segunda-feira, 25 de abril de 2022

As motivações de Bolsonaro para seguir a esticar a corda com o STF

Jair Bolsonaro não tem dia nem hora para arrumar uma crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). Anunciou o decreto de indulto ao aliado Daniel Silveira (PTB-RJ) num feriado de 21 de Abril.

E, na noite de um domingo, ontem, o Ministério da Defesa, por ordem do presidente, divulga uma nota abrindo nova frente com o tribunal ao reagir a declarações do ministro Luís Roberto Barroso, que afirmou que as Forças Armadas são orientadas a atacar o sistema eleitoral.

Bolsonaro ficou possesso na tarde de ontem. Além das declarações do ministro do STF, viu noticiado ainda uma decisão de Barroso determinando que a Polícia Federal analise provas da CPI da Covid contra o presidente da República.

E, na fala de Barroso sobre o ataque dos militares ao sistema eleitoral, irritou profundamente o presidente o ministro ter citado com elogios generais que deixaram o governo como incômodos para o Planalto. Lembrando a frase:

“Não se deve passar despercebido que militares profissionais admirados e respeitadores da Constituição foram afastados, como o general Santos Cruz, o general Maynard Santa Rosa, o próprio general Fernando Azevedo. Os três comandantes, todos, foram afastados. Não é comum isso, nunca tinha acontecido” – afirmou Barroso.

Bolsonaro segue apostando que a quebra de braço contra o STF o garantirá, ao menos, um lugar no segundo turno da eleição. Além de servir como combustível para sua base.

Eleições, jornalismo e o cordão sanitário

Um cordão sanitário na vida política! A experiência tomada da medicina para conter a contaminação da sociedade por notícias falsas e desinformação. Foi a saída encontrada em Portugal para barrar o discurso de ódio da extrema direita e as ameaças à lei e ao sistema democrático. Um movimento que deve ser olhado com atenção, no Brasil, diante do cenário em que vivemos.

A campanha eleitoral antecipa o desafio que o jornalismo terá pela frente numa disputa que se anuncia marcada pelo desrespeito às regras e pela desinformação. Como, na verdade, já aconteceu na eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Kit gay, orgias, Ursal… que fake news teremos de desmentir?

Cobrir, fiscalizar e denunciar aparecem entre as atribuições do jornalismo. O exercício da atividade se dá com base em valores e num código de ética profissional. O respeito aos fatos, a obrigação de checar todos os lados da notícia. O avanço das redes sociais, no entanto, permite a comunicação direta com o público, sem a intermediação das mídias tradicionais, jornais e revistas, rádios e TVs. Nas redes não há condutas definidas — minha casa, minhas regras; não há compromisso de ouvir qualquer outro lado. Na campanha difamatória, nem sequer se encontrará o emissor, o responsável, escondido atrás de perfis falsos e robôs.

No jornalismo profissional existem inúmeras iniciativas para conter a enxurrada de notícias falsas. A Agência Lupa, o consórcio Fato ou Fake, projetos como o Comprova, Verifica e muitos outros, que, na pandemia, ajudaram a salvar vidas.


O alcance das notícias falsas, porém, é enorme — e a resposta é quase sempre reativa, quando as mentiras já se espalharam pelas redes sociais. É preciso que o esforço não se resuma aos compromissos do jornalismo profissional, mas envolva toda a sociedade. Essa é a proposta de iniciativas como a Rede Nacional de Combate à Desinformação, que conquista adesões nas universidades, centros de pesquisa e instituições com responsabilidade social. De todas as áreas, medicina, engenharia, Direito, filosofia…

O que nos leva a Portugal. Lá, os partidos democráticos, de direita ou esquerda, se uniram numa iniciativa republicana no Parlamento: repudiam, denunciam e neutralizam qualquer ato, discurso ou proposta que propague mentiras, ameaças à democracia ou defendam ações criminosas de qualquer tipo. A ação se tornou conhecida como “cordão sanitário” — na epidemiologia, uma barreira criada para impedir a proliferação de agente infeccioso. Nenhum ataque que possa representar crime fica sem resposta.

O desafio da sociedade é que empresas, entidades e organizações afirmem seu compromisso ético com a informação, como um direito de todo cidadão, sem o qual será impossível formar juízo sobre qualquer tema e escolher livre e conscientemente o destino do país. Vale para igrejas, empresas, instituições, times de futebol, todas as representações que contam com mídias próprias e devem afirmar seu valores. O pacto com a democracia é a melhor vacina.

Generais e Bolsonaro, a pior ameaça ao Brasil

Cada vez mais se estreita a aliança entre as Forças Armadas e o atual presidente da República. Esse elo é a mais séria ameaça a nossas instituições e a nossa democracia. Esse tal Daniel Silveira, deputado desordeiro, golpista, ofensivo e brutamontes condenado pelo Supremo a oito anos de prisão por querer “a cabeça de ovo do Alexandre de Moraes numa lixeira”, não passa de mero figurante. Tão ridículo que fez rir a vice-procuradora-geral da República ao ler suas ameaças. 

Daniel Silveira é a cópia marombada do amigo Eduardo Bolsonaro – o mesmo que ironizou a tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão, dizendo ter “pena da cobra”. Nada do que Daniel pensa e faz é diferente do que pensam e fazem o presidente e seus filhos. Quebrar a placa da Marielle. Elogiar o AI-5. Recusar máscaras e tornozeleira. Ofender policiais mulheres. Exigir destituição dos ministros do STF. Tudo mais do mesmo. 


A diferença entre Daniel Silveira e Jair Bolsonaro é o grau de ameaças a Alexandre de Moraes, inimigo público de ambos. O deputado foi condenado não por chamar o juiz de “marginal”, mas porque o ameaçou fisicamente. O presidente exige o impeachment do juiz e não cessa de provocá-lo: “O Alexandre de Moraes falou que quem desconfiar do processo eleitoral vai ser cassado e preso. Ô Alexandre, eu tô desconfiado. Vai me prender? Vai cassar meu registro?” 

Onde? Em que país minimamente civilizado um presidente eleito destrata dessa maneira um ministro do Supremo que nem o ameaçou de nada? Alexandre de Moraes vai comandar a Justiça Eleitoral na campanha. A democracia comporta essa falta de decoro e compostura? Eu sei, decoro e compostura inexistem na casa dos Bolsonaro. Os filhos foram deseducados assim. É um tabefe na cara das famílias brasileiras essa grosseria cotidiana. 

Mas o tabefe virou soco na última semana. Uma luz amarela acendeu no país. Revelados pelo GLOBO, os áudios comprovando que o Superior Tribunal Militar conhecia e discutia as torturas e sevícias a presos na ditadura – sem poupar as grávidas – foram uma viagem dolorosa na máquina do tempo. O Brasil ainda estava chocado com os áudios quando levou outra paulada: a indiferença, a ironia, a crueldade, o escárnio, a ignorância de nossos militares diante desse resgate histórico. 

Se algo ficou claro com a falta de arrependimento e empatia dos generais, é que não deveriam ter sido anistiados. Mas o buraco atual é mais em cima. Não são livros de armas de fogo ou deputados de baixa estirpe que devem nos atemorizar. A ameaça vem da comunhão entre as Forças Armadas e Bolsonaro. Todos fãs explícitos de torturadores como o coronel Brilhante Ustra. Entre imunidade e impunidade, não é só uma letra que faz a diferença.

Faz dois anos já. Publiquei aqui a coluna “Bolsonaro fala uma verdade”. Escrevi. 

As Forças Armadas estão sim com ele. Os militares o apoiam. Não em bloco uníssono. E não em todas as barbaridades. Mas na essência. Os militares do Planalto estão inebriados com o poder e com a revisão histórica do golpe de 1964 e da ditadura. Só ingênuos insistirão na tese de que os generais podem puxar o tapete vermelho de um capitão inculto, indisciplinado e autoritário ao extremo. Eles se usam mutuamente. De autoridade os militares entendem. De alinhamento total, também. Detestam que os outros poderes não batam continência para eles. 
Isso publiquei em maio de 2020.

Quanta responsabilidade temos todos em 2022. Nós e nossos filhos. Obrigada, Míriam.
Ruth de Aquino