sexta-feira, 7 de junho de 2019

Brasil do futuro


Na contramão a 100 km/h

O presidente Jair Bolsonaro anuncia o fim da “indústria da multa”, mas pode estar reforçando a “indústria da morte” com a obsessão pelas armas, o estímulo para converter carros em armas e a sensação de que, ao virar presidente, está livre para tornar suas convicções pessoais em agenda de Estado. Os papos com filhos e amigos agora viram MPs, decretos, projetos de lei. Danem-se especialistas, dados e pesquisas científicas.

Para o presidente da Comissão da Reforma da Previdência, Marcelo Ramos (PL), ele “não tem noção de prioridade e do que é importante para o País”. Além de “flexibilizar” a posse e o porte de armas, Bolsonaro levou orgulhosamente ao Congresso um projeto leniente com infratores e infrações de trânsito – um grande assassino no mundo. No Brasil, foram 35,3 mil mortes e 180 mil internações só em 2017.

Japão, Canadá, França e Espanha reduziram a mais da metade as mortes no trânsito. Como? Com educação, abordagem policial e penas duras para infratores. E o Brasil? Se depender do presidente da República, o Brasil vai na contramão, a mais de 100 km/h. Os radares estão ameaçados e os maus motoristas poderão cometer o dobro das barbaridades até perder a carteira, não terão de se preocupar com cadeirinhas e estarão livres de comprovar que não usaram algum tipo de droga, mesmo que dirijam ônibus e caminhões.


Não satisfeito com a reação, o presidente engatou a segunda e disse que, por ele, os pontos para cassar a carteira não deveriam ser “só” 40, mas 60. Divirtam-se os que pisam no acelerador, avançam o sinal, estacionam em calçadas e vagas de idosos e deficientes.

É possível que a base eleitoral de Bolsonaro ache tudo isso o maior barato, mas esse barato pode custar muito caro – em vidas humanas, em lesões irreversíveis e em custos para o sistema público de saúde, já tão depauperado.

Essas medidas, porém, combinam com a leniência de Bolsonaro em outras áreas, como Meio Ambiente. Pescar em áreas protegidas pode, desmatar fica mais fácil, transformar santuários em “Cancúns” está no horizonte, a carreira de agente ambiental corre risco. Ambientalistas são tratados como esquerdistas que atravancam o progresso, um perigo para o Ocidente.

Direitos Humanos? Deve ser coisa de gente que estuda Sociologia, Filosofia, Antropologia, vistas como inutilidades que alimentam a “balbúrdia” nas universidades públicas, aliás, elas próprias alvo da tesoura ideológica implacável do novo governo. E temos a ministra Damares e o chanceler Araújo, com o guru Olavo de Carvalho, pairando sobre tudo e todos.

E Bolsonaro tinha de declarar apoio ao craque Neymar, acusado de estupro e agressões por uma moça? “Ele está em um momento difícil, mas acredito nele. Neymar, hoje à noite estamos juntos!”, avisou o presidente, antes de ir ao jogo Brasil-Catar e visitar o jogador num hospital em Brasília.

Não se deve demonizar nem santificar Neymar, mas vai... numa mesa de bar, qualquer um pode achar que Neymar é culpado ou inocente e que a moça é isso e aquilo, mas um presidente da República? Ele assistiu à cena? Ouviu Neymar? A moça? Teve acesso aos autos? Tem informação de bastidores?

Verdade ou não, a mensagem subliminar do presidente é que ele não acha nada demais um estuprozinho daqui, uma agressãozinha dali. Afinal, minimizou a gravidade da situação, assumiu sem pestanejar a versão do craque e desqualificou a moça. Homens sempre têm razão.

Espantado com as mudanças propostas por Bolsonaro, o criador e presidente por dez anos da Frente do Trânsito da Câmara, ex-deputado Beto Albuquerque (PSB), acusa: “O Brasil está na contramão, ou andando de marcha a ré”. Não é só no trânsito, deputado!

Brasil regride nas armas, no trânsito, no ambiente, nos costumes, até no bom senso.

Governo do capitão sob rédea curta

Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro o mantém à distância e o trata como se fosse um mero carimbador de suas vontades, o Congresso decidiu reagir. Não quer por bem compartilhar o poder? Será obrigado por mal a fazê-lo, e aguente as consequências.

Com ou sem ideias para tanto, Bolsonaro governará, mas sob rédea curta. A reforma da Previdência será aprovada não porque ele quer, mas porque o Congresso concorda que fora dela não há salvação. O governo tem pressa para votá-la? O Congresso menos.


O governo tem pressa para aprovar o pacote de leis anticrime do ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública? Nesse caso, a pressa do Congresso é nenhuma. O que sair dali no final lembrará pouco o que foi recebido.

Foi posto para esfriar o projeto que facilita a compra e o porte de armas. Ele será modificado. Igual destino terá a proposta do novo e permissivo Código de Trânsito. Como afrouxar regras no quarto país do mundo onde o trânsito mata mais?

Quanto mais liberdade tiver para editar Medidas Provisórias (MPs), melhor para o governo. Pois o Congresso adotou um novo rito para a tramitação das MPs na contramão do que queria o governo. Adeus aos penduricalhos estranhos que antes elas podiam carregar.

Orçamento da União de mentirinha? Aquele que o Congresso aprovava e o governo fingia cumprir? Não. Pelo menos emendas ao Orçamento apresentadas por bancadas estaduais terão que ser respeitadas. É o tal do Orçamento da União Impositivo.

O governo pediu ao Congresso a aprovação de um crédito suplementar no valor de R$ 248 bilhões. Só assim não lhe faltará dinheiro para pagar suas contas. Será atendido, mas devagar. E não no valor que pediu. Vida que segue.

Audácia, empáfica, presunção e ignorância

Neymar Jr é considerado um grande jogador de futebol. Venceu etapas importantes em sua carreira. Eu não entendo nada de futebol, apenas repito, tal qual um papagaio, o que ouço dizerem desse jovem atleta.

Mas sobre esse episódio recente em Paris, longe dos gramados, não estou repetindo a opinião de ninguém. Digo o que penso depois de ler ou ouvir todos os depoimentos sobre o encontro desses dois brasileiros no hotel Sofitel, em Paris.

Primeiro vamos à figura da mulher que escreve para o jogador, homem famoso por seu talento nos campos de futebol. Ela não o conhece pessoalmente, nunca trocaram ao menos um aperto de mão, mas cismou que tem que ter relações sexuais com ele. Não sabe se é sexy, se com ele sua pele fará clique. Ela só sabe que ele é bom nos gramados e que por esse talento recebe fortunas. Mostra ser uma mulher, digamos, audaciosa.

Neymar dela só sabe o que ela lhe garante na mensagem em que se oferece para transar com ele: que ela vale por quatro e que, portanto, valerá a pena pagar-lhe uma viagem Rio/Paris/Rio e sua hospedagem.

Neymar, concluo, sofre de empáfia. Como assim? Ao constatar que ele não duvida da ansiedade dela em estar com ele para transarem livremente. Duvidar por que, se ele se acha o máximo? Sua arrogância é de tal ordem que ele acha muito possível que ela largue o filho aqui no Rio, com o ex-marido (pai do menino), para poder passar uns dias em Paris transando com seu ídolo.

Não é o caso de dizer: ‘Vá ser presunçoso assim no inferno?’ Mas eu vou além disso: arrogante e presunçoso, sim. Mas também ignorante já que não lhe ocorre que o encontro com essa moça deve ser tratado com algum cuidado, dado o fato de sua fortuna ser o objeto do desejo de muita gente. Sendo assim, todo cuidado é pouco!

De uns tempos para cá relatos de estupro têm feito vítimas em muitos lugares do mundo. Se a mulher é atacada em sua cama, em casa, na rua, numa festa, num encontro em algum parque, ou seja, em determinadas circunstâncias e em lugares onde ela está desprotegida, em perigo, é preciso além de não duvidar da queixa interceder para que a PF examine com muito cuidado para concluir pela verdade. E se o estupro for comprovado, que o estuprador seja julgado e condenado com a seriedade que o fato exige.

Mas num caso estranho como esse num quarto em Paris, vamos ser francos: tem algo nessa história que não bate. Posso acreditar numa mulher que se queixa de agressões e de violência sexual num dia, mas convida o agressor para um segundo encontro no dia seguinte, alegando que fez isso para conseguir provas do ocorrido no dia anterior? E não é que ele comparece ao segundo encontro, no qual é filmado, como se vê num vídeo que, francamente, dá até aflição assistir?

Dá para acreditar numa mulher que vai preparada para uma noite de sexo levando um celular para filmar os dois em ação, mas se esquece de levar preservativos? 

E num homem milionário que se sabe muito visado e que vai a um encontro com uma mulher que nunca viu, sem levar preservativos?

Amigos, sinto muito, mas esse roteiro não está bom.

Pensamento do Dia


Capitalismo sem ética não é capitalismo, é crime organizado

Desde o dia 1º de janeiro, a formação da opinião pública no Brasil oscila nas incertezas de palavras redefinidas pelo conflito ideológico. Com as que ontem se queria dizer uma coisa, hoje se quer dizer outra. Conceitos viraram preconceitos e, nessa forma, encheram a boca dos que dizem o que já não sabem. O não saber ganhou aqui uma linguagem.

Por seu lado, os que ouvem esse dizer indizente estão mais confusos do que suportam, acostumados que estavam com uma linguagem simples e clara que todos conheciam. A nova linguagem é a da incerteza com que nos fazem pensar sem querer e querer sem pensar. O real está desencaixado, anômico.

Essa linguagem nos tem sido apresentada como se fosse a de uma nova era, direita e de direita, contra uma era só de esquerda. Mas estamos confusos até mesmo quanto ao que quer dizer direita e, mais ainda, quanto ao que quer dizer esquerda. Fica evidente que quem perdeu o poder, perdeu-o porque sua fala foi esvaziada pelo desenraizamento. Em todas as eleições dos últimos anos, as esquerdas foram derrotadas porque não sabiam dizer o que eram. Nem ao que vinham. Perderam-se no desencontro entre linguagem e alianças esquisitas.

A confusa direita acabou revelando que é de direita sem saber o que a direita é, votada por um eleitorado que tampouco o sabe. Tudo o que as esquerdas e o centro fizeram no poder passou a ser avaliado e concebido como o que deveria ser banido eleitoralmente. O não dessa direita é apenas um não sem um sim alternativo.

Os partidos, de esquerda e de direita, esqueceram-se de que a classe média é apenas média. Como toda média, é apenas um ponto na escala de vacilações da sociedade. Para a classe média, direita é o setor político que pode saciar o que a esquerda não lhe deu, no muito mais de sua voracidade, do que queria e até do que a esquerda dissera que carecia.

Essa direita, que não é uma convicção político-ideológica, é em boa parte apenas disposição para seguir quem personifica os urros do ressentimento. Esta confusa direita do poder foi criada na corrosão dos partidos no processo eleitoral, que emergiu das urnas com uma cara desconhecida, sem doutrina nem direção.

Portanto, nesse vocabulário dominado pela incerteza, os significados vão sendo inventados de um dia para o outro. Vários dos membros do governo não têm hoje, sobre o próprio governo, as mesmas certezas que diziam ter no dia 1º de janeiro. Mesmo o presidente da República vem desenvolvendo a peculiar linguagem de desdizer no dia seguinte o que dissera no dia anterior. O vocabulário da dúvida está implantado na alma do poder. É uma técnica antidemocrática de dominação.

Não só lá, mas também nos diferentes âmbitos da sociedade. Num grupo de conversação, testemunhei alguém dizer que a coisa está ficando preta. Na hora, alguém da seita dos politicamente corretos reagiu e repreendeu quem dissera a verdade ao definir a situação com a cor que melhor cabia. "Isso é racismo", acrescentou.

As nuvens negras anunciadoras de temporal, raiz desse dito popular, são apenas nuvens negras. Na boa e quase sempre correta e poética meteorologia popular, esse dito não ofende ninguém, não discrimina as nuvens e nada diz além do fato de que, provavelmente, vai cair um temporal. Ou, em português claro: vai chover, independentemente da cor de quem prognostica ou a de quem se molhará.

Nesse quadro de mudança de sentido das palavras, no incômodo que nos provoca o fato de que o que dizemos já não é o que queremos dizer, há um efeito desconstrutivo e revelador, formador de consciência social e política: capitalismo sem ética não é capitalismo - é crime organizado. Por isso está mais nas páginas policiais dos jornais do que nas páginas econômicas.

Economia que gera 13 milhões de desempregados e fome não é fruto de ciência e competência empresarial, é falta de respeito pelo outro. Partido político sem ética não é partido político: é quadrilha. Por isso, alguns dos nossos estão mais nas mesmas páginas policiais do que nas páginas políticas. Movimentos sociais que não reconhecem o direito à singularidade do outro não são movimentos sociais: são hordas. Por isso escaparam da linha reta do possível para cair prisioneiros do aparelhismo partidário, o peleguismo carneiril da renúncia ao protagonismo histórico a que os simples têm direito.

Socialismo sem liberdade de pensamento, de crítica, de individualidade, de discordância, não é socialismo: é barbárie. Democracia em que todos são iguais perante a lei, mas em que alguns são mais iguais, os de "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, não é democracia. É usurpação política. Governo em que os governantes se acham acima da lei e da ordem não é governo, é golpe.

José de Souza Martins

O revólver e a cadeirinha

O Brasil ganhou mais 47.510 motivos para rever os decretos que facilitaram o acesso a armas de fogo. Este foi o número de mortos por disparos em 2017, um novo recorde na sangrenta história nacional.

O dado está no Atlas da Violência, divulgado ontem pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estudo mostra que as armas são de longe o principal instrumento da morte no país. Foram usadas em 72,4% dos assassinatos.


Os pesquisadores afirmam que a tragédia poderia ser ainda maior. Desde 2003, o índice de mortes por armas de fogo sobe em média 0,85% ao ano. Antes disso, o ritmo de crescimento era seis vezes maior. O motivo do recuo foi o Estatuto do Desarmamento, que dificultou a tarefa de apertar o gatilho.

O Atlas cita fatos e dados que contrariam o discurso armamentista que ganhou força em Brasília. “Há consenso na literatura científica internacional sobre os efeitos perniciosos da difusão de armas de fogo na sociedade”, afirma o documento.

Um estudo de Daniel Cerqueira, do Ipea, mostra que o aumento de 1% na quantidade de armas em circulação produz um aumento de 2% no índice de homicídios. Duas teses de doutorado apresentadas na USP e na FGV chegaram à mesma conclusão.

“Se o Estatuto do Desarmamento funcionou como um freio dos homicídios no Brasil, hoje nós vemos a situação mudando com uma flexibilização total sobre arma de fogo”, alertou Cerqueira.

Os números do Atlas deveriam convencer os políticos a reforçarem o controle sobre as armas. No Brasil de 2019, ocorre o contrário. O presidente decidiu afrouxar a lei qualquer base científica. Disse apenas que o “cidadão de bem” tem direito ao próprio revólver.

O desprezo pelas estatísticas também está por trás da decisão de acabar com a multa para os motoristas que se recusam a usar a cadeirinha. As mortes de bebês e crianças no trânsito caíram 60% depois de 2008, quando a regra atual entrou em vigor. Entre a retórica do palanque e a responsabilidade de preservar vidas, o governo aposta no que dá mais votos.

A arrancada de Bolsonaro

O mundo político preocupado em encontrar uma ampla saída para a crise desistiu de imaginar que a relação entre os Poderes possa ser fundamentalmente distinta da atual. O presidente Jair Bolsonaro oscila entre tapas e beijos no trato com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, postura difícil de se chamar de “conduta tática” (se é que existe um objetivo estratégico). É simplesmente ao sabor dos acasos quase diários da política cotidiana. Portanto, de baixa previsibilidade.


Ocorre que é o nó político que precisa ser desatado quando se pensa em qualquer questão fundamental: gastos públicos, reforma tributária, insegurança jurídica. Goste-se ou não das escolhas consolidadas nas urnas em outubro, é obrigatório reconhecer que a onda disruptiva tornou ainda mais precário o funcionamento de um sistema de governo que opõe um chefe do Executivo muito forte a um Legislativo cheio de prerrogativas, mas fracionado e com partidos políticos que, em sua maioria, nem merecem esse nome. Receita para um desgaste permanente, de parte a parte.

Em outras palavras, a transformação empurrada em boa parte pelo lavajatismo, e seu esforço em estabelecer um controle externo ao sistema político, agravou o fator de crise “estrutural” das instâncias que se mostram há muito tempo incapazes de lidar com questões como a fiscal – para falar apenas do problema mais agudo de curtíssimo prazo. O fenômeno é de amplo alcance e transcende os nomes de Jair e Rodrigo (e de Toffoli também). Daí a forte desconfiança (total descrédito talvez fosse a melhor expressão) com que foi recebido o tal “pacto entre Poderes”. Fatores de longo e curto prazos combinaram-se para a atual tempestade perfeita.

Essa tempestade se caracteriza pela imensa dificuldade percebida em “arrancar” em alguma direção – e não é por falta de diagnóstico ou de palavras. O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi apenas o último a dizer, na Câmara, na terça-feira, que a economia está estagnada há muito tempo, que, sem reformas (além da Previdência), o País não cresce, que a jovem força de trabalho precisa de emprego e aumento de produtividade. E que ele preferia um novo pacto federativo, descentralizador.

O problema é a percepção de que pouco acontece nessa direção. Talvez voluntariamente Guedes expresse uma noção que se amplia nas elites. O de que o nó político é muito mais do que o “toma lá, dá cá” nas relações entre Executivo e Legislativo, nas quais se concentra o já monótono noticiário político de cada dez minutos. Que a corrupção é um problema importante, mas nem sequer o pior. Que a insegurança jurídica, além dos problemas velhos do Judiciário, vem também de decisões políticas do Supremo. E que no público em geral, descrente das instituições (inclusive imprensa), cresce uma raivosa impaciência em relação a “tudo”.

Jair Bolsonaro pode achar que essa raiva lhe favorece no ímpeto declarado de romper o nó político. Por ele entendido até aqui na acepção mais reduzida, a do “toma lá, da cá”. Conscientemente ou não, é formidável o dilema no qual o presidente se colocou: respeitar e ao mesmo tempo desprezar as regras do “sistema” político – que está falido na sua acepção mais ampla. Se ele acha que o dilema tem saída, ainda não deixou exatamente claro com quais meios, além dos apelos à sua base fiel. Nesta semana, quando atravessou a Esplanada e foi ao Congresso, foi falar de pontos na carteira de motorista.

Enquanto a “arrancada” da estagnação política e econômica sugerida pelos eventos de 2018 está se fazendo esperar.

Paisagem brasileira

Praia do Hospício (Araruama,RJ),  Carlos Augusto 

Mapa da morte prova que não existe solução fácil para violência

O recorde de mortes violentas registrado no Brasil é mais uma prova de que não há soluções simples para problemas complexos. O aumento do assassinato de mulheres em casa e a disparada dos homicídios no Norte e no Nordeste são sinais de que o país precisa retraçar seu mapa de políticas públicas.

A última edição do Atlas da Violência sugere que o endurecimento de leis é insuficiente para conter a alta desses crimes. O estudo aponta também que o aumento de circulação de armas de fogo poderia impulsionar ainda mais a barbárie.

Segundo o levantamento do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de assassinatos no país chegou a 65 mil em 2017. A taxa de homicídios cresceu 24% em uma década. A matança foi puxada pelas regiões Norte e Nordeste, onde o índice saltou 68%.

Os pesquisadores atribuem os números ao aumento da renda nesses estados —o que estimula o mercado ilegal da droga— e à guerra entre facções criminosas. Grupos que agiam no Sudeste expandiram suas atividades pelo Brasil e entraram em conflito com quadrilhas locais.

Nenhum governante pode se dizer surpreso. O descontrole sobre o tráfico é tratado como parte da rotina dos estados e continua sem resposta.

Os coordenadores do estudo apontam que a maioria dos homicídios jamais é elucidada e fica, portanto, sem punição. Enquanto isso, medidas como o aumento de penas para o narcotráfico, inserido na lei em 2006, não tiveram efeitos visíveis.

Cresceu também o número de assassinatos de mulheres. Foram 1.407 homicídios dentro de casa, um aumento de 38% em dez anos. A pesquisa aponta ainda uma alta das mortes por arma de fogo nesses casos.

Na apresentação dos dados, o presidente do Ipea quis fazer um “reparo” ao estudo. “Como cidadão, me incomoda a impossibilidade de o cidadão de bem ter uma forma de defender a integridade física, de sua propriedade e da sua família”, disse Carlos von Doellinger. Seria melhor que ele olhasse os números com atenção.

Se é para destruir...

Somos isto e aquilo, e excelentes destruidores dos bens que temos
José Saramago, "Viagem a Portugal"

Bolsonaro, Witzel e Crivella, os comediantes

A comédia é uma arte nobre, que exige talento e espírito (auto)crítico e tem enorme poder de destruição pelo ridículo e pelo riso, muitas vezes, mais contundente do que qualquer discurso político. Não se confunde com palhaçada, que também tem seu valor, mas é mais tosca e ingênua.

O “sinistro” da Educação merecia ser processado pela família de Gene Kelly pela paródia canhestra de “Singin’in the rain” para atacar supostas fake news sobre cortes de verbas, que o expôs ao ridículo até para apoiadores do governo. Queria ser lúdico e didático e foi patético. O fake era ele.

Tentou uma estapafúrdia metáfora cacaueira para mostrar que de cem chocolates do orçamento ele estava tirando só três e uma mordida — para serem comidos em setembro. Mas Bolsonaro não perdeu a chance: “Você não vai sair daqui levando esse pacote de chocolate, não! Tá confiscado 30% aí”.

Bolsonaro é um manancial inesgotável de piadas, intencionais ou não, que vão do pênis dos japoneses a ter mais tinta na sua caneta do que Rodrigo Maia. Só faltou dizer que sua caneta era maior.

Desde Freud já se sabe que atrás de cada piada ou “brincadeira” há um fundo de verdade, que não pode ser dita “a sério”, e se disfarça de humor para se proteger das consequências. E esconder o rancor.

Mas quando ele e seu chanceler dizem que o nazismo e o fascismo eram de esquerda, não estão brincando. Brincadeira seria chamar a Rússia stalinista de direita.

O governador Witzel protagonizou um esquete dos Trapalhões, só que sem o talento deles. Como um Rambo de araque, de metralhadora na mão e sangue nos olhos, marchou para o helicóptero da PM gritando ameaças de morte aos traficantes.

Acabaram metralhando por engano uma tenda de orações vazia e dois dias depois os traficantes reapareceram na TV dominando a área. Gargalhadas no auditório.

#CrivellaNosDáSaudadeDosNossosPioresPrefeitos também se acha um comediante. A última foi que mulheres não entendem de futebol, mas elas acham que é ele que não entende de prefeitura. Nem de mulheres.

Brasil perde jovens para violência em patamar de países como Haiti

Se os jovens brasileiros formassem um país próprio, as taxas de homicídio desse país se assemelhariam às das nações com os maiores índices de violência do mundo. É o que aponta o Atlas da Violência 2019, mapeamento das mortes violentas no país feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com base em dados de 2017, coletados pelo Ministério da Saúde.

O Brasil registrou 65.602 homicídios no ano retrasado, um aumento de 4,2% em relação ao ano anterior e, o mais preocupante, um número recorde que equivale a 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes - mais do dobro, por exemplo, da taxa de homicídios do Iraque em 2015 (ano mais recente com estatísticas da OMS, a Organização Mundial da Saúde).


A OMS considera epidêmicas taxas de homicídio superiores a 10 homicídios a cada 100 mil habitantes.

E, levando-se em conta apenas os dados da violência contra jovens, o cenário é ainda pior: entre os 65,6 mil de homicídios no Brasil em 2017, mais da metade - ou 35.783 - vitimaram pessoas entre 15 a 29 anos, o que leva o Ipea e o FBSP a falarem em uma "juventude perdida por mortes precoces".

Considerando-se apenas essa faixa etária, a taxa brasileira de homicídios por 100 mil habitantes sobe para 69,9. É equivalente à taxa de homicídios (70) que o Haiti, país mais pobre das Américas, registrou nessa faixa etária em 2015, segundo o dado mais recente da OMS.

E, se compararmos o dado às taxas gerais dos países, o "Brasil dos jovens" fica atrás apenas de nações de extrema pobreza e crise, como Honduras (85,7 mortes por 100 mil habitantes em 2015) e Venezuela (81,4 por 100 mil habitantes em 2018, segundo o Observatório Venezuelano da Violência).

"O Brasil é um país de nível social médio mas, na segurança pública, convive com padrões semelhantes aos dos países mais violentos do mundo e de instituições frágeis", diz à BBC News Brasil Renato Sergio de Lima, presidente e pesquisador do FBSP.

"A morte prematura de jovens (15 a 29 anos) por homicídio é um fenômeno que tem crescido no Brasil desde a década de 1980", aponta o estudo recém-divulgado, lembrando que essa é uma idade em que as pessoas têm alto potencial produtivo, que acaba sendo desperdiçado. "Além da tragédia humana, os homicídios de jovens geram consequências sobre o desenvolvimento econômico e redundam em substanciais custos para o país."

Levantamento da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal de junho de 2018 aponta que o Brasil perde cerca de R$ 550 mil para cada jovem de 13 a 25 anos vítima de homicídio, levando-se em conta o quanto o país deixa de ganhar com a capacidade produtiva (o trabalho) da vítima e os custos de saúde, judiciais e de encarceramento ligados a cada morte.

"A perda cumulativa de capacidade produtiva decorrente de homicídios, entre 1996 e 2015, superou os R$ 450 bilhões de reais", diz o texto.

De volta ao relatório do Ipea, traçando um perfil dos casos de homicídios em 2017, identificou-se o seguinte:

- 91,8% das vítimas são homens. Desses, 77% são mortos por armas de fogo;

- 75,5% são negras;

- O pico de mortes é aos 21 anos de idade;

- A maior parte das vítimas tem baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto);

- A maioria das mortes tem se concentrado em 12 Estados do Norte e do Nordeste, muitos dos quais têm visto a violência crescer exponencialmente, na contramão de 15 dos Estados do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, onde os índices de mortes têm diminuído.