sexta-feira, 4 de abril de 2025
Tarifas de 3ª classe!
2 – As tarifas podem proteger uma indústria, mas prejudicam muitas outras. Se as empresas não conseguem exportar, perdem receitas, cortam postos de trabalho ou até encerram. Ou seja, não há empregos.
3 – Numa guerra comercial, empresas e investidores não sabem o que esperar. Uma tarifa aqui, uma retaliação ali… Resultado? Travam investimentos, adiam contratações e a economia perde força.
Exemplo: em 2018, Trump aplicou tarifas sobre máquinas de lavar importadas. A ideia era proteger os fabricantes locais, como a Whirlpool. E sim, os concorrentes asiáticos ficaram mais caros. Que aconteceu?
O preço das máquinas subiu, em média, 86 dólares por unidade. E o mais surpreendente: o preço das máquinas de secar (sem tarifas!) também aumentou — apenas porque os vendedores aproveitaram a boleia.
Esta guerra, no primeiro mandato de Donald Trump, acabou assim: os consumidores americanos gastaram mais de 1,5 mil milhões de dólares extra só para lavar e secar roupa. E apenas 1.800 empregos foram criados.
Groelândia, o retorno do Império Americano
Contudo, no mesmo evento sobre o futuro do Ártico, ocorrido na Rússia em março, o presidente russo fingiu admitir a legitimidade do direito do colega cowboy sobre a Groelândia. Convenhamos, tal justificativa servirá também para Putin, na barganha pela Ucrânia.
Porém, se a ideia de Trump for trocar a Ucrânia pela Groelândia, estará reproduzindo o Pacto Molotov-Ribbentrop, firmado às portas da II Guerra Mundial entre Berlim e o Kremlin para dividirem a Polônia. Pensavam ter excluído a Europa do xadrez geopolítico, mas o saldo foi um continente devastado e 60 milhões de mortos. Em 2025, a incerteza de propósitos de Trump e Putin também se sobrepõe a qualquer perspectiva de desfecho pacífico dessa nova partilha do mundo entre as potências do momento.
Para começar, assim como na brodagem anterior entre Stalin e Hitler, os dois líderes atuais blefam com a mesma naturalidade com que respiram. Trump deveria saber que o teatro Groelândia-Ucrânia pode ser mais útil na repactuação do seu convívio com a Europa do que na tratativa duvidosa com a Rússia. Se o presidente ianque tiver algum juízo (memória já seria suficiente), não largará o barril de nitroglicerina europeu ao Deus dará.
Afinal, nos últimos dois milênios os europeus têm dado um boi pra não entrarem numa guerra e uma boiada pra não saírem dela.
Por sua vez, apesar de os Estados Unidos terem brindado a humanidade com a democracia republicana em 1776 (uma década antes da Revolução Francesa), o país símbolo de liberdade não tardou a pôr em marcha um projeto imperialista de fazer inveja a qualquer monarquia colonial europeia. Ou seja, não há nada de propriamente novo no front americano.
Os EUA vivem em guerra (ou da guerra) há 250 anos, desde seu nascimento. A primeira, logo em 1812, foi contra o Canadá numa disputa por fronteiras que só acalmou quando canadenses e ingleses incendiaram Washington e a Casa Branca. Em 1836 foi a vez do Texas que, mal havia declarado sua independência do México, foi engolido pelo Tio Sam. Pouco depois os americanos entraram em guerra com o próprio México e anexaram a California, Nevada, Utah, Novo México, Arizona, Wyoming e Colorado. Nesse meio tempo, pasmem, conseguiram guerrear até contra si próprios, numa guerra civil que vitimou cerca de um milhão de americanos!
Enquanto isso, compraram o Alasca dos russos e na virada do Século XX anexaram o Havaí numa escaramuça mal explicada. Na mesma época, ao adquirirem as Filipinas herdaram uma guerra de independência do arquipélago que durou 40 anos. Depois vieram duas guerras mundiais (com duas bombas atômicas), a Guerra Fria, Coreia, Vietnam, Iraque, Líbia, Somália, Libéria, Síria, Afeganistão, sem falar no apoio a inúmeros golpes de Estado e conflitos regionais.
Ou seja, é possível que a Groelândia seja apenas mais um episódio, de uma nova temporada, na extensa série de refregas do Império Americano. Resta saber se prevalecerá alguma racionalidade mínima do colonialismo tradicional, ou se o fator Trump pode bagunçar o tabuleiro geopolítico e econômico global. Vale lembrar que Roma prosperou com Otaviano Augustus, mas findou (des)governada por Calígula.
Biblioteca oficial do crime bolsonarista
Se você está desconfiado da delação de Mauro Cid, como se tijolinho de barro fosse alicerce do arranha-céus de provas contra Bolsonaro; se leu notas de imprensa céticas à denúncia da PGR, versão palpiteira e diletante de garantismo; se fica admirado com a coragem moral da advocacia bolsonarista para dizer o que diz, renove a biblioteca e acione a memória.
A delinquência foi documentada e televisionada. A tentativa de golpe veio também na forma impressa, à moda de Jair. Coisa tão grande que alguns se recusam a ver. A sociologia chamou essa atrofia sensorial de cegueira supraliminar.
A biblioteca tem três estantes. A primeira guarda a bibliografia militar, cuja referência é "O Cadete e o Capitão: a Vida de Bolsonaro no Quartel", de Luiz Maklouf. Conta do plano de atentado na adutora do Guandu e da absolvição fraudulenta pelo STM, que ignorou laudo grafotécnico.
Na segunda, a bibliografia parlamentar. Reúne casos de quebra de decoro e ações criminais no STF em razão de: defesa do fechamento do Congresso e do fuzilamento de FHC, ameaça de agressão física a assessora parlamentar, agressão verbal a Preta Gil e física a Randolfe Rodrigues, incitação ao estupro, ode à tortura e ao maior torturador da ditadura, leniência de Michel Temer, rachadinhas. Inclua os podcasts Retrato Narrado, de Carol Pires, e A Vida Secreta de Jair, de Juliana Dal Piva.
Na terceira, a presidencial. O governo que existiu em permanente estado de flagrância tem duas prateleiras principais: crimes contra a vida e a saúde pública; crimes contra a liberdade democrática. Para não falar em corrupção.
São peças produzidas não pela esquerda com sede de vingança, mas pela cidadania, famílias de vítimas, advogados, autoridades: representações ao Tribunal Penal Internacional; pedidos de impeachment (e o chamado "superpedido"); relatório da CPI da Covid; representações criminais arquivadas liminarmente por Augusto Aras; ação civil pública contra a Jovem Pan, por construção dolosa do caldo desinformacional em ataque à democracia; denúncia criminal da PGR.
Graças a Aras, a Lira e até a Gonet, que deixou muito na gaveta para se concentrar nos crimes de 8 de janeiro, virou pechincha. Crimes da pandemia foram disfarçadamente anistiados. Tradição de nossas casas de tolerância à delinquência política.
Todos temos direito de dizer que nada disso é crime, apenas exercício da liberdade patriota. Assim como todos temos direito de ser idiotas. O sistema de justiça tem dever de proteger o exercício do direito à idiotia. Só não pode confundir paixão com inocência, servidão voluntária com legalidade.
Há casos juridicamente difíceis e politicamente fáceis. A denúncia contra a cúpula do golpe é o contrário. Não pede superpoderes analíticos, só coragem de juízes e integridade de comentaristas.
Bolsonaristas chamaram de "reedição do Tribunal de Nuremberg". Sorte que o direito penal desconsidera ato falho. Hannah Arendt notou em Eichmann a banalidade do mal. Estamos assistindo à banalidade da ignorância.
O Trump que Bolsonaro seria
Foi como sempre enxergamos os EUA —arrogantes e sem escrúpulos no exterior, mas internamente sujeitos a um sistema legal de quase 250 anos e sólido demais para ser abalado por arroubos fora das, olha só, "quatro linhas". Agora Donald Trump está provando que não era nada disso. Bastaria que surgisse alguém chutando a porta, distribuindo tapas na cara e mandando todo mundo ficar de nariz contra a parede para que esse sistema se acoelhasse —com todo respeito pelos coelhos.
Trump descobriu em seu primeiro mandato que, se reeleito, o sistema não resistiria a um peteleco. Novamente de posse do Executivo e tendo reduzido seu outrora grande partido, o Republicano, a um bando de zumbis, só teria pela frente a Suprema Corte, esta já composta em maioria por seus homens, nomeados da outra vez. Para sua surpresa, são exatamente esses juízes que, ainda respeitosos à lei, estão tentando peitar suas indignidades.
Há dias, Hillary Clinton chamou Trump de "burro". Incrível, uma mulher com a tarimba de Hillary afirmar isso. Trump, por mais tresloucadas suas falas e atitudes, sabe o que diz e o que faz. Precisa destruir o sistema para impor outro, em que possa aplicar suas pretensões. A Groenlândia, por exemplo, não lhe interessa para fins turísticos —quer derretê-la para explorar seus minérios e petróleo. Há interesses em todos os aparentes absurdos que comete.
Para isso, Trump precisa imperar sem contestação. Como aqui faria Bolsonaro se tivesse sido reeleito.
Daniel Kahneman e o Populismo
Daniel Kahneman, psicólogo israelense, foi Prêmio Nobel de economia em 2002, por sua teoria (junto com Amos Tversky) sobre o comportamento humano em matéria econômica. A teoria deles era radicalmente contrária ao princípio das expectativas racionais que fundamenta teoricamente a mística da infalibilidade dos mercados financeiros e a defesa de sua completa desregulamentação. Os seres humanos decidem sob influência de vieses e heurísticas (atalhos mentais) que levam a ilusões cognitivas e grandes erros de avaliação. Como a crise de 2008 demonstrou de forma definitiva, o comportamento de manada nos mercados financeiros e a irracionalidade dos agentes econômicos acontecem por erros e ilusões cognitivas.
Amos Tversky faleceu em 2006 e no último dia 27 de março, fez um ano que Daniel Kahneman submeteu-se ao procedimento de suicídio assistido na Suíça aos noventa anos. Seu livro “Rápido e devagar: duas formas de pensar” publicado em 2011, mostra que a forma rápida é intuitiva, automática e emocional. Toma decisão com base em padrões e experiências passadas mas é sujeita a erros de avaliação e ilusões cognitivas. A forma devagar é logica, deliberada e esforçada. Analisa informações com cuidado e precisão. É mais lenta e trabalhosa e menos sujeita a erros.
Kahneman e Tversky trabalharam anos para que sua contestação dos principios psicológicos da teoria econômica fosse ouvida nos fóruns de economia. A história e, principalmente, a crise de 2008 comprovaram que eles tinham razão. A verdade apareceu e a economia comportamental tornou-se um ramo de pesquisa aceito e respeitado.
O debate político no mundo digital, nas redes sociais em particular, em muito se assemelha aos mercados financeiros desregulados. O discurso político populista é elaborado para ser avaliado pelo modo rápido de pensar. Narrativas, exemplos, metáforas e situações hipotéticas são construídas e costuradas para fazer as pessoas se apaixonarem pelos heróis, odiarem os vilões e, principalmente, acreditarem piamente na mitologia populista. Sua força está apenas na verossimilhança e na capacidade de encantamento da narrativa. Conspirações, difamações e mentiras são ingredientes válidos. A realidade é apenas um dos mundos possíveis.
A ascenção do populismo de extrema direita em todo o mundo, tendo Donald Trump e os bilionários das Big Techs `a frente, reforça o paralelo entre os desastres causados por mercados financeiros desregulados e a força política da mensagem populista. No ambiente de vale tudo das redes sociais, as Big Techs resistem `as tentativas de regulação enquanto lucram com o caos. O pensamento humano em modo devagar, fundamental para a ciência e para a evolução da humanidade ficou fora de moda. Sob o Trumpismo ficou quase proibido.
Estou convencido que o populismo vai fracassar mas não sem antes fazer um estrago gigantesco em termos de destruição institucional e de valores civilizatórios. Como na crise financeira de 2008, o mundo poderá pedir ajuda ao Estado e a suas instituições para nos tirar da desordem e da desesperança. Contudo, acho que levará algum tempo.
O Brasil pode chegar nas eleições de 2026 sem os dois lideres populistas que ainda hoje polarizam o país mas que estão perdendo terreno no imaginário da população. Os eleitores de Bolsonaro e Lula estão arrependidos como mostrou a pesquisa da Tendências publicada recentemente no Estadão.
Precisamos nos livrar desta ilusão cognitiva que fez o Brasil andar pra trás.
Musk, meu bilionário favorito
"Loser. Loser. Loser". Essa é a pior ofensa para um empresário como Elon Musk, que Trump transformou no gênio da “eficiência da América Grande”. O homem mais rico do planeta está prestando enorme serviço ao mundo livre. Musk conseguiu, com a derrota fragorosa de seu candidato conservador para a Suprema Corte do estado de Wisconsin, provar que nem todo o dinheiro consegue comprar uma eleição.
Seria uma semana de holofotes apenas para Trump e seu tarifaço delirante. Mas Musk quis dar a seu patrão na Casa Branca uma vitória. A de um juiz patriota contra uma juíza “progressista de esquerda radical”, num estado decisivo. Musk gastou US$ 23 milhões (mais de R$ 130 milhões) nessa campanha de uma corte estadual. Deu, publicamente, cheque de US$ 1 milhão por um voto em seu juiz. Em jogo, entre outras coisas, estará o julgamento do direito ao aborto.
Perdeu, mané. E foi pelo voto de eleitores republicanos arrependidos. Desconfortáveis com os ataques trumpistas a todos os aspectos da vida real da classe média. E da lucidez. Não falo só de educação e universidades. Saúde. Emprego. Liberdade de expressão. Deportação ilegal. Agora, o fantasma da recessão e da inflação. Um isolacionismo típico de ditaduras, de esquerda e direita. O contrário da ideologia liberal que orgulha os americanos.
O bilionário de cabeceira de Trump vai rachar esse governo. Musk, como se sabe, vem de uma família tão racista que seus avós maternos se mudaram do Canadá para a África do Sul do apartheid. E lá o bebê Elon nasceu e cresceu, num ambiente de segregação máxima. Suas saudações nazistas e seu descontrole emocional incomodam. Seus discursos inflamados com boné ao lado do presidente também. Afinal, de louco basta um na Casa Branca.
O significado simbólico de Wisconsin é poderoso e me intrigou mais que o tarifaço. As taxas eram previstas. Essa derrota, não. Musk é desprovido de inteligência política. Usou seu X para chamar o voto em Wisconsin de “uma daquelas situações estranhas em que uma eleição aparentemente pequena pode determinar o destino da civilização ocidental”.
Quis comprar uma corte de juízes. Meteu o dedo na tomada. Seu chefe também.
Estimulado por Musk, Trump acusou a candidata da oposição de “libertar pedófilos e estupradores”. Pediu ao eleitor que evitasse um DESASTRE, com maiúsculas. Losers. Patéticos. A juíza democrata Susan Crawford ganhou. E as análises apontam como causa um sentimento forte do eleitorado: o ressentimento contra “um governo de bilionários”. Sem empatia pelos comuns.
Está viva a democracia americana. Prestem atenção. É só a primeira derrota depois das urnas do ano passado. Wisconsin se tornou a plataforma do descontentamento.
O mundo já enxerga a cruz na testa lisa de Musk, o dono da SpaceX e da Tesla que empunhou a motosserra de gastos públicos nos EUA. Um homem com fortuna declarada de quase R$ 2 trilhões. Dinheiro pode até trazer felicidade, mas não traz inteligência.
Eu torcia para Musk permanecer no governo, pois é tão sem noção que constrange até o próprio Trump. Em fevereiro, o bilionário escreveu em seu X: “Eu amo @realDonaldTrump tanto quanto um homem heterossexual pode amar outro homem”. Acho que esse amor começa a perder reciprocidade.
Musk está para ser defenestrado – e sabe disso, como admitiu em comício no Wisconsin: “Não vou a lugar nenhum. Talvez eu vá para Marte, mas ele fará parte dos Estados Unidos”.
Musk é o alter ego de Trump. Veremos como o mundo vai se livrar dessa dupla megalomaníaca.