segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Pensamento do Dia


O pavor que Queiroz infunde aos Bolsonaros

Há farta munição guardada por aí e capaz de produzir sérios estragos nas pretensões dos Bolsonaros. Será disparada aos poucos, de forma calculada, para provocar maior sofrimento.

Uma família que fala pelos cotovelos, e também pelas redes sociais, deixa rastros à beça. O que foi bom para ela no passado recente e ainda parece ser bom, poderá ser muito ruim no futuro próximo.

Talvez seja por isso que o pai e os três filhos recolheram-se ao silêncio desde que começaram a vazar áudios de conversas entre Fabrício Queiroz e interlocutores desconhecidos até aqui.


Somente advogados têm saído em socorro deles. Mais precisamente em socorro do senador Flávio Bolsonaro, ex-chefe de Queiroz, de quem se aproximou por ordem expressa do pai.

Flávio e Queiroz estão metidos no escândalo da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio. Era Queiroz que empregava, ali, funcionários fantasmas e subtraía parte do salário deles.

Os dois estavam sendo investigados pelo Ministério Público Federal até que o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse basta. Desde então Flávio anda caladinho.

Queiroz começou a falar. O que ainda não se sabe é se foi ele próprio que deu um jeito de vazar o que andou dizendo. Ou se foi traído por um dos que o escutavam em um grupo de WhatsApp.

A traição é grave. Mas a eventual simulação por parte de Queiroz seria muito mais. Queiroz disse que se sente abandonado, enquanto Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro, estaria superprotegido.

Pior: Queiroz contou que Bolsonaro, possivelmente antes de se eleger, telefonou para ele e afirmou que iria demitir uma funcionária fantasma do gabinete do seu filho Carlos, o vereador.

A funcionária havia sido descoberta pela imprensa. Mantê-la como falsa empregada do filho criaria problemas para Carlos e para ele também. À época, Queiroz já estava na mira do Ministério Público.

Essa é a história mais cabeluda que Queiroz deixou escapar com suas inconfidências. Porque mostra que Bolsonaro sabia do esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e de Flávio.

Os áudios de Queiroz acenderam a luz vermelha no círculo estreito dos Bolsonaros e dos seus parentes mais próximos. Queiroz pediu socorro para não cair na tentação de delatá-los.

Narrativas de violência

Vivemos um momento em que combinação de ultraliberalismo e culto da violência viraram narrativas de governo. Entretanto, o preceito de que para se construir algo é preciso destruir o sistema preexistente é perigoso.

Essa ideia combina tanto com o ultraliberalismo de direita quanto com o radicalismo revolucionário de ultra-esquerda. A incitação à violência individual ou coletiva, quando deixa de ser uma alegoria para inspirar a ação, sempre acaba em tragédia
Luiz Carlos Azedo, "Coringas e Bacuraus"

Acuados e censurados

Estamos acuados pela assustadora dimensão do problema ambiental que nos agride de forma crescente, na sucessão de rompimento de barragens, incêndios nas matas e vazamento de óleo no mar. E mais o desastre da educação precária e do saneamento inexistente para mais de metade da população deste triste país.

No meio disso, ainda temos a volta da censura vinda de grupos sem qualquer intimidade com a fruição da arte, a quem tem sido negadas as oportunidades de ir a teatro, museus ou exposições, de saborear música boa, de se deliciar com livros e filmes que vão além da linguagem rasteira de slogans e palavras de ordem. Então, têm medo do mal que receiam se esconder em obras que acham estranhas, cujo sentido não dá para reduzir apenas a uma mensagem ou determinação a ser obedecida. Esse pavor absurdo os faz buscar a proteção de um pensamento único, em que tudo vem já pronto e mastigado, sem precisar passar pelo risco de uma reflexão própria.

Em regimes autoritários, a censura se faz por vias institucionais, com vetos e proibições. Agora está sendo mais sutil. Finge não cortar a criação mas corta as verbas para que a pesquisa se faça ou a arte chegue ao público. Ou se exerce pelas redes sociais — repressão freelancer e anônima, múltipla e mentirosa, sem qualquer limite. A nova ameaça aos criadores hoje.

A vida social vai além dos objetos materiais. A compreensão e aceitação do outro exigem que nos exponhamos a opiniões diversas, sem vitimizações nem ressentimentos. A cultura é essencial, ao nos trazer a dimensão simbólica. Mas deve ser entendida como a manifestação de espíritos livres, ainda que por vezes não concordemos com eles. Para que nos eleve, precisa voar nas asas da liberdade.

Prisioneiros dos desastres ambientais, submetidos ao carimbo do pensamento único, atolados em casuísmos marotos e progressivamente exilados da arte, estamos reféns deste pântano político e moral do Brasil de hoje, nas mãos de quem quer sapatear em nosso caixão. Até quando? Como sair?
Ana Maria Machado

'Contaminação por óleo no Nordeste deixará sequelas no ecossistema marinho, na saúde e economia'

O pesadelo ambiental que o Nordeste brasileiro vive provavelmente se estenderá pelos próximos anos. O petróleo derramado no oceano Atlântico atinge o litoral há quase 60 dias e tem potencial para danificar, em alguns casos de forma permanente, tanto o ecossistema marinho como a economia local e a saúde humana. É o que explicam, em entrevista ao EL PAÍS, o geógrafo e geocientista Tiago Marinho, doutorando da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o biólogo André Maia. O petróleo de origem venezuelana, conforme indicam suas características físico-químicas, atestadas por pesquisadores do departamento de Geociência da Universidade Federal da Bahia (UFBA), já atingiu 9 Estados nordestinos, mais de 80 municípios e mais de 200 localidades. A Marinha trabalha com a hipótese de que o vazamento partiu de um navio clandestino e que opera fora dos radares. O Governo de Pernambuco informou que 1.358 toneladas de óleo foram retiradas das praias nos últimos oito dias, até a última quinta-feira. Dez municípios e 28 praias foram atingidas pelo vazamento, entre elas as mais importantes do balneário turístico no litoral sul.


Os especialistas consultados por este jornal acreditam que o Brasil já vive a maior tragédia ambiental de sua história. "O nível de contaminação química do petróleo é gritante, altíssima. Em águas isso se torna ainda pior, porque é conduzida para outros locais por causa das correntes marinhas. Essa é a maior preocupação", explica Marinho, que estuda a influência dos elementos no ecossistema e na vida do ser humano, além de ser ativista da ONG Greenpeace. "Vamos entrar agora numa fase de monitoramento dos ambientes costeiros, algo que demora de seis a nove meses de investigação. Ao menos durante esse tempo é recomendável evitar as áreas que tiveram contato com o óleo", alerta. Nesta quinta-feira, o Governo de Pernambuco anunciou que vai investigar, em conjunto com oceanógrafos da UFPE, a extensão do dano causado pela tragédia. Além dessa tarefa investigativa, há algo ainda mais urgente a ser feito: tentar evitar que o piche chegue a outros lugares, como o santuário de Abrolhos ou Fernando de Noronha, explica o geocientista.


O petróleo é um combustível fóssil que possui mais de 200 hidrocarbonetos. O benzeno, por ser cancerígeno, é considerado o mais tóxico de todos. Ainda que o piche que chega às praias seja retirado, esses componentes químicos continuam circulando pela corrente marítima sem que ninguém perceba a olho nu. "O cenário otimista é que algumas dessas áreas não tenha a presença do benzeno, mesmo as que tiveram algum contato com o óleo", explica Marinho. "O pessimista é a contaminação por benzeno. O ser humano não pode tomar banho se houver 0,7 mg por litro de água. A praia ficaria então imprópria para banho e para a pesca". Somente o processo investigação poderá definir o nível de contaminação de cada praia afetada. Assim, os danos ambientais no litoral no Nordeste ameaçam se estender para o turismo, a pesca e a culinária, pilares fundamentais da economia local. O desastre ambiental pode facilmente se tornar econômico e social.

Diante da lentidão das autoridades, milhares de pessoas vêm enfrentando o trabalho quase impossível de limpar as praias com as próprias mãos, muitas vezes sem qualquer tipo de proteção. Em Pernambuco, muitas delas tiveram que buscar clínicas e hospitais por causa de sintomas de intoxicação. "A curto prazo, essas toxinas causam dor de cabeça, náuseas, vômitos, dificuldade respiratória, dermatites e doenças de pele", explica o biólogo André Maia. O problema maior, porém, é que o benzeno é conhecido sobretudo por ser cancerígeno. "A longo prazo, essas pessoas podem ter problemas de origem respiratória, neurológica, circulatória e câncer. Essas pessoas deverão ser monitoradas pelo Governo pelos próximos 20 anos, para que se saiba os impactos do vazamento na saúde pública", opina.

O contato imediato com o óleo também faz com que espécies marinhas como corais, mariscos e peixes morram sufocados. “Pela quantidade de óleo que cai, é muito difícil salvar as estruturas que vivem nos corais. O que se percebe de morte na praia é uma pequena parte, uma proporção de 1 para 10”, explica Maia, que trabalha com a reabilitação e soltura de animais silvestres através de seu projeto, o Trilogiabio, e em parceria com órgãos ambientais e estaduais. “Isto é, se uma espécie morre no litoral, significa que 10 estão sofrendo ações piores em alto mar”, completa.

Outras espécies, mesmo que não morram, vão absorver o benzeno e outras toxinas liberadas na água. "Quando não morrem, seres como ostras, mariscos ou sururu, muito comuns em Pernambuco, filtram todo esse material, que vai se acumulando. Uma pessoa que se alimenta pode ter um problema de saúde sério associado a essa contaminação", explica Marinho. Maia complementa e explica como toda a cadeia alimentar pode acabar intoxicada: "Os animais que morrem intoxicados afundam em alto mar. Só que há outras espécies que se alimentam desses seres mortos. E aí esse produto começa a entrar na cadeia alimentar, realizando um processo que chamamos de biomagnificação [acúmulo progressivo de substâncias]", explica. E exemplifica: "Uma alga contaminada é comida por um peixe pequeno contaminado, que é comido por um peixe maior também contaminado, e assim sucessivamente. O final da cadeia é onde vai se acumular a maior quantidade de toxinas. E o final dela somos nós".
Como lidar com a contaminação

Marinho explica que o petróleo venezuelano "é mais consistente, denso". Ao contrário de outros tipos, que ficam visíveis na superfície da água e podem ser aspirados por máquinas ou contidos com boias com mais facilidade, o óleo venezuelano que hoje chega ao litoral nordestino "viaja pelas correntes marítimas submerso", em uma profundidade de 50 cm a 1 metro. Muitas vezes sequer é notado pelos navios que patrulham em alto mar. Ao longo dessa trajetória, explica o geocientista, parte dele é evaporado. Outra parte entra em decomposição, atingindo o fundo do mar de forma permanente. O que sobra continua sua trajetória pelas correntes marítimas, sofrendo com a temperatura e a salinidade da água e tornando-se o piche espesso que, agora, chega às praias do Nordeste.

Marinho explica que o Governo Federal poderia ter evitado essa chegada nas praias com uma ação mais rápida e coordenada, a partir do Protocolo de Contingência estabelecido por decreto 2013. O Ministério do Meio Ambiente garante que ele foi acionado em setembro, mas um ofício obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo indica que isso não ocorreu até meados de outubro. “Há uma passividade dos organismos e dos governos, o que gera uma demora para a recuperação”, opina. Por exemplo, redes e boias de contenção poderiam ter sido empregadas mais cedo para evitar o avanço do óleo, assim como a contratação de especialistas que usam fórmulas matemáticas para tentar prever os caminhos das correntes marítimas. "O desastre não poderia ter sido evitado, mas o Governo poderia ter diminuído seus danos. Embarcações a 50 ou 100 metros de distância das praias poderiam ter evitado que o óleo chegasse a areia. Quando chega, nesse caso você também contamina o solo", explica o geocientista.

O biólogo Maia lembra que, ao chegar na praia, “esse petróleo se fragmenta, arrebenta e se mistura com corais e areias”. Parte vem sendo retirado pelos voluntários e homens do Exército e da Marina em um lento processo de peneiração, “um trabalho muito mais difícil”, acrescenta. São partículas de dois a cinco milímetros que, se não são retiradas, podem voltar para a água em momentos de maré alta.

Marinho lembra ainda que algumas prefeituras não tiveram o cuidado ao manejar o piche retirado. Algumas chegaram a fazer valas para acomodar os sacos cheios de óleo, sem ter o cuidado necessário de colocar uma manta para evitar o contato com o solo. "Você pode acabar contaminando áreas que não estavam contaminadas. Pela falta de conhecimento e pela de preocupação em chamar pessoas técnicas que poderiam indicar como manejar esse material. Em Itapuama, por exemplo, há vários olhos d'água e lençóis freáticos importantes". Essa praia, do litoral sul de Pernambuco, é considerada por ambos os especialistas como a que mais danos sofreu. Porto de Galinhas se salvou por pouco. E é possível que Carneiros, mesmo tendo sido atingida, também se salve. “Mas algumas praias, dependendo do teor de benzeno, infelizmente não poderão ser frequentadas pelos próximos anos nem poderão fornecer peixes e frutos do mar”.

Além de um trabalho de monitoramento e recuperação de anos por parte do poder público, Maia explica que o processo mais importante de renovação dependerá principalmente de um ente: a própria natureza.

É mentira demais

Política já foi definida como a arte do diálogo, do convencimento ou, simplesmente, do possível. Ainda assim sempre foi propagadora de invencionices, calúnias contra adversários, promessas vazias e mentiras, práticas correntes agora turbinadas pelo advento das redes sociais. Por meio delas, como bem sabem as turmas do ex Lula e do presidente Jair Bolsonaro, criam-se verdades, alimentam-se tropas, destroem-se inimigos.

Ambiente propício mais para demolir do que para construir reputações, as redes foram a principal arma dos exércitos virtuais do PT para criar versões fabulosas e eliminar concorrentes. Mas eles parecem inocentes diante do que começa a surgir sobre as milícias bolsonaristas que agem nas entranhas da web. Revelações feitas não por opositores, mas por ex-fiéis da seita do capitão.


A lista de vítimas do bombardeio digital é extensa. Inclui ministros defenestrados por Bolsonaro, ex-companheiros de farda, jornalistas e gente tida como direita light pelo grupo apelidado de “gabinete do ódio” que estaria operando de dentro do Palácio do Planalto. Mais precisamente, a partir do terceiro andar, o mesmo do presidente, sob a batuta do chefe da Assessoria Internacional, Filipe Martins. Tudo sob coordenação e aval da prole, especialmente de Carlos Bolsonaro, administrador confesso da conta do pai no Twitter.

A imolação mais recentemente foi a da ex-líder do governo, deputada Joice Hasselmann, exposta em memes grotescos em que aparece de biquíni no Salão Verde da Câmara ou ilustrando uma nota de R$ 3,00, montagem que o filho 03 expôs na rede e que o pai tem adorado compartilhar via WhatsApp. Outro neo-desafeto da turma, o deputado Alexandre Frota, foi execrado com fotos e dizeres indizíveis.

Joice, que diz conhecer o que a primeira família fez no verão passado, saiu atirando. Afirmou que sabe da existência de 1.500 perfis falsos e que está reunindo provas para demonstrar como as ações se dão. Frota também diz ter bala na agulha e ameaça apresentar um dossiê à CPMI das Fake News, em audiência prevista para a próxima quarta-feira. Mesmo sendo maioria na composição da CPMI, a oposição aprovou a convocação da deputada petista Gleisi Hoffmann, preço pelo cultivo de inimigos dentro do seu próprio partido.


Difícil antecipar se a Comissão vai conseguir ou não chegar a alguns dos responsáveis pela confecção e divulgação de notícias falsas, sejam elas pró ou anti-Bolsonaro. Mas antes mesmo de começar a ouvir convidados e intimados ela já está pegando fogo. A ponto de o governo cogitar que seus auxiliares fiquem mudos quando forem depor. Seis deles, incluindo Martins, foram convocados, ou seja, são obrigados a comparecer. A data ainda não foi fixada.

Com uma agenda que atravessará o ano, a CPMI deve ouvir a ministra Rosa Weber, presidente do TSE, Corte que abriga a discussão sobre a influência das mentiras cibernéticas e dos disparos de mensagens em massa no resultado das eleições do ano passado, e a ex-procuradora-geral Raquel Dodge, responsável pela abertura dos processos sobre o tema. Convocou ainda o empresário Luciano Hang, dono da Havan e bolsonarista roxo, sobre quem pairam suspeitas de ser financiador desse tipo de procedimento. Donos de blogs governistas, bem definidos pelo diretor da Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, como blogueiros de crachá, também serão ouvidos, assim como dirigentes de serviços de checagem da veracidade de notícias.

Sites como boatos.org, e-farsas.com , projetocomprova.com.br, estadaoverifica.com.br, e Fato ou Fake (G1) são outra dor de cabeça permanente para o governo. Um deles – o Aosfatos.org montou um acompanhamento diário que até a quinta-feira registrava 422 declarações falsas ou distorcidas feitas pelo presidente em 296 dias.


Idólatra de Donald Trump, um dos maiores difusores de fake news, cuja assessora imortalizou a hilária categoria de “fatos alternativos” -, Bolsonaro tem feito direitinho a lição de casa. Falsidades postadas por supostos apoiadores, como a frase “Bolsonaro entrou o Brasil andou” associada à foto do trem privado “double-stack”, que desde o ano passado liga as cidades de Sumaré (SP) a Rondonópolis (MT), ou mentiras deslavadas, essas ditas pelo presidente, sobre os incêndios na Amazônia, que teriam sido os menores dos últimos 15 anos, correm soltas pelas redes como se verdades fossem.

O mesmo ocorre com a suspeita leviana de que o governo da Venezuela esteja envolvido no derrame de petróleo no litoral brasileiro, conspiração alimentada pelo presidente e divulgada insistentemente pelo ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles. Esse, aliás, protagonista de uma das cenas mais nonsense já vista no horário nobre: a divulgação de fake news em rede obrigatória de televisão.

Uma CPMI, mesmo das boas, é incapaz de barrar tamanho desatino.
Mary Zaidan

Paisagem brasileira

Torres eólicas abandonadas há mais 
de 10 anos na Bahia (Rauil Spinassé)

Raízes do autoritarismo brasileiro

Os grandes personagens que têm animado nossa vida política estão profundamente mergulhados em um imaginário social excludente, masculino e alicerçado na legitimação da desigualdade. O mais paradigmático desses personagens talvez seja o coronel.

Não seria exagero dizer que, mesmo nos dias atuais, o sistema político brasileiro foi capaz de aprofundar algumas das estruturas mais perversas do coronelismo, a partir do personalismo e de padrões autoritários de comportamento gerados nesse longo processo histórico.

Afinal, a cultura brasileira ainda é rica nas características gestadas em todo o nosso processo social e histórico, tendo o coronel como figura chave do mandonismo brasileiro e um ator central na estrutura do poder. Tão grande foi o seu papel na construção de nosso imaginário social que ele se transformou numa espécie de “mestre da significação”.

Como a instituição imaginária que gerou nosso processo político muito antes do advento da República, o coronel foi instituinte do processo político brasileiro —ou seja, seus padrões de comportamento no poder moldaram nossas instituições, abortando em muitos aspectos nosso processo democrático.


Fomos, antes, marcados pelo nepotismo, compadrio, personalismo e outras características ligadas a um mundo social que se instituiu pela força do poder e não pelas construções coletivas. Instituições como a escravidão e o latifúndio têm forte papel nesse contexto.

O coronel é o personagem fundamental da chamada Primeira República, mas cujos restos sobrevivem até hoje. Inclusive no mundo empresarial, onde ainda existem traços desse coronelismo de viés autoritário.

Esse é um motivo para que, em grande parte a gênese de nossa gerência dê as costas para padrões modernos de gestão de pessoas. Assim, o coronel é uma figura central, o mestre da significação no mundo que fomos capazes de construir e que nos habita até hoje.

Não é por acaso que ele está no epicentro de nosso dilema. De um lado, as instituições que o coronelismo gerou não são mais capazes de dar conta de uma sociedade moderna como a que temos. De outro, ainda estamos presos aos personalismos e as saídas autoritárias.

No grande altar que construímos na política da ambiguidade que o coronel porta, colocamos o capitão Jair Bolsonaro no poder.

Moderno quando usa os meios de comunicação de massa digitais, mas arcaico quando o faz de forma personalista e autoritária —e ainda mais focado na sua própria família, símbolo maior da sociedade tradicional que queremos e precisamos vencer.

Decorre daí considerável parte da inadequação de seu funcionamento nos dias atuais. Sua inexorável crise.

Nosso sistema centralizado de poder foi construído garantindo o controle das elites nas instituições, inclusive as partidárias.
Tudo passa pela compreensão mais generosa e atenta de importantes características da sociedade brasileira. Entre elas, a invenção do coronel e a manutenção das instituições criadas a partir dele.
João Gualberto Vasconcellos

Verdade laranja

O cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Ver e tal… É só porrada. O MP tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir.Era para a gente ser a maior força, a gente. Está todo mundo temendo, todo mundo batendo cabeça
Fabrício Queiroz

Falta muito

Há muitos anos o Chile vem exibindo crescimento sustentável, democracia plena e alternância de poder. O Consenso de Washington no final das contas parecia ter dado certo. Sob muitos aspectos deu.

Mas, na sexta-feira, os protestos que se iniciaram em 6 de outubro se transformaram em uma onda de violência que tomou conta de Santiago. O presidente Sebastián Piñera declarou estado de emergência e acionou o Exército para controlar os manifestantes. No final, morreram 18 pessoas.

Assim como no Brasil, a desigualdade lá continua alta e há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração.


O caso reforça a tese de que crescimento e equidade precisam caminhar juntos, sob pena de inviabilizar politicamente qualquer estratégia de desenvolvimento. Não podemos nos esquecer de 2013.

Passados 10 meses de governo Bolsonaro e mais de três anos de agenda econômica reformista, cabe um breve balanço do que vem sendo feito e do que falta fazer.

Em resposta ao colapso econômico que assola o país desde 2014, e a despeito de todos os problemas conhecidos, o governo Temer deixou realizações: inflação sob controle, aprovou o teto do gasto público (vejo problemas aqui, mas um sinal foi dado) e uma reforma trabalhista, reduziu em muito os enormes subsídios distribuídos pelo BNDES a empresas e pôs em movimento a agenda BC+ de redução do custo do crédito e inclusão financeira. Não foi pouco.

Esse esforço, aliado à trágica recessão, permitiu uma enorme queda na taxa de juros que o governo paga em sua dívida.

O roteiro econômico liberal seguiu vivo com a chegada do governo atual. De concreto foi finalmente aprovada uma reforma da Previdência e também uma lei de liberdade econômica. O BC segue firme com a agenda BC+ (agora BC#) e o governo sinaliza um amplo programa de desburocratização, privatizações e concessões. O acordo com a União Europeia e a abertura comercial unilateral estão em andamento também.

Por que então temos uma recuperação tão modesta após queda tão grande do PIB e tanta gente a empregar? Listo aqui alguns suspeitos.

Dados do Ministério da Economia mostram que houve algum ajuste no governo federal, mas longe do prometido, e mais longe ainda do necessário. Os estados ficaram fora da reforma da Previdência e encontram-se em sérias dificuldades, alguns até quebrados. Portando, a situação fiscal do Estado segue precária.

No front do Congresso, que segue dando uma colaboração fundamental, estão entrando em pauta as essenciais reformas tributária e administrativa. Fala-se também em uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para cortar despesas obrigatórias. São temas mais difíceis, pouco maduros na opinião pública, não há garantia de sucesso.

As taxas de juros na ponta do tomador seguem muito altas, apesar dos esforços do BC.

A economia mundial está desacelerando.

A fronteira de investimento mais natural é da infraestrutura, na qual as necessidades e carências são imensas. Ou seja, há demanda. Mas, nessa grande área, os processos são lentos e dependem de uma confiança a longo prazo que não existe. Ou seja, não há oferta.

O que mais falta?

Tenho escrito aqui sobre a necessidade de investir nas áreas sociais para promover o crescimento. Mas o espaço orçamentário encontra-se esgotado e engessado e, de qualquer forma, a agenda de redução das desigualdades não parece ser prioritária.

Na área de costumes, o governo vem retrocedendo em áreas cruciais como educação, meio ambiente, cultura e direitos humanos.

Temas sociais e de costumes afetam, sim, a economia, por meio de seu impacto sobre o debate público, o ambiente de negócios e a qualidade de vida em geral. No nosso caso, o impacto tem sido negativo, pois as posições do governo são fonte de incerteza, tensão e desconforto. E agora?
Arminio Fraga

Culpar para confundir

Quando a barragem da Vale em Brumadinho (MG) se rompeu, em janeiro, o vice Hamilton Mourão afirmou que a conta do desastre não era do governo. "Nós assumimos faz 30 dias", argumentou. Era verdade. Depois, Jair Bolsonaro sobrevoou a região de helicóptero e declarou que trabalharia para "cobrar justiça".

O novo governo não teve lá muito incômodo naquele primeiro megadesastre ambiental, principalmente porque havia um responsável óbvio, a mineradora. Numa entrevista de rádio, o presidente destacou que "a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver" com sua gestão.

A busca por culpados funciona como válvula de escape para Bolsonaro nessa área. Um desavisado poderia se impressionar com um aparente esforço para aplicar punições em crimes do tipo, mas o festival de invencionices do governo mostra que o interesse é só confundir.

Nos quase dois meses desde o derramamento de toneladas de petróleo no litoral do Nordeste, o presidente e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) se mostraram mais preocupados em buscar vilões do que em controlar a extensão da tragédia.

O governo só bateu bumbo para dizer que o óleo era venezuelano e fantasiar sobre o envolvimento do Greenpeace. "Tem umas coincidências na vida, né...", escreveu Salles, apontando que um navio da ONG estaria na região na época do derramamento --o que não foi provado.

Faltou explicar por que a dupla se esmerou em desmontar órgãos ambientais e demorou 41 dias para acionar o plano de contingência.

O interesse público fica atrás do jogo político. Nas queimadas da Amazônia, Bolsonaro disse que ONGs teriam causado a destruição para desgastá-lo. Até agora, as investigações mostraram que o tal "dia do fogo" foi organizado por empresários.

O governo só faz o contrário: dá sinais de que não tem disposição para punir crimes ambientais. Em abril, Bolsonaro chegou a gravar um vídeo para anunciar que fiscais estavam proibidos de destruir equipamentos usados no desmatamento ilegal.