concessão do Bolsa Família, em detrimento do Nordeste, que concentra maior número de famílias pobres? Por que o gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro propaga ódio na internet?
Quanto mais alto o dólar, melhor? Por que os 13 celulares do herói-miliciano continuam mudos? Quem pagou o cachê do falso Carioca? Cadê o pibão prometido?
É aqui, na fronteira entre a Grécia e a Turquia, que eu estou deixando de acreditar na Europa. O que aconteceu com os nobres valores que a Europa e também nós, como seus cidadãs e cidadãos, representam?
"A dignidade humana é inviolável": essa frase é a síntese do que a Alemanha e a Europa significam para mim. Não importa a cor da pele, a religião, a orientação e identidade sexual, a etnia: todos temos os mesmos direitos perante a Lei Fundamental (Constituição alemã).
Mas aqui, no pequeno vilarejo fronteiriço de Kastanies, eu deixo de acreditar naquilo que eu mesmo digo durante as minhas viagens pelo mundo árabe: "Vocês podem acusar a Europa e a Alemanha, minha pátria de adoção, de muitas coisas, mas os direitos humanos são respeitados por lá."
Estou decepcionado. A inviolabilidade da dignidade humana não existe aqui, na fronteira externa sudeste. Aqui a Europa começa a perder a sua alma.
Onde crianças e mães com seus bebês resistem, as forças de segurança da Grécia lançam gás lacrimogêneo. Pessoas que fugiram de seus países em guerra relatam que as forças de segurança gregas bateram nelas quando tentaram atravessar a fronteira, e que elas foram enviadas de volta para a Turquia. Ao que tudo indica, os desesperados na fronteira – mulheres, homens e crianças – não são humanos o suficiente para que os direitos humanos valham também para eles.
Não devemos deixar que o desumano se torne banal. Quando pessoas que buscam refúgio não podem mais atravessar a fronteira da União Europeia (UE), então somos nós que atravessamos a fronteira daquilo que é humano. Tolerância e solidariedade para com pessoas que perderam tudo – de que valem os direitos fundamentais da Europa se ficamos escolhendo, nas nossas fronteiras, quem tem e quem não tem direito a ser tratado com dignidade? Os direitos humanos não são seletivos. Eles deveriam proteger pessoas fracas e necessitadas da arbitrariedade. Não importa de onde elas venham.
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, usa os refugiados em prol dos seus próprios interesses. Eu não esperava outra coisa de um não democrata. Mas da União Europeia, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2012 por seu engajamento pelos direitos humanos? O que a UE faz? Os 27 países-membros querem enviar um sinal para a Turquia: não se deve usar refugiados para fazer pressão. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, elogiou o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, e qualificou a Grécia de escudo protetor da Europa.
Aqui, na fronteira, eu não vejo nenhum perigo para a Europa. Eu vejo pessoas desesperadas, passando frio, miseráveis, famintas e necessitadas, que deixaram seus países em busca de uma vida melhor. Não são pessoas de quem nós precisamos nos proteger, mas pessoas que nós precisamos proteger.
Na Grécia, o direito ao refúgio foi suspenso: pedidos não serão mais aceitos durante um mês. A ONU criticou a decisão, que não tem base legal. Os gregos, mesmo assim, não querem revê-la. E eu que pensava que os países-membros da UE são, todos, Estados de Direito, onde a lei é levada a sério. Estou estupefato. O direito ao refúgio é um direito humano!
No mínimo, uma pessoa deve poder encaminhar um pedido. A avaliação legal do pedido decidirá se ele será aceito ou não. Simplesmente acabar com esse direito, sem qualquer base legal, é, para mim, uma clara afronta aos direitos humanos. Justamente isso não poderia ocorrer, muito menos depois de radicais de direita terem atacado funcionários de uma ONG e jornalistas na ilha de Lesbos. A extrema direita na Europa se sente confirmada com isso!
Essa política da marginalização, da priorização com base na origem, na religião ou na cor da pele é desumana. No que ainda somos diferentes dos extremistas de direita na Europa quando se trata de política migratória? O que nos diferencia de Weidel, Höcke e Orbán?
Ninguém abandona sua casa se não houver necessidade. Nenhuma pessoa abandona sua casa se ela tiver como se sustentar ali, se ela se sentir segura, se houver paz, se as crianças puderem ir para a escola. Como nós, europeus, podemos esquecer os nossos valores quando algumas milhares de pessoas chegam à nossa fronteira?
O Bundestag (Parlamento alemão) rejeitou até mesmo acolher 5 mil refugiados que estão na Grécia. O Partido Verde queria que a Alemanha recebesse 5 mil crianças desacompanhadas, grávidas, mulheres que fugiram sozinhas ou pessoas traumatizadas que estão nos campos de refugiados gregos. Essas pessoas poderiam ser nós. Por que deixamos pessoas, que estão necessitadas, sozinhas?
Ajuda humanitária já, controle e verificação de identidade dos refugiados, verificação do grau de proteção de que necessitam: isso seria o caminho correto. Em vez disso, 26 políticos europeus enfiam a cabeça na areia e repassam 700 milhões de euros de ajuda emergencial para a Grécia fechar a fronteira. O preço é um campo crescente de miséria às portas do nosso continente, são crianças, mulheres e homens doentes e traumatizados.
Onde estão os direitos humanos na Europa quando mais se precisa deles? Eu não quero deixar de acreditar nisso. Eu quero continuar contando, no mundo árabe, que a Europa respeita os direitos humanos!Jaafar Abdul Karim
Entre as anomalias deste tempo está a ambiguidade com que o governo Bolsonaro tratou o motim da Polícia Militar no Ceará. O presidente, seus filhos e seus ministros, inclusive os generais — com raras exceções — não condenaram a ação criminosa dos policiais e usaram o evento para os seus objetivos políticos. O governador Camilo Santana (PT) se comportou de maneira firme e mesmo depois de tudo resolvido evitou as polêmicas, para focar no principal: este tipo de movimento é crime e passar mensagens dúbias em relação a ele é pôr em risco a ordem pública.
É espantoso que um governo que tem tantos oficiais generais tenha sido leniente com o comportamento delinquente de servidores públicos armados. Se há um valor que as Forças Armadas costumavam prezar é a hierarquia. Os amotinados a quebraram. Eles usaram as armas compradas com o dinheiro dos nossos impostos contra os cidadãos. Com balaclava no rosto, à moda de bandidos, ameaçaram comerciantes e aterrorizaram cidadãos.
O episódio em que ficou mais claro o apoio implícito do governo federal aos amotinados foi o discurso do coronel Aginaldo Oliveira, comandante da Força Nacional, num palanque, elogiando os amotinados. Eles seriam “gigantes” e “corajosos”. “Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho”, disse ele. “Demonstraram isso ao longo de 10,11,12 dias que estão aqui dentro desse quartel, em busca de melhoria da classe, e vão conseguir. Os covardes nunca tentam, os fracos ficam pelo meio do caminho, só os fortes conseguem atingir seus objetivos”. Era um sinal para policiais de outros estados para fazer o mesmo em busca dos seus “objetivos”.
O mais impressionante não foi o que o coronel disse, mas o silêncio dos seus superiores. Um eloquente silêncio como o do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Semanas antes, Moro fora padrinho no casamento do coronel com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e, no discurso da cerimônia, usou para definir a noiva uma palavra considerada elogiosa: “caveira.” No caso do Ceará, Moro escondeu-se no silêncio. Em outros momentos foi loquaz.
No Twitter ele politizou o caso afirmando que “a crise no Ceará só foi resolvida pela ação do governo federal, Forças Armadas e Força Nacional que protegeram a população e garantiram a segurança”. É falso. O governador Camilo Santana foi bem mais equilibrado. Ele reconheceu, em entrevista à Central Globonews, o papel do governo federal, mas afirmou que o governo estadual foi fundamental para debelar a crise e criar os parâmetros para além das fronteiras do Ceará. Santana mandou uma Proposta de Emenda à Constituição do estado proibindo a concessão de anistia a policiais amotinados. Ela já foi aprovada com um adendo feito pelos parlamentares: a própria assembleia fica proibida de analisar aumentos de salários por seis meses após um motim. Se o governador cedesse, o problema se espalharia por outros estados. A tibieza do governo federal tem um motivo conhecido: Bolsonaro fez sua carreira política apoiando motins de policiais. Ele próprio saiu do Exército num caso de insubordinação.
O senador Cid Gomes (PDT-CE) tentou entrar com uma retroescavadeira em um quartel de amotinados. O governo aproveitou esse ataque de insensatez para fazer política. O governador Camilo Santana, por sua vez, não quis criticar o senador porque ele é seu aliado. Disse que ele estava demonstrando indignação. Há muitas formas de demonstrar esse sentimento. Essa não é uma delas. Mas o fato é que hoje Cid Gomes carrega duas balas no corpo. O deputado Eduardo Bolsonaro protocolou denúncia na Procuradoria-Geral da República contra Cid Gomes por “tentativa de homicídio” e “dano ao patrimônio público”. Não houve a mesma preocupação de criticar os amotinados ou quem atirou contra o senador, nem por parte do deputado, nem por parte de integrantes da cúpula do governo.
Moro conseguiu a proeza de dar um nó num princípio jurídico. Afirmou que a “paralisação” era ilegal, mas os policiais não podiam ser tratados como criminosos. Para o ex-juiz, descumprir a lei deixou de ser crime. Aliás, é a lei maior, a própria Constituição, que proíbe greve de militares. Por isso, a definição correta não é a palavra “paralisação” que o ministro usou, mas motim.
Os médios é que estão em perigo, a gente meia corrompida e meia intacta; os homens que estão contaminados por dentro e querem parecer cândidos e justos
Giovanni Papini, "História de Cristo"
Danos econômicos já se espalham por todo o mundo, produzidos pela epidemia de coronavírus, mas o governo brasileiro tem-se comportado como se estivesse em outro planeta. O crescimento mundial poderá cair de 2,6% em 2019 para cerca de 1% neste ano, segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF), formado por 500 dos maiores grupos financeiros do mundo. No Brasil, já há quem projete expansão abaixo de 2% para o Produto Interno Bruto (PIB). Exportadores de petróleo voltaram a rebaixar a demanda mundial esperada para este ano, enquanto a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) calcula perdas entre US$ 63 bilhões e US$ 113 bilhões, em 2020, para a indústria da aviação civil. Mas os brasileiros deveriam ficar tranquilos, garantiu na quarta-feira, em Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes.
O Brasil, segundo ele, está longe de ser “uma folha ao vento do comércio internacional”. Além disso, o País avança, de acordo com o ministro, em sentido oposto ao do resto do mundo. “Agora o mundo começou a desacelerar e nós estamos reacelerando – estamos fora de fase com eles.”
Se o ministro falou, essa deve ser a posição oficial de seu Ministério e também do governo, mas nem dentro do Ministério há entendimento. Isso é evidenciado pela confissão do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em palestra ontem de manhã. “Durmo preocupado”, disse ele, “por não saber o que vai acontecer com o crescimento do mundo. A gente sabe o que é a China crescendo 6%, 7% ao ano. Não sabe o que é a China crescendo 3% ao ano. Que vai acontecer com o mundo num cenário de crescimento baixo, em que ainda se está numa fase de recuperação? Assusta.” O Brasil, lembrou o secretário, também é afetado pela piora mundial.
Talvez seja impossível, neste momento, uma resposta precisa à interrogação do secretário do Tesouro. Mas toda resposta sensata é por enquanto preocupante, segundo os economistas de instituições financeiras e das principais consultorias. O Banco Fibra reduziu de 2,6% para 1,8% o crescimento do PIB estimado para 2020. A projeção do Banco Safra foi diminuída de 1,9% para 1,6%. A da LCA Consultores foi rebaixada de 2,3% para 1,9%. A da XP Investimentos foi revista de 2,3% para 1,8%. O crescimento esperado para o Brasil foi mantido em 1,7% pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório divulgado na segunda-feira. De toda forma, a previsão para a economia brasileira já era baixa no documento anterior, publicado em novembro.
Para o PIB global a estimativa da OCDE passou de 2,9% para 2,4%, mas, se a epidemia for pior do que pareceu inicialmente, a expansão mundial poderá ficar em cerca de 1,5%. O cálculo divulgado pelo IIF já incorpora, portanto, uma avaliação mais dramática da nova emergência sanitária. O crescimento próximo de 1% será o mais fraco desde a crise de 2008. O instituto mudou de 2% para 1,3% a expansão prevista para a economia americana e de 5,9% para 4% o aumento esperado para o PIB chinês.
A epidemia também motivou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a reduzir de novo a projeção da demanda global. Pelas contas do fim de 2019, a procura mundial de petróleo teria um acréscimo de 1,14 milhão de barris/dia neste ano. O crescimento agora esperado é de 480 mil barris/dia.
Enquanto as preocupações atrapalham a bolsa, jogam o dólar para cima e levam o mercado a rever projeções, o ministro da Economia parece habitar outro mundo, ao contrário do secretário do Tesouro. Não é normal, segundo o secretário, um país como o Brasil crescer 1%, como no ano passado.
Em São Paulo, o ministro Guedes disse ontem esperar uma expansão de 2% em 2020 e reafirmou a aceleração nacional. O Brasil, afirmou, é pouco vulnerável às flutuações externas, por ser uma economia fechada. Além disso, atribuiu à Secretaria de Política Econômica a projeção de 2,4% para este ano. A dele, insistiu, sempre foi de 2%. Curiosamente, a tal secretaria é subordinada ao ministro Paulo Guedes.
No mesmo dia em que convocou o humorista Carioca para responder a questionamentos da imprensa sobre o PIB em seu lugar, o presidente Jair Bolsonaro viu um antigo aliado protagonizar um episódio digno dos esquetes mais aleatórios do humor. O ex-jogador Ronaldinho Gaúcho, que o apoiou na campanha presidencial e, recentemente, se tornou embaixador do turismo com a devida bênção bolsonarista, foi detido após entrar no Paraguai com documentos adulterados. Uma personalidade incumbida da missão de promover a imagem do Brasil mundo afora investigada por suspeita de passaporte falso.
Ronaldinho acumula problemas com a Justiça brasileira. Em 2015, ele e seu irmão, Roberto de Assis Moreira, foram condenados a pagar multa de 8,5 milhões de reais por construções irregulares em áreas de preservação ambiental às margens do rio Guaíba, em Porto Alegre. Sem êxito na tentativa de cobrar o pagamento pelas infrações e indenização estipulada, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou a apreensão dos passaportes da dupla no fim de 2018, mas os irmãos ignoraram as intimações. Somente um mês depois da ordem judicial, eles entregaram os documentos, o que comprometeu a agenda de compromissos publicitários de Ronaldinho no exterior.
Porém, nem mesmo a impossibilidade de viajar para fora do país impediu que ele fosse nomeado embaixador do turismo brasileiro em setembro do ano passado. A função voluntária, que não prevê remuneração, integra um programa da Embratur em que personalidades exercem o papel de promotoras de atrações turísticas do Brasil. Por causa da condenação, a escolha do ex-jogador para o time de embaixadores gerou controvérsia no Ministério do Turismo. Na época, a Embratur explicou que o cargo é “honorário e simbólico”, sem implicações com os imbróglios do astro na Justiça.
“Espero poder ajudar, em todo lugar do mundo onde eu passe, a mostrar esse nosso país tão bonito por natureza, convidando o mundo todo a vir pra cá. É motivo de muito orgulho”, disse Ronaldinho, que também é embaixador internacional do Barcelona, em sua cerimônia de nomeação. No mesmo mês, o Ministério Público do Rio Grande do Sul chegou a um acordo com os irmãos Assis para a quitação da multa e, consequentemente, a liberação dos passaportes. Até então, eles tentavam reaver os documentos por meio de recursos no Supremo Tribunal Federal (STF), mas não haviam conseguido derrubar a decisão da Justiça gaúcha. Em fevereiro, o Ministério Público Federal, que defendeu a apreensão dos passaportes, acatou denúncia contra Ronaldinho por outro processo, em que é acusado de fazer parte de um esquema de pirâmide financeira envolvendo criptomoedas.
A viagem de Ronaldinho ao Paraguai foi motivada pelo contrato de marketing do ex-jogador com um cassino em Assunção mantido pelo empresário Nelson Belotti, apontado pela Operação Lava Jato como suposto intermediário de 24 milhões de reais em movimentações suspeitas por lavagem de dinheiro entre empresas de José Carlos Bumlai, Alberto Yousseff e a JBS. A defesa do ex-atleta e do irmão diz que eles não sabiam que o documento era adulterado e que vão colaborar com as investigações até que tudo seja esclarecido. A Embratur ainda não se pronunciou sobre a detenção constrangedora do ex-jogador, o segundo embaixador nomeado pelo órgão implicado em embaraços judiciais. Richard Rasmussen, biólogo e apresentador de TV escolhido para promover o ecoturismo brasileiro, já foi multado oito vezes pelo Ibama por danos à fauna e ao meio ambiente.
Não é de se espantar o “dedo podre” de Bolsonaro, que soma desgastes na presidência pelas relações pregressas com milicianos. O ministro da Educação, o segundo em menos da metade do mandato, tropeça na gramática. O do Meio Ambiente tem no currículo uma condenação por favorecer empresas em detrimento do… meio ambiente. O do Turismo, representado internacionalmente por embaixadores como Ronaldinho e Rasmussen, é réu por suspeita de candidaturas laranjas. Rodeado de tantos “cidadãos de bem”, o presidente não precisa de humoristas para fazer graça com sua corte. As cenas de tragicomédia no Governo se reproduzem em modo automático. Nem precisa ensaiar.