segunda-feira, 18 de março de 2019

Constituição sábia

A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o presidente.

Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total
Lima Barreto

Sem reciprocidade, fim do visto para americanos faz do Brasil casa da sogra

O deputado Eduardo Bolsonaro revelou-se um brasileiro do tipo que Nelson Rodrigues chamaria de "Narciso às avess", capaz de cuspir na própria imagem sem se dar conta de que "a tragédia nacional é que não temos um mínimo de autoestima". Para ele, o Brasil faz muito bem em liberar a catraca para a entrada de americanos sem exigir nada em troca do governo dos Estados Unidos.

A novidade vai compor o lote de acordos que Jair Bolsonaro celebrará em sua visita aos Estados Unidos. Segundo o raciocínio do filho "Zero Dois" do presidente da República, o Brasil não está em condições de fazer exigências aos americanos, pois a violência urbana afugenta os turistas do seu território. "O Brasil só tem a ganhar com essa medida. A gente está, na verdade, se aproveitando e pegando os dólares dos americanos para gerar emprego no turismo".

O argumento é tolo e desanimador. O deputado flerta com a tolice ao supor que a liberação do visto de entrada atenuará o medo do turista de encostar seus dólares na violência das cidades brasileiras. Eduardo Bolsonaro desanima porque suas premissas desmistificam o discurso do pai, que trombeteou na campanha presidencial a promessa de restaurar a segurança pública. Faria isso armando o brasileiro até os dentes. Os americanos sabem como termina essa mágica.



É justo, muito justo, justíssimo que o governo americano exija que os brasileiros que pretendam viajar aos Estados Unidos compareçam aos seus consulados para entregar uma papelada, preencher um formulário e passar por entrevistas pessoais. O país é deles. E vai para lá quem quer. Por uma questão de reciprocidade, o governo de Bolsonaro deveria submeter os americanos interessados em visitar o Brasil às mesmas exigências.
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Admita-se que Bolsonaro queira fazer uma gentileza ao seu guru Donald Trump. Nessa hipótese, o presidente poderia chegar a um meio-termo. Americanos que solicitassem visto de entrada no Brasil seriam informados sobre as condições que seu governo impõe aos brasileiros. Quem topasse assinar um requerimento pedindo para não receber tratamento semelhante, seria dispensado do visto. Os que se recusassem a assinar o pedido receberiam tratamento igualitário.

O diabo é que a dinastia Bolsonaro, encantada com o lema de Trump —"America First"— decidiu adotar um slogan compatível: "Brazil Second". O deputado Eduardo Bolsonaro chega mesmo a potencializar o discurso da Casa Branca contra a invasão dos bárbaros. "É só a gente fazer a seguinte pergunta: se for permitida a entrada nos EUA sem a necessidade de visto, quantos brasileiros vocês acham que entrarão e vão passar a morar ilegalmente. Agora vamos inverter a pergunta: quantos americanos vocês acham que vão entrar no Brasil e morar ilegalmente?"

O Brasil e os brasileiros, como se vê, são muito impopulares entre os Bolsonaro. Em vez de propor ao Congresso reformas econômicas, o governo do capitão talvez devesse lutar pela aprovação de uma nova Constituição. Poderia adotar o projeto de Constituição simplificada que o historiador Capistrano de Abreu sugeriu para o Brasil. Teria apenas dois artigos:

Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Artigo 2º: Revogam-se as disposições em contrário.

No ano de 2001, quando o inquilino da Casa Branca era George Bush e o Planalto era ocupado por Fernando Henrique Cardoso, a República Federativa do Brasil passou pelo constrangimento de ser informada que seu ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, tivera de tirar os sapatos ao ser submetido a duas revistas em viagens aos Estados Unidos. Não se imaginou que, decorridos 18 anos, uma comitiva presidencial brasileira cruzaria a alfândega americana de joelhos. Sob Bolsonaro, o Brasil se oferece aos americanos como uma espécie de casa da sogra. Sem direito a reciprocidade.

Pensamento do Dia


O projeto de lei anticrime

Nos últimos anos, foi descoberto um sistema de corrupção que afetou a integridade da maior estatal brasileira, a Petrobras, e outras parcelas da administração pública, servindo ao enriquecimento ilícito de agentes públicos inescrupulosos e distorcendo o processo eleitoral.

No mesmo período, organizações criminosas armadas, algumas delas sediadas em presídios, tornaram-se cada vez mais fortes. Em janeiro deste ano, algumas dessas organizações sentiram-se à vontade para perpetrar atos de características terroristas, como a tentativa de explodir viadutos no estado do Ceará.

Os números de crimes violentos cresceram significativamente nos últimos anos. Embora as estatísticas ainda não sejam totalmente confiáveis, atingiu-se, em 2016, a marca histórica negativa de 62.517 homicídios.

Foi, nesse cenário, elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública um projeto de lei anticrime com medidas pontuais contra a corrupção, crimes violentos e crime organizado. No encaminhamento ao Congresso, o projeto foi desdobrado em três. Não importa, todos eles contarão com os esforços para aprovação.

Os projetos não esgotam as políticas públicas do ministério contra a criminalidade. Ações executivas vigorosas estão sendo concomitantemente tomadas, como o isolamento eficaz de lideranças criminosas em presídios federais após 12 anos de omissões, como a utilização eficaz da Força Nacional de Segurança Pública ou da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária para debelar crises pontuais de segurança ou como a reestruturação das forças-tarefas policiais da Lava Jato.

Outros planos e ações estão em andamento para melhorar o controle de fronteiras, diminuir a violência em regiões de elevada criminalidade, reforçar o controle sobre desvios policiais e aprimorar o combate à lavagem de dinheiro.

Apesar disso, os projetos de lei são importantes, pois avançam o quadro legislativo contra a criminalidade mais grave.

Os projetos aumentam o tempo real de prisão para condenados por crimes graves, como homicídios, corrupção e roubo armado, e impedem a soltura prematura de criminosos profissionais e de membros de organizações criminosas violentas. No último caso, aliás, o recado legal é claro, enquanto o condenado se mantiver vinculado à organização criminosa, ele não recebe benefícios durante o cumprimento da pena, ou seja, ele não é colocado na rua prematuramente para voltar a delinquir, pois, o que é óbvio, não está pronto para voltar ao convívio social aquele que permanece faccionado.

Optou-se, segundo modelo da legislação antimáfia italiana, nominar expressamente algumas das organizações criminosas conhecidas. Novamente, uma mensagem clara, seus membros são foras da lei e sofrerão as sanções decorrentes desta condição.

Os projetos não descuidam de inteligência e de mecanismos de investigação. Ampliam o Banco Nacional de Perfis Genéticos, permitindo que o DNA seja melhor utilizado como uma moderna impressão digital. O banco brasileiro atualmente tem cerca de 20 mil perfis, enquanto os do Reino Unido e Estados Unidos têm cerca de 6 milhões e 13 milhões, respectivamente. Criam o Banco de Perfis Balísticos, uma espécie de impressão digital de armas de fogo, e, pasmem, o que até hoje não se tem, criam um Banco Nacional de impressões digitais.

Essas medidas devem elevar a taxa de resolução de crimes graves, especialmente de crimes violentos. O Banco de Perfis Genéticos ainda desestimula a reincidência, pois colhe-se o registro de DNA do condenado e, se ele voltar a delinquir, poderá ser facilmente descoberto por qualquer vestígio deixado no local do crime.

Os projetos regulam a escuta ambiental e autorizam de forma clara que agentes policiais disfarçados possam interagir com organizações criminosas para colher provas de crimes como tráfico de drogas, tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Não é coisa de cinema, são meios de investigação modernos utilizados com eficácia em outros países.

Ao contrário do que afirmaram erroneamente alguns críticos, não há nos projetos qualquer “licença para matar” para policiais, mas apenas a descrição de situações de legítima defesa já admitidas pela prática, como a atuação policial para prevenir agressão a pessoa mantida refém.

Também melhor regulam a questão do excesso em legítima defesa, reconhecendo que quem reage a uma agressão injusta pode exceder-se, como ocorreu em caso notório no qual cunhado de famosa artista foi injustamente acusado de homicídio após reagir a injusta agressão contra a sua esposa e irmã.

Também preveem uma separação clara entre crime eleitoral e crime comum e uma melhor criminalização do caixa dois em campanha eleitoral, esta última necessária diante da gravidade da prática e a insuficiência da lei atual para coibi-la.
Como se não bastasse, os projetos tratam de questões importantes para destravar a aplicação da lei penal, como execução da condenação em segunda instância, a execução imediata dos vereditos dos Tribunais do Júri, o que é efetivo contra homicídios e feminicídios, e também introduzem mecanismos de solução negociada no processo penal, com a previsão de acordos entre acusação e defesa, o que permitirá a resolução mais rápida e menos custosa de acusações contra criminosos confessos.

Quanto aos acordos, para evitar erros judiciários, atribui-se ao juiz um papel maior para avaliação da proporcionalidade das penas acordadas e a responsabilidade de verificar se há um mínimo de provas a ampará-los.

É, permito-me dizer, um vigoroso contra a criminalidade mais grave, corrupção, crimes violentos e crime organizado. Não há dúvida de que a criminalidade é fenômeno complexo e que deve ser enfrentada com medidas não só penais. Ações sociais e econômicas também são necessárias. Mas tirar criminosos perigosos de circulação, com investigações, processos e punições efetivas e rápidas, faz também diferença. O senso comum não está errado no ponto.

Não me recordo, com todo o respeito, de projeto semelhante dos governos anteriores, especialmente contra a corrupção, pois alguns preferiram ignorar que ela existia.

Por exemplo, nenhum governo anterior defendeu explicitamente a execução de condenações criminais após a segunda instância, medida fundamental para acabar com a impunidade dos processos sem fim, tenham eles por objeto crimes violentos, praticados por organizações criminosas ou de corrupção.</p>

Há muitas prioridades na agenda governamental, como a nova Previdência, mas segurança pública e justiça também são importantes. O tempo está passando. Os alertas evidenciados pelo crescimento da criminalidade grave não devem ser ignorados. Se o passado nos ensina algo, é que os problemas não desaparecem se os ignorarmos.

Há possibilidade de aprovação, vários parlamentares já sinalizaram receptividade e podem eles contribuir com os projetos, assim como a população, devidamente informada sobre o seu conteúdo. De todo modo, a apresentação dos projetos já revela os princípios e os valores que o ministério e o governo defendem e sustentarão.

Palpite infeliz da ministra

Entre tantas falsas imagens que nos cercam nesta labiríntica sala de espelhos do Brasil atual, dá vontade de entregar os pontos e chorar, já que tanta gente parece bater palmas e preferir a solução de avestruz.

Ficamos perplexos diante da barbárie e selvageria crescentes da violência urbana em todas as suas formas, da violência contra a mulher, da violência cheia de ódio no convívio social enraivecido. Às vezes se revestem de aparência política — na truculência das redes sociais, nos ataques a ônibus de petistas na campanha eleitoral, no atentado contra Bolsonaro, no assassinato de Marielle e Anderson. Outras vezes expõem sua gratuidade sem disfarces — nos espancamentos e assassinatos de mulheres, nos assaltos e latrocínios em nossas ruas, nas chacinas na periferia, ou nesse inconcebível massacre na escola em Suzano. Todos com o traço que nos marca desde a colonização e a escravidão — o da força bruta contra o fraco e desprotegido.

Mesmo querendo resgatar mártires e heróis esquecidos, cumpre reconhecer que, historicamente, nossa violência não se caracterizou pela resistência inteligente e organizada, como a dos vietcongues contra os invasores. Em geral, ao dar vazão à revolta, nossa valentia prefere esperar pela vítima indefesa.

Nesse quadro, é um acinte o que disse a ministra Damares. A barbaridade contra a mulher no Brasil não tem como causa o desejo de igualdade de gênero. Mulher não apanha ou é morta a toda hora entre nós por querer ser igual a homem e, portanto, se apresentar como alvo. Ninguém em plena saúde mental, ao defender a igualdade de direitos entre seres humanos, almeja uma sociedade de clones, iguais uns aos outros. Luta-se para conquistar respeito.

No inferno da violência doméstica, a autonomia econômica é fundamental para escapar a quem tem mais força física. Trabalho com remuneração digna deixa menos vulnerável. A ministra quer ajudar? Garanta o essencial, na sua esfera: ótimas creches em todo canto. O resto é palpite infeliz.

Twittar e governar

O risco de identificar tuitar com governar tem uma alta carga explosiva. Ações e ataques se multiplicam numa guerra cujo armamento principal reside nas redes sociais. O pensamento tende a desaparecer em proveito de ações imediatas que se utilizam de meios de expressão limitados, até pelo número de caracteres. Em tal contexto, a concisão toma a forma de acusações, em que vale somente o valor retórico ou demagógico do que é transmitido, sem a necessária atenção à verdade do que foi comunicado.


Tuitar, como o exibiu a campanha do atual presidente, tornou-se um elemento imprescindível em eleições, em que prevalecem acusações e denúncias, sem que se estabeleça nenhum diálogo e, por consequência, nenhum debate ou troca de pensamento. Ganha quem souber transmitir uma mensagem, independentemente de sua coerência, falsidade ou consistência. É bem verdade que o contexto da vitória era propício a tal tipo de campanha, pois a sociedade brasileira estava farta da corrupção e dos governos petistas, clamando por mudanças. Logo, chamando alguém capaz de personificá-las. A hábil estratégia de comunicação da equipe do candidato Bolsonaro foi exímia ao alcançar tal objetivo.

Acontece, porém, que as demandas de governar são de outro tipo, exigindo um pensamento de outra espécie, mais elaborado, caracterizado pela consideração do outro como adversário, e não como inimigo, e por propostas de quais serão os programas de governo para uma transformação do Estado. Aqui intervém o tempo de elaboração de ideias, suas formas de implementação e seus instrumentos mais adequados. O twitter eleitoral, tornado twitter presidencial, pode ser de valia, sempre e quando acompanhado por uma comunicação digital institucional e uma atenção particular para a mídia tradicional, em particular a impressa.

O recente episódio envolvendo uma jornalista do Estadão e a imediata reação presidencial é uma amostra do que não deve ser feito, um exemplo da identificação indevida entre tuitar e governar. A jornalista Constança Rezende terminou sendo envolvida numa rede de fake news, voltada para desacreditá-la e “denunciar” o próprio jornal, tornado, então, “inimigo”. A jogada do suposto blogueiro é nada mais do que pueril, própria de pessoa de má-fé, ideologicamente guiada. Chegou a ser desautorizado pelo próprio site.

Note-se, a propósito, que o Estadão é um jornal de longa tradição liberal, não se encaixa minimamente no perfil de esquerdista ou petista, sua característica principal é a adesão à liberdade como princípio. Soube se opor a regimes autoritários no transcurso de sua história, tampouco se curvou à hegemonia petista. Não poderia haver alvo mais inadequado.

Ganhou, no entanto, dimensão global (sendo originário da França) ao ser tomado por verdadeiro pelo presidente da República, que se apressou a considerar tal falsidade como se fizesse parte de uma conspiração contra o atual governo. A cautela deveria ter sido de rigor, exigindo, portanto, uma averiguação preliminar de se tal “notícia” era ou não verdadeira. Houve um problema de assessoria, o presidente não se pode arriscar indevidamente. Há toda uma liturgia do cargo que deve ser observada.

Quando se parte de uma suposta doutrina da conspiração, seu perigo maior consiste em que qualquer opinião divergente é tomada como se fosse inimiga. A divergência e a crítica fazem parte de qualquer sociedade democrática e como tal devem ser consideradas. A mídia tradicional não é inimiga, mas uma espécie de poder social independente, seu comprometimento maior é com a notícia verdadeira, editoriais responsáveis e artigos analíticos. Ora, para preencher essa sua função é primordial que tenha independência e rigor em suas fontes investigativas.

A mídia impressa, da qual este jornal é um exemplo, não perde sua importância num mundo de comunicação digital. É ela que se torna um bastião para a averiguação das fake news e do que se propaga, sem nenhuma regra ou controle, no mundo virtual. É ela também que subsidia as redes sociais, que tomam dela boa parte de suas “matérias” e “notícias”. Atrever-me-ia a dizer que a mídia impressa é cada vez mais importante numa sociedade digital, servindo-lhe como referência e âncora da verdade e da análise, lugar do pensamento. O problema está em que a publicidade não leva em conta esse fator central, fazendo a mídia impressa viver uma crise financeira atrás da outra. O paradoxo consiste em que a mídia impressa é cada vez mais necessária num mundo virtual e suas condições de existência são progressivamente mais precárias.

Do ponto de vista governamental, pode haver total sintonia entre uma comunicação digital presidencial, uma comunicação digital institucional e uma comunicação de mídia tradicional. O que não convém é identificá-las e confundi-las. O próprio presidente da República, por intermédio de seu porta-voz, general Rêgo Barros, e de seu secretário de Comunicação Social, Floriano Amorim, sinalizou uma correção de rota ao convidar jornalistas para dois cafés da manhã. O que conta, aqui, é o fato de o presidente ter aberto essa forma de comunicação ao reconhecer a mídia impressa e a televisiva como interlocutoras. Faltava, evidentemente, esse tipo de interlocução, agora é ampliá-la.

O Brasil vive uma oportunidade única de mudança. O presidente Bolsonaro foi eleito por personificar a luta contra a corrupção, por suas firmes posições antipetistas e por sua contestação frontal do politicamente correto. Tem a sorte de o PT estar completamente desorientado, agindo como biruta de aeroporto. A rigor, não tem oposição, salvo a que parece estar fazendo a si mesmo, com uso abusivo de tuítes e divergências internas, de cunho ideológico, completamente desnecessárias.

Urge a mudança e para tal o bom senso deveria prevalecer.