Canal de Marapendi, Raimundo Botelho (RJ, 1946) |
sábado, 23 de setembro de 2017
Tempo. dinheiro e atraso
Com a revolução digital e a aceleração do ritmo de vida, cada vez mais se confirma que tempo é dinheiro. Mas não no Brasil.
No tempo em que uma caixeira do McDonald’s dos Estados Unidos atende a quatro clientes, uma brasileira atende a apenas um. É uma metáfora do nosso atraso — tecnológico, político e social.
No Brasil impera a cultura do desperdício de tempo, principalmente o alheio. Não só nas lanchonetes, nas caixas de supermercados, nas repartições públicas. Somos reféns da burocracia, da preguiça, do desprezo pelo outro, do exercício abusivo de pequenos poderes fiscalizadores, inspetores e autorizadores, criando dificuldades para vender facilidades, num Estado paquidérmico que espalha seus tentáculos paralisantes por toda a sociedade.
A reforma trabalhista, finalmente, vai acabar com a extorsão do imposto sindical obrigatório. Como é inexorável largar o osso, os sindicatos exigem que seja aos poucos, em alguns anos, para mamar mais um tempo. Emendas parlamentares querem que a reforma da Previdência seja feita em etapas lentas, graduais e seguras. Fim das coligações só em 2020; voto distrital misto, só em 2022. O tempo não para.
No tempo em que uma caixeira do McDonald’s dos Estados Unidos atende a quatro clientes, uma brasileira atende a apenas um. É uma metáfora do nosso atraso — tecnológico, político e social.
No Brasil impera a cultura do desperdício de tempo, principalmente o alheio. Não só nas lanchonetes, nas caixas de supermercados, nas repartições públicas. Somos reféns da burocracia, da preguiça, do desprezo pelo outro, do exercício abusivo de pequenos poderes fiscalizadores, inspetores e autorizadores, criando dificuldades para vender facilidades, num Estado paquidérmico que espalha seus tentáculos paralisantes por toda a sociedade.
A reforma trabalhista, finalmente, vai acabar com a extorsão do imposto sindical obrigatório. Como é inexorável largar o osso, os sindicatos exigem que seja aos poucos, em alguns anos, para mamar mais um tempo. Emendas parlamentares querem que a reforma da Previdência seja feita em etapas lentas, graduais e seguras. Fim das coligações só em 2020; voto distrital misto, só em 2022. O tempo não para.
Processos apodrecem nos tribunais, crimes prescrevem, paletós envelhecem nas cadeiras das repartições, a impontualidade é hábito nacional, empresas gastam tempo e dinheiro para administrar impostos, a compra de tempo é fonte primária de corrupção.
Nelson Rodrigues dizia que dinheiro compra até amor verdadeiro, mas compra algo mais precioso: tempo. Sem amor verdadeiro até dá para levar, mas o tempo é vital, é vida passando.
Dinheiro pode comprar liberdade, independência, conforto, descanso, lazer, tempo de espera. Pode comprar vida com os melhores médicos, remédios e hospitais, já que não vale nada sem saúde para usá-lo. Tempo é o maior bem que o dinheiro pode comprar. Mas não no Brasil, onde ele é esbanjado como nossos recursos naturais, fazendo os brasileiros passarem boa parte da vida... perdendo tempo. E dinheiro.
Se pudéssemos quantificar um valor, em dólares, do tempo que é desperdiçado no Brasil, teríamos os números tenebrosos do nosso atraso.
Nelson Rodrigues dizia que dinheiro compra até amor verdadeiro, mas compra algo mais precioso: tempo. Sem amor verdadeiro até dá para levar, mas o tempo é vital, é vida passando.
Dinheiro pode comprar liberdade, independência, conforto, descanso, lazer, tempo de espera. Pode comprar vida com os melhores médicos, remédios e hospitais, já que não vale nada sem saúde para usá-lo. Tempo é o maior bem que o dinheiro pode comprar. Mas não no Brasil, onde ele é esbanjado como nossos recursos naturais, fazendo os brasileiros passarem boa parte da vida... perdendo tempo. E dinheiro.
Se pudéssemos quantificar um valor, em dólares, do tempo que é desperdiçado no Brasil, teríamos os números tenebrosos do nosso atraso.
Uma década perdida
Enquanto escrevo, sexta-feira de manhã, recebo áudios desesperados e vídeos de pessoas carbonizadas, agonizando, compartilhados por moradores da Rocinha. “Leva seu filho daí. Se tranque com sua filha na casa da avó. Balearam o filho da vizinha. Tá tudo dominado.” Fecharam o túnel entre Gávea e São Conrado. O tiroteio é intenso. A Escola Parque, onde minha neta estuda, na Gávea, não vai abrir.
Há dez anos, em agosto de 2007, escrevi para ÉPOCA uma reportagem especial, “A nova cara da Rocinha” (leia a reportagem: parte 1, parte 2, parte 3, e os pontos do projeto). Foi antes da UPP. Com o conhecimento do tráfico, então comandado por Antonio Bonfim Lopes, o Nem, para não arriscar minha vida, eu morei na Rua 2, na Rocinha, que fica a dez minutos de minha casa, no Leblon. Eu era e continuo a ser uma pessoa “de fora”, para eles. Tão estrangeira quanto uma americana ou europeia.
Foram dias vertiginosos. Vi rapazes com uma metralhadora cromada numa das mãos e uma sacola de legumes na outra, para contrabalançar o peso, vida e morte lado a lado, na saída do supermercado, a caminho do “trabalho na boca”. Noites sem dormir, com o barulho dos bailes funk até as 6 horas. Participei de churrasco na laje, em companhia de famílias modestas, trabalhadoras e mais bem-educadas do que muitos ricos do asfalto.
A reportagem nada tinha a ver com o narcotráfico. Era sobre um projeto inovador de urbanização, com participação do Estado, sob a batuta do arquiteto Luiz Carlos Toledo, que fincou escritório ali, perto da curva do S, e mapeava cada rua com a ajuda de universitários. O projeto incluía remoção de áreas de risco. Custaria R$ 580 milhões e duraria de dez a 15 anos para ser concluído. A Rocinha, segunda maior favela da América Latina em habitantes, estava destinada a ser um laboratório-modelo de comunidades carentes para o Brasil. Eu escrevi: “O primeiro obstáculo a vencer é a descrença. Será que vai dar certo?”. Já sabemos a resposta.
“O êxito da iniciativa”, escrevi ainda, “depende de uma condição básica: o Estado precisa entrar no morro e não sair mais. Há quem acredite que desta vez a urbanização (da Rocinha) seja para valer. Há quem suspeite que o Estado não tem competência para consertar o caos instalado, fornecer os serviços públicos essenciais, coibir a expansão irregular que ameaça o Parque Nacional da Tijuca e expulsar o crime organizado.” Já sabemos a resposta. Dói. Muito.
Você sabe qual é o maior passatempo na Rocinha? A igreja, para 76% dos moradores. De todos os problemas vividos, o maior, na voz deles, sempre foi a falta de saneamento, que tornava a vida menos digna: 40% queriam acabar com os ratos na porta de casa e diminuir o índice de tuberculose, o maior do estado do Rio de Janeiro.
O que aconteceu de lá para cá? Nada, além da UPP, que, durante um bom tempo, acabou com a ostentação de armas, a briga de gangues e o domínio do território pelo tráfico. Nem foi preso. Está em Rondônia. Rogério o substituiu. Com a falência das UPPs, Rogério, o novo “dono da Rocinha”, passou a agir como milícia e extorquir. Gás, água, a preços exorbitantes. Nem, do presídio, mandou invadir a Rocinha e expulsar o bando de Rogério. Famílias estão sitiadas entre traficantes e policiais. Aterrorizadas.
Não consigo engolir a cobertura da guerra na Rocinha e o leque de soluções inócuas apontadas. A discussão de sempre. Chama ou não chama as Forças Armadas? Não se entendem o secretário de Segurança Roberto Sá, o governador Pezão e o ministro da Defesa Raul Jungmann? Então, ok. A solução para a Rocinha é chamar o Exército. E esquecer tudo o que foi estudado e tentado no Rio de Janeiro, jogado no lixo por governadores ladrões e prefeitos claudicantes e omissos.
Vamos voltar a enxugar gelo. Não há estratégia de urbanização ou pacificação. Não se debate a descriminalização das drogas. Ah, sim. Barra as visitas para o Nem. Mata o Rogério. Prende seu bando. Pega os fuzis e distribui para a polícia mal armada. Toque de recolher. Lei do silêncio. Apaga os vídeos, mano. Tá tudo dominado. Quem domina? Ninguém sabe. A boçalidade domina.
Só a impotência explica que fiquemos de joelhos para o Exército, implorando por uma intervenção que nós, cidadãos, não temos como delimitar às ruas ou às favelas. O que começa como presença física de tropas, aplaudidas pelo efeito imediato de dissuasão da violência, pode se encaminhar para uma intervenção política. Aberta ou disfarçada. Para “preservar a lei e a ordem”.
Diante da corrupção repugnante dos políticos, os “generais-tipo-mourão” botam as manguinhas camufladas de fora. Jair Bolsonaro, nacionalista de extrema-direita, ganha apoio no meio do caos e tenta se candidatar a presidente por um partido intitulado Patriota ou PAB, Pátria Amada Brasil. É o desespero que move muitos brasileiros. E o desespero é péssimo conselheiro.
Há dez anos, em agosto de 2007, escrevi para ÉPOCA uma reportagem especial, “A nova cara da Rocinha” (leia a reportagem: parte 1, parte 2, parte 3, e os pontos do projeto). Foi antes da UPP. Com o conhecimento do tráfico, então comandado por Antonio Bonfim Lopes, o Nem, para não arriscar minha vida, eu morei na Rua 2, na Rocinha, que fica a dez minutos de minha casa, no Leblon. Eu era e continuo a ser uma pessoa “de fora”, para eles. Tão estrangeira quanto uma americana ou europeia.
Foram dias vertiginosos. Vi rapazes com uma metralhadora cromada numa das mãos e uma sacola de legumes na outra, para contrabalançar o peso, vida e morte lado a lado, na saída do supermercado, a caminho do “trabalho na boca”. Noites sem dormir, com o barulho dos bailes funk até as 6 horas. Participei de churrasco na laje, em companhia de famílias modestas, trabalhadoras e mais bem-educadas do que muitos ricos do asfalto.
A reportagem nada tinha a ver com o narcotráfico. Era sobre um projeto inovador de urbanização, com participação do Estado, sob a batuta do arquiteto Luiz Carlos Toledo, que fincou escritório ali, perto da curva do S, e mapeava cada rua com a ajuda de universitários. O projeto incluía remoção de áreas de risco. Custaria R$ 580 milhões e duraria de dez a 15 anos para ser concluído. A Rocinha, segunda maior favela da América Latina em habitantes, estava destinada a ser um laboratório-modelo de comunidades carentes para o Brasil. Eu escrevi: “O primeiro obstáculo a vencer é a descrença. Será que vai dar certo?”. Já sabemos a resposta.
“O êxito da iniciativa”, escrevi ainda, “depende de uma condição básica: o Estado precisa entrar no morro e não sair mais. Há quem acredite que desta vez a urbanização (da Rocinha) seja para valer. Há quem suspeite que o Estado não tem competência para consertar o caos instalado, fornecer os serviços públicos essenciais, coibir a expansão irregular que ameaça o Parque Nacional da Tijuca e expulsar o crime organizado.” Já sabemos a resposta. Dói. Muito.
Você sabe qual é o maior passatempo na Rocinha? A igreja, para 76% dos moradores. De todos os problemas vividos, o maior, na voz deles, sempre foi a falta de saneamento, que tornava a vida menos digna: 40% queriam acabar com os ratos na porta de casa e diminuir o índice de tuberculose, o maior do estado do Rio de Janeiro.
O que aconteceu de lá para cá? Nada, além da UPP, que, durante um bom tempo, acabou com a ostentação de armas, a briga de gangues e o domínio do território pelo tráfico. Nem foi preso. Está em Rondônia. Rogério o substituiu. Com a falência das UPPs, Rogério, o novo “dono da Rocinha”, passou a agir como milícia e extorquir. Gás, água, a preços exorbitantes. Nem, do presídio, mandou invadir a Rocinha e expulsar o bando de Rogério. Famílias estão sitiadas entre traficantes e policiais. Aterrorizadas.
Não consigo engolir a cobertura da guerra na Rocinha e o leque de soluções inócuas apontadas. A discussão de sempre. Chama ou não chama as Forças Armadas? Não se entendem o secretário de Segurança Roberto Sá, o governador Pezão e o ministro da Defesa Raul Jungmann? Então, ok. A solução para a Rocinha é chamar o Exército. E esquecer tudo o que foi estudado e tentado no Rio de Janeiro, jogado no lixo por governadores ladrões e prefeitos claudicantes e omissos.
Vamos voltar a enxugar gelo. Não há estratégia de urbanização ou pacificação. Não se debate a descriminalização das drogas. Ah, sim. Barra as visitas para o Nem. Mata o Rogério. Prende seu bando. Pega os fuzis e distribui para a polícia mal armada. Toque de recolher. Lei do silêncio. Apaga os vídeos, mano. Tá tudo dominado. Quem domina? Ninguém sabe. A boçalidade domina.
Só a impotência explica que fiquemos de joelhos para o Exército, implorando por uma intervenção que nós, cidadãos, não temos como delimitar às ruas ou às favelas. O que começa como presença física de tropas, aplaudidas pelo efeito imediato de dissuasão da violência, pode se encaminhar para uma intervenção política. Aberta ou disfarçada. Para “preservar a lei e a ordem”.
Diante da corrupção repugnante dos políticos, os “generais-tipo-mourão” botam as manguinhas camufladas de fora. Jair Bolsonaro, nacionalista de extrema-direita, ganha apoio no meio do caos e tenta se candidatar a presidente por um partido intitulado Patriota ou PAB, Pátria Amada Brasil. É o desespero que move muitos brasileiros. E o desespero é péssimo conselheiro.
Temer vende efeito-barriga como uma absolvição
Apontado pela Procuradoria como sócio-atleta da organização criminosa do PMDB, Michel Temer levou à internet mais um vídeo. Nele, apresentou-se como vítima de uma armação típica de “regimes de exceção”. Mas previu que tudo terminará bem, pois “a verdade, mais uma vez, triunfará” na Câmara, que enterrará a nova denúncia do mesmo modo que sepultou a primeira.
Cenho crispado, Temer declarou: “Quero continuar a honrar meu nome, herança limpa que recebi de meus pais e que deixarei limpo para meus filhos, filhas, netos e netas.” Se o que o presidente deseja é a restauração da honra, vender o ‘efeito-barriga’ da Câmara como sentença absolutória não vai ajudar. Há um caminho bem mais simples para desmontar a “armação”.
Temer precisa apenas orientar sua infantaria parlamentar a conceder autorização para o Supremo Tribunal Federal analisar a denúncia do ex-conspirador-geral Rodrigo Janot. Diante de ''provas forjadas'' e ''denúncias ineptas'', produzidas em ''conluios com malfeitores'', não restaria aos ministros da Suprema Corte senão enviar o papelório imprestável para o arquivo.
Só numa democracia plena o primeiro presidente da história a ser denunciado um par de vezes ainda estaria no cargo, gravando vídeos sem sentido e usufruindo em toda a sua plenitude do sacrossanto direito de defesa assegurado pela Constituição. A única exceção que se observa no caso é o inusitado comportamento de um inocente que foge do veredicto. Não há honra que resista a tanta falta de lógica.
O Brasil Velho que legisla em causa própria
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
“Brasil” (Cazuza, George Israel e Nilo Romero)
Eu compartilho com a visão do Marcos de que não há saída fora da política e que somente nela devemos negociar perdas e interesses envolvidos com as reformas de que esse Brasil Novo precisa.
O problema é que o Brasil Velho é quem governa. E governa comprometido com interesses estabelecidos e preocupado quase exclusivamente com a autopreservação da espécie.
Tenho procurado escrever neste blog sobre as interações entre as elites política e econômica brasileiras na tramitação das nossas leis. Acredito que esse é um importante prisma para interpretar nosso atraso, nossa desigualdade e as oportunidades perdidas nas últimas décadas.
Mas hoje vou escrever sobre uma peculiaridade desse sistema vicioso: os parlamentares que trabalham não em prol de determinados grupos de interesses, mas que legislam em causa própria. Afinal, existe uma parcela substancial do Congresso que representa a si mesmo – empresários ou dirigentes de empresas que se valem do mandato para dar um empurrãozinho nos próprios negócios.
A ideia que tomei não é original. Julio Wiziack, jornalista da Folha, valeu-se da Lei de Acesso à Informação e obteve da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a relação dos deputados e senadores que eram devedores, corresponsáveis ou exerciam função de sócios, administradores ou dirigentes de empresas inscritas na Dívida Ativa da União. Ele relacionou essas informações com a propositura de emendas na MP do Refis e… bingo!
O problema é que temos atualmente em tramitação não apenas uma, mas três medidas provisórias que tratam de parcelamento de débitos junto à União, além de uma primeira que acabou expirando no início do ano.
O que eu fiz agora foi simplesmente expandir o exercício do Julio para as três MPs em vigor, além da primeira editada neste ano, que acabou expirando. O resultado está no gráfico abaixo:
Como se pode ver acima, com exceção da MP nº 793, que trata da regularização tributária rural, em torno de 50% das emendas apresentadas tiveram a autoria de parlamentares com dívidas junto ao Fisco. Ou seja, metade das propostas para alterar os programas de parcelamento de débitos tributários e não tributários introduzidos pelo Governo Federal partiu de deputados e senadores que tentavam legislar em causa própria, uma vez que seriam diretamente beneficiados por essas modificações.
Esses dados não causam surpresa alguma. Faz tempo que os programas de parcelamento de débitos tributários e não tributários são uma distorção de nosso malfadado regime fiscal – uma espécie de filme que nos aterroriza de tempos em tempos beneficiando os maus pagadores em detrimento da imensa maioria que paga seus tributos na fonte ou de forma indireta, via consumo.
Governos endividados precisam, de quando em vez, fazer caixa para honrar seus compromissos e cumprir a meta. Entre as soluções imaginadas, sempre surge a ideia de lançar um novo sistema de regularização de débitos tributários. Edita-se então uma medida provisória com o novo Refis (os nomes mudam a cada vez, agora é Programa Especial de Regularização Tributária), com uma série de atrativos como parcelamentos, alongamento de prazo e abatimento de multas e juros.
Uma vez editada a MP, abre-se a caixa de Pandora: parlamentares se movimentam e propõem medidas para tornar o sistema ainda mais benéfico, atendendo a interesses de grandes grupos econômicos (você já deve ter ouvido falar de propinas pagas em retribuição a emendas de MPs do Refis nas delações da Lava Jato).
O governo, desesperado por fazer caixa, acaba cedendo em alguma medida e o novo Refis é aprovado. O governo fica feliz. Os devedores ficam felizes.
Mas o uso reiterado do Refis gera uma péssima sinalização para quem deve pagar seus tributos em dia. E quem pode acaba jogando com a perspectiva de que, mais dia menos dia, uma nova crise fiscal virá e o governo lançará um novo Refis com suas benesses. O resultado é que o programa, destinado a regularizar o pagamento das dívidas, acaba estimulando o seu acúmulo.
É para garantir que problemas como o da expansão dos benefícios do Refis sejam resolvidos da melhor forma possível no Congresso que muitas empresas se aproximam dos políticos. E investem em doações de campanhas (não se iluda, o caixa dois não morreu com a Lava Jato), em lobby, em “relações institucionais”.
O jogo é tão benéfico que algumas empresas investem em parlamentares exclusivos, colocando em Brasília o dono, um sócio ou o administrador de seus negócios. Dessa forma eliminam-se os intermediários, como se vê nos números de proposição de emendas acima.
Para avançarmos com a agenda de reformas de que o Brasil Novo tanto necessita, precisamos limitar a forma de atuação do Brasil Velho. O exercício de mandato não pode ser visto como um trabalho de despachante ou de preposto de empresas especializadas em explorar as brechas do sistema, como Refis e medidas provisórias. Caso contrário, a porta continuará aberta à barganha e à corrupção.
Prioridade cega
Dia desses meditava sobre a pauta de julgamentos das câmaras criminais lá do Tribunal de Justiça. Entra ano, sai ano, e o tema nunca varia: quase sempre tráfico de entorpecentes. Por outro lado, não me recordo de ter passado por lá sequer um processo relativo à criminalidade digital! Um único que fosse, ao longo de mais de duas décadas!
Citando um estudo da "London Metropolitan University", acrescentou ele que este tipo de criminalidade tem causado mais prejuízos que o tráfico de cocaína, heroína e maconha somados. Estamos a falar de algo em torno de 750 bilhões de Euros a cada ano - somente na Europa!
Vamos a outro exemplo: vítimas da denominada "criminalidade tradicional", os bancos norte-americanos perdem, a cada ano, US$ 900 milhões - contra US$ 12 bilhões por conta da "cibercriminalidade".
Decidi buscar mais informações. Descobri que a África perdeu, em 2016, US$ 2 bilhões por conta deste delito. Na África do Sul, 70% dos habitantes já foram vítimas da criminalidade digital. Na Alemanha, uma a cada três empresas sofre ataques digitais. Em Israel, são inacreditáveis 1.000 ataques a cada minuto.
Na América Latina, os roubos tradicionais a bancos respondem por apenas 1,5% do problema, contra 98,5% dos praticados pela Internet. O Brasil, segundo levantamento realizado pela empresa Kaspersky, é a vítima maior a nível planetário, com números superiores aos da Rússia e Alemanha, que o seguem.
Recente cálculo da seguradora britânica Lloyd’s demonstrou que um único ataque, se praticado em escala global, pode custar até US$ 121 bilhões de dólares para suas vítimas.
Esta questão adquire contornos ainda mais sérios quando afeta e até mesmo coopta a geração seguinte. Na Austrália, por exemplo, 9.860 crianças foram presas ou processadas por conta de terem aderido a esta forma de crime - isto no já distante ano de 2008.
Enquanto isso ocorre, lá estão nossos melhores policiais e juízes, sufocados pela burocracia regionalizada em um mundo globalizado, combatendo sem êxito um problema que, segundo a ONU, é antes de tudo de saúde pública.
Pedro Valls Feu Rosa
Citando um estudo da "London Metropolitan University", acrescentou ele que este tipo de criminalidade tem causado mais prejuízos que o tráfico de cocaína, heroína e maconha somados. Estamos a falar de algo em torno de 750 bilhões de Euros a cada ano - somente na Europa!
Vamos a outro exemplo: vítimas da denominada "criminalidade tradicional", os bancos norte-americanos perdem, a cada ano, US$ 900 milhões - contra US$ 12 bilhões por conta da "cibercriminalidade".
Decidi buscar mais informações. Descobri que a África perdeu, em 2016, US$ 2 bilhões por conta deste delito. Na África do Sul, 70% dos habitantes já foram vítimas da criminalidade digital. Na Alemanha, uma a cada três empresas sofre ataques digitais. Em Israel, são inacreditáveis 1.000 ataques a cada minuto.
Na América Latina, os roubos tradicionais a bancos respondem por apenas 1,5% do problema, contra 98,5% dos praticados pela Internet. O Brasil, segundo levantamento realizado pela empresa Kaspersky, é a vítima maior a nível planetário, com números superiores aos da Rússia e Alemanha, que o seguem.
Recente cálculo da seguradora britânica Lloyd’s demonstrou que um único ataque, se praticado em escala global, pode custar até US$ 121 bilhões de dólares para suas vítimas.
Esta questão adquire contornos ainda mais sérios quando afeta e até mesmo coopta a geração seguinte. Na Austrália, por exemplo, 9.860 crianças foram presas ou processadas por conta de terem aderido a esta forma de crime - isto no já distante ano de 2008.
Enquanto isso ocorre, lá estão nossos melhores policiais e juízes, sufocados pela burocracia regionalizada em um mundo globalizado, combatendo sem êxito um problema que, segundo a ONU, é antes de tudo de saúde pública.
Pedro Valls Feu Rosa
Gays e crianças como moeda eleitoral
O fechamento da mostra Queer Museum – Cartografia da Diferença na Arte Brasileira aponta a crescente articulação entre setores da política tradicional e milícias como o Movimento Brasil Livre (MBL). Essa articulação está desenhando o Brasil deste momento – e poderá ter muita influência na eleição de 2018. Nesta coligação não formalizada, velhas táticas ganham aparência de novidade pelo uso das redes sociais, com enorme eficiência de comunicação. É velho e novo ao mesmo tempo. A vítima maior não é a arte ou a liberdade de expressão, mas os mesmos de sempre: os mais frágeis, os primeiros a morrer.
A exposição era exibida desde 15 de agosto, em Porto Alegre, no Santander Cultural. Contava com obras de artistas brasileiros de diversas gerações, como Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Ligia Clark, Leonilson e Adriana Varejão. É justamente de Varejão uma das obras mais atacadas: “Cenas do interior 2” tem quatro imagens de atos sexuais, incluindo sexo com um animal. Outra obra demonizada foi a de Bia Leite, que expôs desenhos baseados em frases e imagens do Tumblr “Criança Viada”, que reúne fotos enviadas por internautas deles mesmos na infância. Liderados por milícias como o MBL, pessoas começaram a ofender o público da mostra e a acusar os artistas de promover a “pedofilia”, a “zoofilia” e a “sensualização precoce de crianças”. As milícias também promoveram um boicote ao banco. O Santander recuou, e a exposição, que deveria se estender até outubro, foi encerrada.
O MBL, uma das milícias que lideraram os ataques à exposição, foi um dos principais articuladores das manifestações contra o PT e pelo impeachment de Dilma Rousseff, que levaram às ruas milhões de brasileiros vestidos de amarelo. Na ocasião, sua bandeira era a luta contra a “corrupção”. E propagavam ideias “liberais”. Como bem apontou Pablo Ortellado, em sua coluna na Folha de S. Paulo, o MBL descobriu que “as chamadas ‘guerras culturais’ eram um ótimo instrumento de mobilização e que por meio do discurso punitivista e contrário aos movimentos feminista, negro e LGBTT podiam atrair conservadores morais para a causa liberal”. Passaram então a gritar contra as cotas raciais, o aumento do encarceramento (num país em que a maioria dos presos é composta por negros) e um projeto que espertamente foi batizado de “Escola Sem Partido”.
Mas qual é o contexto e o que o MBL e outras milícias semelhantes defendem? Se este tipo de grupo se formou erguendo a bandeira da “anticorrupção” e não promove nenhuma manifestação nas ruas contra um presidente denunciado duas vezes e um dos governos mais corruptos da história do Brasil, é possível levantar a hipótese bastante óbvia de que a “corrupção” nunca foi o alvo.
Quando são citados na imprensa, MBL e assemelhados são tachados de “conservadores” e “liberais”. Isso os coloca sempre num polo contra outro polo, o que é essencial para este tipo de milícia sobreviver, se replicar e agir em rede. E dá a estas milícias uma consistência que não condiz com a realidade de seu conteúdo. Liberais de fato jamais tentariam fechar uma mostra de arte, para ficar apenas num exemplo. Nem faz sentido dizer que são “conservadores” ou mesmo de “direita”. Eles são o que lhes for conveniente ser.
A dificuldade de nomear o que são, é importante perceber, os favorece. E acabam se beneficiando de rótulos aos quais lhes interessa estar associados num momento ou outro e que lhes emprestam um conteúdo que não possuem, mas do qual sempre podem escapar quando lhes convêm. Neste sentido, apesar de exibirem como imagem um corpo compacto, essas milícias são fluidas. Embora ajam sobre os corpos, não há corpo algum. Isso lhes facilita se moverem, por exemplo, da luta anticorrupção para as bandeiras morais, agora que não lhes interessa mais derrubar o presidente.
A descoberta de que temas “morais” são uma excelente moeda de barganha não é prerrogativa do MBL e de seus assemelhados. Esta moeda sempre esteve em circulação. Na Nova República, que se seguiu à ditadura civil-militar (1964-1985), ela esteve na primeira eleição presidencial da redemocratização, quando Fernando Collor de Mello, que depois se tornaria o primeiro presidente a sofrer impeachment, usou fartamente contra Lula o fato de que ele tinha uma filha de uma relação anterior ao seu casamento com Marisa Letícia e que teria sugerido um aborto à então namorada.O que se pode afirmar sobre milícias como o MBL é que elas têm um projeto de poder – ou têm um poder que pode servir a determinados projetos de poder. O poder destas milícias está em mostrar que são capazes de se comunicar com as massas e, portanto, de influenciar tanto eleitores quando odiadores, num momento histórico em que estas duas identidades se confundem. E este é um enorme poder, que claramente tem sido colocado a serviço de políticos e de partidos tradicionais. Além e principalmente, claro, de a serviço de seu próprio benefício.
Mas o marco fundador do que vivemos hoje pode ser localizado bem mais tarde, na eleição de 2010. Naquele momento, ao perceber o potencial eleitoral do crescimento dos evangélicos no Brasil, em especial dos neopentecostais, alguns oportunistas perceberam que jogar o tema do aborto no palanque poderia ser conveniente. Tanto para conquistar o voto religioso quanto para derrubar opositores.
No final do primeiro turno de 2010, a internet e as ruas foram tomadas por uma campanha anônima, na qual se afirmava que Dilma Rousseff era “abortista” e “assassina de fetos”. Rousseff começou a perder votos entre os evangélicos e parte dos bispos e padres católicos exortou os fiéis a não votar nela. José Serra (PSDB) empenhou-se em tirar proveito do ataque vindo das catacumbas, determinando o rumo da campanha dali em diante. E Rousseff correu a buscar o apoio de religiosos, acabando por escrever uma carta declarando-se “pessoalmente contra o aborto”. Nela, comprometia-se, em caso de vencer a eleição, a não propor nenhuma medida para alterar a legislação sobre o tema.
Quem peregrinou por templos evangélicos defendendo Rousseff e garantindo que ela era contra o aborto foi justamente Eduardo Cunha (PMDB), que depois lideraria o processo de impeachment da presidente eleita e hoje está preso. Naquele momento, o debate político, que nas eleições anteriores tinha se mantido dentro de certos parâmetros éticos, foi rebaixado. E os oportunistas religiosos e não religiosos farejaram que estes eram o temas com que poderiam garantir vantagens para si mesmos e para seus grupos, traficando-os no balcão de negócios de Brasília. Quando os limites são superados, mesmo aqueles que promoveram a sua superação não são capazes de prever até onde isso pode chegar. Desde então, o corpo de mulheres e de gays, lésbicas, travestis e transexuais tornou-se uma das principais moedas de barganha eleitoral.
As milícias rapidamente compreenderam esse potencial. Seu trunfo é comprovar que podem levar as massas para onde quiserem, o que as torna valiosas para políticos com grandes ambições eleitorais e valiosas para seus líderes com ambições eleitorais. Mas só podem levá-las porque se comunicam com uma população que se sente cada vez mais insegura e desamparada e que é a primeira a sofrer com a crise econômica e a crescente dureza dos dias sem saúde, sem escola, sem serviços básicos, enquanto assiste a um noticiário que é quase todo ele sobre malas de dinheiro da corrupção. Uma população que há anos tem sido treinada por programas policialescos/sensacionalistas na TV que atribuem todas as dificuldades a facínoras à solta, adestrando-a a ver as mazelas da vida cotidiana como culpa de alguém que pode e deve ser eliminado – e não a uma estrutura mais complexa que a mantém cimentada no lugar dos explorados.
As milícias compreendem o potencial desse medo e desse ódio. E sabem se comunicar com esse medo e esse ódio. Encontraram o canal, o ponto a ser tocado. Encontrado o canal, o inimigo pode ser mudado conforme a conveniência. Se agora não interessa derrubar o presidente denunciado por corrupção, há que se encontrar um outro alvo para canalizar esse ódio e esse medo e manter o número de seguidores cativos e, de preferência, crescendo, atingindo públicos mais amplos. E, principalmente, manter o valor de mercado das milícias em alta, em especial às vésperas de uma campanha eleitoral das mais imprevisíveis
Leia mais o artigo de Eliane Brum
.
A exposição era exibida desde 15 de agosto, em Porto Alegre, no Santander Cultural. Contava com obras de artistas brasileiros de diversas gerações, como Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Ligia Clark, Leonilson e Adriana Varejão. É justamente de Varejão uma das obras mais atacadas: “Cenas do interior 2” tem quatro imagens de atos sexuais, incluindo sexo com um animal. Outra obra demonizada foi a de Bia Leite, que expôs desenhos baseados em frases e imagens do Tumblr “Criança Viada”, que reúne fotos enviadas por internautas deles mesmos na infância. Liderados por milícias como o MBL, pessoas começaram a ofender o público da mostra e a acusar os artistas de promover a “pedofilia”, a “zoofilia” e a “sensualização precoce de crianças”. As milícias também promoveram um boicote ao banco. O Santander recuou, e a exposição, que deveria se estender até outubro, foi encerrada.
O MBL, uma das milícias que lideraram os ataques à exposição, foi um dos principais articuladores das manifestações contra o PT e pelo impeachment de Dilma Rousseff, que levaram às ruas milhões de brasileiros vestidos de amarelo. Na ocasião, sua bandeira era a luta contra a “corrupção”. E propagavam ideias “liberais”. Como bem apontou Pablo Ortellado, em sua coluna na Folha de S. Paulo, o MBL descobriu que “as chamadas ‘guerras culturais’ eram um ótimo instrumento de mobilização e que por meio do discurso punitivista e contrário aos movimentos feminista, negro e LGBTT podiam atrair conservadores morais para a causa liberal”. Passaram então a gritar contra as cotas raciais, o aumento do encarceramento (num país em que a maioria dos presos é composta por negros) e um projeto que espertamente foi batizado de “Escola Sem Partido”.
Mas qual é o contexto e o que o MBL e outras milícias semelhantes defendem? Se este tipo de grupo se formou erguendo a bandeira da “anticorrupção” e não promove nenhuma manifestação nas ruas contra um presidente denunciado duas vezes e um dos governos mais corruptos da história do Brasil, é possível levantar a hipótese bastante óbvia de que a “corrupção” nunca foi o alvo.
Quando são citados na imprensa, MBL e assemelhados são tachados de “conservadores” e “liberais”. Isso os coloca sempre num polo contra outro polo, o que é essencial para este tipo de milícia sobreviver, se replicar e agir em rede. E dá a estas milícias uma consistência que não condiz com a realidade de seu conteúdo. Liberais de fato jamais tentariam fechar uma mostra de arte, para ficar apenas num exemplo. Nem faz sentido dizer que são “conservadores” ou mesmo de “direita”. Eles são o que lhes for conveniente ser.
A dificuldade de nomear o que são, é importante perceber, os favorece. E acabam se beneficiando de rótulos aos quais lhes interessa estar associados num momento ou outro e que lhes emprestam um conteúdo que não possuem, mas do qual sempre podem escapar quando lhes convêm. Neste sentido, apesar de exibirem como imagem um corpo compacto, essas milícias são fluidas. Embora ajam sobre os corpos, não há corpo algum. Isso lhes facilita se moverem, por exemplo, da luta anticorrupção para as bandeiras morais, agora que não lhes interessa mais derrubar o presidente.
Cena de interior II, da artista Adriana Varejão, no "Queer Museum – Cartografia da Diferença na Arte" |
Mas o marco fundador do que vivemos hoje pode ser localizado bem mais tarde, na eleição de 2010. Naquele momento, ao perceber o potencial eleitoral do crescimento dos evangélicos no Brasil, em especial dos neopentecostais, alguns oportunistas perceberam que jogar o tema do aborto no palanque poderia ser conveniente. Tanto para conquistar o voto religioso quanto para derrubar opositores.
No final do primeiro turno de 2010, a internet e as ruas foram tomadas por uma campanha anônima, na qual se afirmava que Dilma Rousseff era “abortista” e “assassina de fetos”. Rousseff começou a perder votos entre os evangélicos e parte dos bispos e padres católicos exortou os fiéis a não votar nela. José Serra (PSDB) empenhou-se em tirar proveito do ataque vindo das catacumbas, determinando o rumo da campanha dali em diante. E Rousseff correu a buscar o apoio de religiosos, acabando por escrever uma carta declarando-se “pessoalmente contra o aborto”. Nela, comprometia-se, em caso de vencer a eleição, a não propor nenhuma medida para alterar a legislação sobre o tema.
Quem peregrinou por templos evangélicos defendendo Rousseff e garantindo que ela era contra o aborto foi justamente Eduardo Cunha (PMDB), que depois lideraria o processo de impeachment da presidente eleita e hoje está preso. Naquele momento, o debate político, que nas eleições anteriores tinha se mantido dentro de certos parâmetros éticos, foi rebaixado. E os oportunistas religiosos e não religiosos farejaram que estes eram o temas com que poderiam garantir vantagens para si mesmos e para seus grupos, traficando-os no balcão de negócios de Brasília. Quando os limites são superados, mesmo aqueles que promoveram a sua superação não são capazes de prever até onde isso pode chegar. Desde então, o corpo de mulheres e de gays, lésbicas, travestis e transexuais tornou-se uma das principais moedas de barganha eleitoral.
As milícias rapidamente compreenderam esse potencial. Seu trunfo é comprovar que podem levar as massas para onde quiserem, o que as torna valiosas para políticos com grandes ambições eleitorais e valiosas para seus líderes com ambições eleitorais. Mas só podem levá-las porque se comunicam com uma população que se sente cada vez mais insegura e desamparada e que é a primeira a sofrer com a crise econômica e a crescente dureza dos dias sem saúde, sem escola, sem serviços básicos, enquanto assiste a um noticiário que é quase todo ele sobre malas de dinheiro da corrupção. Uma população que há anos tem sido treinada por programas policialescos/sensacionalistas na TV que atribuem todas as dificuldades a facínoras à solta, adestrando-a a ver as mazelas da vida cotidiana como culpa de alguém que pode e deve ser eliminado – e não a uma estrutura mais complexa que a mantém cimentada no lugar dos explorados.
As milícias compreendem o potencial desse medo e desse ódio. E sabem se comunicar com esse medo e esse ódio. Encontraram o canal, o ponto a ser tocado. Encontrado o canal, o inimigo pode ser mudado conforme a conveniência. Se agora não interessa derrubar o presidente denunciado por corrupção, há que se encontrar um outro alvo para canalizar esse ódio e esse medo e manter o número de seguidores cativos e, de preferência, crescendo, atingindo públicos mais amplos. E, principalmente, manter o valor de mercado das milícias em alta, em especial às vésperas de uma campanha eleitoral das mais imprevisíveis
Leia mais o artigo de Eliane Brum
.
Assinar:
Postagens (Atom)