segunda-feira, 22 de agosto de 2016


É hora de recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual

Admitir que o pensamento marxista continha acertos e erros não significa ter aderido ao capitalismo e se tornado de direita. Adotar semelhante atitude é persistir no que havia de pior no marxismo, ou seja, na incapacidade de exercer a autocrítica.

Depois de quase um século da revolução comunista de 1917, da qual resultou o Estado soviético, a humanidade avançou econômica e tecnicamente, ao mesmo tempo que sofreu guerras sangrentas e massacres, como os campos de concentração nazistas e os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki.

Depois de tantos erros, é hora de refletirmos sobre o que aconteceu e recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual.

Delightful Street Art - A Cartoon City Painted on a City Building (complete with colorful characters). ARTE callejero.:
O sonho de Karl Marx era criar uma sociedade sem exploração, regida por normas que visavam impedir a divisão desigual da riqueza produzida. A concepção dele sobre essa nova sociedade apoiava-se, no entanto, num entendimento equivocado de como se cria a riqueza social.

Esse entendimento partia de uma constatação inequívoca do grau de exploração a que o capitalismo do século 19 submetia o trabalhador, que não gozava dos mínimos direitos, como a jornada de trabalho estabelecida e a aposentadoria, entre muitos outros. Esse capitalismo selvagem levou Marx a concluir que só havia um modo de criar uma sociedade justa: excluindo dela o capitalista.

Assim, constituiria-se um Estado proletário, dirigido pelo partido comunista, justo porque dele estava excluído o capitalista explorador.

Essa teoria pressupunha que é a classe operária quem produz a riqueza, enquanto o capitalista nada mais faz que explorar o trabalho alheio e enriquecer. O equívoco de Marx estava em ignorar que, sem o capitalista, ou seja, sem o empreendedor, a produção da riqueza é quase inviável. É que ela depende tanto do trabalhador quanto do empreendedor, o empresário.

Por estar exclusivamente nas mãos do Estado, isto é, do partido comunista, a tarefa de produzir a riqueza foi o erro que levou ao fracasso do regime comunista. Na verdade, em qualquer sociedade, há milhões de pessoas que sonham criar sua própria empresa. Substituí-las por meia dúzia de burocratas do partido é condenar o país ao fracasso econômico.

Não é à toa que, hoje, da Rússia à China, como nos demais países outrora comunistas, todos abandonaram a concepção marxista e voltaram a estimular a expansão da iniciativa privada. Ou seja, voltaram ao regime capitalista. Isso não significa, porém, que o capitalismo de repente tornou-se bom e justo e que devemos nos contentar com a desigualdade que o caracteriza. Essa desigualdade é inerente ao próprio sistema, regido pelo princípio do lucro máximo.

Pois bem, esse longo caminho, que a humanidade percorreu no último século, mostrou que o Estado comunista nivela a igualdade por baixo, enquanto no regime capitalista, mesmo com as conquistas alcançadas pela classe operária e os trabalhadores em geral, a exploração se agrava e a desigualdade se amplia, de que é exemplo o capitalismo norte-americano.

Isso, porém, não é inevitável. Em países capitalistas como a Suécia, a Noruega e mesmo a Suíça —para ficar apenas nesses exemplos— a desigualdade foi consideravelmente reduzida. Não há porque, logicamente, o mesmo não possa ocorrer nos demais países capitalistas.

É evidente que isso depende de uma série de fatores e condições, que não se encontram em todos os países. Tampouco acredito numa sociedade em que a igualdade seja plena —em que todas as pessoas tenham a mesma possibilidade de ganho e acumulação de bens—, uma vez que os seres humanos não são iguais, não têm todos a mesma capacidade de criação, inventividade e realização.

Por isso mesmo, não se pode imaginar que todas elas contribuam na mesma proporção para o enriquecimento da sociedade.

Tampouco tais diferenças entre os indivíduos justifica o nível de desigualdade que, com raras exceções, caracteriza o mundo em que vivemos.

Essas são as razões que me fazem acreditar que, sem faca nos dentes e dentro do regime democrático, podemos alcançar uma sociedade menos desigual e menos injusta.

Foco na cidade

A deterioração mental e moral dos políticos profissionais desse país pode condenar as eleições municipais a serem palco de todo tipo de acusações pessoais – onde o que menos se vai discutir é o que realmente importa: as cidades brasileiras.

Teremos uma espécie de concurso para eleger o menos corrupto. E a proibição de que Erundina, Freixo e Young participem dos debates, vai piorar tudo.

Vivemos hoje a maior crise urbana de nossa história. Mas nossos governantes, regra geral, estão simplesmente dando as costas ao encalacro em que nos encontramos. Prefeituras à parte, o Ministério das Cidades nos dá um retrato acabado do desprezo oficial pelo assunto.

Única real novidade administrativa do PT, o Ministério foi criado em resposta a demandas sociais. Mas logo se deu a sua precoce e completa desfiguração, no segundo mandato de Lula.

O cara precisava reforçar seu pelotão no Congresso, depois que estourou o mensalão. Em troca de votos, ofereceu a Severino Cavalcanti – deplorável deputado pernambucano, sujeito do “baixo clero” mais rasteiramente ignorante e corrupto – o Ministério da Previdência.

Severino bateu pé firme. Só toparia o jogo sujo proposto por Lula se ficasse com o Ministério das Cidades. Lula então retirou Olívio Dutra do cargo e entregou “a pasta” à gangue de Severino. Com isso, o Ministério renunciou vergonhosamente à sua missão de formular e coordenar uma estratégia nacional de recuperação, viabilização e avanço ecossocial de nossas cidades.

E Dilma Rousseff, que acaba de transformar a bela capela do Alvorada em escritório, não reconduziu o Ministério ao seu leito original. Pelo contrário: jogou no lixo o compromisso assumido, já na campanha de 2010, com a promoção de uma grande reforma urbana nacional.

Daí em diante, Dilma manteve o Ministério das Cidades como espaço de corrupção e podridão política. E o interino Temer parece simplesmente não ter consciência da supercrise que atravessamos, com cidades sujas, poluídas, congestionadas, ampliando o abismo das desigualdades sociais.

Por aí se vê que é a sociedade, são os movimentos ativistas, que têm de ir para a linha de frente. O Brasil, mais uma vez, se vê obrigado a acontecer à revelia do Estado e apesar de seus políticos. Movimentos urbanos têm de forçar passagem.

Por isso mesmo, para caminhar com lucidez, é bom que os ativistas não se esqueçam da advertência de John Dewar, o inventor da garrafa térmica: nossas mentes são como paraquedas – só funcionam quando estão abertas.

Imagem do Dia

Por Lula, PT difama o Brasil

A “mais violenta campanha de difamação contra um homem público em toda a história do País”, da qual Lula da Silva se diz vítima, é denunciada por uma “cartilha” impressa em quatro línguas – português, inglês, francês e espanhol – que o PT vai distribuir a personalidades e órgãos de comunicação no exterior. Para compensar o fato de, segundo alegam, Lula estar sendo difamado no Brasil, os petistas decidiram ampliar a campanha de difamação do Brasil no exterior, apresentando seu líder máximo como vítima de toda sorte de violência por parte das autoridades policiais e judiciais que, no cumprimento de suas responsabilidades constitucionais, estão há mais de dois anos expondo as entranhas do maior esquema de corrupção da história do País, armado por Lula e seus asseclas. O chefão petista, que já apelou ao comitê de Direitos Humanos da ONU contra o juiz Sergio Moro, demonstra estar cada vez mais atemorizado com a possibilidade de fazer companhia aos ex-dirigentes do PT – até agora, dois ex-presidentes e três ex-tesoureiros do partido.

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No mesmo dia em que o PT anunciou o lançamento da publicação A caçada judicial ao ex-presidente Lula – que reproduz material divulgado pelo site do Instituto Lula, no dia 20 de julho –, o empresário José Carlos Bumlai, réu condenado da Lava Jato, colocou mais um cravo na coroa de espinhos do amigo do peito ao declarar, em depoimento à Polícia Federal em São Paulo, que recebeu da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva, em fins de 2010 – último ano do segundo mandato presidencial de Lula –, insistente pedido para que ajudasse a acelerar as obras então em andamento no famoso sítio de Atibaia, que os Da Silva negam de pés juntos ser de sua propriedade, mas que passaram a frequentar regularmente a partir de 2011.

É difícil saber o que é mais cínica, se a campanha que o PT tem promovido no exterior para difamar as instituições brasileiras depois que se viu desmoralizado no próprio País ou se a tentativa de Lula de garantir que não existe no Brasil ninguém mais honesto do que ele próprio. O fato é que denegrir a imagem do País na tentativa de criar a pressão externa para beneficiar os interesses políticos do lulopetismo e promover a imunidade criminal de seus líderes é um comportamento sórdido e irresponsável. Mas era o que se podia esperar dos inspiradores e autores materiais do mensalão, do petrolão e de outros delitos.

Durante os anos em que seu governo surfava na onda de prosperidade internacional e dispunha de recursos para propagandear índices econômico-sociais positivos e fazer marketing político no exterior, Lula acabou granjeando, principalmente nos círculos da esquerda terceiro-mundista e bolivariano, algum prestígio. Isso explica as manifestações de apoio ao lulopetismo por parte de quem acompanha a crise brasileira a distância e tende a, por afinidade ideológica, considerar com indulgência as tropelias de Lula & Cia.

Com a causa perdida, o PT não se peja de tentar vender no exterior a falácia de que Lula é vítima de agentes do Estado brasileiro que tentam usar as instituições para atingi-lo: “Agentes partidarizados do Estado, no Ministério Público, na Polícia Federal e no Poder Judiciário, mobilizam-se com objetivo de encontrar um crime – qualquer um – para acusar Lula e levá-lo aos tribunais”. Ou seja, a Operação Lava Jato, que conquistou o apoio e a admiração dos brasileiros pela importância da colaboração que está dando para o saneamento da vida pública, para o PT não passa de uma conspiração para impedir a volta de Lula ao poder. Enquanto a operação atingia apenas dirigentes do partido de segundo plano, os petistas se permitiam encenar manifestações de apoio ao combate à corrupção.

Agora, porém, a Lava Jato virou conspiração. Com o apoio do STF, está definitivamente nos calcanhares do ex-presidente, o que significa a possibilidade de ferir de morte o PT com a cassação dos direitos políticos de seu maior líder e símbolo. Risco que passa a ser real quando até os amigos do peito de Lula resolvem contar a verdade.

Medalhas e manias de grandeza

O Brasil tem mais medalhas do que renda per capita, educação e saúde, como é ou deveria ser sabido. No pódio olímpico, estamos em lugar muito mais alto que no pódio socioeconômico.

Depois dos anos do Brasil Grande, segunda edição, agora também temos mais estádios grandiosos e subutilizados do que nunca, de futebol ou outros, alguns encaminhados talvez à ruína como aqueles do Pan do Rio, 2007, investimentos improdutivos desde sempre. Os anos de pindaíba do governo vão limitar ou até asfixiar o subsídio esportivo.

O que fazer ou como tratar desses nossos sonhos de supremo prestígio esportivo, outra tentativa de falsear realidades subjacentes difíceis?

Nos Jogos do Rio, a equipe brasileira teve seu melhor desempenho. Em número e cores de medalhas, foi quase idêntico ao da Grécia que sediou os Jogos de 2004. Os estádios gregos decaem em ruínas. Logo depois de Atenas 2004 (16 medalhas, 6 de ouro), o esporte grego regrediu a duas de prata e duas de bronze nas Olimpíadas de 2008 e 2012. Em 2010, a Grécia faliu. Hum.

"O melhor desempenho desde sempre" porém difere pouco daquele que as equipes brasileiras vêm conseguindo desde Atlanta, 1996, Olimpíada que marcou uma virada nos nossos resultados até então acanhados e quase simbólicos, sem desprezo pelos esforços e feitos individuais do passado.

Nesses 20 anos, o time do Brasil têm ficado em torno do 20º lugar no ranking, com cerca de 1,5% do total dos pódios e 14 medalhas por Olimpíada, em média. Nos 20 anos anteriores, as equipes levavam 0,6% do total de medalhas, quatro delas por Olimpíada, em média.

Países de renda semelhante ou população grande não vão nem de longe tão bem na Olimpíada: México, Índia, Indonésia. China e ex-comunistas são exceções sabidas.


A renda por cabeça, o PIB per capita do Brasil, anda em 72º lugar. Pelo Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH da ONU, que combina indicadores de renda, saúde e educação, em 75º lugar mundial.

A desigualdade de renda ainda anda pelo grupo das dez piores. Estamos "muito bem" ainda nos rankings de incidência de homicídios, de mortes no trânsito ou de taxas de juros etc. —ainda melhor que no quadro de medalhas. Temos tanta possibilidade de progresso quanto aberrações cruciais, de classe mundial.

Até pelos nossos tamanhos e desigualdades de renda e poder, no entanto, desenvolvemos capacidades avançadas, ao lado de manias ansiosas e inseguras de grandeza. Trata-se em parte de um efeito perverso do nosso "desenvolvimentismo" do século passado, de altíssimo padrão de consumo para uma elite minoritária, muita vez subsidiada pelo Estado, em detrimento do investimento em infraestrutura social: escola, posto de saúde, esgoto.

Parte de nós dispomos de hospitais, pesquisa, universidades e luxos que não existem em países comparáveis, assim como de misérias extensas e extremas, revoltantes, dado o nosso nível de renda e recursos. Talvez a ânsia de medalhas se inscreva na história desse nosso intuito de grandezas meio sem fundamentos.

Não precisa ser assim, claro. Em vez de pirâmides das manias de grandeza, esportivas ou outras, poderíamos começar por baixo, para que as crianças bem tratadas decidam (ou não) virar medalhistas.

Por que escolher o menos pior?

Na multidão de sugestões, propostas e projetos sobre a reforma política, aliás até agora não realizadas, uma foi pinçada em recente reunião do PMDB em São Paulo, com direito à presença de Michel Temer. Acabar com a reeleição parece consenso no Congresso, mas por que não extinguir, também, o segundo turno nas eleições majoritárias?

O argumento em favor do fim dessa garantia de que presidentes da República, governadores e prefeitos cheguem ao poder respaldados pela metade mais um os eleitores baseia-se na contradição de um eleitor ser obrigado a votar em um dos dois candidatos mais votados. Se o seu preferido na eleição inicial não conquistar nem o primeiro nem o segundo lugar, o cidadão terá que optar entre dois que não receberam sua preferência. Escolherá o menos pior, conforme suas concepções. Supondo que terá votado num terceiro, sentir-se-á à vontade para dar a volta por cima e escolher quem não mereceu sua confiança?
Melhor, para os defensores dessa supressão, que nas eleições majoritárias vença o que tiver obtido mais votos, independente da metade mais um que geralmente leva ao segundo turno. Essa “outra volta”, como se diz em Portugal, costuma trazer mais malefícios do que benefícios. Porque o vencedor começa recebendo votos de má vontade, a menos que o eleitor prefira votar em branco na segunda eleição.

Acresce que essa segunda eleição funciona como um torniquete junto ao eleitorado. Durante muito tempo votou-se naturalmente no candidato preferido. Se ganhou ou não, o resultado dependeu apenas dele e de seu programa de governo.

Não vem muito ao caso concluir que as eleições ficariam mais baratas e mais éticas. No primeiro caso, evitando a repetição da gastança obrigatória num país tão grande como o nosso. No outro, porque muitos compromissos podem cheirar mal, quando celebrados pelos dois primeiros colocados, ambos dispostos a aceitar horrores para vencer.

Registramos aqui apenas mais uma de centenas de sugestões que cruzam o céu, sem a emissão de juízos de valor. E com a ressalva de que as reformas políticas continuam onde sempre estiveram: sem ser aprovadas no Congresso.

Ufa. E agora, José?

Não olha para mim que eu também não sei. Confesso que vivi e confesso que não sei. Fui consultar para que lado o vento vai soprar e não consegui qualquer precisão, ainda está tudo virando doido, pra todos os lados, igual biruta de aeroporto, sem direção

O Hino Nacional bastante cantado, bra-bra-brá, todo mundo de verde e amarelo para lá e para cá sem ser por isso chamado de coxinha, batendo no peito e gritando Brasil! Brasil! Certa sensação de Pátria, de dever cumprido e um enorme alívio, como se tivéssemos passado as duas últimas semanas segurando o ar, sem respirar. É isso que o povo não entende por que que aqui deu tanto pano para manga o caso do nadador Pinóquio e seus amigos. Orgulhinho nacional ferido; teria sido muito chato se fosse verdade. Agora é o banzo.

Haverá Engov para tanta ressaca? O Rio de Janeiro vai continuar lindo. As pessoas vão continuar fazendo coraçãozinho com a mão cada vez que virem uma câmera. Mais umas duas semanas de entrevistas e histórias de superação, mordendo a medalha que todo mundo quer pegar, um pouco de descanso, e lá os atletas voltarão para suas dificuldades cotidianas. O país é o Brasil, onde a dificuldade é cotidiana para todos, ou quase todos.

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou…Drummond, como conseguia escrever coisas tão verdadeiras e belas? Que andam vigorosas pelo tempo, mandando pôr os pés no chão depois da euforia, da distração, das novidades de um momento que, pronto, passou para a História. Arquive-se.

Nesse meio tempo, se você andou longe atrás de alguma bolinha, tatame pista, estádio ou assemelhado, pouca coisa diferente aconteceu, como se elas ficassem em suspensão para não dividir o escasso espaço no noticiário. Só o mesmo de sempre. Mulheres mortas por seus (ex) companheiros, empresas de valores e caixas eletrônicos explodidos, acidentes horríveis nas estradas, pavios acesos nas cadeias, o pastor deputado desmascarado, o tempo com uma variação térmica dramática, candidato topetudo americano expelindo sandices, mortes de gente muito legal e outros nem tanto. No dia que a criatura foi divulgar a carta que escrevia há três meses – sacanagem – foi atropelada por um pedido de investigação vindo da Corte Suprema.

Pronto, está atualizado. E o que vem pela frente?

Ah, na política nacional deram passadas largas para definir o futuro da presidente Dilma, afastada, lembra dela? – esperando o julgamento final do Senado, tudo agora para se definir por esses próximos dias. Ela, completamente abandonada, no meio de um turbilhão que se forma no horizonte das delações premiadas e que as primeiras informações dão como devastador em todas as direções. 

Um pouco mais de um mês para definir as eleições municipais, pobres e estraçalhadas, e que nenhum deles, dos candidatos, tem bem noção do que vai fazer, além do retrato do santinho.

Não há Arca de Noé capaz para salvar esses espécimes fruto de uma cópula entre ideais perdidos e o mundo cruelmente real.

Esse jogo é mata-mata. A oposição que era governo, e que gerou sua própria sina, na verdade a oposição que sobrar porque boa parte já se acomodou de novo na boca do dragão, continua apostando no romantismo, soluçando golpe, segurando cartaz de Fora! Botaram areia movediça no chão do poder.

Não veem que talvez já já pode ser chegada a hora de dar ordens objetivas, mais gerais e compreensivas a todos, palavras de ordem, uma, duas, três ou todas juntas, e que elas venham em maior uníssono mostrando que ainda realmente não estamos contentes.

Lembro-me de uma linda luta que foi assim – Diretas Já!

Marli Gonçalves. contando moedas de aço que não dá nem para morder, nem para engolir

Os Jogos Olímpicos libertam o Rio

(..) no inferno do Rio as coisas são mais justas do que no céu olímpico do COI, o qual se deleita na Suíça com lucros não tributados, enquanto exige que os contribuintes brasileiros compensem os déficits com seus impostos
Astrid Prange

Vice da CBF usa seleção em campanha


O vice-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no Nordeste, Gustavo Feijó (PMDB), utilizou o cargo de chefe da delegação da seleção olímpica masculina para transformar em propaganda eleitoral as mensagens dos jogadores Neymar, Walace e Renato Augusto e do técnico Rogério Micale, agradecendo ao incentivo da torcida rumo à conquista da medalha de ouro olímpica, obtida na noite deste sábado, nos pênaltis contra a Alemanha.

O afilhado do presidente do Senado Renan Calheiros e do governador Renan Filho, líderes de seu partido, divide a cartolagem com o mandato de prefeito de Boca da Mata, no interior de Alagoas. Candidato à reeleição, ele incluiu nos vídeos gravados antes da final olímpica uma vinheta com a logomarca e o jingle de sua campanha. Mas nenhuma das mensagens faz referência à candidatura, nem estaria autorizada pelos integrantes da seleção de ouro do Brasil.

A façanha e o prestígio do candidato empolgou eleitores, que demonstraram a felicidade em ver o nome de sua cidade citado pelos campeões olímpicos. Só no vídeo de Neymar, foram quase 8 mil visualizações, 270 curtidas e 244 compartilhamentos e 70 comentários. As mensagens de otimismo como “vamos juntos ser campeão”, de Neymar, e “Estamos no caminho certo, estamos juntos”, de Walace, são bem comuns às campanhas de reeleição.


De caçadores de alimento a de Pokémon: evolução humana

Todos os dias, leões acordam para caçar zebras, e zebras, para fugir de leões. Até o fim dos tempos deles. Um estresse diário que dura cinco minutos, seguido de 23 horas e 55 minutos de relaxamento, com as zebras voltando a pastar relaxadas e felizes, enquanto os leões, em seu covil a poucos metros, devoram uma carcaça tranquilamente. Assim é a natureza: justa, cruel, com suas leis naturais e cadeias alimentares.

Seres humanos desenvolveram mecanismos sofisticados e armas, dominaram o fogo, domesticaram animais e extraíram deles leite, ovos e carne. Iam pro mato e colhiam sementes, frutos e raízes. Assim, se fizeram senhores da terra. Caçadores sofisticados, guerreiros implacáveis, tiveram por bem invadir terras alheias, matando semelhantes, estuprando fêmeas como prêmio das vitórias e roubando os filhos como escravos e mão de obra. Criaram impérios, rivalidades, religiões, raças, culturas e uma sede insaciável de expandir e se impor universalmente.

Assim, atingiam auges que coincidiam com a decadência. Persas, mongóis, egípcios, fenícios, gregos, romanos, otomanos, britânicos e americanos. Tudo começou nos caçadores e na necessidade de aumentar sua área de caça.

Eis que o império da tecnologia lança seus caçadores em todo o mundo. Cacem os Pokémons! Ordena a Nintendo, e, imediatamente, um bando de zumbis que habitavam suas cavernas domiciliares, seus quadrados onde a tela de seus gadgets é seu universo paralelo e a razão de viver, e descem para a rua com o smartphone na mão, numa busca feroz pelos bichinhos japoneses dos anos 90, que reaparecem desde na Torre Eiffel até no elevador do prédio.

Nas ruas, um bando de mortos-vivos são atropelados, trombam, caem de meio-fio, são assaltados, estuprados, abandonam o estudo ou o trabalho, batem o carro, são atraídos por anúncios de lojas, são monitorados por GPS por todos os serviços secretos ou manipuladores do Google e de outras vendedoras de dados e localizações. Os banditismos virtuais se deliciam com os bobões que domesticaram e que gastam dinheiro para ficarem conectamos na caça ao nada ou coisa nenhuma, que chamamos bichinhos do Pokémon.

Sim, fiz muita coisa imbecil na minha vida infantil: joguei queimada na rua, brinquei de casinha com vizinhas para comer os sanduíches de verdade que faziam e dar bicotinhas sensuais na minha “esposa”, a mais bela da turma. Lutei com espada feita de madeira, joguei bolinha de gude e andei de rolimã. Cacei borboleta perto de cachoeira e apanhei rolinha em alçapão. Fiz muito “luau” e cantoria vendo o sol nascer. Colhi mexerica no pé, manga, e plantei morango. Catei rã pra fritar. Podem me chamar de troglodita.

Mas tudo isso me fez ser quem eu sou. Apenas temo um dia ser liderado pela geração dos caçadores de Pokémon. Só isso.

Medalhas de ouro, banana republic

Pelo menos Michael Phelps não fez parte de tal despropósito. O Barão de Coubertin pode assim continuar seu eterno descanso com tranquilidade. Também nós, vivos, respiramos aliviados diante da tela, todos que nos maravilhamos com esse jovem —agora adulto— que ganhou mais medalhas de ouro do que centenas de países.

O que menos importa no “escândalo” (termo sem significado) dos nadadores olímpicos norte-americanos é que tenham empanado seus extraordinários feitos atléticos. Formular uma denúncia falsa é crime, nos Estados Unidos, no Brasil e no mundo todo. Fazê-lo no Rio foi, além disso, de péssimo gosto, uma cidade seriamente afligida pelo crime, entre outros infortúnios.

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É arrogância demais acreditar que esses quinze minutos de notoriedade são suficientes para se colocar acima da lei: vandalizar um banheiro, fingir um roubo, desafiar e humilhar os guardas de segurança.

Para depois voltar para casa tão elegantemente vestidos. E tudo para esconder uma simples noite de farra. Talvez com a fotossíntese do amanhecer tenham sido capazes de se lembrar dos contratos publicitários em vigor.

O problema maior, no entanto, e que os atletas provavelmente sequer imaginam, é que o incidente evoca o pior das relações entre Estados Unidos e América Latina. Nesse quintal, às vezes cassino, outras bordel, é possível fazer o que não se faz em casa. Farrear, transgredir, embebedar-se, depredar e depois voltar sorrindo.


O incidente dos nadadores olímpicos evoca o pior das relações entre Estados Unidos e América Latina

Ali não há muita lei, de qualquer forma; então parece não fazer diferença. Daí as reações. Sem saber, os nadadores recriaram a Nicarágua dos Somoza, a Cuba de Batista ou a República Dominicana de Trujillo. Não se trata de Guerra Fria, pois tudo isso é muito anterior. É só lembrar-se de William Walker, presidente da Nicarágua em 1856-57, de nacionalidade norte-americana.

Lugar de exploração e aventura, como nas lojas da grife Banana Republic, essa é justamente a história que torna a ser contada. Mas trata-se de uma história que já não funciona, e menos ainda no Brasil. Acossado pelo crime e pela corrupção, pela recessão e pelo desemprego, a crise política e o zika, apesar de tudo o Brasil tem Estado.

Mais ainda, seu poder judiciário é provavelmente o de maior profissionalismo da região e certamente o de maior independência do poder político. O instante em que Gunnar Bentze e Jack Conger são desembarcados de um avião, têm seus passaportes retidos e são colocados à disposição das autoridades revela isso.

Esse instante também deve ter tido um certo sabor de reparação do orgulho nacional brasileiro, tão ferido ultimamente. E para todos os demais significa que faz muito tempo que o quintal resiste a ser quintal.

O pacifismo de Stefan Zweig no Rio

Em agosto de 1936, em sua consagradora primeira vinda ao Brasil, o escritor Stefan Zweig pronunciou no Rio conferência de larga repercussão sobre a Unidade Espiritual do Mundo. Não foi um trabalho improvisado: insere-se coerentemente na conhecida e destacada trajetória da militância pacifista de Zweig, afirmada na Europa da 1.ª Guerra Mundial. A conferência será publicada pela Casa Stefan Zweig de Petrópolis (cidade que foi sua última morada), cuja existência tanto deve a Alberto Dines, o grande estudioso da vida e da obra do escritor austríaco.

O movimento pacifista foi propulsionado pela ideia da efetivação da paz, valor que se contrapôs à tradicional glorificação de guerra, de que é exemplo a afirmação de Hegel na sua Filosofia do Direito, em que, contrapondo-se a Kant, assevera que a guerra assegura a saúde moral dos povos, que se veria afetada pela estagnação de uma paz perpétua, do mesmo modo como os ventos protegem o mar da podridão inerente às águas paradas. Organizado a partir do século 19 no âmbito da sociedade civil europeia o movimento pacifista foi uma reação aos horrores e males da guerra que atingem e afetam as pessoas.
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Foram os sofrimentos da Guerra da Crimeia que levaram, com o relato de Henri Dunant e por sua ação, à criação, em 1863, da Cruz Vermelha. A percepção dos males da guerra incentivou, no plano jurídico, a realização das Conferências Internacionais da Paz em 1899 e 1907, em Haia. E impulsionou sua visualização nas artes plásticas.

Nesse âmbito, cabe evocar a obra de Otto Dix, que com a força do expressionismo reagiu aos desastres humanos provocados pela 1.ª Guerra Mundial. Estes, como se vê no olhar de Dix, foram magnificados pela surpresa, tanto estratégica quanto moral, proveniente do emprego militar dos avanços do conhecimento e da tecnologia.

Dessa surpresa Zweig se dá conta. Lamenta, na conferência, que a esperança no progresso da ciência como caminho unificador e salvador da humanidade tenha sido posta em questão, pois ela foi utilizada para despejar venenos e bombas sobre pessoas indefesas.

Zweig sabia que o meio de expressão do escritor não é o de um pintor como Dix. Por isso em sua conferência se valeu de seus instrumentos, os de um escritor com identidade própria. Encontrou assim o caminho apontado pelo padre Antônio Vieira no Sermão da Sexagésima: “O pregador há de pregar o seu e não o alheio. (...) Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube gigante”.

Na peleja contra o gigante do belicismo, Zweig, para lidar com uma atmosfera envenenada por desconfiança, desarmonia e medo, recorre à alegoria bíblica da Torre de Babel, que aponta para a incompreensão como base do conflito na Terra. Babel é a grande e originária alegoria da pluralidade dos discursos e das dificuldades da comunicação entre povos e culturas. Mas, como lembra Paul Ricoeur, tradutores sempre existiram desde tempos imemoriais. A capacidade de traduzir é o fio de Ariadne que conduz o homem para fora do labirinto da incomunicabilidade. A tradução torna possível o diálogo entre culturas e a aproximação entre povos, como caminho para a paz.

É pela compreensão por meio da afirmação da unidade da cultura que Zweig vai articular o seu pacifismo. Para essa articulação estava muito bem aparelhado porque ele foi, como observou Anatol Rosenfeld, um intelectual mediador. Seguiu nessa vocação mediadora uma dimensão relevante da Europa da Cultura, no âmbito da qual, para Bobbio, “a política divide, a cultura une”, pois “a cultura é, por sua própria natureza, universal”.

Bobbio propôs uma esclarecedora tipologia das modalidades de um pacifismo ativo que ajuda a compreender as características da posição de Zweig. Observa que o pacifismo ativo pode estar voltado para os meios de evitar a guerra. É o que acontece com a busca da solução pacífica de conflitos e o desarmamento, temas das conferências de Haia. É o pacifismo instrumental. Pode estar voltado para a criação de instituições que contenham o arbítrio instigador da guerra dos Estados e ensejam a paz pelo Direito. É o pacifismo institucional, de que são exemplos a Liga das Nações e a ONU.

O pacifismo ativo pode empenhar-se na lida com a conduta dos que criam as instituições e empregam ou não os meios violentos. É o pacifismo de fins, que anima os que se dedicam a promover a cultura da paz como ação pedagógica que, pelo vigor da persuasão, se empenha em instilar os méritos do seu valor.

A conferência de Zweig é um grande exemplo de pacifismo de fins. Ela mostra que se no desenvolvimento da humanidade existem terríveis retrocessos e recaídas, nunca se rompe totalmente o fio da ascensão humana. Cabe “aos donos da palavra”, os intelectuais, não duvidar da força da razão, mesmo em época em que ela se vê combalida. Não são, como ele diz no fecho da conferência, “as línguas e as montanhas e os mares que separam as pessoas, mas seus preconceitos e sua desconfiança”.

O tema recorrente de sua exposição é o de traduzir e mediar para superar o labirinto da incomunicabilidade, afirmando pela força da palavra sua confiança no potencial de um entendimento entre os povos e a cultura. “A livre admiração de valores estrangeiros não diminui a força criativa da alma.” É um antídoto ao nacionalismo de orgulho e de prepotência, propiciador da névoa tóxica da desconfiança.

As névoas tóxicas da desconfiança, da intolerância dos fundamentalismos e da violência permeiam, com suas sombras, o mundo contemporâneo. Daí a atualidade da conferência. Com efeito, como Bobbio observou, estamos num momento em que “a violência talvez tenha deixado definitivamente de ser a parteira da história e está se tornando cada vez mais o seu coveiro”. Nesse contexto, na voz de Bobbio evocando Herzen, a inteligência “pressiona terrivelmente” a tomada de posição. A conferência de Zweig responde, com talento e firmeza moral, a essa válida pressão da inteligência.