domingo, 18 de dezembro de 2022

Ainda não destruímos os fantoches

Cada vez que ouço um discurso político ou que leio os que nos dirigem, há anos que me sinto apavorado por não ouvir nada que emita um som humano. São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras. E, visto que os homens se conformam, que a cólera do povo ainda não destruiu os fantoches, vejo nisso a prova de que os homens não dão a menor importância ao próprio governo e que jogam, essa é que é a verdade, que jogam com toda uma parte de sua vida e dos seus interesses chamados vitais

Albert Camus

Bolsonaristas perderam ilusão de falar pelo povo

As mobilizações bolsonaristas têm mostrado resiliência, com ações de protesto sustentadas por um período bastante estendido, mas também vêm perdendo apoio. Isso não apenas deixa os bolsonaristas radicais isolados, como tem consequências políticas para a estratégia populista do grupo.

Quando analisamos a evolução do levante antipetista, na sua duração mais longa, chama a atenção como a identidade política vai mudando de uma rejeição a rótulos, nas primeiras mobilizações contra Dilma Rousseff em 2015-2016, para uma afirmação entusiasmada das identidades de “direita” e de “conservador”, que surgem com força na campanha de 2018.

Estudos têm mostrado que, na tradição histórica do populismo, prevalece a rejeição das identidades políticas. O líder populista típico não se diz nem de esquerda nem de direita, justamente porque pretende representar integralmente o povo contra as elites corruptas. O bolsonarismo concilia seu populismo com a adoção orgulhosa do rótulo de “direita”, identificando a esquerda com as elites culturais e políticas. Essa opção, porém, tem um risco. Ao adotar uma identidade de direita, há um reconhecimento tácito de que a comunidade política está dividida em duas partes, com a esquerda constituindo a outra metade.

Se essa adoção de uma identidade já tinha aberto uma pequena rachadura na visão de mundo populista, o abandono da camisa da seleção escancarou o problema.

Desde 2015, o antipetismo adotou como uniforme a camisa da seleção brasileira. A amarelinha, que muitos brasileiros tinham na gaveta, é um forte símbolo de união nacional — talvez o mais poderoso. Ao adotá-la como uniforme político, os antipetistas, e em seguida os bolsonaristas, conseguiam representar o ideal populista de uma maneira simples e direta: a multidão na rua era o povo — a manifestação falava por todos os brasileiros, inclusive por aqueles que, por preguiça ou inércia, tinham ficado em casa.

Nesse período heroico, que vai de 2015 a 2018, o antipetismo sustentava a ilusão de que se havia forjado uma comunhão nacional para sobrepujar e esmagar a minoria petista, imaginariamente reduzida a pequenos grupos de corrompidos que — em troca de Bolsa Família, recursos da Lei Rouanet ou pão com mortadela — desavergonhadamente defendiam seus patrões.

Após a derrota eleitoral em outubro, porém, tudo mudou. Em vez de aproveitarem a onda verde e amarela trazida pela Copa do Mundo e sugerirem que o brasileiro orgulhoso da seleção de Tite e os ativistas mobilizados nos quartéis eram um corpo só, muitos bolsonaristas fizeram questão de se separar das massas, abandonando a camisa da CBF, adotando o verde-oliva e o preto como uniforme. Identidade política e estratégia populista se chocaram. Nada poderia ser mais sintomático da crise na capacidade de os bolsonaristas se apresentarem como o povo, ou, pelo menos, como a vanguarda do povo.

Logo outros sinais surgiram. Antes, os bolsonaristas, confiantes em sua estima pública, abraçavam populares que demonstrassem simpatia, rapidamente incluídos no movimento. Agora, suspeitam e rejeitam qualquer tipo de apoio vindo de estranhos. Simpatizantes que tentaram doar alimentos nos acampamentos foram violentamente rechaçados e acusados de tentativas de envenenamento com suas doações. O bolsonarismo ficou sectário.

Os manifestantes mobilizados nos quartéis estão agora visivelmente isolados. Isso não tem apenas impacto no seu moral baixo, mas também fere de morte a capacidade do bolsonarismo de sustentar um discurso populista do tipo “o povo contra as elites”. Isso não significa que o bolsonarismo morrerá, mas mostra que será obrigado a se reinventar, não apenas como oposição, mas também com a amarga suspeita de ser uma minoria.

A exalação das ruínas

"Desgraceira" era o jeito sertanejo de qualificar desastres como seca inclemente ou enchente que arruinava casas e colheitas. Foi a expressão que Lula usou para o legado funesto dos quatro anos de desgoverno federal. Melhor não há para sintetizar o diagnóstico da equipe de transição sobre a tentativa de destruição do Estado: descontrole orçamentário e apagão sistemático da máquina administrativa.

Aos olhos de todos, o desmonte vislumbrado no meio ambiente, segurança pública, educação, saúde e cultura não deixa qualquer dúvida quanto à queda das pontes institucionais entre o aparato estatal e a sociedade civil. Algo como se deparar com um edifício em escombros após um tremor de terra, encarar demandas e tarefas a serem atendidas, mas ter de levar em conta os miasmas ou a exalação pútrida das ruínas.


Esse aspecto de exalação talvez escape à busca de solução imediata dos problemas pela equipe de transição, mas é algo presente na atividade social, aquela que mais espelha a realidade dos fatos. Maior do que a político-administrativa, ela implica assimilar e mentalizar a vida, tanto real como imaginária, para recolocar de pé o cidadão frente ao desequilíbrio social. Isso foi posto em perigo pela apropriação neofascista da política, a começar pela corrupção do diálogo e da linguagem pública, em que nostalgias reacionárias se conjugam pelo grotesco escatológico.

O cheiro de ferro e plástico queimado consequente ao terrorismo negacionista nas ruas de Brasília é só um sinal, mas grave, da emanação miasmática das ruínas. Tudo obriga a indagar como se chegou a isso, como foi possível se assistir passivamente ao ataque destrutivo contra o edifício institucional. Foi coisa deliberada. Tanto que, logo alterada pelas urnas a liderança política, as elites caladas por quatro anos horripilantes mostram-se subitamente ativas em cobranças quanto ao rosto do novo governo. Nada estranho ao jogo da democracia, desde que essa "atividade" esteja igualmente alerta para os fumos antidemocráticos remanescentes.

Já nem tanto impressiona o fato de que milhões de pessoas tenham compartilhado o horror, e delas um número expressivo, de uma maneira entre o trêfego e o febril. É que cidadania democrática depende de uma educação não limitada a ritos eleitorais, nem satisfeita por populismos à esquerda ou à direita.

Em meio às mutações decisivas de comportamentos e valores, acontece cavar-se o vácuo dos modelos políticos e, mesmo, dos padrões consensuais de dignidade. Isso se passou entre nós. Daí o desastre que agora se contempla: uma desgraceira, com o persistente mau cheiro de uma memória intolerável.

Só e mal-acompanhado

Os grandes líderes sempre deixaram grandes frases para seus povos. Winston Churchill, primeiro-ministro inglês na Segunda Guerra: "Só posso prometer-lhes sangue, trabalho, lágrimas e suor." Getulio Vargas, pouco antes do tiro no peito: "Deixo a vida para entrar na história." Juscelino: "Costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro." John Kennedy, presidente dos EUA: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por ele." E De Gaulle, premiê francês: "Como se pode governar um país que tem 246 espécies de queijo?". Já Jair Bolsonaro será lembrado por seus bordões: "Chega, porra! Acabou! Ponto final! Caso encerrado! Cala a boca!".


O homem que levou quatro anos fazendo-se de Super-Homem em comícios, discursos e lives para sua turma revelou-se um covarde. Vê-se agora que sua estupidez, empáfia e autossuficiência, todas cavalares, emanavam apenas da faixa presidencial. Sem esta, é como se estivesse de cueca.

Derrotado na eleição e em breve despojado da imunidade que o cargo lhe garantia, Bolsonaro terá de explicar-se nos tribunais pelos crimes que cometeu. Sabendo disso, deixa-se ficar debaixo da cama no Alvorada, mudo, assustado e chorando, abandonado até pelos que ele favoreceu, subornou ou corrompeu.

Bolsonaro já foi cancelado pelo centrão, ao qual repassou bilhões. Políticos que ele considerava fiéis estão se pondo na órbita de Lula, um deles Ratinho Jr., governador do Paraná. Líderes religiosos subitamente sem acesso a barras de ouro começam a apagá-lo de suas orações. Canais de TV até há pouco a seu soldo demitem os profissionais identificados com ele. E imagino sua ira ao ver, em ágapes recentes em Brasília, seu juiz de estimação Kassio Nunes Marques abraçado festivamente a seu arqui-inimigo ministro Alexandre de Moraes e ao próprio Lula.

Bolsonaro está só e, ao mesmo tempo, mal-acompanhado.

Brasil dos cachorros

 


A mão que rabisca um mapa

Um mapa de Brasília publicado no site do Estadão mostra os lugares onde extremistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro queimaram ônibus, explodiram carros e depredaram prédios – entre eles, a 5.ª delegacia da Polícia Civil. A navegação digital permite assistir aos vídeos que mostram os vândalos bolsonaristas em ação. São cenas de horror.

É inevitável lembrar de outro mapa – este do Rio de Janeiro, rabiscado há mais de 30 anos, à mão. Nele, um militar desenha o sistema de abastecimento hidráulico da cidade, com destaque para a adutora do Guandu. Diante de uma repórter incrédula, ameaça colocar uma bomba na adutora caso uma reivindicação de reajuste salarial não fosse atendida. A repercussão da reportagem, publicada na revista Veja, atrapalhou os planos do militar.


Um livro nos ajuda a entender o percurso entre o horror que não chegou a acontecer e o que tomou as ruas de Brasília: O ovo da serpente, da jornalista Consuelo Dieguez. É uma obra essencial, que entrevista bolsonaristas e mergulha nas entranhas do fenômeno. Consuelo mostra que o atual presidente não é produto apenas do universo paralelo das fake news. Vários grupos organizados pavimentaram seu caminho.

“Eles viram em Bolsonaro o único que poderia derrotar o PT, e acharam que seria possível controlá-lo no governo”, diz Consuelo, entrevistada no minipodcast da semana. Entre esses grupos estão militares que se sentiram ameaçados com a Comissão da Verdade, pecuaristas amedrontados com o MST e evangélicos que se opunham a uma pauta mais liberal na área dos costumes.

Bolsonaro, no entanto, mostrou que era – e ainda é – incontrolável. O livro conta que, durante a campanha eleitoral, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ouviu de um historiador amigo: “Quem vai segurar esse doidão, esse cavalão?” Santos Cruz respondeu: “Eu vou segurar. Sou diferente de vocês, da esquerda, que não seguraram o doidão de vocês, o Lula”.

Santos Cruz ocupou a Secretaria de Governo. Foi um dos primeiros a ser exonerado.

Consuelo calcula que os bolsonaristas raiz somem uns 10% da população e que os extremistas que queimam ônibus sejam uma pequena fração disso. Trata-se de uma minoria – uma minoria perigosa. Bolsonaro, o indomável, não parece apto a controlá-la nem interessado. Como observou o Estadão em editorial, até incentiva seus apoiadores extremistas, ao avalizar as supostas razões para os atos de vandalismo.

Talvez isso ocorra porque a mão que hoje segura a caneta presidencial é a mesma que, em 1987, rabiscou o mapa de um atentado a bomba.

Líder em mudança

Quero agradecer a vocês que estão na rua, que estão lutando. Continuem na luta. Bolsonaro não vai decepcionar ninguém, é um grande líder que veio pra ficar
Valdemar Costa Neto, presidente do PL

O silêncio de Bolsonaro não é inocente

Em pleno processo de transição de governo, o silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) diz mais que sua usual atitude estridente nas redes sociais. Esquivar-se de assumir a derrota por meio de uma estratégia de reclusão, contrastante com seu intenso ativismo digital dos últimos tempos, não soa como um cálculo político racional.

Bolsonaro perde mais do que ganha com esse comportamento.

Em suas raras aparições públicas desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, o atual chefe do Executivo cuidou de ser evasivo o suficiente para não desmobilizar os recentes atos que contestam o resultado das eleições e atacam a democracia – como o bloqueio das estradas e os movimentos violentos em Brasília, ocorridos durante a diplomação de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).

Esse parece ser seu objetivo central até o momento. Nas poucas palavras que proferiu, nenhuma menção direta ao reconhecimento de sua derrota nas eleições, ao processo de transição de governo e às expectativas sobre seu desempenho para montar uma oposição articulada.

Enquanto Bolsonaro permanece calado, o processo de transição segue seu rito. E sem poupar críticas e apontar falhas da administração atual. Lula foi enfático quanto a isso: "nós teremos uma radiografia perfeita do estrago que foi feito nesse país", afirmou, durante cerimônia de encerramento dos trabalhos dos grupos técnicos do gabinete de transição, no último dia 13.

Em meio a discussões sobre o "revogaço" [a anulação de medidas do governo Bolsonaro já no início de 2023] e a PEC da Transição, Bolsonaro não se mostra disposto a romper o silêncio nem mesmo para defender as escolhas de sua administração, reivindicar créditos de seu governo ou dirigir críticas às mudanças significativas que o novo governo já sinaliza.

Se o atual presidente não esboça qualquer reação, é difícil presumir que tenha uma atitude proativa e seja capaz de conduzir a articulação de contraponto ao futuro governo Lula no Congresso. Apoiadores de Bolsonaro, inclusive dentro do PL, seu partido atual, se mostram reticentes quanto à sua capacidade de liderar uma oposição articulada.

As questões que emergem dessa estratégia do silêncio geram impactos no ambiente político a partir de 2023, tanto no que se refere à configuração do bloco oposicionista ao novo governo quanto ao futuro do bolsonarismo.

Diante disso, como será o amanhã de Bolsonaro após a virada do ano de 2022? A chama do bolsonarismo permanecerá acesa, ecoando um movimento persistente, ou a fragilidade política de seu líder tende a desmobilizar esses atos?

Até o momento, as atitudes do presidente em exercício demonstram incapacidade de ir além do papel de líder personalista, estando ou não à frente do governo. Esse comportamento tende a reiterar um perfil político frágil, que vem se desenhando ao longo de sua trajetória política.

Nos 27 anos de mandato como deputado federal, Bolsonaro nunca exerceu cargo de liderança e figurou como um parlamentar do baixo clero por todo o período. Ao chegar à Presidência da República, apresentou mais do mesmo: revelou-se um presidente fraco, a despeito de estar inserido em um sistema que confere amplos poderes institucionais ao chefe do Executivo.

Por não conseguir ocupar a posição de ator pivotal que o cargo de chefe do Executivo lhe confere, Bolsonaro deixou escapar oportunidades de atuar como uma real liderança política e decretou sua derrota na sucessão presidencial. Estreou a posição de primeiro presidente da Nova República brasileira que não alcançou a reeleição. Revelou-se limitado ao papel de governante incidental, nos termos do conceito desenvolvido pelo cientista político Sérgio Abranches.

Assim como outros exemplos de líderes incidentais pelo mundo afora (Trump é paradigmático nesse sentido), Bolsonaro tentou simular uma instabilidade eleitoral, questionando a segurança das urnas eletrônicas já no pleito de 2018, quando precisou concorrer em 2º turno e saiu vitorioso.

Ou seja, chegou ao poder por circunstâncias excepcionais, dado o clima político gerado pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff, e ciente de que permanecer na cadeira de presidente por meio de uma reeleição não seria possível sem que fosse forjado um novo ambiente de fatores que induzissem a uma excepcionalidade.

Os planos de Bolsonaro foram frustrados. A despeito de seu caráter beligerante frente às instituições democráticas brasileiras, o sistema eleitoral do país se mostra crível e solidificado perante os próprios eleitores e elites políticas.

Evidentemente, um governo incidental não sai de cena sem deixar marcas.As manifestações de apoiadores extremistas do presidente em exercício, que transformaram Brasília em palco de violência e desordem nessa semana, destacam uma faceta ignóbil desse legado.

A estratégia silenciosa de Bolsonaro diante desses eventos ecoa alto. Fica evidenciada a tática de inflamar o extremismo e impor dificuldades tanto ao processo de transição quanto à posse de um governo eleito pela via democrática.

Mas não parece vislumbrar o outro lado da moeda. O comportamento do presidente derrotado representa uma escolha que tem impactos nada triviais em seu futuro político.

Bolsonaro parece desconhecer o uso estratégico que poderia fazer do capital político que conquistou nas urnas, não apenas quanto à sua expressiva votação, como também no que se refere aos ex-ministros e apoiadores de seu governo eleitos no último pleito.

Após sua derrota nas urnas, restaram-lhe dois caminhos, que em nada se assemelham a uma escolha trágica: estabelecer uma perspectiva mais consistente para liderar as oposições ao novo governo, reconhecendo que democracias requerem um ganhador e um perdedor; ou traçar um caminho de volta às suas origens, retomando o estilo de liderança radicalizado e direcionado às suas bases mais extremistas, com discursos estridentes pela via das redes sociais e insuficientes para uma articulação com o Congresso.

Ao que tudo indica, pelo menos até o momento, o futuro político de Bolsonaro tende a se manter limitado à segunda opção. A escolha por esse perfil de liderança revela uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que impõe arranhões à democracia, expõe ainda mais sua vulnerabilidade como um ator político apto a articulações viáveis. 

Alessandra Costa

Bolsonaro está melhor da erisipela e pior da depressão pós-derrota

Quantas vezes não lemos que, recuperado da depressão que o abateu depois da derrota para Lula em outubro, Bolsonaro, pouco a pouco, voltava a sorrir, a conversar animadamente com amigos e a fazer planos para o futuro? Quantas vezes não lemos isso?

Foi mais torcida dos que cercam o presidente de saída do que a verdade. Torcida compreensiva no caso dos que dependem de Bolsonaro para dar a volta por cima. Outros, mais espertos ou realistas, já o abandonaram e foram cuidar da própria vida.


Bolsonaro continua enfermo. Melhorou da erisipela que o impedia de vestir-se direito, mas da depressão, não; afunda-se nela à medida em que se aproxima o 1º de janeiro, dia da posse de Lula, e de ele se picar de vez do Palácio da Alvorada. O poder vicia.

Quem foi capaz de imaginar que aquele recruta magrinho e sem muitas luzes, que só se destacava em corridas de curta distância, mais tarde afastado do Exército por ter planejado atentados terroristas a quartéis, um dia se elegeria presidente? Nem ele.

De execrado por antigos companheiros de farda, passou a objeto de culto deles, exemplo para as futuras gerações de militares e chefe supremo das Forças Armadas, merecedor de todas as vênias. Foi uma travessia que lhe tomou mais da metade dos seus 67 anos.

Agora, a que se vê relegado? À condição de o primeiro presidente que tentou se reeleger e não conseguiu. O fato de ter perdido por pouco não o consola. Boa parte dos votos que teve foi de brasileiros que se recusaram a digitar o número de Lula na urna.

O inverso é verdade, mas Lula terá quatro anos para consolidar os votos relutantes que atraiu. E Bolsonaro? Para que lhe servirão os próximos quatro anos? Uma coisa seria vivê-los como o presidente que derrotou o PT duas vezes, e talvez para sempre. Outra…

Outra como o presidente acidental que desperdiçou a chance de se afirmar como o mais poderoso líder da direita na América Latina no primeiro quarto do século XXI. Bolsonaro nunca foi homem de partido, nunca gostou de pegar no pesado, não é um formulador.

Seu destino é sombrio. Por isso ele sofre, desespera-se, e como os golpistas de porta de quartel, reza por um milagre que o salve do degredo. Enquanto isso, mesmo que à paisana e dentro de um quarto de hotel, os militares já batem continência a Lula.