sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Pensamento do Dia

 


A declaração de amor que não devia ter escrito

Subia todos os dias as escadas de madeira até ao quarto andar. O velho edifício era como um barco. Do topo avistava-se o Tejo e em cada piso remavam tripulações nem sempre articuladas. Vivemos aí muitas tempestades. E, tendo passado antes por outras redações, foi aquela em que primeiro me senti parte de uma grande família disfuncional, com amores e ódios, muitas noitadas, zangas, gritos, gargalhadas e piadas que mais ninguém entendia. É difícil explicar a quem nunca viveu numa redação (porque se vive lá dentro) o que é esta coisa de ser jornalista. Visto de fora, parece insano. E é.

A um jornalista que se preze nunca ninguém precisa de mandar trabalhar. Nunca paramos. Alguma coisa nos agita as antenas e aí vamos nós, lançados, atrás da magia da notícia. É um vício. Às vezes não dá para pagar as contas. E quem está de fora pergunta muitas vezes porque é que insistimos nesta relação tóxica. Mas é difícil sair. Na verdade, sai-se da profissão sem nunca se deixar de ser jornalista. É uma coisa que nos fica colada à pele, um instinto, uma maneira de ver o mundo.

As paixões são incompreensíveis e ridículas. E, por isso, estas linhas não dizem nada a quem não está apaixonado por fazer jornalismo. Soam a uma excentricidade fora de moda, uma arrogância fora de tempo, uma irracionalidade fora de pé. E é mesmo assim. É isso tudo. E é por isso que talvez não devesse tornar pública esta declaração de amor. Os amores segredam-se. Não se gritam.


Talvez não devêssemos deixar que soubessem o quanto amamos esta profissão. “Não é uma profissão, é um ofício”, dizia-me ontem uma camarada (porque é camaradas que somos). E tem razão. Nem sei se não será mais do que um ofício, uma forma de ser. Porque ninguém pode deixar de ser o que é, porque um vício é uma coisa que nos comanda, porque a paixão nos faz pairar acima das coisas comezinhas, tira-nos o sono e a fome. E, afinal, porque é que nos deviam pagar para fazer uma coisa destas? Uma coisa que não conseguimos parar de fazer?

Naquele edifício nau, estive várias vezes à beira do naufrágio. Em todas as redações que se seguiram, cada vez mais encolhidas, cada vez mais vergadas, encontrei o mesmo amor e as mesmas tempestades. A nave vai, mas adornando.

Sim, não devia insistir nesta imagem quixotesca, que nos faz parecer antiquados, obsoletos, desligados do mundo, convencidos de termos sido ungidos por uma força maior. E, sobretudo, incapazes de autocrítica, quando na verdade nos consumimos tantas vezes na frustração e no desespero dos amores que não conseguem ser perfeitos e sucumbem à realidade.

Há nas fábricas operários que resistem quando a empresa ameaça falir. Há amor em quem faz sapatos. Há nas caixas de supermercado quem encontre camaradagem nos colegas de trabalho. Há paixão cega em quem ensina. Há esforço e dedicação em quem trabalha em hospitais, limpa casas, monta janelas e caixilharia. Não há nada de tão especial assim em quem faz jornalismo. O amor só é especial para quem o vive por dentro. Visto de fora, é tão banal.

Os tecnocratas assépticos que desenham folhas de Excel, os que vivem deslumbrados com a magia dos algoritmos e da inteligência artificial, os que não querem saber porque já sabem tudo, os que querem que os outros não saibam nada, os que vivem enrolados dentro seu umbigo, os que deixaram de saber questionar-se, os que seguem a manada, os que perderam a fé na Humanidade e no fundo anseiam ser substituídos por androides sem paixões… Esses não precisam de nós. Espera-os um amanhã feito de verdades alternativas e trevas, com tribos desavindas incapazes de comunicar entre si.

O futuro não tem de ser assim. Nada do que ainda não aconteceu está escrito. Assim tenhamos nós a força e a coragem para resistir, porque a paixão não nos falta.

Nomeados 'pró-Israel' de Trump são os piores dos inimigos

Tragédias estão se abatendo sobre Israel uma após a outra. A próxima iminente ocorrerá em 20 de janeiro, quando Donald Trump tomar posse como presidente. Se o Secretário de Estado, o Secretário de Defesa, o Conselheiro de Segurança Nacional e o embaixador dos EUA em Israel mantiverem suas palavras, os próximos anos significarão desastre para Israel. O próximo período determinará seu destino como um estado de apartheid perene graças a seus amigos ostensivos, que não são mais do que mercadores de sangue, traficantes que aprofundarão o vício de Israel em ocupação, derramamento de sangue e poder.

A chance de o Brasil mostrar ao mundo como salvar a democracia


 Nas próximas semanas, tudo indica que Donald Trump irá dar um indulto aos invasores do Capitólio, enquanto centenas de processos vão ser arquivados. Tudo que existe contra ele por conta de uma suspeita de envolvimento em atos antidemocráticos será abafado. Enquanto isso, grupos extremistas voltam a circular, com um sentimento de revanche.

Vejo ainda como, com recursos públicos, parlamentares brasileiros viajam aos EUA para articular com a extrema direita americana uma aliança para pressionar as instituições brasileiras a partir de falsas narrativas e manipulações.

Mas a realidade é que o Brasil tem agora uma oportunidade única: mostrar ao mundo como se socorre uma democracia, depois de tentativas de golpe, mortes, mentirosos no poder que se passam por colunistas de jornais e uma operação de desinformação sem precedentes.

Mas, para isso, só existe um caminho: a rejeição a qualquer ideia de anistia.

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro abriu aquela esperança típica dos sonhadores de que isso significará o fim da sua carreira política, usada como plataforma para interesses pessoais. Mas isso não basta, ainda que possa ser uma decisão importante para a saúde das instituições nacionais.

Eu, particularmente, vou cobrar três outros destinos para nossa história: verdade, memória e justiça.

Quero a verdade, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Verdade, a tradução da capacidade de a população saber o que de fato ocorreu enquanto um grupo usou o poder para se apoderar de instituições de estado. O que de fato foi considerado quando foram tomadas decisões que resultaram na morte de pessoas durante a pandemia. O que estava em jogo quando, debochando do sofrimento de milhões de pessoas, buscava-se apenas a reeleição.

Trata-se do direito à integridade de uma pessoa, a saber o que ocorreu diante da angústia instalada. Num cenário pós-guerra, as famílias querem a verdade sobre o destino dos corpos de seus filhos, quem disparou a bala, por qual ideal padeceram.

No Brasil, exigimos saber por qual motivo vidas foram criminosamente abreviadas.

Mas também qual era o objetivo quando a democracia foi estilhaçada no planalto central em 8 de janeiro de 2023. Nesta semana, os ecos daquelas bombas ainda soaram pela capital e num sinal de que o desafio não foi superado.

Quero também preservar a memória, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Para que as próximas gerações saibam exatamente o que ocorreu no Brasil entre 2019 e 2023, para que os livros de história tragam o isolamento que se estabeleceu para o país no mundo e para que cada cova cavada não seja a história de uma inevitabilidade.

Há sete décadas, a Alemanha destina milhões de euros para se desnazificar. Todos os dias. E parte desse trabalho é conduzido nas escolas e na conscientização do que representam as ideias que chegaram ao poder, nos anos 30.

A busca pela memória promove o debate, sem tabus. E, sem atalhos, esse é o caminho para promover uma reconciliação e fechar feridas.

Mas isso tampouco basta.

Precisamos, portanto, de justiça para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Justiça, que Freud chamava de “o primeiro requisito da civilização”, não é erguer um picadeiro para que revanche seja feita. Justiça é, sobretudo, um reconhecimento da existência de vítimas e a proteção do futuro.

A democracia não morre apenas no escuro ou num noite chuvosa.

Ela também morre em plena luz do dia, em publicações obscuras no diário oficial, em invasões de terras, na circulação de um vírus, na propagação do ódio, no uso da mentira como estratégia de poder. E ela morre quando não lidamos com seus detratores e quando a impunidade vence.

Desta vez, a anistia não tem lugar.

Não estamos falando sobre o passado. Mas sobre a construção do futuro.

No dicionário da democracia, os conceitos de memória, verdade e justiça estão todos no mesmo capítulo. Aquele escrito com sangue e que tem como objetivo resgatar sociedades mergulhadas num ciclo de violência, recolocando-as num longo caminho de uma cultura da paz.

Sem Anistia.

Elon Musk, vice-presidente dos EUA

Na ressaca das eleições norte-americanas de 2016, a rede social mais falada foi o Facebook. O mundo acordava para a influência subterrânea que as redes podiam ter nas democracias, especialmente pela forma como a rede de Mark Zuckerberg tinha servido de veículo para interferência russa, ajudando Donald Trump a vencer.

Oito anos depois, não poderíamos estar mais longe desse espanto inicial com que entramos na era da “pós-verdade”. Como escreve Carole Cadwallader, jornalista do The Guardian que desvendou os segredos da Cambridge Analytica, “2016 foi o começo do começo”. Depois disso, algumas redes, como o Facebook, diminuíram a propagação de conteúdos políticos (apagando os “media” pelo caminho), a direita contra-atacou as tentativas de regulação com o argumento da “liberdade de expressão” e o X ergueu-se como o megafone de que Trump precisava para a sua reeleição.

Hoje não é preciso procurar influências encobertas. Elas são completamente visíveis na forma como o proprietário desta rede, Elon Musk, a colocou ao serviço do candidato republicano de que ele é o primeiro arauto. Só entre os dias 5 e 7 de novembro, fez mais de 400 publicações saudando a sua vitória e dando indicações sobre o futuro. Doou para a campanha pelo menos 119 milhões de dólares e transformou a própria eleição numa loteria, oferecendo um milhão por dia aos eleitores que aderissem a alguns princípios do ideário de Trump.


Não é possível deixar de olhar com algum cinismo a ideia de que Trump vence ao dar voz aos desapossados pelas elites, quando o homem mais rico do mundo se ergue como um dos seus mais poderosos aliados e, quem sabe, um dos seus principais conselheiros.

Também não vale a pena assumir a posição de virgem ofendida quando sabemos que os ricos e poderosos sempre procuraram influenciar em seu proveito os caminhos da política. Agora, foi só mais descarado e com novas e mais influentes ferramentas. Um dia após a vitória de Trump, graças à subida das acções da Tesla, Musk adicionou quase 20 mil milhões de dólares à sua fortuna. Seja por contratos federais que esperará ganhar, seja graças à desregulação que quer ver em vários sectores onde tem interesses, Musk irá ter muitos mais milhões a arrecadar.

O que vale mesmo a pena sublinhar é que não será só Trump a ser imitado em todo o mundo. Com Musk, abriu-se uma nova era para a capacidade que os super-ricos têm para influenciar os destinos da política e da sociedade. As democracias que se cuidem.
David Pontes

À espera da última pá de cal na cova do bolsonarismo extremo

O bolsonarismo mata! E no limite, é capaz de matar-se para alcançar seus fins. Ainda não se sabe se Francisco Wanderley Luiz, autor das explosões na noite do 13/11 em Brasília, apenas tentou matar o ministro Alexandre de Moraes como planejara, e uma vez impedido, suicidou-se. Saberemos no decorrer das investigações.


Mas isso não fará diferença. Importa que o que ele fez comprovou que a semente do ódio plantada pelo bolsonarismo, e regada pelo jardineiro-mor, segue viva graças, em parte, à lentidão da justiça. Ela agiu com rapidez para punir os bagrinhos do golpe fracassado do 8/1; quanto aos peixões, sequer foram denunciados até hoje.

Foi bonita a festa, e ilusória. Deu-se a democracia como salva, exaltando-se a solidez das instituições. Os chefes dos três Poderes desfilaram de mãos dadas para celebrar a vitória robusta do bem contra o mal. Golpe nunca mais! Os culpados serão condenados e presos, e a paz restabelecida. Então, bola pra frente.


Vê-se que por um breve período não mais se falou que a democracia é uma planta frágil que precisa ser regada o tempo inteiro; e que o golpismo não morreu, jamais morrerá em lugar algum como meio de se conquistar o poder, muito menos em terras em que se plantando tudo dá e viceja com exuberância.

Foram quatro anos de pregação quase diária a favor do uso velado ou acintoso da força como solução para os problemas do país. Nem os generais-presidentes do ciclo de 64 ousaram chegar a tanto; quando nada, preservaram certos ritos da democracia suspensa para que a ditadura não fosse chamada pelo seu próprio nome.

O ato protagonizado por Francisco Wanderlei Luiz de tentar incendiar o prédio do Supremo Tribunal Federal se encaixa perfeitamente na série de episódios violentos que precederam o 8/1. A saber:

* a depredação por bolsonaristas da sede da Polícia Federal em Brasília na noite da diplomação de Lula como presidente;

* na mesma noite, a queima de ônibus no centro de Brasília;

* e na véspera do Natal de 2022, a bomba afixada num caminhão de combustível para explodir uma ala do aeroporto de Brasília.

Ao meu sentir, o que disseram, ontem, os ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foi a penúltima pá de cal jogada na cova onde será enterrada a pretensão de Bolsonaro de ser anistiado para poder se candidatar novamente em 2026.

A última pá de cal será jogada pela maioria dos ministros do tribunal quando julgar e condenar em definitivo Bolsonaro à pena máxima pelo crime de atentar contra o Estado Democrático de Direito. Não há crime mais grave. Que não se demore a virar a página. O país está cansado.