sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
Uma frente contra a barbárie
A constrangedora mediocridade com que o governo respondeu aos massacres no Norte não me surpreendeu. Num artigo que escrevi aqui jogava minhas esperanças no debate entre as pessoas que reconhecem a urgência do tema. Já existem muitas ideias sobre o que fazer com o sistema carcerário em crise. Outras devem surgir. Mas o interesse social pode, pelo menos, levar o governo a uma ação mais solidária em todos os níveis. Estancar o jogo de empurra, essa irresistível tendência de lavar as mãos e jogar a culpa nos outros.
Por que Temer se interessaria pelo tema? Todos os outros presidentes se esquivaram. O fracasso do sistema carcerário atravessa a História da República. O livro de Myrian Sepúlveda dos Santos Os Porões da República conta, por exemplo, a primeira tentativa brasileira de criar uma casa correcional no Vale dos Dois Rios, na Ilha Grande. Ela trata apenas do período entre 1894 a 1945. Mas é uma história dramática. Experiências em Fernando de Noronha e em Clevelândia também são um roteiro do fracasso.
De um ponto de vista político, o sistema carcerário é um abacaxi. Parece ser insolúvel e transita num espaço muito polarizado por defensores e críticos dos direitos humanos.
O mais confortável para Temer era empurrar com a barriga, como fizeram todos. E não percebeu que tudo isso poderia estourar na mão dele. Enfim, contou com a passagem do tempo, como se a História fosse mesmo escrita com empurrões de barriga.
Esta é a diferença que deveria mobilizar Temer: estourou nas suas mãos.
O massacre em Manaus foi o episódio mais bárbaro de que ouvi falar na história dos presídios brasileiros. A descrição do que aconteceu com os mortos, feita por pessoas da própria família, é cheia de detalhes tão macabros que diante deles a decapitação até parece um ato moderado.
O massacre me fez rever algumas ideias. Tinha tendência a superestimar o trabalho de inteligência. Percebi ali que a minha visão era parcial.
Tanto as autoridades do Amazonas como Temer sabiam da crise. Em Manaus já se conhecia o plano de atacar o PCC e ele foi revelado por vários relatórios da Polícia Federal, que realizou a Operação La Muralla e golpeou profundamente a Família do Norte.
Mesmo sem saber o que se passava em cada presídio, Temer foi informado sobre a guerra das organizações criminosas dentro e fora das cadeias. Seu homem de inteligência, o general Sérgio Etchegoyen, reuniu-se com parlamentares da Comissão de Segurança e relatou a possibilidade da guerra.
Dificilmente Etchegoyen deixaria de discutir o tema, em primeiro lugar, com o próprio Temer. Talvez não soubesse apenas, como sabiam as autoridades de lá, que a primeira batalha estava por acontecer em Manaus. É outro problema típico da burocracia. Ela anuncia grandes sistemas de inteligência integrados, chega a inaugurá-los, e nada acontece.
Em tempos de WhatsApp, era possível uma troca nacional convergindo para um pequeno grupo de análise que mapearia possíveis conflitos, orientaria transferências e outras medidas preventivas.
Temer está perdendo uma grande oportunidade de trilhar um caminho que outros recusaram. No auge da crise viajou para Portugal, onde foi ao enterro de Mário Soares. No fundo, está querendo dizer: não me envolvam muito com crise carcerária, estou aflito para passar esta fase de emergência, voltar a empurrar com a barriga, tratar dos temas que realmente me interessam.
Ele poderia ter-se reunido com parlamentares, mas não quis. Os deputados da chamada bancada da bala estavam interessados. Nessas circunstâncias, mesmo sem aceitar todas as suas premissas, os deputados desse grupo são interlocutores válidos. A segurança é sua bandeira e alguns são policiais experimentados.
Se fosse congressista, estaria discutindo com eles, pois o massacre de Manaus e a crise que ele explicita requerem um esforço nacional. Assim como é preciso superar a tendência de culpar uns aos outros, é preciso deixar para trás os tempos do nós contra eles.
Alguns temas, como esse dos presídios, são de tal gravidade que nos obrigam a reaprender a ideia de frente, do convívio entre posições distintas na busca de um denominador comum. Isso não significa abrir mão das próprias convicções. Apenas reconhecer que, num momento em que as organizações criminosas entram em guerra entre si, a sociedade unida tem uma excelente oportunidade para enfraquecê-las, dentro e fora das cadeias.
Pelo menos em tese, presidentes são pessoas que não deveriam recuar diante de um grande problema nacional. Eles têm uma chance maior de unificar a sociedade e apontar o caminho comum.
Mas, mesmo diante de uma grande ausência, como a de um líder nacional, a sociedade, depois do massacre de Manaus, despertou para a importância da reforma do sistema carcerário. Todos nós que trabalhamos nas ruas conhecemos a miríade de posições sobre o tema. A diversidade não impede soluções negociadas. O problema de segurança pública já é considerado pela maioria um dos mais graves do País.
Mesmo antes de Manaus já havia também uma compreensão crescente de que ruas e cadeias são relacionadas. A crise nos presídios transformou as eleições maranhenses numa grande ameaça de caos.
Nos conflitos no Amazonas, os presos concentraram sua energia em degolar e eviscerar seus inimigos. Ainda assim, fugiram 184. Com ferramentas para derrubar paredes, armas longas, oito túneis construídos, eles poderiam ter fugido em massa.
Com o surgimento do Estado Islâmico, também especialista em decapitar, ficou claro, pela série de atentados, que para eles somos todos iguais, não importa o que pensemos. Se somos iguais ante a barbárie, por que não nos igualamos na tarefa de nos defendermos dela?
Por que Temer se interessaria pelo tema? Todos os outros presidentes se esquivaram. O fracasso do sistema carcerário atravessa a História da República. O livro de Myrian Sepúlveda dos Santos Os Porões da República conta, por exemplo, a primeira tentativa brasileira de criar uma casa correcional no Vale dos Dois Rios, na Ilha Grande. Ela trata apenas do período entre 1894 a 1945. Mas é uma história dramática. Experiências em Fernando de Noronha e em Clevelândia também são um roteiro do fracasso.
O mais confortável para Temer era empurrar com a barriga, como fizeram todos. E não percebeu que tudo isso poderia estourar na mão dele. Enfim, contou com a passagem do tempo, como se a História fosse mesmo escrita com empurrões de barriga.
Esta é a diferença que deveria mobilizar Temer: estourou nas suas mãos.
O massacre em Manaus foi o episódio mais bárbaro de que ouvi falar na história dos presídios brasileiros. A descrição do que aconteceu com os mortos, feita por pessoas da própria família, é cheia de detalhes tão macabros que diante deles a decapitação até parece um ato moderado.
O massacre me fez rever algumas ideias. Tinha tendência a superestimar o trabalho de inteligência. Percebi ali que a minha visão era parcial.
Tanto as autoridades do Amazonas como Temer sabiam da crise. Em Manaus já se conhecia o plano de atacar o PCC e ele foi revelado por vários relatórios da Polícia Federal, que realizou a Operação La Muralla e golpeou profundamente a Família do Norte.
Mesmo sem saber o que se passava em cada presídio, Temer foi informado sobre a guerra das organizações criminosas dentro e fora das cadeias. Seu homem de inteligência, o general Sérgio Etchegoyen, reuniu-se com parlamentares da Comissão de Segurança e relatou a possibilidade da guerra.
Dificilmente Etchegoyen deixaria de discutir o tema, em primeiro lugar, com o próprio Temer. Talvez não soubesse apenas, como sabiam as autoridades de lá, que a primeira batalha estava por acontecer em Manaus. É outro problema típico da burocracia. Ela anuncia grandes sistemas de inteligência integrados, chega a inaugurá-los, e nada acontece.
Em tempos de WhatsApp, era possível uma troca nacional convergindo para um pequeno grupo de análise que mapearia possíveis conflitos, orientaria transferências e outras medidas preventivas.
Temer está perdendo uma grande oportunidade de trilhar um caminho que outros recusaram. No auge da crise viajou para Portugal, onde foi ao enterro de Mário Soares. No fundo, está querendo dizer: não me envolvam muito com crise carcerária, estou aflito para passar esta fase de emergência, voltar a empurrar com a barriga, tratar dos temas que realmente me interessam.
Ele poderia ter-se reunido com parlamentares, mas não quis. Os deputados da chamada bancada da bala estavam interessados. Nessas circunstâncias, mesmo sem aceitar todas as suas premissas, os deputados desse grupo são interlocutores válidos. A segurança é sua bandeira e alguns são policiais experimentados.
Se fosse congressista, estaria discutindo com eles, pois o massacre de Manaus e a crise que ele explicita requerem um esforço nacional. Assim como é preciso superar a tendência de culpar uns aos outros, é preciso deixar para trás os tempos do nós contra eles.
Alguns temas, como esse dos presídios, são de tal gravidade que nos obrigam a reaprender a ideia de frente, do convívio entre posições distintas na busca de um denominador comum. Isso não significa abrir mão das próprias convicções. Apenas reconhecer que, num momento em que as organizações criminosas entram em guerra entre si, a sociedade unida tem uma excelente oportunidade para enfraquecê-las, dentro e fora das cadeias.
Pelo menos em tese, presidentes são pessoas que não deveriam recuar diante de um grande problema nacional. Eles têm uma chance maior de unificar a sociedade e apontar o caminho comum.
Mas, mesmo diante de uma grande ausência, como a de um líder nacional, a sociedade, depois do massacre de Manaus, despertou para a importância da reforma do sistema carcerário. Todos nós que trabalhamos nas ruas conhecemos a miríade de posições sobre o tema. A diversidade não impede soluções negociadas. O problema de segurança pública já é considerado pela maioria um dos mais graves do País.
Mesmo antes de Manaus já havia também uma compreensão crescente de que ruas e cadeias são relacionadas. A crise nos presídios transformou as eleições maranhenses numa grande ameaça de caos.
Nos conflitos no Amazonas, os presos concentraram sua energia em degolar e eviscerar seus inimigos. Ainda assim, fugiram 184. Com ferramentas para derrubar paredes, armas longas, oito túneis construídos, eles poderiam ter fugido em massa.
Com o surgimento do Estado Islâmico, também especialista em decapitar, ficou claro, pela série de atentados, que para eles somos todos iguais, não importa o que pensemos. Se somos iguais ante a barbárie, por que não nos igualamos na tarefa de nos defendermos dela?
A austeridade é progressista
Na política, ser progressista é pensar e agir olhando o futuro, sem medo do novo e querendo domá-lo para servir a propósitos de liberdade, igualdade e sustentabilidade. Nesse sentido, a política brasileira não foi progressista nas últimas décadas, porque se caracterizou pela irresponsabilidade do desperdício e não considerou as consequências no futuro.
Buscamos aumentar aceleradamente o consumo, sem perceber os limites ecológicos; gastamos desenfreadamente, sem perceber os limites fiscais. Em busca de votos e apoio para o imediato, as forças que deveriam ser progressistas caíram nas mesmas promessas dos reacionários, com o agravante da demagogia de prometer elevado consumo privado para todos.
A esquerda brasileira abandonou os filósofos socialistas e adotou a economia keynesiana; preferiu abandonar a luta pelo público prometendo que o Estado proveria a renda necessária para o consumo individual por transferências de renda para os consumidores e subsídios para os industriais. O resultado dessa aliança perdulária ficou visível na crise fiscal dos Estados, dos municípios e da União.
Foi a pedagogia da catástrofe que despertou nossos prefeitos recém-empossados para a defesa e imposição de medidas de austeridade. O Brasil e cada Estado e cidade estariam melhores se, décadas atrás, a política brasileira tivesse descoberto o valor moral e a eficiência fiscal da austeridade. E se, no lugar da bandeira da renda e do consumo, as esquerdas tivessem adotado bandeiras educacionais, com escola pública de igual qualidade para todos, e se, no lugar de os prefeitos se vangloriarem por gastar muito em educação, eles fossem prestigiados pelos bons resultados, se possível com gastos menores.
A austeridade sempre foi uma bandeira histórica da política e dos políticos de esquerda, antes de eles serem corrompidos pelo imediatismo, pelo corporativismo, pela renda e pelo consumismo. A literatura mostra que a vida pessoal de cada militante era austera, quase franciscana, e suas bandeiras tinham rigor nos gastos, pois os desperdícios eram caracterizados como pecados burgueses.
Para ser progressista, a austeridade tem de fazer escolhas que beneficiem a população e o país; ao invés de benefícios individuais, benefícios públicos; preocupar-se com a essencialidade (escolas ou estádios) e com a eficiência (sem corrupção ou desperdícios), dois fatos renegados nas últimas décadas; em vez de gastar mais, gastar melhor; no lugar de atender as vozes das corporações de eleitores de hoje, entender o que desejam as crianças para o Brasil onde elas viverão.
Essa é a austeridade progressista que a esquerda abandonou e que a pedagogia da catástrofe está forçando ser adotada por todos os partidos, a um alto custo; porque abandonada no passado, a austeridade agora é necessária mesmo provocando dificuldades. Teremos de enfrentá-la e, depois, praticá-la não como medida emergencial, mas como prática moral permanente: uma austeridade progressista, comprometida com o interesse público e com eficiência técnica.
Buscamos aumentar aceleradamente o consumo, sem perceber os limites ecológicos; gastamos desenfreadamente, sem perceber os limites fiscais. Em busca de votos e apoio para o imediato, as forças que deveriam ser progressistas caíram nas mesmas promessas dos reacionários, com o agravante da demagogia de prometer elevado consumo privado para todos.
A esquerda brasileira abandonou os filósofos socialistas e adotou a economia keynesiana; preferiu abandonar a luta pelo público prometendo que o Estado proveria a renda necessária para o consumo individual por transferências de renda para os consumidores e subsídios para os industriais. O resultado dessa aliança perdulária ficou visível na crise fiscal dos Estados, dos municípios e da União.
A austeridade sempre foi uma bandeira histórica da política e dos políticos de esquerda, antes de eles serem corrompidos pelo imediatismo, pelo corporativismo, pela renda e pelo consumismo. A literatura mostra que a vida pessoal de cada militante era austera, quase franciscana, e suas bandeiras tinham rigor nos gastos, pois os desperdícios eram caracterizados como pecados burgueses.
Para ser progressista, a austeridade tem de fazer escolhas que beneficiem a população e o país; ao invés de benefícios individuais, benefícios públicos; preocupar-se com a essencialidade (escolas ou estádios) e com a eficiência (sem corrupção ou desperdícios), dois fatos renegados nas últimas décadas; em vez de gastar mais, gastar melhor; no lugar de atender as vozes das corporações de eleitores de hoje, entender o que desejam as crianças para o Brasil onde elas viverão.
Essa é a austeridade progressista que a esquerda abandonou e que a pedagogia da catástrofe está forçando ser adotada por todos os partidos, a um alto custo; porque abandonada no passado, a austeridade agora é necessária mesmo provocando dificuldades. Teremos de enfrentá-la e, depois, praticá-la não como medida emergencial, mas como prática moral permanente: uma austeridade progressista, comprometida com o interesse público e com eficiência técnica.
Capim para mais um asno
Deputados, funcionários públicos e bicões continuam desenvolvendo campanha pela criação do ministério da Segurança Pública, a ser desmembrado do ministério da Justiça. Sustentam ser tão grave a crise no sistema penitenciário que apenas uma nova estrutura penal teria condições de combater as organizações ligadas ao crime organizado. Assim, estão propondo que a Secretaria Nacional de Segurança Pública, subordinada ao ministério da Justiça, ganhe vida própria, chefiada por um ministro.
Haja capim para alimentar esses asnos, porque querem reunir numa estrutura que já existe, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Departamento Penitenciário Nacional. O presidente Michel Temer ouviu as ponderações de que o custo desse novo órgão seria zero, mas não se comprometeu. Ficou de examinar para resposta posterior.
Além de dividir atribuições e deixar o ministério da Justiça sem pernas e braços, o novo ministério providenciaria ao novo ministro carro oficial, passagens aéreas gratuitas, residência de luxo e oficiais de gabinete sem nada para fazer. Uma bobagem, ou melhor, uma asneira. Do que o sistema penitenciário necessita é da aplicação da lei, começando pela identificação de quantos presos tem praticado crimes, dentro dos estabelecimentos penais, para a justiça condená-los a novas penas, isolando-os do convívio com o coletivo. Se possível confinando os criminosos no meio da floresta, no caso dos amazônidas.
Se o ministro da Justiça não corresponde ao que se espera dele, que seja substituído, jamais dividindo obrigações com um irmão gêmeo. Cercar o presidente da República com mais um asno significa perda de tempo e de recursos. Inclusive capim…
Haja capim para alimentar esses asnos, porque querem reunir numa estrutura que já existe, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Departamento Penitenciário Nacional. O presidente Michel Temer ouviu as ponderações de que o custo desse novo órgão seria zero, mas não se comprometeu. Ficou de examinar para resposta posterior.
Se o ministro da Justiça não corresponde ao que se espera dele, que seja substituído, jamais dividindo obrigações com um irmão gêmeo. Cercar o presidente da República com mais um asno significa perda de tempo e de recursos. Inclusive capim…
No mundo encantado de Lula
Mesmo aos que detestam Lula, e principalmente a esses, recomendo acompanhar o que ele diz sempre que se reúne com seus correligionários ou concede entrevistas a jornalistas amestrados. Porque é só entre eles que Lula, hoje, consegue circular. E é só a jornalistas simpáticos às suas teses que ele mais fala do que responde a perguntas, nenhuma delas embaraçosa.
Que não se perca por preciosa e exemplar a oportunidade não muito comum entre nós de se ver um líder político empenhado em desenhar um mundo completamente distante daquele que de fato existe. Um mundo de ficção capaz de justificar seus atos passados e de sustentar suas aspirações futuras. É nesse mundo que Lula tenta sobreviver enquanto espera o desfecho do seu destino na Justiça.
Diante de sindicalistas que se juntaram, ontem, em Brasília, para ouvi-lo e concordar com tudo o que dissesse, Lula discorreu sobre a crise econômica que empurrou o país para o buraco, apagou as conquistas sociais dos últimos 13 anos e pouco, produziu mais de 12 milhões de desempregados e está muito longe de ser debelada. A crise não foi obra do desgoverno de Dilma, garantiu Lula.
Ela até pode ter errado quando promoveu desonerações à farta, mas o fez para preservar empregos. A crise é obra do governo golpista que derrubou Dilma, segundo Lula. Não importa que esse governo só tenha se estabelecido em definitivo há pouco mais de três meses. Ele veio para fazer o mal em contraponto aos dois governos de Lula e aos governos de Dilma que só fizeram o bem.
Quem impediu Dilma de adotar as medidas necessárias para impedir o agravamento da crise cujos primeiros sinais apareceram ainda no fim do segundo governo de Lula? Interessado em que seu período no poder ficasse para a história como “um período mágico”, Lula não foi. Tampouco Dilma ou o PT que lhe negou apoio. Foi Eduardo Cunha, afirma Lula, e as forças que ele controlava na Câmara.
Quanto à corrupção que como sócio, cúmplice ou beneficiário Lula viu alastrar-se por seus governos e atingir o pico nos governos de Dilma, nem uma palavra. Ou melhor, só uma palavra indireta em forma de pergunta. “Quem é que vai tirar o país da lama em que ele se encontra?” – provocou Lula. E a dócil e entusiasmada plateia respondeu em coro: “”Lula, Lula”.
Foi a deixa que ele queria arrematar sua peça de ficção: “Se cuidem porque, se eu voltar a ser candidato a presidente da República será para fazer muito mais do que nós fizemos. Tenho 71 aos e pareço um jovem de 30. Quem acha que vai me proibir de fazer as coisas, pode se preparar que eu vou voltar a andar este país para fazer as coisas importantes."
Lula é réu em cinco processos. Poderá virar réu em outros. Está próximo o dia em que será condenado pelo juiz Sérgio Moro. Talvez lhe seja concedido o benefício de recorrer da decisão de Moro em liberdade. A decisão será confirmada pela Justiça em segunda instância. Ele se tornará inelegível e começará a cumprir pena. Então se reconciliará com o mundo real. Ou não.
Que não se perca por preciosa e exemplar a oportunidade não muito comum entre nós de se ver um líder político empenhado em desenhar um mundo completamente distante daquele que de fato existe. Um mundo de ficção capaz de justificar seus atos passados e de sustentar suas aspirações futuras. É nesse mundo que Lula tenta sobreviver enquanto espera o desfecho do seu destino na Justiça.
Ela até pode ter errado quando promoveu desonerações à farta, mas o fez para preservar empregos. A crise é obra do governo golpista que derrubou Dilma, segundo Lula. Não importa que esse governo só tenha se estabelecido em definitivo há pouco mais de três meses. Ele veio para fazer o mal em contraponto aos dois governos de Lula e aos governos de Dilma que só fizeram o bem.
Quem impediu Dilma de adotar as medidas necessárias para impedir o agravamento da crise cujos primeiros sinais apareceram ainda no fim do segundo governo de Lula? Interessado em que seu período no poder ficasse para a história como “um período mágico”, Lula não foi. Tampouco Dilma ou o PT que lhe negou apoio. Foi Eduardo Cunha, afirma Lula, e as forças que ele controlava na Câmara.
Quanto à corrupção que como sócio, cúmplice ou beneficiário Lula viu alastrar-se por seus governos e atingir o pico nos governos de Dilma, nem uma palavra. Ou melhor, só uma palavra indireta em forma de pergunta. “Quem é que vai tirar o país da lama em que ele se encontra?” – provocou Lula. E a dócil e entusiasmada plateia respondeu em coro: “”Lula, Lula”.
Foi a deixa que ele queria arrematar sua peça de ficção: “Se cuidem porque, se eu voltar a ser candidato a presidente da República será para fazer muito mais do que nós fizemos. Tenho 71 aos e pareço um jovem de 30. Quem acha que vai me proibir de fazer as coisas, pode se preparar que eu vou voltar a andar este país para fazer as coisas importantes."
Lula é réu em cinco processos. Poderá virar réu em outros. Está próximo o dia em que será condenado pelo juiz Sérgio Moro. Talvez lhe seja concedido o benefício de recorrer da decisão de Moro em liberdade. A decisão será confirmada pela Justiça em segunda instância. Ele se tornará inelegível e começará a cumprir pena. Então se reconciliará com o mundo real. Ou não.
Melhor prender ou melhor soltar?
Certamente não há hoje na comunicação brasileira tema tão aflitivo quanto o da violência que se espraia por todas as áreas sociais, regiões, faixas etárias, todas as circunstâncias, e ainda agravadas por acontecimentos recentes, como os massacres na Região Norte do País. Que terá levado a isso? Que desfechos terá, além da proliferação de grupos violentos até dentro de presídios, como mostrou ainda há pouco (9 de janeiro), em Roraima, este jornal? Em 45 dias foram 145 fugas em prisões. A tal ponto que a Justiça ali esvaziou uma cadeia e mandou para casa 161 detentos do regime semiaberto no Centro de Progressão Penitenciária de Boa Vista – diretor do centro pediu à Justiça que fossem tomadas providências por causa da impossibilidade de garantir a segurança dos presos e dos agentes penitenciários.
Quase ao mesmo tempo se noticiava (cgu.gov.br) em relatório oficial que o governo federal expulsara 550 agentes públicos em 2016 por atos referentes a atividades contrárias à Lei 8.112/1990, entre eles corrupção, abandono de cargo, inassiduidade ou acumulação de postos e acúmulo com gerência de sociedade privada. Desde o início dos números acumulados pelo poder público, 6.209 servidores foram expulsos. O Estado do Amazonas é o que registrou maior média, com 11,6 servidores por mil, seguido de Mato Grosso, São Paulo e Maranhão. O Ministério das Cidades teve o índice mais elevado entre órgãos de sua natureza, com 22,3 expulsos para cada mil servidores.
A situação chega a pontos tais que provoca reações na aparência hilariantes, como aquela em que o juiz amazonense Leoney Figliuolo Harraquian determinou a soltura (migalhas.com.br, 9 de janeiro), “em caráter de urgência”, de sete homens presos por atraso no pagamento de pensão alimentícia: “Diante da crise no sistema carcerário em Manaus, a Defensoria Pública entendeu que os devedores estiveram expostos a perigo excessivo”, escreveu o juiz. Também no Amazonas a Secretaria de Segurança Pública transferiu 260 presos de uma cadeia pública em Manaus para outra em Itacoatiara . Boa parte deles já participara do recente motim em que 60 aprisionados foram mortos.
Reflexão da jornalista Eliana Cantanhêde em vários jornais: “Não há consenso sobre a necessidade de construir mais penitenciárias numa época de falta de recursos e de excesso de presídios caindo aos pedaços, carentes de manutenção. Ou até de presídios novos em folha, mas sem condições de entrar em operação”. Ela lembra ainda que em novembro foram inaugurados uma nova penitenciária e equipamentos a 118 quilômetros de Porto Alegre, com 84 vagas, mas só agora começa a receber os primeiros detentos – por falta de agentes, funcionários, verbas.
O tema provoca muitos debates. Por exemplo, no migalhas mesmo (9/1), algumas vozes sustentam que melhor do que construir novos presídios seria submeter os aprisionados à prestação de serviços às comunidades; as empreiteiras, condenadas a vultosas devoluções em dinheiro, poderiam ter suas penas substituídas por prestação de serviços na implantação de colônias como as da Austrália, da Nova Zelândia, das Guianas.
Por enquanto, o clima de violência prevalece. No último domingo, por exemplo, segundo relata o jornal O Popular, de Goiânia, familiares de presos que foram visitar parentes no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia dizem que “foram recebidos com spray de pimenta por policiais e relataram o medo de rebeliões no local”, onde se encontram quase 4 mil aprisionados.
Alguns desses visitantes chegam a dizer, em sigilo, que também ali o PCC se está multiplicando – cresceu 1.900% no Estado em três anos. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo (10/1) afirma que “o PCC se multiplica e cria filiais em Roraima; membros vão de 50 a 1.000 em três anos”, segundo documento da Secretaria de Justiça e Cidadania. Tudo foi escrito dois dias antes de uma chacina que deixou 23 mortos e é atribuída ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Que se fará, então? Mudar para a Suécia ou criar por aqui uma outra? E como se fará, antes disso, para mudar, sem guerras internas, todo o quadro da distribuição da renda no País? Tentar mudar todo o cenário para chegar, sem o uso da força ou de guerras internas, ao resultado sonhado? A utopia continua hoje no mesmo lugar – a de uma sociedade que tenha como objetivo maior e plano de ação imediato a caminhada rápida em direção a uma estrutura social e econômica mais justa.
“Construir cadeias não dá voto, me disse um político”, escreve o general Torres de Melo, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo. “Tive medo durante quatro anos” (e se ele, comandante, teve, quem não o terá?). “Em 1998 fui para a reserva e, acompanhando o caminhar do meu país, sentia que um dia iam explodir as cadeias públicas. (...) Agora estão atrás dos culpados. Um político, em conversa comigo, disse a verdade: ‘O problema dos presídios é de solução difícil, pois construir cadeia não dá voto’ (...). Presídio é um problema social gravíssimo.”
Como as desigualdades sociais não mudam, continuamos longe de soluções. E com a agravante de termos cada vez mais grupos organizados de delinquentes. “O Carandiru era um paiol de pólvora. Lembro-me de uma reunião com o secretário de Segurança Pública, o juiz das execuções penais e eu presente. O juiz, com toda a razão, afirmava que não podia continuar como estava. Ia explodir (...). O Carandiru comportava 2.500 presos e estava com população acima de 7.000. O senhor juiz sugeriu retirar presos do Carandiru e colocar nas delegacias e deixar a Polícia Militar responsável pela prisão dos presos. As delegacias já estavam cheias. Terminou-se sem solução, pois aleguei que a Polícia Militar indo tomar conta das delegacias a sociedade ficava sem segurança”.
Era 1974. E tudo continua igual. Ou piorou.
Quase ao mesmo tempo se noticiava (cgu.gov.br) em relatório oficial que o governo federal expulsara 550 agentes públicos em 2016 por atos referentes a atividades contrárias à Lei 8.112/1990, entre eles corrupção, abandono de cargo, inassiduidade ou acumulação de postos e acúmulo com gerência de sociedade privada. Desde o início dos números acumulados pelo poder público, 6.209 servidores foram expulsos. O Estado do Amazonas é o que registrou maior média, com 11,6 servidores por mil, seguido de Mato Grosso, São Paulo e Maranhão. O Ministério das Cidades teve o índice mais elevado entre órgãos de sua natureza, com 22,3 expulsos para cada mil servidores.
Reflexão da jornalista Eliana Cantanhêde em vários jornais: “Não há consenso sobre a necessidade de construir mais penitenciárias numa época de falta de recursos e de excesso de presídios caindo aos pedaços, carentes de manutenção. Ou até de presídios novos em folha, mas sem condições de entrar em operação”. Ela lembra ainda que em novembro foram inaugurados uma nova penitenciária e equipamentos a 118 quilômetros de Porto Alegre, com 84 vagas, mas só agora começa a receber os primeiros detentos – por falta de agentes, funcionários, verbas.
O tema provoca muitos debates. Por exemplo, no migalhas mesmo (9/1), algumas vozes sustentam que melhor do que construir novos presídios seria submeter os aprisionados à prestação de serviços às comunidades; as empreiteiras, condenadas a vultosas devoluções em dinheiro, poderiam ter suas penas substituídas por prestação de serviços na implantação de colônias como as da Austrália, da Nova Zelândia, das Guianas.
Por enquanto, o clima de violência prevalece. No último domingo, por exemplo, segundo relata o jornal O Popular, de Goiânia, familiares de presos que foram visitar parentes no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia dizem que “foram recebidos com spray de pimenta por policiais e relataram o medo de rebeliões no local”, onde se encontram quase 4 mil aprisionados.
Alguns desses visitantes chegam a dizer, em sigilo, que também ali o PCC se está multiplicando – cresceu 1.900% no Estado em três anos. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo (10/1) afirma que “o PCC se multiplica e cria filiais em Roraima; membros vão de 50 a 1.000 em três anos”, segundo documento da Secretaria de Justiça e Cidadania. Tudo foi escrito dois dias antes de uma chacina que deixou 23 mortos e é atribuída ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Que se fará, então? Mudar para a Suécia ou criar por aqui uma outra? E como se fará, antes disso, para mudar, sem guerras internas, todo o quadro da distribuição da renda no País? Tentar mudar todo o cenário para chegar, sem o uso da força ou de guerras internas, ao resultado sonhado? A utopia continua hoje no mesmo lugar – a de uma sociedade que tenha como objetivo maior e plano de ação imediato a caminhada rápida em direção a uma estrutura social e econômica mais justa.
“Construir cadeias não dá voto, me disse um político”, escreve o general Torres de Melo, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo. “Tive medo durante quatro anos” (e se ele, comandante, teve, quem não o terá?). “Em 1998 fui para a reserva e, acompanhando o caminhar do meu país, sentia que um dia iam explodir as cadeias públicas. (...) Agora estão atrás dos culpados. Um político, em conversa comigo, disse a verdade: ‘O problema dos presídios é de solução difícil, pois construir cadeia não dá voto’ (...). Presídio é um problema social gravíssimo.”
Como as desigualdades sociais não mudam, continuamos longe de soluções. E com a agravante de termos cada vez mais grupos organizados de delinquentes. “O Carandiru era um paiol de pólvora. Lembro-me de uma reunião com o secretário de Segurança Pública, o juiz das execuções penais e eu presente. O juiz, com toda a razão, afirmava que não podia continuar como estava. Ia explodir (...). O Carandiru comportava 2.500 presos e estava com população acima de 7.000. O senhor juiz sugeriu retirar presos do Carandiru e colocar nas delegacias e deixar a Polícia Militar responsável pela prisão dos presos. As delegacias já estavam cheias. Terminou-se sem solução, pois aleguei que a Polícia Militar indo tomar conta das delegacias a sociedade ficava sem segurança”.
Era 1974. E tudo continua igual. Ou piorou.
'Now You're Gone'
Stan Getz, Michel Legrand e a Symphony Orchestra,
dirigida por Georges Arvanitas (1972)
dirigida por Georges Arvanitas (1972)
Lula, de herói a mártir
“Se preparem, porque, se for necessário, eu serei candidato à Presidência”, proclamou Lula em palanque do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), em Salvador. Só faltou explicar o que significa “se for necessário”, embora pareça óbvio que ele se refere, como sempre fez, às próprias conveniências. De boné e camiseta vermelha, o ex-presidente abusou mais uma vez de seus dotes demagógicos e perseverou na prática antipedagógica de iludir o País com a afirmação dogmática de que o governo existe para gastar o que for necessário, bastando para tanto a vontade política de fazê-lo: “O único jeito desse país voltar a crescer é o Estado investir”, para o que “pode mexer no compulsório, pode aumentar a dívida”. E explicou: “A melhor forma de diminuir a dívida com proporção do PIB é fazer o PIB crescer”. Muito simples, portanto. Devia ter ensinado isso a Dilma Rousseff.
Como os populistas de modo geral, os petistas no poder se revelaram muito bons em gastar, em administrar a abundância. Nos governos de Lula, ainda sob os efeitos de uma política econômica racional herdada do Plano Real e da valorização das matérias-primas no mercado mundial, o lulopetismo chegou ao auge do sucesso no poder, faturando popularidade em cima de programas assistencialistas. Os petistas já não tiveram a mesma sorte quando, com Dilma na Presidência, enfrentaram o desafio de administrar a escassez. Até porque, no embalo dos anos gloriosos de Lula, a pupila do ex-presidente metera na cabeça que tinha chegado a hora de adaptar a política econômica a suas próprias convicções estatistas e implantar uma “nova matriz econômica”. Gastou o que não podia, pedalou, levou a economia à beira da falência e teve o mandato cassado.
Agora, premido pela Lava Jato e visivelmente temeroso do pronunciamento da Justiça, Lula comporta-se como se pudesse fazer o Brasil se esquecer disso tudo e levar o PT de novo a “ganhar as eleições nesse país”. Pior: quer fazer os brasileiros acreditarem que para resolver os problemas que hoje enfrentam basta que ele próprio reassuma o governo para fazer exatamente tudo igual ao que fez antes, como se o Brasil de hoje fosse o mesmo de 13 anos atrás, antes de ser iludido e depois destruído pelo PT.
A estratégica política de Lula – a respeito da qual o PT não assumiu ainda uma posição oficial porque continua lambendo as feridas do impeachment e do desastre das urnas de outubro – está claramente colocada em termos simples, com forte apelo emocional. Resume-se a dois slogans: “Fora Temer” e “Diretas já”. Mas como realizar diretas já se, na improbabilidade de Temer perder o mandato, a Constituição determina que a substituição seja feita por eleição indireta pelo Congresso Nacional?
É aí que Lula “inova”. Lançou em Salvador a ideia de eleições diretas para a Presidência da República em outubro próximo, daqui a 10 meses. Não se deu ao trabalho de explicar como seria possível viabilizar essa proposta absolutamente sem pé nem cabeça. Mas esse detalhe não preocupa Lula, desde que os “movimentos sociais” sob sua influência disponham de palavra de ordem para gritar nas ruas e nos palanques.
Essa seria a perspectiva político-eleitoral de Lula, não fosse ele quem é. Ocorre que o chefão do PT, apesar de ser o “homem mais honesto do Brasil”, é um “perseguido” da Justiça, envolvido em cinco investigações sobre corrupção, três delas no âmbito da Lava Jato. Condenado, tornar-se-á “ficha suja”, inelegível para qualquer cargo público. Essa possibilidade é cada dia mais plausível, a julgar pelo andar da carruagem, isto é, pelas delações dos antigos amigos do peito do ex-presidente.
Lula é um político pragmático. Na verdade, não se ilude com a “campanha eleitoral” que lançou em Salvador na garupa do MST. O objetivo principal de toda essa encenação é reforçar a imagem de um “herói popular” que almeja trocar eventual condenação à prisão em Curitiba pela condição de “mártir” politicamente asilado em algum aconchegante recanto bolivariano.
Agora, premido pela Lava Jato e visivelmente temeroso do pronunciamento da Justiça, Lula comporta-se como se pudesse fazer o Brasil se esquecer disso tudo e levar o PT de novo a “ganhar as eleições nesse país”. Pior: quer fazer os brasileiros acreditarem que para resolver os problemas que hoje enfrentam basta que ele próprio reassuma o governo para fazer exatamente tudo igual ao que fez antes, como se o Brasil de hoje fosse o mesmo de 13 anos atrás, antes de ser iludido e depois destruído pelo PT.
A estratégica política de Lula – a respeito da qual o PT não assumiu ainda uma posição oficial porque continua lambendo as feridas do impeachment e do desastre das urnas de outubro – está claramente colocada em termos simples, com forte apelo emocional. Resume-se a dois slogans: “Fora Temer” e “Diretas já”. Mas como realizar diretas já se, na improbabilidade de Temer perder o mandato, a Constituição determina que a substituição seja feita por eleição indireta pelo Congresso Nacional?
É aí que Lula “inova”. Lançou em Salvador a ideia de eleições diretas para a Presidência da República em outubro próximo, daqui a 10 meses. Não se deu ao trabalho de explicar como seria possível viabilizar essa proposta absolutamente sem pé nem cabeça. Mas esse detalhe não preocupa Lula, desde que os “movimentos sociais” sob sua influência disponham de palavra de ordem para gritar nas ruas e nos palanques.
Essa seria a perspectiva político-eleitoral de Lula, não fosse ele quem é. Ocorre que o chefão do PT, apesar de ser o “homem mais honesto do Brasil”, é um “perseguido” da Justiça, envolvido em cinco investigações sobre corrupção, três delas no âmbito da Lava Jato. Condenado, tornar-se-á “ficha suja”, inelegível para qualquer cargo público. Essa possibilidade é cada dia mais plausível, a julgar pelo andar da carruagem, isto é, pelas delações dos antigos amigos do peito do ex-presidente.
Lula é um político pragmático. Na verdade, não se ilude com a “campanha eleitoral” que lançou em Salvador na garupa do MST. O objetivo principal de toda essa encenação é reforçar a imagem de um “herói popular” que almeja trocar eventual condenação à prisão em Curitiba pela condição de “mártir” politicamente asilado em algum aconchegante recanto bolivariano.
Demonização da pobreza
País em que diaristas ganham mais que professores amarra a corda no pescoço
No Brasil, ensinou o escritor Otto Lara Resende, lei é feito vacina. Há as que pegam e as que não pegam. A lei que criou em 2008 o piso salarial dos professores do ensino básico, por exemplo, ainda não pegou. Reajustado em 7,64% nesta quinta-feira, o piso passou a valer R$ 2.298,80. É uma mixaria. Mas 55,1% das prefeituras brasileiras pagam aos professores em início de carreira vencimentos inferiores ao piso. Entre os Estados, suspeita-se que pelo menos nove ainda afrontam a lei.
Numa residência elegante de Brasília, uma boa diarista cobra em torno de R$ 150 por jornada. Dando duro de segunda a sexta, amealha R$ 3 mil por mês —fora o dinheiro da condução e as refeições feitas no trabalho. Se molhar a camisa aos sábados, eleva a remuneração para R$ 3,6 mil. A esse ponto chegou a República: uma diarista de primeiras letras pode ganhar no Brasil salários maiores que os contracheques dos professores que dão aula aos seus filhos nas escolas públicas.
Instada a comentar o fato de que apenas 2.533 municípios brasileiros (44,9% do total) declaram cumprir a lei do piso, a educadora Maria Helena Guimarães de Castro, secretária-executiva do Ministério da Educação, resignou-se: ''Precisamos melhorar o salário dos professores, valorizar os professores e, ao mesmo tempo, não há recursos suficientes para dar um reajuste acima da inflação. O reajuste agora é acima da inflação, cumprindo a lei, mas sabemos e entendemos as dificuldades dos Estados e municípios.''
Há um fundo do MEC destinado a socorrer prefeituras e Estados que condenam seus professores ao fim do mês perpétuo. Para 2017, o tônico será de R$ 1,29 bilhão. Em vez de liberar a grana no final do ano, como costumava suceder, o ministro Mendonça Filho (Educação) optou por fazer repasses mensais. Ainda assim, não há em Brasília quem alimente a ilusão de que a lei será 100% respeitada. Ao contrário. Há nos subterrâneos uma articulação para aprovar no Congresso um rebaixamento do pé-direito do teto.
Agora responda rápido: pode atingir o sucesso uma nação que paga a um professor iniciante remuneração inferior à de uma diarista? Não há o menor risco de dar certo! O Brasil parece condenado a ser um eterno país do futuro.
Numa residência elegante de Brasília, uma boa diarista cobra em torno de R$ 150 por jornada. Dando duro de segunda a sexta, amealha R$ 3 mil por mês —fora o dinheiro da condução e as refeições feitas no trabalho. Se molhar a camisa aos sábados, eleva a remuneração para R$ 3,6 mil. A esse ponto chegou a República: uma diarista de primeiras letras pode ganhar no Brasil salários maiores que os contracheques dos professores que dão aula aos seus filhos nas escolas públicas.
Há um fundo do MEC destinado a socorrer prefeituras e Estados que condenam seus professores ao fim do mês perpétuo. Para 2017, o tônico será de R$ 1,29 bilhão. Em vez de liberar a grana no final do ano, como costumava suceder, o ministro Mendonça Filho (Educação) optou por fazer repasses mensais. Ainda assim, não há em Brasília quem alimente a ilusão de que a lei será 100% respeitada. Ao contrário. Há nos subterrâneos uma articulação para aprovar no Congresso um rebaixamento do pé-direito do teto.
Agora responda rápido: pode atingir o sucesso uma nação que paga a um professor iniciante remuneração inferior à de uma diarista? Não há o menor risco de dar certo! O Brasil parece condenado a ser um eterno país do futuro.
Ora, as vítimas
Dia desses li que entrou em vigor, lá na Irlanda, uma nova legislação destinada a amparar as vítimas de crimes. Para começar, elas serão comunicadas acerca do andamento das investigações e respectivos procedimentos judiciais. Serão, ademais, imediatamente avisadas nos casos de sentença, prisão e soltura do acusado. Caso seja necessário, intérpretes e tradutores serão disponibilizados, a fim de que as vítimas ou suas famílias tenham perfeita compreensão sobre tudo que está acontecendo.
Caso as autoridades entendam por não abrir processo, ou concluam pelo arquivamento de uma investigação, as vítimas serão informadas sobre os motivos, e terão direito a requerer um reexame desta decisão.
Na hipótese de estarem sujeitas a intimidações ou retaliações, as vítimas e suas famílias poderão requerer assistência e proteção estatal.
Caso as autoridades entendam por não abrir processo, ou concluam pelo arquivamento de uma investigação, as vítimas serão informadas sobre os motivos, e terão direito a requerer um reexame desta decisão.
Na hipótese de estarem sujeitas a intimidações ou retaliações, as vítimas e suas famílias poderão requerer assistência e proteção estatal.
Na hipótese de o crime ter sido de natureza sexual ou envolver violência de gênero, a vítima tem o direito de requerer que seja atendida, ao buscar a assistência estatal, por funcionários do mesmo sexo.
Em cada uma destas ocasiões ela tem o direito de se fazer acompanhar por uma pessoa de sua confiança, incluindo seu representante legal - ou seja, uma vítima de crime jamais estará sozinha perante autoridade alguma, seja ela administrativa, policial ou judicial.
Sobre esta nova legislação, assim pronunciou-se Frances Fitzgerald, Ministra da Justiça daquele país: "Ela reforçará os direitos das vítimas de crimes e suas famílias, cujas necesidades devem estar no centro do sistema judicial. Ela assegurará que os direitos a informação, orientação e assistência sejam atendidos de forma efetiva e eficiente".
Enquanto este belo gesto de recuperação da dignidade das vítimas de crimes e suas famílias acontece lá na distante Irlanda, aqui neste tão cristão e solidário Brasil as vítimas... Ora, as vítimas...
Pedro Valls Feu Rosa
Em meio à crise dos presídios, presos de 'elite' têm direitos assegurados
Em meio à crise dos presídios, empresários e políticos detidos por crimes do colarinho branco, como corrupção e lavagem, não têm muito do que reclamar. Se estar encarcerado não é desejo de consumo de ninguém, ao menos eles vivem uma situação bem diferente de mais de 600 mil pessoas. As celas não estão superlotadas, eles podem dormir em camas ou colchões, existe até água quente para alguns réus da Operação Lava-Jato e foram feitas reformas em parte das dependências da Papuda, onde alguns observadores estrangeiros vêm periodicamente avaliar as condições de alguns deles.
Um dos motivos para a diferenciação é que a legislação brasileira exige celas diferentes para presidiários com curso superior, acusados de crimes sem relação com violência grave ou que não representem ameaça. Os réus por colarinho branco que personificam as grandes operações policiais contra a corrupção costumam se encaixar nesse perfil.
Para o professor de direito penal e processual penal Daniel Gerber, não existe regalia alguma para eles. “Eles respeitam em parte o que está na Lei de Execução Penal, conseguindo preservar a vida e a dignidade”, afirma ele, advogado de vários investigados na Operação Lava-Jato. Um policial acrescenta que os encarcerados são tratados tanto com “firmeza” quanto com “dignidade”, de acordo com a legislação, que exige uma cela limpa, arejada, com luz solar e um mínimo de seis metros quadrados.
Antologia da gafe política traz Temer sem brilho até para falar besteira
Quando, no intervalo de poucos dias, o presidente da República troca o nome da moeda do país depois de sofrer um AVC (Acidente Vocabular Constrangedor) e um ministro do STF diz que não precisa viajar para “combinar coisa espúria”, podemos ser tentados a declarar aberta a temporada da gafe.
Seria um erro. Por mais que a era Trump prometa uma apoteose de disparates que obrigue a cultura ocidental a redefinir o próprio conceito de inconveniência política, a temporada da gafe é sempre. Vem de épocas imemoriais e nunca deu refresco, ainda que, na minha infância, esse tipo de desastre verbal cômico fosse chamado principalmente de “rata”.
(O que estará havendo com essa boa e peluda gíria brasileira nascida nos primeiros anos do século passado? Por que “gafe”, termo importado do francês “gaffe”, se impôs tão inapelavelmente sobre “rata”? Um caçador de estrangeirismos como o português Vasco Botelho de Amaral ficaria triste de ver que ninguém deu bola para sua recomendação de substituir “gafe” por “cinca”, “estenderete” ou “fífia”, que lástima!)
Mancada, fora, deslize, lapso – qualquer que seja seu nome, o fato é que a gafe assume formas variadas. O fiasco pode ser fruto de um mero descuido, tropeço irrefletido, como no caso dos “cruzeiros” de Michel Temer. Também pode resultar do oposto, de um excesso de cuidado e reflexão, como se viu na escolha pusilânime, pelo mesmo Temer, do substantivo “acidente” para designar o massacre na prisão amazonense. Tudo muito ilustrativo, embora passe longe de merecer destaque na história da rata.
E o que dizer da chanceler alemã Angela Merkel trocando um François por outro para se referir ao presidente francês Hollande, que estava bem ao seu lado, como Mitterrand? Ou de José Serra garantindo que vivemos nos “Estados Unidos do Brasil”?
Fazer confusão com palavras é chato, mas há deslizes mais comprometedores. Às vezes o falante diz exatamente o que pensa, mas a repercussão negativa da frase o obriga a tentar explicá-la, quando não a se desculpar. O tropeço aqui é político. Lula declarou que a mulher “tem que ser submissa [ao homem] porque gosta dele” e não por um prato de comida. Fernando Henrique Cardoso cunhou uma de suas tiradas inesquecíveis ao criticar os “vagabundos” que se aposentam antes dos 50 anos de idade.
Existem mancadas para todos os gostos. Meu tipo preferido é aquele em que o constrangimento decorre não de ideias polêmicas ou de trocas de palavras, mas do completo embananamento verbal do falante.
Com a palavra, titãs indiscutíveis do gênero. George W. Bush: “Médicos demais estão saindo do mercado. Muitos obstetras e ginecologistas de todo o país não estão podendo praticar seu amor com as mulheres”. Dilma Rousseff: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. Menos, claro, os humoristas.
Seria um erro. Por mais que a era Trump prometa uma apoteose de disparates que obrigue a cultura ocidental a redefinir o próprio conceito de inconveniência política, a temporada da gafe é sempre. Vem de épocas imemoriais e nunca deu refresco, ainda que, na minha infância, esse tipo de desastre verbal cômico fosse chamado principalmente de “rata”.
(O que estará havendo com essa boa e peluda gíria brasileira nascida nos primeiros anos do século passado? Por que “gafe”, termo importado do francês “gaffe”, se impôs tão inapelavelmente sobre “rata”? Um caçador de estrangeirismos como o português Vasco Botelho de Amaral ficaria triste de ver que ninguém deu bola para sua recomendação de substituir “gafe” por “cinca”, “estenderete” ou “fífia”, que lástima!)
Às vezes ela é uma troca simples de palavras. Errar é humano, alegam os réus cheios de razão, mas sempre resta a vergonha de um ato falho que revela preconceito ou ignorância. O presidente americano Ronald Reagan ergueu em um jantar solene no Palácio do Itamaraty, em 1982, um brinde “ao povo boliviano”. Dilma Rousseff afirmou em maio do ano passado que “índios no Brasil morriam por falta de assistência técnica”.
E o que dizer da chanceler alemã Angela Merkel trocando um François por outro para se referir ao presidente francês Hollande, que estava bem ao seu lado, como Mitterrand? Ou de José Serra garantindo que vivemos nos “Estados Unidos do Brasil”?
Fazer confusão com palavras é chato, mas há deslizes mais comprometedores. Às vezes o falante diz exatamente o que pensa, mas a repercussão negativa da frase o obriga a tentar explicá-la, quando não a se desculpar. O tropeço aqui é político. Lula declarou que a mulher “tem que ser submissa [ao homem] porque gosta dele” e não por um prato de comida. Fernando Henrique Cardoso cunhou uma de suas tiradas inesquecíveis ao criticar os “vagabundos” que se aposentam antes dos 50 anos de idade.
Existem mancadas para todos os gostos. Meu tipo preferido é aquele em que o constrangimento decorre não de ideias polêmicas ou de trocas de palavras, mas do completo embananamento verbal do falante.
Com a palavra, titãs indiscutíveis do gênero. George W. Bush: “Médicos demais estão saindo do mercado. Muitos obstetras e ginecologistas de todo o país não estão podendo praticar seu amor com as mulheres”. Dilma Rousseff: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. Menos, claro, os humoristas.
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