sábado, 22 de maio de 2021

Quem sobreviver verá

Que a economia vai se recuperar, eu não tenho dúvida. A questão é quando e quem estará vivo até lá
João Carlos Brega, presidente da Whirlpool na América Latina, dona das marcas Brastemp e Consul

Brado de um ressurgido da Casa da Morte

Estou internado há quase um mês com Covid. Estive próximo à morte. Estive na UTI. Por pouco, meus filhos não ficaram órfãos. Internado, assisti à CPI da Covid. Vi um general se comportar como estafeta. Vi o Exército brasileiro se associar a uma experiência macabra e quase satânica em que os brasileiros se tornaram cobaia da maldade.


Reconhecer que temos um governo inepto e irresponsável não torna ninguém de esquerda ou de direita. É só ver que estamos à deriva, que nos encaminhamos para algo terrível e sob o comando macabro e irresponsável de gente podre. Não que a oposição seja boa ou razoável. Não é. A oposição de hoje possui parcela de culpa pelo sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas o que vivemos no Brasil, hoje, é algo sem comparação, sem precedentes.

Os brasileiros estão sendo exterminados. Brasileiros estão sendo tratados como escória pelo próprio governo. Quantos mais terão que morrer? Quantos mais ficarão órfãos? Eu, por sorte, por graça e misericórdia divina, escapei. Quantos não terão a mesma chance? Até quando o sofrimento causado pelo atual governo nos manterá anestesiados?

1984, distopia premonitória

Raramente releio livros. Ocorreu com alguns clássicos. Mas olho para os livros enfileirados nas livrarias e vejo que ainda gostaria de ler muita coisa na vida. E tendo consciência da finitude de meu tempo pessoal e da infinitude da literatura universal, procuro ler sempre coisas novas. Vez ou outra, consulto livros de economia, ciência política, sociologia ou história para a elaboração de um artigo, texto ou palestra.

O boom de lançamentos e vendas de “1984” e “Revolução dos Bichos” de George Orwell, no entanto, me chamou a atenção e despertou minha curiosidade. Como explicar que os dois livros estejam na lista dos dez mais vendidos nos últimos meses, já que “1984” foi publicado em junho de 1949, refletindo o ambiente do pós-guerra, e o autor tenha morrido há 71 anos?


“1984” é um brado contra o totalitarismo. Li quando tinha 18 anos – 42 anos já se vão – e o Brasil vivia a fase terminal da ditadura militar e a ascensão do movimento pela redemocratização, no qual já militava. Já era um bestseller na época. E agora volta a ser um campeão de vendas.

George Orwell é considerado um dos maiores escritores do Século XX e “1984” sua obra-prima. A qualidade do texto é impressionante e como assinalou o New York Review of Books “... 1984 é uma leitura obrigatória absorvente e indispensável para a compreensão da história moderna”.

As grandes obras-primas muitas vezes são herméticas e difíceis. “1984”, não. Além de encarnar um momento raro da literatura universal, se tornou popular.

A alegoria distópica sobre a vida em Oceânia, o Grande Irmão (Big Brother), o Partido único e totalitário, e o controle ferrenho sobre a dinâmica da sociedade e das vidas individuais, desprovidas de qualquer liberdade, poderiam ser materializadas em diversos eventos históricos reais. As teletelas – que tudo ouviam e transmitiam as notícias e orientações oficiais, os helicópteros espiões, os cartazes e pinturas dizendo “O Grande Irmão está de olho em você”, se espalhavam por todos os cantos de Oceânia.

Os três slogans do Partido, “Guerra é paz”, Liberdade é Escravidão” e “Ignorância é força”, eram difundidos permanentemente. Como parte da lavagem cerebral e anulação do passado era previsto a substituição da língua, a Velhafala daria lugar até 2050 à Novafala, para atender às necessidades ideológicas do Socing e do duplipensamento, cultura dominante em “1984”. A fakenews era institucionalizada e oficial. A verdade não importava.

O Grande Irmão e o partido poderiam ser a encarnação de Stalin e do PCUS, de Hitler e seus nazistas, de Torquemada e a Inquisição, de ditadores latino-americanos ou africanos. No mundo contemporâneo poderíamos fazer um paralelo com as grandes plataformas de internet e sua capacidade invasiva sobre a privacidade de todos, manipuladas pelos “Engenheiros do Caos” em eleições no mundo todo.

A grande ideia vitoriosa no final do Século XX parecia ser a da democracia e da liberdade após a dissolução da URSS, a queda do Muro de Berlim, a decadência de ditaduras mundo afora. Mas provando que a História, ao contrário do que queria Fukuyama, não tem fim, em anos recentes a democracia passou a ser ameaçada, Trump à frente, por diversos governos populistas autoritários.

“1984” nos chama à eterna vigilância na defesa da democracia como valor universal e inarredável.

Falador passou mal

Cadê o telão?

Foi a primeira pergunta que me fiz, na abertura da CPI do Genocídio. Não havia. Uma CPI municiada apenas por depoimentos, papelada e gravações de áudio, pareceu-me um retrocesso tecnológico diante das possibilidades visualmente comprobatórias oferecidas pelo vídeo.

Até agora, os desmentidos e tira-teimas limitaram-se às evidências arquivadas nos celulares dos senadores da oposição. Ainda é pouco.

Só após o depoimento do ex-ministro Pazuello cogitou-se de contratar uma agência de checagem online e em tempo real, um VAR das afirmações negacionistas feitas à Comissão, inclusive por seus integrantes governistas.

Se essa varredura já se mostrara urgente e crucial na inquirição do ex-chanceler Ernesto Araújo, as contradições e mentiras despejadas na CPI pelo ex-ministro da Saúde a tornaram imprescindível, até para conter o ímpeto falaz da tropa de choque do governo, que, alinhada com o modus operandi bolsonarista, não economiza dados, no mínimo discutíveis, quando não comprovadamente defasados e falsos, para livrar a pele do presidente, tumultuar e desacreditar o trabalho da Comissão.


Alguns deles são tão alinhados com o presidente que ainda nem aprenderam a usar a máscara direito, como demonstrou o senador cearense Eduardo Girão, no segundo dia de depoimento de Pazuello.

O escritor J.P. Cuenca resumiu em quatro frases como operam os jagunços parlamentares do Genocida: “Eles sabem que estão mentindo. Nós sabemos que eles estão mentindo. Eles sabem que nós sabemos que eles estão mentindo. Nós sabemos que eles sabem que nós sabemos que eles estão mentindo”.

Políticos mentem para sobreviver e superviver, mas nada se compara aos que compõem e servem ao atual governo. Mentir é a segunda natureza dos bolsonaristas - ou mesmo a primeira no caso do presidente, que, segundo o jornalista José Geraldo Couto, só disse uma verdade desde que assumiu o governo: “Se a esquerda voltar ao poder, vamos todos para a cadeia”. A ver.

Se o depoimento de Ernesto Araújo foi quase um show de rinocerontite à Ionesco, ao qual faltou, para ser completo, quem lhe perguntasse sobre suas crenças terraplanistas, o de Pazuello tirou 10 em cinismo, omissões, enganosa soberba e espantoso autossacrifício.

Embora nada supere, a meu ver, aquele momento em que o ex-chanceler respondeu a Renan Calheiros: “Fui orientado a isso”, o relator insistiu: “Por quem?”, e Araújo confessou: “Não sei”. Não tenho dúvida de que se combinassem encenar, num quartel qualquer, O Mágico de Oz, nem mesmo um marechal tiraria do ex-ministro da Saúde o papel do Leão Covarde.

Poucos aqui talvez ainda se lembrem do caubói medroso consagrado por Bob Hope na comédia O Valente Treme-Treme. Pois bem, Pazuello revelou-se um tremendo general treme-treme. Com ilustre lastro literário-cinematográfico.

Metáfora de ferimento em combate popularizada pelo escritor Stephen Crane, no romance O Emblema Rubro da Coragem, ambientado na Guerra Civil americana e publicado em 1895. Nele, um medroso soldado do Exército da União, perdido de seu batalhão e com vergonha de ser punido como desertor, procura neutralizar sua covardia deixando-se ferir por uma bala inimiga.

O primeiro “emblema rubro da coragem” de Pazuello foi, ironicamente, a covid. Ao tentar fugir da raia, virou chacota na TV e nas redes sociais, comprometendo a imagem do Exército. Tão evidente ficou seu pânico de enfrentar a CPI que Zé Simão não resistiu à tentação de identificá-lo como um “general da Activia”.

O segundo “emblema” foi o apelo a um habeas corpus, que, autorizado, com ardilosa ressalva, pelo ministro Lewandowski, condenou-o à autoincriminação até sem abrir a boca. Só aí, exposto à implacabilidade do se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, o ex-ministro, convencido de que só quem vai a campo ganha por w.o., surpreendeu a todos abrindo o bico. Falou pelos cotovelos e pazuellos. Não sem antes submeter-se a um treino intensivo de lorotagem. Lascou-se.

E nos lascamos. Ouvir Pazuello falar, com todos aqueles ‘esses’ chiados, por alguns e poucos minutos, já é um suplício auditivo, imagine ao longo de seis horas. O general prestaria enorme gentileza aos circunstantes de modo geral se evitasse o uso do plural em público.

Seu terceiro “emblema rubro da coragem” foi o piripaque de que foi providencialmente acometido no intervalo do primeiro para o segundo tempo, depois de confrontado com uma afirmação em contrário da AGU.

“Falador passa mal”, alertava um velho samba gravado por Jorge Veiga, mote retomado, com umas três décadas de distância, por outros sambistas. Falar mentiras, numa CPI, pode “dar cana”, para usar a expressão do ministro Salles, naquela fatídica reunião ministerial em que ele recomendou “passar a boiada” enquanto a covid monopolizava as atenções de suas eventuais futuras vítimas.

O quase desmaio do general foi outra demonstração de bolsonarismo explícito. Na campanha para a prefeitura do Rio, em 2016, Flávio, primogênito do presidente, quase desfaleceu diante das câmeras da Band, quando debatia com Marcelo Freixo. O confronto direto de ideias parece ter sobre a familícia Bolsonaro o efeito de uma criptonita vagotônica.

Gozaram à beça o Pazuello por ter dito que deixou o governo ao dar por cumprida sua missão. O general, ao menos daquela vez, não mentiu. Sua missão não era salvar vidas, nem sua reputação, e sim o presidente, blindá-lo a qualquer custo. É preciso ter um bocado de coragem para ser tão subserviente.

Pensamento do Dia

 


Um desanda, o outro obedece

Finalmente consegui entender tudo. O Brasil não é um país, o Brasil é um reality show. É o BBB, Big Brother Brazil. Sigam-me o meu raciocínio: ninguém pode sair daqui de dentro e todo dia milhares de participantes são “eliminados”por diversos motivos que vão de Covid, fome e até chacina no Rio.

Neste momento terrível, eu gostaria de falar sobre o pancadão sofrido pelo MC Kevin, eu queria dar a minha opinião a respeito da barba do William Bonner, mas não tem jeito: sou obrigado a escrever sobre o General Pançuello, ex-sinistro da Saúde. Fiel como um cão de guarda, o general mostrou na CPI da Covid que é um grande especialista em logística sincronizada: ao mesmo tempo que não comprou as vacinas da Pfizer, deixou de enviar oxigênio para Manaus.



Bem treinado, Panzoeiro livrou a cara do seu dono, o presidente Jair Bolsovac, que prometeu lhe dar uma ração extra de Purina se desse um depoimento a seu favor na TV Senado, a MTV dos velhos. Agora o militar está louco para dar a sua patinha (qualquer uma das quatro) e rolar no chão do Alvorada. Eu não sei por que o senador Renan Canalheiros não deu voz de prisão e mandou o general pro canil.

Mas chega de metáforas caninas, mesmo porque o general Pardiello parece mais um porquinho de desenho animado da Disney. Aliás, a única coisa robusta no “depoimente” do general amestrado foi a sua figura rotunda e adiposa. O peso acima de tudo e Deus acima de todos!

A CPI (Cumichão Parlamentar de Inquérito) agora descobriu a internet e muitos participantes, ao invés de encostar os envolvidos na parede, ficam postando selfies pro Instagrana e até dancinhas pro Tik Tok. Outros, mais espertos, aproveitam para monetizar suas participações e estão fazendo merchandising de automóveis, roupas e até maquiagens, muito utilizadas para esconder as rugas e emendas parlamentares.

Por falar nisso, outro que está enrolado é o ministro de Meio Ambiente, Ricardo Malles. A PF agora quer saber porque o ministro tirou uma comprometedora foto com várias toras de madeira roçando nas suas costas (não tão quentes). Em sua defesa, o ministro cara de pau alegou estar cumprindo ordens do presidente. Como bom militar, Bolsonauro quer pintar de branco até a metade todas as árvores da Amazônia e transformar os pastos em campos de futebol que, quando não tiver pelada, podem servir de pasto para o seus ministros e parentes.
Agamenon Mendes Pedreira é ambientalista de Cristo

Cara de pau também veste farda

[Pazuello] apresentou as razões dele, aí tem aquele contraponto de sempre: ‘Ah, tá mentindo, tá isso, tá aquilo’. Isso faz parte do dia a dia da CPI. Eu acho que o Pazuello foi firme, foi seguro e não deixou nada sem resposta.
Conheço o Eduardo Pazuello já há bastante tempo. Não tenho ele como um mentiroso. Para mim, ele falou a verdade
Hamilton Mourão, general vice-presidente

Mentem, e a CPI nem aí

O general Eduardo Pazuello desferiu o mais grave ataque contra a democracia brasileira desde o início da CPI da Covid. Um ataque que não foi suficientemente apontado. E um ataque que tem por cúmplice involuntário o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM). Não há gente suficiente percebendo a gravidade da naturalização da mentira que está ocorrendo ao longo destes depoimentos e de que a CPI é cúmplice. Não estão percebendo que é abrir mão da verdade no debate público que faz corroer a democracia.

O primeiro a mentir foi o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten. Afirmou que nada tinha a ver com uma campanha desferida sob seu comando contra a política de isolamento social. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), quis prendê-lo em flagrante. Aziz não topou — e a decisão é dele. Aí o ex-chanceler Ernesto Araújo negou ter atacado a China. Há tuítes, artigos assinados, vídeos. Não importa. Fez na cara dura, escondeu-se atrás da máscara e simplesmente mentiu.

Nunca havia se mentido numa CPI de forma tão descarada, com provas do contrário a um Google de distância. E é por isso que o depoimento do ex-ministro da Saúde é muito mais grave do que o dos outros. Wajngarten e Araújo mentiram fingindo falar a verdade. Pazuello não. Ao dizer que jamais recebeu ordens para não comprar vacinas do Instituto Butantan, foi confrontado com o vídeo em que afirmou “um manda, o outro obedece” perante justamente essa ordem. Dada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Pazuello não titubeou: “é coisa de internet”, feita por “agente político”.



Ou seja, na lógica torta do ministro, o presidente mente para seus eleitores e fãs, e isso é normal. Pazuello não fingiu que a mentira era verdade. Pazuello chamou a mentira de mentira e falou que é assim que se faz política.

Talvez seja essa a impressão que os generais tenham de políticos. Que seu trabalho é mentir. Se for, estão errados. O trabalho dos políticos é trazer à mesa as diversas correntes de opinião presentes numa sociedade e negociar as diferenças. Sim, sempre houve mentiras. Mas, quando pegos em mentiras, políticos sofriam consequências.

Quem estuda o assunto vem usando um termo — truth decay. Decaimento da verdade. Em química, decaimento é o lento processo pelo qual o núcleo instável de um elemento perde energia por radiação. Em biologia, é o igualmente lento apodrecimento de um corpo pela ação de bactérias ou fungos. A palavra está em voga nas Ciências Humanas. Decaimento da verdade é quando lentamente uma sociedade deixa de ligar para a verdade, para o consenso a respeito de um conjunto básico de fatos.

Decaimento democrático é o que vivemos quando há decaimento da verdade.

Jair Bolsonaro mente. É sua prática corriqueira. Seus eleitores sabem disso — apenas não ligam. Para eles, é até engraçado. Mas, para que a mentira se estabelecesse a ponto de ameaçar a democracia, ela precisou antes ir lentamente se esgueirando até se legitimar. Naquela campanha dura, agressiva e canalha que foi a da eleição presidencial de 2014, Dilma Rousseff tirou Marina Silva do segundo turno com publicidade de TV que mentia. Escancaradamente. Agora, Ciro Gomes, candidato à Presidência em 2022, contratou o marqueteiro que produziu aquilo para ajudá-lo a chegar ao Planalto.

Políticos estão legitimando a mentira.

Alguém precisa fazer algum gesto. O gesto é a prisão de quem mentir sob juramento escancaradamente dentro do Congresso Nacional. Sem um gesto grande, estamos entregues ao apodrecimento da democracia, acelerado pelas redes sociais. É preciso ação. O decaimento lento da verdade está em suas fases finais.
Pedro Doria

Pior mal da Índia é a crônica falta de ética

Não há dúvida de que o governo indiano tem sido altamente incompetente no tratamento da pandemia de covid-19. Antes de desejarmos uma mudança de governo, é necessário compreender o nadir dos valores éticos que desempenhou um papel vital na maior crise humanitária da Índia independente.

Muitas pessoas foram privadas de sua saúde mental, sanidade e dinheiro nesta pandemia. Não há mais regras se você quiser salvar alguém. As pessoas estão pagando até 50 mil rúpias (R$ 3,6 mil) por uma ambulância; e o dobro disso ou mais por dia para internar seu ente querido em um hospital. Estamos pagando preços de mercado negro para comprar itens de necessidades básicas, como oxigênio medicinal e medicamentos antivirais.
Sistema ético fracassado

Como chegamos a esse estágio de desequilíbrio ético e revogação moral?

Tivemos quase 75 anos para criar uma democracia para proteger os necessitados e criar oportunidades para pessoas de diferentes castas e classes. Em vez disso, os privilegiados acumularam mais privilégios, e os pobres ficaram mais pobres.

Nas últimas sete décadas, necessidades básicas como saúde de qualidade ficaram confinadas ao setor privado, que atende principalmente aos privilegiados ou aos que têm bons relacionamentos. Quando a pandemia pressionou o setor privado, os ricos e privilegiados exerceram toda a influência possível para beneficiar seus entes queridos, deixando os necessitados à deriva.


Hoje, o homem mais rico da Índia não está disposto a desperdiçar nem mesmo 10% de sua riqueza para ajudar o mesmo país cujo sistema quebrado lhe permitiu ganhar até um quarto do PIB do país. Enquanto isso, celebridades pedem doações de cidadãos de um país onde quase 30% da população vivem abaixo da linha da pobreza.

A pandemia também revelou a grosseira falta de ética de altamente qualificados membros da administração e policiais. Por que a maioria de nossos burocratas é incapaz de administrar o país com eficiência ou responsabilizar políticos mas pode ser encontrada na linha de frente para garantir favores para si e seus filhos?

Há um ditado comum na Índia que diz que, em qualquer coisa que envolva o governo, o processo será lento e os funcionários públicos serão preguiçosos. Isso aconteceu porque construímos um sistema que reduziu os competentes à incompetência.

Um país que deseja se tornar uma economia de 5 trilhões de dólares deve primeiro inspirar confiança em seu sistema antes de estabelecer metas mais ambiciosas.

É hora de os indianos pararem de procurar modelos para escapar de sua realidade e começarem a defender uma reforma real. Temos que aceitar que nossas vidas não serão resolvidas por dinheiro, bons diplomas, imigração para o Ocidente, gurus religiosos ou por nos tornarmos servidores do governo.

Nossa vida neste país é muito maior do que perseguir objetivos superficiais, e é nossa responsabilidade trabalhar coletivamente para o desenvolvimento.

Mas desenvolvimento é um termo pluralista e requer esforço coletivo. O primeiro passo é valorizar nossa estrutura federal e trabalhar para fortalecer nossos governos estaduais.

O centro político, liderado pelo Partido do Povo Indiano (BJP), do premiê indiano, Narendra Modi, existe para facilitar a administração, mas não para se tornar o palco central do vil fanatismo religioso. A política religiosa simplesmente fará mais mal do que bem à Índia, pois vai dividir a nação. O conceito de dividir para governar foi usado pelos britânicos para dividir a Índia em duas religiões, mas não devemos voltar a essa rota se realmente queremos nos livrar de nossa ressaca colonial.

O partido no poder deve estar à frente da curva e se preparar para a próxima onda da pandemia e criar salvaguardas para os necessitados. O primeiro passo nesse processo é não fazer das vacinas, uma necessidade básica, uma reserva dos privilegiados.

É verdade que a Índia precisa ver mudanças, o mais rápido possível. Mas, antes de clamarmos por mudanças, é necessário que enfrentemos essa podridão dentro de nossa ética que vai rasgar o tecido de tudo que vier em seu caminho – até mesmo um novo governo.
Ankita Mukhopadhyay