domingo, 18 de abril de 2021
Vivendo com a tragédia
"Uma única morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística". A frase, ou uma de suas variantes, é normalmente atribuída a Stálin, mas não há registro confiável de que ele tenha dito algo parecido. Qualquer que seja o autor da máxima, ela revela de forma criativa uma das mais fascinantes características da psique humana, a habituação.
Tecnicamente, a habituação pode ser definida como uma forma de aprendizado e é caracterizada pela diminuição da intensidade com que respondemos a um estímulo à medida que a exposição se repete ou se prolonga. No plano valorativo, a habituação é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.
O lado positivo é bem evidente: é a habituação que permite que nos ajustemos a mudanças e sigamos em frente. Se entramos num ambiente em que há um cheiro muito penetrante ou um barulho muito alto, nós inicialmente nos incomodamos. Mas, à medida que a exposição continua e não desencadeia nenhuma emergência, nossa resposta a esses estímulos vai se tornando paulatinamente mais fraca. A ideia é que, se não há nenhuma ameaça, devemos liberar recursos mentais para nos ocupar com outras coisas. É por isso que ela entra na categoria aprendizado.
Obviamente, a habituação opera não só sobre estímulos sensoriais básicos, como cheiros e ruídos, mas também sobre situações mais complexas. Seres humanos se acostumam tanto com o campo de concentração como com uma vida de luxos.
O lado menos brilhante da habituação é que ela normaliza aquilo que, no plano moral, não deveria ser normalizado. É o que está acontecendo agora no Brasil com a epidemia de Covid-19. Estamos há tanto tempo lendo sobre o aumento de mortes e vendo imagens dos congestionamentos de caixões que a carnificina por que estamos passando já não desencadeia em nós a reação adequada, que seria a de exigir dos governantes medidas efetivas e imediatas para minorar a crise.
Tecnicamente, a habituação pode ser definida como uma forma de aprendizado e é caracterizada pela diminuição da intensidade com que respondemos a um estímulo à medida que a exposição se repete ou se prolonga. No plano valorativo, a habituação é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.
O lado positivo é bem evidente: é a habituação que permite que nos ajustemos a mudanças e sigamos em frente. Se entramos num ambiente em que há um cheiro muito penetrante ou um barulho muito alto, nós inicialmente nos incomodamos. Mas, à medida que a exposição continua e não desencadeia nenhuma emergência, nossa resposta a esses estímulos vai se tornando paulatinamente mais fraca. A ideia é que, se não há nenhuma ameaça, devemos liberar recursos mentais para nos ocupar com outras coisas. É por isso que ela entra na categoria aprendizado.
Obviamente, a habituação opera não só sobre estímulos sensoriais básicos, como cheiros e ruídos, mas também sobre situações mais complexas. Seres humanos se acostumam tanto com o campo de concentração como com uma vida de luxos.
O lado menos brilhante da habituação é que ela normaliza aquilo que, no plano moral, não deveria ser normalizado. É o que está acontecendo agora no Brasil com a epidemia de Covid-19. Estamos há tanto tempo lendo sobre o aumento de mortes e vendo imagens dos congestionamentos de caixões que a carnificina por que estamos passando já não desencadeia em nós a reação adequada, que seria a de exigir dos governantes medidas efetivas e imediatas para minorar a crise.
Emparedado
No fundo, como somos meros locatários da casa da História, convém pelo menos tentarmos perceber o presente. Fácil não é. Individualmente, o que cada um ouve e vê depende em grande parte do seu assentamento na vida, do tipo de ser humano que decidiu ser. No “Livro do desassossego”, Fernando Pessoa já apontava para a tirania superior que nos obriga a continuar caminhando mesmo sem saber o que nossa incerteza vai encontrar. Talvez por isso tantos se mantêm fincados no mesmo lugar, entrincheirados nas mesmas ideias, à espera do sinal verde da certeza.
Por ter em mãos um Brasil sem rumo nem norte, o presidente Jair Bolsonaro teima em esperar por certezas fugidias. Godot não virá, podes crer. Ultimamente, ele tenta se mostrar aprumado, só que o chão de Brasília se mostra cada vez mais movediço. O capitão dá a impressão de falar para o próprio espelho quando anuncia que “o Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”. Na quarta-feira, falando a apoiadores de plantão no Alvorada, ele estava particularmente irritadiço, impaciente com “a fome, a miséria, o desemprego [que] estão aí. Só não vê quem não quer ou quem não está na rua... E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar”.
Bolsonaro estava de terno e gravata. A rua com que comunga sem máscara não espelha o Brasil real dos que precisam trabalhar na Covid-19. E o povo que ele diz querer ouvir está perdendo a força de gritar — precisa economizar o fôlego para continuar vivo.
Levantamento encomendado à Lagom Data com exclusividade pelo jornal “El País Brasil” mostra o alto custo pago pelos trabalhadores formais dos setores considerados essenciais, que, portanto, não puderam parar em tempos de pandemia. Dados pinçados no Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para o primeiro bimestre de 2021, quando comparados a janeiro e fevereiro de 2020, revelam uma disparada de óbitos entre frentistas de posto de gasolina (68%), caixas de supermercado (67%), motoristas de ônibus (62%), vigilantes (59%). Sem falar no salto de contratos de trabalho encerrados por morte entre os profissionais da saúde, do ensino e da construção civil.
Levantamento semelhante, com foco na Região Metropolitana de Curitiba e publicado no jornal “Plural”, revelou um aumento de 225% nas mortes de faxineiras, vigilantes, porteiros, motoristas e cobradores do transporte público, além de sete outras profissões que não puderam parar na capital paranaense.
Os dois estudos abrangem somente o trabalho formal no país. Apesar de sujeito à redução salarial, cruel espaçamento do auxílio emergencial e condenado à exposição no transporte público superlotado, é uma mão de obra invejada pela massa dos sem- registro. Somente quando começarem a emergir estudos sobre a razia no Brasil informal, teremos o quadro completo do abandono nacional.
Só na Bahia, revela o “Correio”, de Salvador, ao abrir uma fresta no emparedamento físico e financeiro a que tantas empregadas domésticas são submetidas durante a pandemia, 28 pedidos de socorro estão anotados num registro do sindicato da categoria. Foram proibidas pelos patrões de voltar para suas casas enquanto a peste durar. Difícil saber quantas outras, Brasil afora, sequer ousam pedir ajuda externa. Uma delas, entrevistada pela repórter Fernanda Santana, contou ter ficado sem ver a família por quase um ano, sem folga nem pagamento extra, cuidando de duas crianças, da limpeza e da cozinha. Seus patrões lhe impuseram um lockdown privado. por medo de ser contaminados caso ela fosse infectada no bairro onde mora, ou no ir e vir coletivo. Recebia R$ 1.500 por mês. Não aguentou e pediu demissão em fevereiro, sem receber direitos trabalhistas.
Não ocorreu aos patrões fornecer-lhe máscaras de qualidade, álcool gel, transporte individual por aplicativo, fazer algum acordo de benefício mútuo. Sairia caro demais. Tampouco lhes ocorreu ficar sem empregada. Mais fácil mantê-la sem sair — afinal, “ela era da família”, “estavam apenas ajudando”. Segundo o IBGE, depois do comércio, o emprego doméstico é o segundo mais afetado pela perda de empregos na pandemia e, de longa data, o mais propício a abusos de memória escravagista por parte das classes média e alta.
Toda geração procura dar uma arrumada geral na mobília do passado para melhor acomodar suas ansiedades presentes. É da gloriosa atriz Mary Astor, de “O falcão maltês”, a opinião de que uma pessoa sem memória ou é uma criança ou é amnésico, e de que todo país sem memória ou não cresceu ou é amnésico — mas tampouco é um país.
Jair Bolsonaro não tem memória, não está capacitado a entender a História, muito menos de encarar o presente. Convém não deixar o futuro do país sem futuro em suas mãos.
Por ter em mãos um Brasil sem rumo nem norte, o presidente Jair Bolsonaro teima em esperar por certezas fugidias. Godot não virá, podes crer. Ultimamente, ele tenta se mostrar aprumado, só que o chão de Brasília se mostra cada vez mais movediço. O capitão dá a impressão de falar para o próprio espelho quando anuncia que “o Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”. Na quarta-feira, falando a apoiadores de plantão no Alvorada, ele estava particularmente irritadiço, impaciente com “a fome, a miséria, o desemprego [que] estão aí. Só não vê quem não quer ou quem não está na rua... E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar”.
Bolsonaro estava de terno e gravata. A rua com que comunga sem máscara não espelha o Brasil real dos que precisam trabalhar na Covid-19. E o povo que ele diz querer ouvir está perdendo a força de gritar — precisa economizar o fôlego para continuar vivo.
Levantamento encomendado à Lagom Data com exclusividade pelo jornal “El País Brasil” mostra o alto custo pago pelos trabalhadores formais dos setores considerados essenciais, que, portanto, não puderam parar em tempos de pandemia. Dados pinçados no Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para o primeiro bimestre de 2021, quando comparados a janeiro e fevereiro de 2020, revelam uma disparada de óbitos entre frentistas de posto de gasolina (68%), caixas de supermercado (67%), motoristas de ônibus (62%), vigilantes (59%). Sem falar no salto de contratos de trabalho encerrados por morte entre os profissionais da saúde, do ensino e da construção civil.
Levantamento semelhante, com foco na Região Metropolitana de Curitiba e publicado no jornal “Plural”, revelou um aumento de 225% nas mortes de faxineiras, vigilantes, porteiros, motoristas e cobradores do transporte público, além de sete outras profissões que não puderam parar na capital paranaense.
Os dois estudos abrangem somente o trabalho formal no país. Apesar de sujeito à redução salarial, cruel espaçamento do auxílio emergencial e condenado à exposição no transporte público superlotado, é uma mão de obra invejada pela massa dos sem- registro. Somente quando começarem a emergir estudos sobre a razia no Brasil informal, teremos o quadro completo do abandono nacional.
Só na Bahia, revela o “Correio”, de Salvador, ao abrir uma fresta no emparedamento físico e financeiro a que tantas empregadas domésticas são submetidas durante a pandemia, 28 pedidos de socorro estão anotados num registro do sindicato da categoria. Foram proibidas pelos patrões de voltar para suas casas enquanto a peste durar. Difícil saber quantas outras, Brasil afora, sequer ousam pedir ajuda externa. Uma delas, entrevistada pela repórter Fernanda Santana, contou ter ficado sem ver a família por quase um ano, sem folga nem pagamento extra, cuidando de duas crianças, da limpeza e da cozinha. Seus patrões lhe impuseram um lockdown privado. por medo de ser contaminados caso ela fosse infectada no bairro onde mora, ou no ir e vir coletivo. Recebia R$ 1.500 por mês. Não aguentou e pediu demissão em fevereiro, sem receber direitos trabalhistas.
Não ocorreu aos patrões fornecer-lhe máscaras de qualidade, álcool gel, transporte individual por aplicativo, fazer algum acordo de benefício mútuo. Sairia caro demais. Tampouco lhes ocorreu ficar sem empregada. Mais fácil mantê-la sem sair — afinal, “ela era da família”, “estavam apenas ajudando”. Segundo o IBGE, depois do comércio, o emprego doméstico é o segundo mais afetado pela perda de empregos na pandemia e, de longa data, o mais propício a abusos de memória escravagista por parte das classes média e alta.
Toda geração procura dar uma arrumada geral na mobília do passado para melhor acomodar suas ansiedades presentes. É da gloriosa atriz Mary Astor, de “O falcão maltês”, a opinião de que uma pessoa sem memória ou é uma criança ou é amnésico, e de que todo país sem memória ou não cresceu ou é amnésico — mas tampouco é um país.
Jair Bolsonaro não tem memória, não está capacitado a entender a História, muito menos de encarar o presente. Convém não deixar o futuro do país sem futuro em suas mãos.
Não há eleitores no Brasil
“Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos”, diz Carlos Drummond de Andrade, no poema Nosso tempo, do livro A Rosa do Povo (1945), seu volume mais político. O que valia em 1945 vale ainda hoje, desafortunadamente. Vivemos um tempo de partidos, de homens e mulheres partidas. A poesia política de então nos ajuda a entender o que somos em “nosso tempo”.
Para compreender o Brasil político, é preciso analisar duas de nossas manifestações culturais mais emblemáticas. O futebol e o carnaval. Somos, em boa medida, decorrências tragicômicas destes elementos identitários.
No futebol, a maioria de nós tem um time. Criticamos erros dele, mas o colocamos como a instituição mais sagrada da pátria amada Brasil. A cada jogo, entre alegrias e tristezas, estamos ao lado de nossa equipe. Gritamos, xingamos, vibramos, soltamos rojões, usamos a camisa de nosso time, se ele for vencedor, e odiamos todos os demais, principalmente um em especial, eleito como responsável por todos os insucessos do nosso. Daí surgem as grandes rivalidades. A da moda: Flamengo versus Palmeira no campeonato nacional. Mas poderia ser Grêmio versus Internacional, no Rio Grande do Sul; Flamengo versus Fluminense, no Rio etc.
Perguntei a um amigo por qual razão ia ao estádio se não torcia para um time específico.
“Para xingar o juiz”, ele me respondeu.
Ou seja, pelo futebol, exorcizamos nossas frustrações mais recônditas. O importante é ter alguém para chamar de inimigo. Isso nos alivia de nossas tensões e nos deixa amortecidos em relação aos nossos próprios erros.
Chegamos então ao primeiro princípio do que é ser brasileiro.
É preciso torcer para algum time e odiar outros, ou no mínimo xingar os juízes.
Nossa outra instituição é o Carnaval. Travestir-se, criar enredos, mitificar uma lenda qualquer, enfim, ter uma forma de epifania que nos tire de nosso cotidiano anódino é uma maneira de manter a crença na vida. Somos um país carnavalesco, que transforma sofrimento em festa, em celebração da existência – e isso tem seu lado curativo. Mas também tem seu lado negativo por nos afastar de qualquer compromisso sério, afetando nossa postura nas horas mais graves. No poema Cabo Machado, de Mário de Andrade, de O Losango Cáqui (1926), esta contaminação carnavalesca atinge até a caserna: “Cabo Machado marchando / é muito pouco marcial. / Cabo Machado é dançarino, sincopado, / marcha vem-cá-mulata”. Esta sensualidade é definida pelo poeta como “bandeira nacional”.
Vamos então para o segundo princípio de nossa condição.
Transformamos tudo em festividade.
O leitor deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com o título deste artigo.
Presos a estas duas marcas de nossa identidade, não discutimos política, não avaliamos projetos de país, não ouvimos especialistas, desperdiçamos nossas melhores mentes. Apenas torcemos para o time A ou para o time B e colocamos toda a nossa energia neste esforço e toda nossa crença para fazer com que ele seja o vencedor do jogo. Há, é claro, os isentões que se contentam em ofender a mãe do juiz, o que não deixa de ser uma forma de tomar partido.
Não existem, portanto, eleições no Brasil, essa alegre ficção democrática. Existe torcida organizada, para este ou aquele partido. E quando saímos às ruas, nos protestos, que são duros em outras democracias, aqui acabamos em manifestações dançarinas, sincopadas, com blocos alegres, fantasiados, como se desfilando. Quais as consequências práticas de nossas manifestações carnavalescas diante de situações gravíssimas?
Estas performances pouco efeito produzem como mudança política e servem mais pela plasticidade jornalística que propiciam. E as eleições, longe de serem atos conscientes de escolha de propostas exequíveis de gestão, são manifestações de torcidas organizadas em prol de nosso time, de nossa escola de samba, de nosso partido.
Para compreender o Brasil político, é preciso analisar duas de nossas manifestações culturais mais emblemáticas. O futebol e o carnaval. Somos, em boa medida, decorrências tragicômicas destes elementos identitários.
No futebol, a maioria de nós tem um time. Criticamos erros dele, mas o colocamos como a instituição mais sagrada da pátria amada Brasil. A cada jogo, entre alegrias e tristezas, estamos ao lado de nossa equipe. Gritamos, xingamos, vibramos, soltamos rojões, usamos a camisa de nosso time, se ele for vencedor, e odiamos todos os demais, principalmente um em especial, eleito como responsável por todos os insucessos do nosso. Daí surgem as grandes rivalidades. A da moda: Flamengo versus Palmeira no campeonato nacional. Mas poderia ser Grêmio versus Internacional, no Rio Grande do Sul; Flamengo versus Fluminense, no Rio etc.
Perguntei a um amigo por qual razão ia ao estádio se não torcia para um time específico.
“Para xingar o juiz”, ele me respondeu.
Ou seja, pelo futebol, exorcizamos nossas frustrações mais recônditas. O importante é ter alguém para chamar de inimigo. Isso nos alivia de nossas tensões e nos deixa amortecidos em relação aos nossos próprios erros.
Chegamos então ao primeiro princípio do que é ser brasileiro.
É preciso torcer para algum time e odiar outros, ou no mínimo xingar os juízes.
Nossa outra instituição é o Carnaval. Travestir-se, criar enredos, mitificar uma lenda qualquer, enfim, ter uma forma de epifania que nos tire de nosso cotidiano anódino é uma maneira de manter a crença na vida. Somos um país carnavalesco, que transforma sofrimento em festa, em celebração da existência – e isso tem seu lado curativo. Mas também tem seu lado negativo por nos afastar de qualquer compromisso sério, afetando nossa postura nas horas mais graves. No poema Cabo Machado, de Mário de Andrade, de O Losango Cáqui (1926), esta contaminação carnavalesca atinge até a caserna: “Cabo Machado marchando / é muito pouco marcial. / Cabo Machado é dançarino, sincopado, / marcha vem-cá-mulata”. Esta sensualidade é definida pelo poeta como “bandeira nacional”.
Vamos então para o segundo princípio de nossa condição.
Transformamos tudo em festividade.
O leitor deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com o título deste artigo.
Presos a estas duas marcas de nossa identidade, não discutimos política, não avaliamos projetos de país, não ouvimos especialistas, desperdiçamos nossas melhores mentes. Apenas torcemos para o time A ou para o time B e colocamos toda a nossa energia neste esforço e toda nossa crença para fazer com que ele seja o vencedor do jogo. Há, é claro, os isentões que se contentam em ofender a mãe do juiz, o que não deixa de ser uma forma de tomar partido.
Não existem, portanto, eleições no Brasil, essa alegre ficção democrática. Existe torcida organizada, para este ou aquele partido. E quando saímos às ruas, nos protestos, que são duros em outras democracias, aqui acabamos em manifestações dançarinas, sincopadas, com blocos alegres, fantasiados, como se desfilando. Quais as consequências práticas de nossas manifestações carnavalescas diante de situações gravíssimas?
Estas performances pouco efeito produzem como mudança política e servem mais pela plasticidade jornalística que propiciam. E as eleições, longe de serem atos conscientes de escolha de propostas exequíveis de gestão, são manifestações de torcidas organizadas em prol de nosso time, de nossa escola de samba, de nosso partido.
A semente do mal
“... do mal será queimada a semente/
e o amor será eterno novamente”
Nelson Cavaquinho, "Juízo Final"
Para o poeta Manuel Bandeira, o verso “tu pisavas nos astros distraída”, de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas, é o mais bonito da língua portuguesa. Sem pretender contestar sua avaliação, atrevo-me a pôr o verso de Nelson Cavaquinho mais ou menos no mesmo plano.
A grande diferença é que o verso de Orestes e Sílvio é estritamente lírico; o de Nelson Cavaquinho pode ser lido em qualquer plano, inclusive no social e no político. É essa a linha que tentarei desenvolver neste artigo. Quais são, no momento, os males que precisamos queimar para que o amor de todos em relação a todos possa prevalecer pelo menos como aspiração?
A indagação, como se vê, já traz implícita uma afirmação: a quadra em que nos encontramos não é a do bem. É a do mal.
Começa pela pandemia, sobre a qual poderíamos ter feito muito mais, mas que, estritamente falando, não decorre da maldade que todos temos na alma.
Suponhamos, então, que sejamos capazes de vencer a pandemia em mais alguns meses. A partir daí, qual ou quais males deveremos combater com todas as nossas forças? A estagnação econômica, sem dúvida; a desigualdade de renda e riqueza; os milhões de crianças que mal e mal conseguimos tirar das trevas do analfabetismo. Tudo isso é certo.
Arrisco-me, entretanto, a afirmar que não iremos muito longe se antes não compreendermos o que vem acontecendo no plano das instituições e da política. O mal, como esclareceu Thomas Hobbes (1651), é antes de tudo “a guerra de todos contra todos”, e não há como queimá-la senão construindo e respeitando a institucionalidade política. O homem é o lobo do homem.
Não por acaso, a tradução mais expressiva do verbo latino rebellare é a que surge como nos séculos 17-18, com a doutrina contratualista. Fazendo contraponto com rebelar-se, pegar em armas contra o governo, acepções mais estreitas, os contratualistas passaram a entender rebellare em seu sentido mais literal: “voltar ao estado de guerra”. O contrato social, geralmente codificado em Constituições, estabelece os termos mediante os quais os homens se poriam ao abrigo de instituições de governo, com a condição de que estas também respeitem e cumpram o pacto.
O “amor”, ou pelo menos a paz, o respeito mútuo e a civilidade, permanece como aspiração na medida em que essa condição for observada; se não o for, cedo ou tarde sobrevirão a anarquia, o caos e a guerra civil. A recaída no estado de guerra poderia ser causada por qualquer um dos principais grupos ou instituições que compõem a sociedade, em especial por um governo tirânico, ou por súditos que se recusassem a reconhecer a legitimidade de um governo que fizesse por merecê-la.
Deixando para trás a argumentação abstrata, cumpre-nos, pois, indagar onde, no Brasil de hoje, estão as sementes do mal. Há multidões armadas ocupando as ruas e praças, atacando autoridades, destruindo propriedades e patrimônios? Não, não há. E, no entanto, nenhum cidadão na plenitude de suas faculdades mentais dirá que estamos em paz, convivendo e colaborando uns com os outros como devemos.
É certo que nem todos os males decorrem da ação ou omissão dos atuais titulares das mais altas esferas institucionais. Alguns deles foram em mau momento insculpidos no próprio texto constitucional de 1988, o melhor exemplo sendo, sem dúvida, o inciso LVII do artigo 5.º: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Salta aos olhos que esse dispositivo estabelece que nossa sociedade será regida por duas justiças, uma para os ricos e outra para os pobres. Os que dispuserem de meios para remunerar advogados caros podem protelar indefinidamente, até a prescrição, os processos em que forem enquadrados. Os que não dispuserem caem na categoria dos três pês (pobres, pretos e putas), cujo destino é se amontoarem em masmorras sub-humanas, não raro se entrematando ou se decapitando uns aos outros. Temos como mudar isso? Sim, convocando outra assembleia constituinte, dado que tal alteração exigiria a convocação de outro poder constituinte originário.
A antípoda do trânsito em julgado é a conduta do atual presidente da República, e não só em conexão com o combate à pandemia de covid-19. Nesse particular, o presidente Bolsonaro já defendeu todas as posições concebíveis, como que fazendo questão de demonstrar não só sua insensibilidade social, mas também seu desprezo pela lógica. Contrapondo-se de forma flagrante ao que a Constituição estabelece no tocante à competência da União, dos Estados e municípios, Sua Excelência sabota as ações dos agentes de saúde, movido não só por um instinto semelhante ao de Iago no Otelo de Shakespeare, mas também com o objetivo, claramente, de se manter bem visível no meio do pandemônio da pandemia. A liturgia do cargo, a obrigação de se pôr como símbolo e exemplo para as demais instituições e para a sociedade não parecem passar-lhe pela cabeça.
Bolsonaro em seu turbilhão
Jair Bolsonaro parece estar enfrentando uma tempestade perfeita. Mas não falta quem pondere que o presidente está só colhendo as incontáveis ventanias que plantou. E o espantoso é que, não obstante suas múltiplas agruras, Bolsonaro continua pronto a ampliar o tamanho de cada nova crise com que vem tendo de lidar.
O Planalto converteu-se numa máquina de turbilhonamento do governo e de suas relações com o Congresso, o Judiciário e a sociedade como um todo. E, é claro, de agravamento do clima de alta incerteza em que já vem operando a economia.
O que se vê é um quadro de preocupante esgarçamento do governo. E como, da perspectiva do Planalto, tudo parece estar dando errado ao mesmo tempo, o presidente mostra-se a cada dia mais desarvorado, propenso a se afogar em todas as poças.
De crise em crise, Bolsonaro escancara seu despreparo para lidar com um mínimo de serenidade e racionalidade com os complexos desafios que está fadado a enfrentar até o final do mandato.
O avassalador recrudescimento da pandemia tirou o governo do prumo. Com o país prestes a ultrapassar o macabro limiar de 400 mil mortes, até o início de maio, o presidente tem perfeita consciência de que, mais cedo ou mais tarde, será chamado a prestar conta dos inacreditáveis desmandos que se permitiu cometer desde o início da pandemia.
O episódio da instalação da CPI no Senado deixou mais do que claro quão precária era a suposta blindagem, no Congresso, com que o Planalto contava para se esquivar dos riscos dessa responsabilização.
Rodrigo Pacheco procrastinou enquanto pôde a criação da CPI da pandemia, mas não teve como evitar que, na esteira do clamor da opinião pública com a devastação da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinasse a instalação da CPI que, há muito, vinha sendo demandada por quase 40% dos senadores.
Diante de desfecho tão adverso, o governo poderia ter feito uso de vasto leque de manobras, mais do que conhecidas, para conter os danos da CPI, tirar-lhe o foco e conspirar contra sua eficácia. Mas, em consonância com a forma destrambelhada com que se vem comportando, Bolsonaro preferiu confrontar o STF.
E desgastar-se, a não mais poder, com a divulgação de uma conversa telefônica com um senador da República, em que tramava, em represália pela criação da CPI, nada menos que o impeachment de ministros do Supremo.
Não é de hoje que o Planalto vem tendo dificuldade para conter sua crescente irritação com o STF. A CPI foi apenas a última palha. Sem ir mais longe, basta lembrar as derrotas que lhe foram impostas pelo tribunal na disputa sobre a competência de estados e municípios no combate à pandemia, na questão da extensão das medidas de lockdown a templos religiosos e, mais recentemente, na suspensão de parte da liberalização de acesso a armas, feita por decreto presidencial.
Para não falar de derrotas políticas indiretas de grande importância, como a que adveio da anulação das condenações do ex-presidente Lula.
Tendo em conta a escalada da tensão entre o Planalto e o STF, o que hoje se teme é que a sabatina, no Senado, do nome que deverá ser indicado para preencher a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, em julho, se dê em clima já um tanto conflagrado.
O processo de esgarçamento do governo vem-se fazendo sentir de forma especialmente acentuada na condução da política fiscal. Só tendo conseguido tramitar o Orçamento de 2021 no final de março, o governo logo se deu conta de que a peça orçamentária aprovada pelo Congresso não poderia ser sancionada pelo Planalto, sem que o presidente ficasse exposto a ser acusado de ter cometido crime fiscal.
Nesse imbróglio, não houve quem tenha saído bem na foto. Nem o Congresso, nem o Planalto nem o Ministério de Economia. E em meio ao jogo de empurra e discussões de soluções estapafúrdias, o impasse continua, abril adentro. Não é bem o que se deveria esperar das autoridades responsáveis pela gestão de um quadro fiscal tão precário como o que hoje enfrenta o país.
O Planalto converteu-se numa máquina de turbilhonamento do governo e de suas relações com o Congresso, o Judiciário e a sociedade como um todo. E, é claro, de agravamento do clima de alta incerteza em que já vem operando a economia.
O que se vê é um quadro de preocupante esgarçamento do governo. E como, da perspectiva do Planalto, tudo parece estar dando errado ao mesmo tempo, o presidente mostra-se a cada dia mais desarvorado, propenso a se afogar em todas as poças.
De crise em crise, Bolsonaro escancara seu despreparo para lidar com um mínimo de serenidade e racionalidade com os complexos desafios que está fadado a enfrentar até o final do mandato.
O avassalador recrudescimento da pandemia tirou o governo do prumo. Com o país prestes a ultrapassar o macabro limiar de 400 mil mortes, até o início de maio, o presidente tem perfeita consciência de que, mais cedo ou mais tarde, será chamado a prestar conta dos inacreditáveis desmandos que se permitiu cometer desde o início da pandemia.
O episódio da instalação da CPI no Senado deixou mais do que claro quão precária era a suposta blindagem, no Congresso, com que o Planalto contava para se esquivar dos riscos dessa responsabilização.
Rodrigo Pacheco procrastinou enquanto pôde a criação da CPI da pandemia, mas não teve como evitar que, na esteira do clamor da opinião pública com a devastação da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinasse a instalação da CPI que, há muito, vinha sendo demandada por quase 40% dos senadores.
Diante de desfecho tão adverso, o governo poderia ter feito uso de vasto leque de manobras, mais do que conhecidas, para conter os danos da CPI, tirar-lhe o foco e conspirar contra sua eficácia. Mas, em consonância com a forma destrambelhada com que se vem comportando, Bolsonaro preferiu confrontar o STF.
E desgastar-se, a não mais poder, com a divulgação de uma conversa telefônica com um senador da República, em que tramava, em represália pela criação da CPI, nada menos que o impeachment de ministros do Supremo.
Não é de hoje que o Planalto vem tendo dificuldade para conter sua crescente irritação com o STF. A CPI foi apenas a última palha. Sem ir mais longe, basta lembrar as derrotas que lhe foram impostas pelo tribunal na disputa sobre a competência de estados e municípios no combate à pandemia, na questão da extensão das medidas de lockdown a templos religiosos e, mais recentemente, na suspensão de parte da liberalização de acesso a armas, feita por decreto presidencial.
Para não falar de derrotas políticas indiretas de grande importância, como a que adveio da anulação das condenações do ex-presidente Lula.
Tendo em conta a escalada da tensão entre o Planalto e o STF, o que hoje se teme é que a sabatina, no Senado, do nome que deverá ser indicado para preencher a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, em julho, se dê em clima já um tanto conflagrado.
O processo de esgarçamento do governo vem-se fazendo sentir de forma especialmente acentuada na condução da política fiscal. Só tendo conseguido tramitar o Orçamento de 2021 no final de março, o governo logo se deu conta de que a peça orçamentária aprovada pelo Congresso não poderia ser sancionada pelo Planalto, sem que o presidente ficasse exposto a ser acusado de ter cometido crime fiscal.
Nesse imbróglio, não houve quem tenha saído bem na foto. Nem o Congresso, nem o Planalto nem o Ministério de Economia. E em meio ao jogo de empurra e discussões de soluções estapafúrdias, o impasse continua, abril adentro. Não é bem o que se deveria esperar das autoridades responsáveis pela gestão de um quadro fiscal tão precário como o que hoje enfrenta o país.
Covid-19
Morrer na atualidadenão requer nemprática nem habilidadevenha entre na filapegue a senhavenha já venha logo venhanão perca a oportunidade.Raul Drewnick
68 cabras mortas e o mundo em que vivemos
Dário encostou-se a uma rocha alta para se proteger da chuva que começava a cair. Conversava pelo celular com um amigo, quando se deu conta de que duas das cabras do seu rebanho avançavam aos tombos. “Estão duas cabras a tremelicar”, comentou o experiente pastor, de 52 anos, com o amigo. Então olhou para trás, e o que viu deixou-o mudo de espanto e de terror: “Estavam todas mortas!”, contou mais tarde a um jornalista.
Encontrei a história acima nas páginas de diversos jornais portugueses. Recortei-a e coloquei-a na pasta das “realidades imperdoáveis”. O episódio ocorreu no dia 2 de abril, em Arco de Valdevez, no norte de Portugal. É o tipo de história que um escritor sensato nunca colocaria num romance, temeroso de quebrar o pacto de verossimilhança com o leitor e, sobretudo, de irritar os críticos que odeiam o “realismo mágico” (todos odeiam). Até já ouço os críticos: “corte lá umas sessenta cabras, pelo amor de Deus!”
Todas também não. Das 350 cabras do rebanho, 68 morreram de repente, sem nenhuma lesão exterior. Os veterinários consultados acreditam que as 68 cabras foram fulminadas no mesmo instante por um único raio. O governo recusa-se a indenizar Dário, argumentando não ter obrigação de controlar relâmpagos. Felizmente, criou-se uma rede de solidariedade, que está tentando ajudar o pobre pastor a reconstituir o rebanho.
Encontrei a história acima nas páginas de diversos jornais portugueses. Recortei-a e coloquei-a na pasta das “realidades imperdoáveis”. O episódio ocorreu no dia 2 de abril, em Arco de Valdevez, no norte de Portugal. É o tipo de história que um escritor sensato nunca colocaria num romance, temeroso de quebrar o pacto de verossimilhança com o leitor e, sobretudo, de irritar os críticos que odeiam o “realismo mágico” (todos odeiam). Até já ouço os críticos: “corte lá umas sessenta cabras, pelo amor de Deus!”
E, no entanto, foram 68! 68 cabras mortas por um único raio!
Fico pensando se a tragédia global que vivemos, com a imposição delirante de uma série de impossibilidades, poderá, ou não, contribuir para a reabilitação do realismo mágico. Quero dizer, numa época em que a realidade se amotina, o que irá fazer a literatura? Tentará ultrapassar a realidade, criando tramas cada vez mais implausíveis? Ou, pelo contrário, procurará recriar, para sossego espiritual dos leitores, um mundo ideal — embora irreal! —, no qual os aviões cruzem os céus serenos, transportando passageiros de um país para o outro; estranhos se beijem em grandes festas públicas; e multidões se misturem placidamente nas ruas e praças das grandes cidades?
Os anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra viram surgir uma poderosa literatura realista sobre o conflito. O holocausto, cuja dimensão monstruosa se foi revelando aos poucos, não parecia credível. Todos nós, leitores, acabamos atravessando juntos esse horror intolerável. Hoje, não se tornou menos horrível, mas — graças, em parte, à literatura —, tornou-se, sim, mais verossímil, mais inegável. A ficção ajudou a credibilizar a realidade.
Da mesma forma, pode ser que um romance realista sobre este nosso tempo — o qual teria sido lido, em 2019, como uma má fantasia — nos ajude a assimilar esta loucura. Isso, e a insistência — a formidável teimosia da irrealidade.
Da mesma forma, pode ser que um romance realista sobre este nosso tempo — o qual teria sido lido, em 2019, como uma má fantasia — nos ajude a assimilar esta loucura. Isso, e a insistência — a formidável teimosia da irrealidade.
O que era fantástico ontem, tende a parecer trivial amanhã. Basta pensar no telefone celular ou na internet. Então, é bem provável que aconteça algo semelhante e que o que agora nos parece extraordinário venha a ser aceito, daqui a poucos anos, como algo inevitável, prosaico e até um pouco enfadonho.
Suspeito, contudo, que a vida continuará a nos pregar partidas — bruscos instantes de espanto. Eventualmente, à custa de pobres cabras.
José Eduardo Agualusa"
José Eduardo Agualusa"
Não basta a China
No excelente livro “Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro” a jornalista escritora Eliane Blum escreveu que: “Como o mundo regido pelo capital não ficaria encantado por um presidente que tornava os ricos mais ricos e os pobres menos pobres sem precisar redistribuir a riqueza nem ameaçar privilégios de classe?” ... “A mágica de Lula só era possível devido ao aumento da exportação de matérias primas e movida especialmente pelo crescimento acelerado da China”.
Outra vez é a China que está nos salvando com sua vacina, além de continuar como o grande parceiro comercial. Se não fosse a China, nossa situação sanitária estaria muito mais desesperadora. Mas quando a epidemia passar, o Brasil não estará bem, mesmo que tenha UTIs livres. Não vamos contar com a China para resolver os problemas do Brasil.
A injeção de dólares vindos da China no período Lula permitiram aumentar a renda e o consumo inclusive das camadas mais pobres, mas não se fez o que era preciso para enfrentar o quadro real da pobreza: saneamento, educação de base com qualidade universal, transporte público eficiente e confortável, garantia de emprego, paz nas ruas. Os governos não iniciaram qualquer reforma estrutural sobretudo na área social, a recessão, desemprego, inflação, e agora a epidemia, desfizeram os ganhos puramente monetários e conjunturais. Sem as reformas na educação, na saúde, na economia, a China não basta.
A China foi decisiva para as realizações na primeira década dos anos 2000, graças ao Lula, está sendo decisiva com sua vacina, apesar do Bolsonaro, mas a China não basta. A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros, e o primeiro passo será dos eleitores em 2022, impedindo a reeleição do atual desgoverno, um passo anterior aos eleitores deverá ser dos líderes partidários escolhendo candidatos que unifiquem e tenham baixa rejeição.
Outra vez é a China que está nos salvando com sua vacina, além de continuar como o grande parceiro comercial. Se não fosse a China, nossa situação sanitária estaria muito mais desesperadora. Mas quando a epidemia passar, o Brasil não estará bem, mesmo que tenha UTIs livres. Não vamos contar com a China para resolver os problemas do Brasil.
A injeção de dólares vindos da China no período Lula permitiram aumentar a renda e o consumo inclusive das camadas mais pobres, mas não se fez o que era preciso para enfrentar o quadro real da pobreza: saneamento, educação de base com qualidade universal, transporte público eficiente e confortável, garantia de emprego, paz nas ruas. Os governos não iniciaram qualquer reforma estrutural sobretudo na área social, a recessão, desemprego, inflação, e agora a epidemia, desfizeram os ganhos puramente monetários e conjunturais. Sem as reformas na educação, na saúde, na economia, a China não basta.
Estes problemas são nossos e nos cabe enfrentar escolhendo governos que demonstrem compromissos para resolver os problemas nacionais. Mas isto exigirá estratégias de anos, por governos que entendam os problemas, tenham estratégias resolvê-los e saibam coordenar e conduzir o país neste rumo.
Deste caótico, negacionista, obtuso, antipatriota governo atual não se pode esperar um rumo para o país. Para 2022, a tarefa é conseguir um novo governo que traga de volta aceitação da ciência e respeito à verdade, recupere as bases da democracia, enfrente as sequelas da epidemia, retome o prestígio do país no exterior, proteja nossos recursos nacionais, especialmente nossas reservas florestais. Para isto, é preciso uma unidade de todos que se opõem ao atual governo, como foi proposto por um recente artigo assinado por Milton Seligman, Benjamin Sicsú, Mauro Dutra. Eles propõem a unidade de todos os democratas na escolha de um candidato único, e que este assuma o compromisso de ficar apenas um mandato, e deixar para 2026 as disputas entre os diferentes programas e ideias para construir o Brasil.
Deste caótico, negacionista, obtuso, antipatriota governo atual não se pode esperar um rumo para o país. Para 2022, a tarefa é conseguir um novo governo que traga de volta aceitação da ciência e respeito à verdade, recupere as bases da democracia, enfrente as sequelas da epidemia, retome o prestígio do país no exterior, proteja nossos recursos nacionais, especialmente nossas reservas florestais. Para isto, é preciso uma unidade de todos que se opõem ao atual governo, como foi proposto por um recente artigo assinado por Milton Seligman, Benjamin Sicsú, Mauro Dutra. Eles propõem a unidade de todos os democratas na escolha de um candidato único, e que este assuma o compromisso de ficar apenas um mandato, e deixar para 2026 as disputas entre os diferentes programas e ideias para construir o Brasil.
A China foi decisiva para as realizações na primeira década dos anos 2000, graças ao Lula, está sendo decisiva com sua vacina, apesar do Bolsonaro, mas a China não basta. A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros, e o primeiro passo será dos eleitores em 2022, impedindo a reeleição do atual desgoverno, um passo anterior aos eleitores deverá ser dos líderes partidários escolhendo candidatos que unifiquem e tenham baixa rejeição.
Embriaguez sem vinho
As perturbações mentais estão presentes nas populações em geral e nos jovens em particular. As razões deste quadro devem-se a uma multiplicidade de fatores, desde influências genéticas e famílias disfuncionais ao abuso de álcool e substâncias químicas, passando pela falta de horizontes profissionais e fatores resultantes do tipo de vida, indutores do desequilíbrio emocional.
Em Inglaterra, aproximadamente, um em cada sete adolescentes apresenta um transtorno de saúde mental. Essa problemática de saúde pública é normalmente combatida através do aconselhamento escolar, visto que a cultura anglo-saxónica tem uma tradição de counselling aplicado a diversos contextos de vida, em particular desde o final da II Guerra Mundial, ocasião em que se tornou premente a necessidade de dar apoio psicológico às populações, às famílias atingidas pela desgraça e aos combatentes regressados dos teatros de guerra, cuja existência tinha sido abalada por anos de um conflito avassalador que deixou atrás de si legiões de mortos, feridos, devastação e destruição económica.
A revista científica The Lancet dá conta de um estudo recente, financiado pelo Economic and Social Research Council, que procura encontrar formas eficazes de lidar com o problema da saúde mental dos adolescentes, a qual continua a ser uma prioridade política. A ideia era determinar a eficácia e o custo-eficácia do aconselhamento humanístico baseado na escola para o tratamento do sofrimento psicológico dos jovens. Foram estudadas dezoito escolas do ensino secundário financiadas pelo Estado em toda a área metropolitana de Londres, e revelavam níveis relativamente altos de privação social e diversidade étnica.
Os participantes foram alunos com idades na faixa 13-16 anos, que tinham níveis moderados a graves de sintomas emocionais, mas excluíram-se do estudo os alunos que não frequentavam regularmente a escola, assim como jovens em risco de provocarem danos graves a terceiros ou auto-infligidos e também os que já estavam a receber intervenção psicológica, circunstância que não permite uma leitura generalizada do estudo a adolescentes com os problemas de saúde mental mais graves.
O estudo sugere algumas pistas na condução das políticas de saúde mental neste contexto, concluindo que o aconselhamento humanístico funciona mas não é inteiramente eficaz, e adianta que quando é acompanhado pelo aconselhamento pastoral potencia a eficácia do tratamento. Em estudos anteriores definiu-se que as escolas representam um ambiente excelente para pesquisas de alta qualidade em saúde mental, pelo que os investigadores sugerem uma avaliação rigorosa dos modelos alternativos no contexto das escolas no Reino Unido, a fim de apoiar as decisões mais adequadas sobre a combinação de serviços no atendimento a crianças e jovens no âmbito da saúde mental.
A nível internacional, 85% dos pais identificaram alterações no estado emocional e comportamental dos seus filhos durante as quarentenas a que a pandemia obrigou, em especial dificuldades de concentração, irritabilidade, agitação, nervosismo e sentimentos de solidão. Entretanto um outro estudo da revista científica “The Lancet Psychiatry” com 230 mil indivíduos avança que a pandemia pode causar uma onda de problemas mentais e neurológicos sérios, uma vez que foi diagnosticado a uma em cada três pessoas que recuperaram da Covid-19 doença neurológica ou psiquiátrica até seis meses depois de terem contraído a infeção.
Um estudo dedicado aos efeitos da pandemia na população adolescente em Portugal, que se encontra em vias de publicação, adianta que, na faixa dos 16-17 anos de idade, 47,1% dos inquiridos relataram algum impacto psicológico da pandemia e 25,6% relataram que o impacto psicológico foi grave. Os níveis de depressão, ansiedade e stresse, assim como o impacto psicológico foi significativamente maior nas raparigas, tendo os rapazes apresentado mais dificuldades nos níveis de ansiedade mais elevados. Todavia não parece existirem estudos actualizados sobre os resultados do trabalho desenvolvido pelos psicólogos nas escolas públicas portuguesas.
Espera-se que surjam novos estudos sobre o impacto emocional e comportamental da Covid-19 nas crianças, adolescentes e jovens portugueses, que permitam identificar os indivíduos em risco, desenvolver estratégias adequadas com vista à promoção da saúde mental das novas gerações e a prevenir patologias.
Goethe dizia que a juventude é a embriaguez sem vinho, mas quando o vinho está azedo passa a ser doença.
Em Inglaterra, aproximadamente, um em cada sete adolescentes apresenta um transtorno de saúde mental. Essa problemática de saúde pública é normalmente combatida através do aconselhamento escolar, visto que a cultura anglo-saxónica tem uma tradição de counselling aplicado a diversos contextos de vida, em particular desde o final da II Guerra Mundial, ocasião em que se tornou premente a necessidade de dar apoio psicológico às populações, às famílias atingidas pela desgraça e aos combatentes regressados dos teatros de guerra, cuja existência tinha sido abalada por anos de um conflito avassalador que deixou atrás de si legiões de mortos, feridos, devastação e destruição económica.
A revista científica The Lancet dá conta de um estudo recente, financiado pelo Economic and Social Research Council, que procura encontrar formas eficazes de lidar com o problema da saúde mental dos adolescentes, a qual continua a ser uma prioridade política. A ideia era determinar a eficácia e o custo-eficácia do aconselhamento humanístico baseado na escola para o tratamento do sofrimento psicológico dos jovens. Foram estudadas dezoito escolas do ensino secundário financiadas pelo Estado em toda a área metropolitana de Londres, e revelavam níveis relativamente altos de privação social e diversidade étnica.
Os participantes foram alunos com idades na faixa 13-16 anos, que tinham níveis moderados a graves de sintomas emocionais, mas excluíram-se do estudo os alunos que não frequentavam regularmente a escola, assim como jovens em risco de provocarem danos graves a terceiros ou auto-infligidos e também os que já estavam a receber intervenção psicológica, circunstância que não permite uma leitura generalizada do estudo a adolescentes com os problemas de saúde mental mais graves.
O estudo sugere algumas pistas na condução das políticas de saúde mental neste contexto, concluindo que o aconselhamento humanístico funciona mas não é inteiramente eficaz, e adianta que quando é acompanhado pelo aconselhamento pastoral potencia a eficácia do tratamento. Em estudos anteriores definiu-se que as escolas representam um ambiente excelente para pesquisas de alta qualidade em saúde mental, pelo que os investigadores sugerem uma avaliação rigorosa dos modelos alternativos no contexto das escolas no Reino Unido, a fim de apoiar as decisões mais adequadas sobre a combinação de serviços no atendimento a crianças e jovens no âmbito da saúde mental.
A nível internacional, 85% dos pais identificaram alterações no estado emocional e comportamental dos seus filhos durante as quarentenas a que a pandemia obrigou, em especial dificuldades de concentração, irritabilidade, agitação, nervosismo e sentimentos de solidão. Entretanto um outro estudo da revista científica “The Lancet Psychiatry” com 230 mil indivíduos avança que a pandemia pode causar uma onda de problemas mentais e neurológicos sérios, uma vez que foi diagnosticado a uma em cada três pessoas que recuperaram da Covid-19 doença neurológica ou psiquiátrica até seis meses depois de terem contraído a infeção.
Um estudo dedicado aos efeitos da pandemia na população adolescente em Portugal, que se encontra em vias de publicação, adianta que, na faixa dos 16-17 anos de idade, 47,1% dos inquiridos relataram algum impacto psicológico da pandemia e 25,6% relataram que o impacto psicológico foi grave. Os níveis de depressão, ansiedade e stresse, assim como o impacto psicológico foi significativamente maior nas raparigas, tendo os rapazes apresentado mais dificuldades nos níveis de ansiedade mais elevados. Todavia não parece existirem estudos actualizados sobre os resultados do trabalho desenvolvido pelos psicólogos nas escolas públicas portuguesas.
Espera-se que surjam novos estudos sobre o impacto emocional e comportamental da Covid-19 nas crianças, adolescentes e jovens portugueses, que permitam identificar os indivíduos em risco, desenvolver estratégias adequadas com vista à promoção da saúde mental das novas gerações e a prevenir patologias.
Goethe dizia que a juventude é a embriaguez sem vinho, mas quando o vinho está azedo passa a ser doença.
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