segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

As veias abertas de um governo em agonia

A cada dia, aumenta a agonia do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo com a retomada do avanço da pandemia do coronavírus. O próprio ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, admitiu que ainda não se trata de uma segunda onda do mal, mas da primeira que ainda não quebrou de todo.

O Brasil é o terceiro país com o maior número de casos, atrás apenas de Estados Unidos e Índia. E o segundo em número de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos. Foram 483 nas últimas 24 horas, de um total de 203.140, com pouco mais de 8 milhões e 100 mil infectados.

O vírus pisou no acelerador duas semanas após o início das festas de fim de ano. A tendência é que os números cresçam ainda. É por isso que os nervos do presidente e dos que o cercam estão à flor da pele. E, à falta de vacina, a ordem é produzir fumaça para desviar a atenção sobre o que acontece.

Recentemente, Bolsonaro disse a um grupo de devotos à entrada do Palácio da Alvorada que o Brasil está quebrado e que ele não pode fazer nada. Significa então: o país quebrou no colo dele. Porque antes não estava quebrado. No Congresso, ninguém o impediu de governar. Tampouco na justiça.

O que ele fez em dois anos? Nada, além de armar as pessoas como sempre defendeu, entregar a Amazônia aos cuidados dos desmatadores, a Educação a uma penca de ministros ineptos, a Cultura a quem tem horror a ela, e pôs nas Relações Exteriores um capacho, orientando-o a se curvar aos Estados Unidos.



Não fez reforma alguma – herdou de Michel Temer a da Previdência, mas não se envolveu com ela. As privatizações de empresas estatais prometidas? Nenhuma. O auxílio emergencial de 600 reais foi invenção do Congresso. Se Bolsonaro tivesse sido atendido, o auxílio chegaria, no máximo, aos 300 reais.

Atravessou a pandemia desdenhando dela e exaltando os efeitos milagrosos de drogas comprovadamente ineficazes. A aposta inicial em uma única vacina foi mais um grave erro. Para completar, seu terceiro ministro da Saúde em menos de um ano sequer conhecia o SUS antes de assumir o cargo.

Sabe que deverá substituí-lo em algum momento – mas qual? Antes, durante ou só depois da vacinação? Mas seu governo se aguenta de pé se a vacinação em massa fracassar ou demorar em excesso? Se não bastasse, sua referência no mundo está de saída do poder – e que maneira encontrou para sair…

Donald Trump cederá a cadeira a quem Bolsonaro publicamente desejou que fosse derrotado. O presidente do Brasil foi um dos últimos chefes de Estado, se não o último, a cumprimentar Joe Biden pela vitória. E o único a dar razão aos invasores do Congresso americano chamados por Biden de “terroristas”.

Convenhamos: para quem reconheceu não ter nascido para ser presidente, nunca teve um projeto para o país, não gosta de pegar no pesado e valoriza tão pouco a vida alheia, tudo isso é, e com razão, um grande tormento. Só não faz sentido ele querer se reeleger. Pode ser um sacrifício a mais que fará pelos filhos.

É bom que se frise: o Brasil não está quebrado, Bolsonaro é que não tem conserto. De todo modo, vida longa a ele para que colha o que plantou.

Pensamento do Dia

 


Ameaça é crime, no Código Penal. Ameaça de golpe também é?

Vitória de Bolsonaro: o Brasil superou a marca de 200 mil mortes pela covid, resultado favorecido por seu negacionismo, por seu desleixo em relação à máscara, por sua presença em aglomerações e pela recusa a coordenar o combate à pandemia. Exemplos indignos de um governante foram acompanhados de manifestações de desprezo à vida alheia, sintetizadas em duas palavras famosas: e daí?

Foi uma grande semana para o chefe do desgoverno brasileiro. Seu guia intelectual, moral e político, Donald Trump, atiçou um assalto ao Congresso, tentou impedir a certificação da vitória de Joe Biden e estimulou Mike Pence, vice-presidente da República e presidente do Senado, a inverter o resultado da eleição. Pence recusou-se a cumprir a calhordice. Nos Estados Unidos a tentativa de golpe fracassou, mas sobrou a inspiração. Lá pode ter falhado, mas falhará no Brasil?



Algo “pior” poderá ocorrer por aqui, avisou Bolsonaro, se ainda houver voto eletrônico em 2022, isto é, se a sua vontade for descumprida. “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que o dos Estados Unidos”, disse ele àquele auditório disposto a aplaudir qualquer barbaridade pronunciada por seu líder.

Mais que um aviso, foi uma evidente ameaça. Assim o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, interpretou – corretamente – a fala de Bolsonaro. Afinal, que rebanho golpista ousará atacar o Congresso Nacional, e talvez o Supremo Tribunal Federal, sem a liderança de um candidato a tiranete, saudoso da ditadura militar e defensor da tortura?

Pelo Código Penal, ameaça é punível com detenção, de um a seis meses, ou multa. O crime é caracterizado no artigo 147: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Qual o freio aplicável a quem anuncia algo “pior” que os eventos de quarta-feira em Washington – invasão e depredação do Congresso e tentativa de mudar, num golpe, o resultado da eleição?

Não há como desconhecer ou menosprezar o risco. O autor da ameaça já compareceu a manifestações golpistas, discursou diante de quem defendia o fechamento do Legislativo e do Judiciário e tentou envolver as Forças Armadas em suas manobras autoritárias. Mais de uma vez elogiou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado judicialmente como torturador, e o descreveu como herói nacional. Há poucos dias fez piada sobre a tortura sofrida na juventude por Dilma Rousseff, futura presidente do Brasil. A reação indignada uniu ex-presidentes, políticos e cidadãos de diferentes ideologias.

Há quem tente minimizar as barbaridades bolsonarianas como se fossem palavras e gestos sem consequência, reflexos de um estilo pessoal e de “um jeito de falar”. Mas nada disso é mera questão de jeito, de informalidade excessiva ou mesmo de uma rudeza franca e inocente.

Em Bolsonaro, a indisfarçável grosseria aparece misturada com o obscurantismo, o preconceito, o culto da brutalidade e a tendência autoritária. Quando ele manifesta, como em 23 de agosto, o desejo de “encher na porrada” a boca de um repórter, depois de uma pergunta incômoda, todas essas características se manifestam. São marcas de um caráter, mas são também – e isto é o mais importante, politicamente – mais um alerta para quem deseja a preservação e o aperfeiçoamento da democracia.

A relação sempre difícil de Bolsonaro com a imprensa é mais que a expressão de uma dificuldade pessoal. É a comprovação de seu horror a um componente essencial da liberdade política. Incapaz de se relacionar democraticamente com a imprensa, ele prefere comunicar-se de forma unilateral, por meio de lives e de manifestações diante de um cercadinho de apoiadores embasbacados.

Diante desses admiradores ele exorciza a própria incompetência, inocentando-se de suas omissões e de seus erros. Se deixou de mexer na tabela do Imposto de Renda, foi porque o País está quebrado, afetado por um vírus “potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter”.

Além de lançar a fantástica tese de um vírus potencializado pela mídia, Bolsonaro expôs o Tesouro Nacional – e, de fato, a economia brasileira – aos efeitos de uma declaração de quebra, isto é, de insolvência. Ninguém o levou a sério, naturalmente. O Brasil continua solvente, apesar do enorme custo fiscal das ações emergenciais de 2020. Mas há sinais de susto, no mercado, diante das barbaridades e irresponsabilidades de um presidente inepto para governar, ignorante de suas funções e concentrado em objetivos pessoais, como a reeleição e a defesa de filhos suspeitos de rachadinhas e lavagem de dinheiro.

Incapaz de entender a Presidência e seus limites, Bolsonaro vive em conflito com a ordem democrática. Confunde governar com mandar, insiste em moldar as instituições segundo seus objetivos pessoais e familiares e aposta no apoio de milhões de desinformados manipuláveis por meio de redes sociais. Seria enorme erro menosprezar suas ameaças. Trump fracassou ao tentar o golpe, mas o exemplo e a tentação permanecem.

Não consegue ou não sabe governar?

O presidente Jair Bolsonaro parece ter “jogado a toalha” ao se referir às dificuldades econômicas que o Brasil tem enfrentado e afirmar, de forma peremptória: “o Brasil está quebrado... Eu não consigo fazer nada”.

Discursos de vitimização, de impotência governativa ou de transferência de responsabilidade para outros Poderes sob o argumento de que o governo estaria impedido de governar não são novidade em regimes democráticos e muito menos em sistemas presidencialistas multipartidários, como o brasileiro.

Um exemplo extremo é o do ex-presidente Getúlio Vargas que, em carta-testamento, invocou “as forças e os interesses contra o povo” para justificar seu suicídio em meio a uma grave crise política de seu governo minoritário, agravada após o atentado perpetrado contra o principal líder da oposição, o jornalista Carlos Lacerda.

De forma similar, em sua carta de renúncia à Presidência, o ex-presidente Jânio Quadros argumentou que estaria sendo impedido de governar por “forças ocultas”. Ele desprezou as regras do jogo político, não negociou com os partidos e tentou governar apesar do Legislativo. O descaso de Jânio com o Congresso Nacional era patente.


O ex-presidente José Sarney também reclamou veementemente da suposta dificuldade de se governar o Brasil ao afirmar que “a Constituição de 1988 tornou o País ingovernável”. Chegou a aconselhar o então presidente eleito Fernando Collor que “não se governa sem apoio político”. “Nós tentamos tudo, experimentamos de tudo. O que faltou foi apoio político. O problema do País não é econômico, é político”, vaticinou Sarney.

Parece que o ex-presidente Collor não deu ouvidos aos conselhos de seu antecessor. Recentemente reconheceu que o principal equívoco de seu governo “foi não ter construído uma base parlamentar de apoio que concedesse a solidariedade do Congresso ao presidente da República em um momento de necessidade”. Para Collor, “governo sem base sólida não dura”, pois considera que “o presidencialismo de coalizão traz no seu bojo a incerteza e o vírus da ingovernabilidade”.

O que há de comum em todos esses reclamos de presidentes em relação ao sistema político brasileiro?

Todos esses presidentes escolheram governar na condição de minoria ou tiveram grande dificuldade de construir e de gerenciar de forma sustentável coalizões majoritárias.

Não entenderam que no presidencialismo multipartidário o presidente é o agente central, uma espécie de CEO do jogo político. Suas escolhas acarretam consequências, a despeito das instituições. Não existe “piloto automático” para se alcançar a governabilidade. As decisões e estilo de gerência do presidente são essenciais. Sem esse CEO coordenando os partidos de sua coalizão, as maiorias legislativas, quando formadas, tornam-se instáveis e imprevisíveis, fazendo com que os custos de governabilidade aumentem ou mesmo se tornem proibitivos.

No sistema multipartidário, presidentes necessitam tomar pelo menos quatro decisões na montagem e sustentação de coalizões: 1) número de partidos que farão parte da coalizão; 2) perfil ideológico dos aliados; 3) poder e recursos compartilhados entre os parceiros; e 4) proximidade entre a preferência da coalizão e a mediana do Congresso.

A escolha do presidente por montar coalizões com muitos partidos, ideologicamente heterogêneas, que não contemplam a distribuição proporcional de poder e recursos e que são distantes da preferência do Congresso tendem a gerar menor sucesso legislativo e a ser mais caras ao longo do tempo.

Portanto, quando Bolsonaro choraminga argumentado que “não consegue fazer nada” revela, na realidade, que não sabe governar.

Aviso aos navegantes


Vida longa ao presidente Jair Bolsonaro para que ele possa colher o que plantou. 

Saída para Trump: matar-se

Enquanto não entregar as chaves da Casa Branca no próximo dia 20, Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos em exercício, continua na posse de seus poderes. E isso é o que muitos temem. Trump é hoje um perdedor ainda com o dedo no gatilho. Se quiser jogar uma bomba no Irã, dispõe dos códigos necessários. A esperança é que esteja tão deprimido que não reúna forças nem para se olhar ao espelho. Pois, se for o caso, Trump teria uma saída capaz de fazer dele um herói, um mártir, um ícone eterno para seus seguidores idiotizados. Matar-se.



Nós, brasileiros, sabemos que é uma boa ideia. Ao suicidar-se, em 1954, Getulio Vargas zerou sua antiga imagem de torturador e sanguinário, simpático ao fascismo, e se eternizou como o velhinho bonachão e progressista vítima do capitalismo internacional assassino. Getulio soube fazer --escreveu uma carta-testamento com a frase "Deixo a vida para entrar na história" e deu um tiro no coração. Infalível para produzir milhões de viúvas.

Mas o tiro precisa ser no coração, não na cabeça. Este só faz uma lambança, com sangue, miolos e cacos de osso para todo lado. Já o tiro no peito é clean. Mantém o rosto intacto, apto a servir de modelo para uma máscara mortuária e futuros bustos e estátuas, indispensáveis à lenda. Para Trump, teria também a vantagem de não lhe desfazer o penteado.

No Brasil, Jair Bolsonaro, seu último aliado no mundo, repete como um papagaio que Trump foi roubado nas eleições e já começou a anunciar que, em 2022, o mesmo acontecerá aqui. O falso alarme de Bolsonaro é preventivo --visa justificar sua possível derrota.

Pois sua prevenção poderia ser ainda mais radical. Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais.

O chato do catequético

Está ficando difícil ser um cara comum. Feijão com arroz. Papai-mamãe. Viver e deixar viver. Comer e deixar comer. Beber e deixar beber. Cada um é dono do seu nariz. Se cresce como o de Pinóquio, cuidado, procure um..padre, pastor, monge budista, mãe-de-santo. Ou Não procure ninguém. Você é ateu? Não disputou eleição? Segure o tranco. Na hora do aperto não use o nome D’Ele em vão. Seja macho! E mentiroso!

Aí danou-se tudo. Seja fêmea também !Ninguém tem nada com o que você faz ou deixa de fazer com seus apetrechos genitais e prazeres afetivo-carnais. Cuidado, não caia na onda do chato catequético, o cara que se acha na missão de converter você a qualquer coisa e, o pior, bem intencionado.

Começa com a carne vermelha. Não! É um veneno; entope coronária; condena você à gota por conta da taxa elevada de ácido úrico (sem contar com a fabricação de pedrinhas e a dor insuportável parecida com o “parirás com dor”). E no limite, mexe na bondosa consciência dos que condenam as dores reais do “animalicídio”. O vegano bem que tem suas razões. Minha preocupação é o efeito-estufa do pum da população bovina. O aquecimento global vai virar um churrasco planetário.

Fique atento ao peso. Caminhe, corra, fortaleça a musculatura, funcional, RPG, pilates, yoga, meditação, é a receita de uma vida saudável que termina num cadáver admiravelmente “sarado”.

Beba água, muita água. Não se afogue. Tire mais da água, mijo e impurezas e pele hidratada, porque nós somos água e, paradoxalmente, à terra voltaremos. Muito bom para o intestino. Há uma grande sabedoria que ouvi de uma sábia grã-fina: “não deixe merda azedar”. Este é um problema. A constipação. Que sofrimento! Nem todos, infelizmente, são iguais perante a lei, mas perante o vaso sanitário, predomina indiscutível isonomia: que alívio!

Não acredite em vacina! Bicho que você não vê, não pega e ainda botam, vivo ou morto, dentro da gente para brigar com os colegas. Se é guerra, vamos à luta com experiência, valentia e armados. Vamos vencer. Morreu? Não foi morte matada, foi morte morrida. Acontece hoje e vai continuar acontecendo. E a nova cepa? Cepacol resolve.

Política? Tô fora! Entreguei os pontos. É um pastoril sem Diana. Perdeu a graça. Só tem azul ou encarnado. Fascistas ou comunistas. Amigos ou inimigos mortais. Tem muito isentão e traíra. Tudo vestido de cinquenta tons de cinzas.

Brasil do 'racha'

 


Dois anos de desgoverno – os efeitos da antipolítica

Bolsonaro é o terceiro outsider da direita brasileira que chega à presidência nos últimos 60 anos. Jânio Quadros e Fernando Collor o antecederam. Os dois não completaram seus mandatos. Jair Bolsonaro possui uma diferença fundamental em relação aos outros dois que também se elegeram destacando a luta contra a corrupção e tentando traçar uma relação entre esquerda e corrupção no governo: o bolsonarismo tem traços maiores de movimento do que de forma de governo e o presidente tem atuado desde o início da pandemia na tentativa de acentuar o lado movimentalista do bolsonarismo, tal como assistimos na sua já notória ida a Praia Grande na manhã do dia 04 de janeiro para cumprimentar todos aqueles que furavam o isolamento social e não usavam máscara protetora.

Nessa breve avaliação dos dois anos de governo Bolsonaro irei defender uma tese: o Bolsonarismo é tanto um movimento quanto uma forma de governo; o presidente gosta mais da parte movimentalista do bolsonarismo, mas a sobrevivência do bolsonarismo será determinada pela sua capacidade de governar. Bolsonaro tornou-se presidente sem ter qualquer capacidade para exercer o cargo. Na verdade, o Bolsonarismo não surgiu como uma forma de governo e não faz parte da proposta do capitão tentar governar. A anticandidatura pífia à presidência da câmara em 2017 para a qual Bolsonaro recebeu quatro votos, a mudança constante de partidos e uma verborragia extremista pareciam garantir essa posição.

Como já tive oportunidade de explicar no livro Política e antipolítica: a crise do governo Bolsonaro (Todavia), dois eventos são centrais na transformação de Jair Bolsonaro em liderança política nacional e os dois ocorreram no início de 2016. No momento da condução coercitiva do ex-presidente Lula, Bolsonaro estava em frente à sede da polícia Federal e ali externou uma posição que se tornou famosa: “O PT deve ser afastado do convívio democrático e da liberdade”.

Mas foi no dia 17 de abril, dia da votação da autorização para o impeachment da ex-presidente Dilma, que Bolsonaro tornou-se líder inconteste da direita brasileira. O então deputado federal declarou o seu voto da seguinte forma: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”. Com esse voto, Bolsonaro se habilitou como líder da direita brasileira que vinha se reorganizando desde 2015. O Bolsonarismo como movimento deslanchou a partir desse momento, mas ainda não havia se habilitado para se tornar uma proposta de governo.

O Bolsonarismo se transforma em proposta de governo a partir da interdição do ex-presidente Lula e do fracasso retumbante do candidato do PSDB Geraldo Alckmin nas eleições. Ali, membros da operação Lava Jato e forças do mercado conseguem o apoio incondicional da grande imprensa à operação de normalização política do Bolsonarismo e à aceitação do capitão reformado no mainstream da política. Jair M. Bolsonaro faz um movimento em direção à governabilidade por meio de uma operação de eficácia duvidosa que envolveu a aceitação de um conjunto de propostas de reforma econômica conduzida por um indivíduo que seria a mistura perfeita de autoritarismo e liberdade econômica, Paulo Guedes. A operação ainda envolveria alguns acenos a grupos conservadores dentro do sistema político, entre os quais, cabe destacar os Democratas que são contemplados com três ministérios, o da Casa Civil com Onix Lorenzonni, o da agricultura com Thereza Cristina Dias e o da Saúde com Luiz Eduardo Mandeta.

Dois pontos de tensão surgem de imediato com a proposta de semi-governabilidade acatada pelo capitão insurgente. O primeiro deles, é que o capitão precisa agradar à sua base movimentalista e, para isso, foi preciso tensionar membros do sistema político, expondo suas mazelas ligadas à corrupção e ao privilégio político. Bolsonaro escolheu Onix Lorenzonni para essa função, ora humilhando-o em público, ora atribuindo-lhe responsabilidades que não eram dele, como no caso do voo privado de avião do amigo dos filhos do capitão. O mesmo ocorreu com o ministro do turismo Álvaro Antônio e depois com Osmar Terra. Ou seja, Bolsonaro precisou mostrar, nos seus dois primeiros anos de governo, que ele compôs com um sistema político que ele controla e, se desejar, humilha. Assim, temos o primeiro elemento de tensão que não é bem com a governabilidade e sim com os políticos.

O segundo ponto de tensão é mais complicado e levou ao conflito com Sergio Moro e Luis Henrique Mandetta. Nesse caso, a questão central é que o bolsonarismo, como movimento, e os interesses do clã estão acima das políticas públicas. A falta de caráter e de clareza política de Sergio Moro torna difícil apontá-lo com alguém interessado em implantar políticas de segurança pública. Em diversos momentos na sua trajetória, ele realizou acordos por debaixo do pano em relação à operação Lava Jato e, ao que tudo indica, sempre teve um projeto político baseado no punitivismo e não na segurança pública.

Ainda assim, em alguns momentos, Sérgio Moro teve arroubos de gestor e fez propostas na área de segurança pública que imediatamente encontraram oposição por parte do capitão porque se chocaram com os interesses da sua base movimentalista. A interferência, por motivos políticos, na Polícia Federal tornou insustentável a permanência do ministro porque significaria se engajar com o bolsonarismo, com o movimento que coloca os interesses do clã acima da governabilidade.



O Bolsonarismo, como movimento, precisa contar com a complacência dos órgãos de segurança pública porque ele tensiona as instituições políticas no seu limite e, ao fazê-lo, frequentemente ultrapassa os limites da lei e se choca com o bolsonarismo como governo. Esse é um conflito ainda não resolvido pelo capitão ou pelo populismo de direita, tal como vemos no Trumpismo na última semana. Ambas as propostas sinalizam para as suas bases a ultrapassagem de limites legais.

No entanto, o maior conflito dos dois anos de governo Bolsonaro que também se insere no campo bolsonarismo como movimento versus bolsonarismo como governo, se deu na resposta à pandemia. A saúde foi uma área de composição entre o bolsonarismo e a governabilidade desde a posse do capitão até março de 2020. A nomeação de Luis Henrique Mandetta sinalizou uma composição entre esses objetivos: de um lado, Mandetta havia se destacado na luta contra o programa “Mais Médicos” na Câmara, se habilitando, portanto, entre as bases bolsonaristas.

De outro lado, ele representava uma agenda privada já que havia sido superintendente da UNIMED e tinha até mesmo experiência no SUS durante sua gestão na secretaria de saúde de Campo Grande. O problema é que o bolsonarismo se incomodou com uma resposta baseada na governabilidade no início da pandemia e radicalizou sua posição de semi-governabilidade para antigovernabilidade, tal como a reunião ministerial do dia 22 de abril mostrou.

Se o presidente forçou uma radicalização da concepção movimentalista contra o isolamento e conseguiu estabilizar o seu governo a partir dela, ele corre perigos gravíssimos se tentar fazer o mesmo em relação a vacinação contra a COVID em 2021. Há uma diferença que pode eventualmente apontar para o fim do Bolsonarismo. Explico. O isolamento social foi polêmico e produziu resultado diversos em diferentes países, de modo que ele não produz uma concepção de incompetência política absoluta.

A vacinação parece ter níveis muito superiores de consenso ao seu redor e tudo indica que apenas o governo Bolsonaro, entre os governos populistas de direita do mundo, se engajou em uma campanha anti-vacina contra a COVID. Por outro lado, as bases bolsonaristas são mais vocais contra a vacina do que contra o isolamento e isso deve mobilizar o capitão, uma vez que a vacinação é um ponto de honra para concepções antimodernas e para o fundamentalismo religioso desde o surgimento da Christian Science nos Estados Unidos no século XIX sendo uma das agendas centrais do movimento antipolítica e anticiência nas últimas décadas.

É nesse contexto que não constitui absolutamente nenhuma surpresa a oposição do capitão insurgente à vacina. No entanto, o que deve ser acrescentado à sua concepção antivacina e irá marcar 2021 é que ele está disposto a aprofundar a anti-governabilidade para conseguir que a vacinação não seja exitosa no Brasil. As primeiras escaramuças em relação a essa questão aconteceram na discussão sobre a aprovação emergencial de vacinas, mas vemos outras atitudes que podem ter repercussões ainda mais dramáticas como a ausência de uma política de compra de seringas e o pedido de assinatura de um termo de responsabilidade.

Todas essas questões parecem colocar o Brasil muitos meses atrás de outros países em relação à vacinação e provavelmente terão consequências econômicas e políticas dramáticas. Se de fato o retorno a uma normalidade no Brasil ocorrer meses depois dos demais países e o Brasil se tornar um pária internacional, estarão dadas as condições para o rompimento do pacto de semi-governabilidade ratificado entre o capitão e as forças do mercado. 2021 pode ser o ano do fim do pacto mais macabro celebrado pelas elites brasileiras nos últimos 100 anos, o que não significará o fim do bolsonarismo como movimento.

Este veio para ficar e talvez a campanha antivacina signifique, para ele, tanto quanto o ataque ao congresso significou para o Trumpismo. Ambas as formas de populismo de direta retiram sua energia do movimento anti-institucional que elas produzem. Tudo indica que o bolsonarismo retira a sua energia da luta anticiência e antivacina e o presidente irá se engajar de cabeça nessa luta que pode separá-lo do mercado e até mesmo dos militares.

É nesse quadrado que não apenas o futuro do bolsonarismo, mas provavelmente o das instituições democráticas no Brasil será decidido. Ainda que o bolsonarismo seja derrotado politicamente, e essa chance existe, ele continuará a existir como movimento e a tensionar a democracia brasileira nessa década que se inicia.
Leonardo Avritzer

Contemos os minutos

Está na hora de todo mundo colocar de forma clara essa indignação. Não podemos mais aceitar um ministro que não entende de saúde e um presidente irresponsável que nega o vírus“, afirmou.
Todos estamos cansados disso, desse negacionismo e dessa irresponsabilidade. Está na hora de uma reação forte de todos nós, brasileiros, contra a irresponsabilidade do governo
Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara.

Para nos livramos de Bolsonaro, basta aplicar a 25ª emenda constitucional dos EUA

Todos estão cansados de saber que o Brasil (ou Brazil) na verdade é uma filial da matriz United States of America (USA) e durante muito tempo foi chamado de Estados Unidos do Brasil, seu primeiro nome oficial durante o regime republicano, da Proclamação da República, em 1889, até 1967, quando o regime militar aprovou uma reforma constitucional e eliminou essa denominação.

No ano seguinte, 1968, o Congresso então votou um projeto relatado pelo deputado Gustavo Capanema (UDN-MG) e o país passou a se chamar República Federativa do Brasil, porém jamais deixou de ser filial dos USA.

Nenhum país gosta de ser subsidiário a outra nação mais potente. A denominação Estados Unidos do Brasil dava a entender que isso aqui poderia ser o Brasil dos Estados Unidos, e os militares não somente eliminaram essa possibilidade de erro, como também avançaram muito na autonomia política, social e ideológica do país, sem submissão aos estrangeiros, e a relação com os Estados Unidos foi entre tapas e beijos, digamos assim.

Essa política admirável vinha se consolidando desde a proclamação da independência, com a diplomacia altiva e nacionalista que sempre caracterizou o Império, especialmente na atuação de Dom Pedro II e do Barão de Rio Branco, dois estadistas que merecem que lhes tiremos o chapéu, como se fazia na época.


Essa antiga relação subjugada de matriz e filial vinha se deteriorando, até que o presidente Jair Bolsanaro formasse sua equipe e se assumisse como americanólatra, fazendo o possível e o impossível para submeter o Brasil aos Estados Unidos.

Com dois anos de governo, ficou patente que Bolsonaro não tem equilíbrio emocional e político para governar o país. Em consequência, há os que preguem sua renúncia, que não acontecerá, enquanto outros defendem o impeachment, que exige uma tramitação longa, não é solução a curto prazo.

Nesse momento é que sentimos a falta da 25ª emenda à Constituição dos Estados Unidos. Imitamos tanto os norte-americanos, mas esquecemos desse detalhe fundamental.

A 25ª emenda estabelece procedimentos para preencher uma vaga quando há incapacidade do presidente. E o que nos interessa é a Seção 4, que determina:

“Sempre que o Vice-presidente e a maioria dos principais funcionários dos departamentos executivos ou de qualquer outro órgão que o Congresso possa por lei fornecer, transmite ao Presidente Pro Tempore do Senado e ao Presidente da Câmara dos Deputados sua declaração escrita de que o Presidente não pode desempenhar os poderes e deveres de seu cargo, o Vice-presidente deve assumir imediatamente os poderes e deveres do cargo como Presidente em exercício.

Se o Presidente enviar ao Parlamento não de conformar e declarar que não existe incapacidade, o Vice-presidente reafirmar que ele está incapaz, o Parlamento decidirá a questão, reunindo-se dentro de quarenta e oito horas para esse fim, se não estiver em sessão."

Genial! Ou bestial!, como dizem nossos irmãos portugueses.

Um homem sentado no destino do país

Às vezes, é preciso escrever com simplicidade, sem o rigor das páginas editoriais ou a complexidade das teses dos cientistas políticos. Escrever apenas isto: há um homem sentado sobre o destino do Brasil, e suas pesadas e incômodas nádegas não permitem avanço e provocam mortes.

Nem sempre é fácil se livrar desse fardo. Nos Estados Unidos, finalmente, Trump será despachado, como um desses espíritos que se recusam a desencarnar.

Muitos viram na invasão do Capitólio apenas um problema para Biden. Não perceberam que se viviam ali os estertores de uma época, num dia cheio de boas-novas, como as eleições na Geórgia, que garantem aos democratas a maioria no Senado.

Manifestações às vezes enganam. Já participei de centenas na vida. Nem todas sobrevivem na balança da história. Sua fumaça confunde o que sobe e desce, o que nasce e morre no instante.

Não há o que temer no processo de despachar essas figuras nefastas, desde que, é claro, se façam previsões corretas e preparações adequadas.

Quando o coronavírus era uma realidade apenas em Wuhan, escrevi um artigo sobre ele. Previ que, em caso de chegada ao Brasil, a única resposta teria de ser nacional e solidária.

Bolsonaro sabotou essa resposta. Como se não bastasse, demitiu os ministros da Saúde que a aceitavam. Fomos reduzidos a reações atomizadas que, embora fiéis à orientação científica, não têm a mesma eficácia de uma coordenação central.


Ultrapassamos os 200 mil mortes. Não podemos dizer que Bolsonaro seja responsável por todas. Mas algumas, várias delas, devem-se a sua escolha e já bastariam para pesar eternamente na consciência de um homem do bem.

Desde o princípio da pandemia, a vacina apareceu como única saída estratégica, e o mundo científico se dedicou a ela. Bolsonaro preferiu remédios e desconfiou abertamente da vacina, inibindo uma planificação. O atraso que isso significa representa vidas perdidas e energia produtiva paralisada.

Bolsonaro diz que o país está quebrado e ele não pode fazer nada.

Há trilhões de dólares no mundo, de fundos de pensão, bancos, governos, prontos para ser investidos em projetos ambientais e socialmente responsáveis.

Mas todo esse dinheiro não pode vir para cá. Bolsonaro estimula a destruição das florestas e dos bichos com uma política do século passado. Ele e alguns apoiadores acham que americanos e europeus destruíram seu meio ambiente, agora é hora de destruir o nosso: dane-se.

Muitos políticos recusam o impeachment porque acham que podem fortalecer a quem se quer derrubar. Não foi assim nos EUA. Trump sobreviveu ao processo, mas acabou perdendo as eleições.

O problema agora é a existência da pandemia. Se Bolsonaro estivesse sentado apenas sobre o progresso econômico, o nível de gravidade seria menor.

No momento, estamos lutando desesperadamente para salvar vidas, num contexto social em que a fome ronda milhões.

Definido como o grande obstáculo, um homem sentado sobre o destino do país, a resposta simples seria removê-lo. Mas as circunstâncias exigem um esforço combinado, de tal forma que a luta pela vida seja também um passo para afastá-lo. Os dois fatores estão entrelaçados.

Um movimento pela vacina universal e gratuita não pode perder de vista a substância que imuniza, nem o responsável pela sua inexistência a esta altura da pandemia.

Estão dadas as condições para uma ampla articulação para salvar o país da morte. Assim como, guardadas as proporções, quando o Reino Unido se viu diante da ameaça de uma invasão hitlerista, todos os esforços do país convergiram num só sentido de proteção à ilha.

Escrevi: guardadas as proporções.

Muitos brasileiros acham que o país está no caminho certo, e não há o que defender. Nada como o bom debate numa atmosfera democrática. Muitos americanos achavam que Trump era o caminho.

No entanto lá se foi o Trump para o espaço sideral, amplo e aberto para receber terráqueos como ele.

Com trabalho e tolerância, poderemos construir nossa nave e também lançar aos ares o pesado corpo sentado sobre nosso destino.