terça-feira, 13 de agosto de 2019

Governo desperdiçou começo de mandato e o resultado bateu nos números

Os dois primeiros trimestres do governo terminaram com queda na atividade. O IBC-Br do segundo trimestre caiu 0,13%, após o recuo de 0,68% de janeiro a março. O resultado sugere uma recessão técnica no PIB, que tem um cálculo diferente e será divulgado pelo IBGE dia 29 deste mês. O governo desperdiçou um tempo precioso.

Normalmente, o começo de mandato é a lua de mel. Depois de uma eleição vem a esperança do recomeço, que é bom para a economia. É a hora de alimentar o otimismo e colocar o país para frente. A confiança cresceu entre as empresas e as famílias, até o governo começar. Mas o jeito de governar do presidente Jair Bolsonaro, criando confrontos e atritos, tem um efeito ruim na economia. É preciso foco. Foi assim que a Câmara conseguiu aprovar a reforma da Previdência em dois turnos.

A onda de desconfiança que se viu esses meses é, fundamentalmente, responsabilidade do governo. O PIB do segundo semestre pode até ser ligeiramente positivo. Mesmo se vier um dado negativo, o resultado do ano deve ficar no azul, uma alta em torno de 0,8%. Confirmado o resultado, será um desempenho pífio para o primeiro ano do governo. Nos últimos dois anos, que foram ruins, o PIB avançou mais, 1,1% em 2017 e 2018.

Paisagem brasileira

Sebastião Salgado

Por que não te calas, capitão?

Se não for pedir demais, roga-se a algum membro sensato do governo, dotado de razoável inteligência e com acesso ao capitão Bolsonaro que explique a ele o risco que corre o Brasil com suas intempestivas declarações a respeito de tudo e de qualquer coisa.

Que o faça, é claro, com cuidado, bons modos e didatismo. Se for o caso, em ambiente no qual ele se sinta seguro e acolhido – de preferência na presença da mulher ou de algum dos filhos. E sem medo de alguma explosão de cólera que venha a provocar.

Pois é admissível que o modo de ser do capitão funcione aqui dentro a seu favor, haja vista que se elegeu com folga e governa apesar da quantidade de absurdos já ditos ou justamente por dizê-los. Mas, lá fora, o estrago tem sido grande e poderá piorar.



Está bem que por ignorância e falta de assessoria à época ele tenha imaginado que ajudaria Maurício Macri a se reeleger indo à Argentina recomendar o voto nele. Lula e Dilma não se meteram em tantas eleições alheias? Por que ele não poderia copiá-los?

Mas uma vez que os argentinos votaram em eleições primárias e disseram um rotundo “não” a Macri, Bolsonaro reagir, como o fez, com a ameaça de rever o acordo do Mercosul, soará no país amigo como mais uma intromissão em assunto que não lhe compete.

E o que dizer da afirmação de Bolsonaro de que a provável eleição do candidato apoiado pela ex-presidente Cristina Kirchner resultará numa fuga em massa de argentinos para o interior do Rio Grande do Sul como aconteceu com venezuelanos em Roraima?

O capitão foi deselegante com o presidente francês e a primeira-ministra alemã Ângela Merkel ao sugerir que não tivera o menor prazer em encontrá-los no Japão durante a reunião dos chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo, em janeiro.

O francês e a alemã são figuras chaves para que a comunidade dos países europeus firme um acordo econômico com o Mercosul que se arrasta há 20 anos. O capitão parece pouco ligar para a preocupação deles com a preservação do meio ambiente.

Colheu o que plantou: a Alemanha congelou parte do dinheiro que manda para projetos de defesa da Amazônia. A Noruega, outra doadora de dinheiro com igual finalidade, deverá proceder em breve da mesma maneira. E quem perderá com isso?

Bolsonaro reagiu ao estilo bronco de um capitão, atento acima de tudo aos humores dos seus devotos broncos: querem comprar a Amazônia a prestações, mas ela é nossa. E não precisamos de dinheiro dos outros. (Alô, alô! Como não precisamos cara pálida?)

O mais grave é que como o capitão pensam os generais de pijama que o cercam, batem continência e se contentam em garantir seus empregos, além de generais fardados. O capitão melhor do que ninguém desperta os instintos mais rudes e primitivos da tropa.

Pai Bolsonaro e o patrimonialismo

Se República significa coisa pública, "nossa República nunca foi republicana", como já disse o historiador Murilo de Carvalho. Nossa história é marcada pelo compadrio e a apropriação do bem público por quem detém o poder. Jair Bolsonaro está aí para provar.

Eleito hasteando a bandeira da anti-corrupção, tida como inimiga número um da democracia, Jair Bolsonaro não sobreviveria a um cartaz de protesto contra seu primo-irmão em desuso, o patrimonialismo – a utilização de mecanismos públicos para atender seus interesses pessoais.


“Utilizada pela primeira vez pelo sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) ainda em finais do século XIX, a palavra “patrimônio” deriva de “pai”, enquanto o termo em si evoca o sentido de propriedade privada”, explica a historiadora Lilia Schwarcz em seu livro Sobre o autoritarismo brasileiro .

No exemplo mais recente, revelado por O Globo e ÉPOCA, pai Bolsonaro e seus três filhos políticos — o senador Flávio, o vereador Carlos e o deputado Eduardo — contrataram , em 27 anos, 22 parentes em seus gabinetes. Bolsonaro deu de ombros para a notícia: “Já botei parentes no passado, sim. Qual é o problema?”.

O problema é histórico. Em Sobre o autoritarismo brasileiro , Schwarcz cita uma frase de Frei Vicente do Salvador, “um franciscano que se tornou nosso primeiro historiador”, ainda do início do século XVII: “Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular".

Schwarcz dá outros exemplos de como a prática se perpetuou ao longo da história brasileira. Em 1810, por exemplo, D. João criou a Câmara do Registro das Mercês para acalmar ânimos e organizar uma nobreza regalando títulos. No século seguinte, a chegada da urbanização tampouco consegue romper o modelo patrimonialista. Ele se transmuta no voto de cabresto e no coronelismo.

Ainda hoje, o legado do poder privado no poder público se reflete no número de congressistas com nomes oligárquicos: foram 172 políticos eleitos em 2018, entre eles os Bolsonaros. A diferença é que, apesar de serem um clã político, eles conseguiram se eleger usando justamente o discurso antissistema. É seu modo de operar: promete drenar o sistema apenas para refazê-lo, agora sob seu controle, para seus parentes, amigos e fiéis apoiadores. Se Bolsonaro fosse um governante do Brasil imperial, estaria por aí concedendo títulos nobiliárquicos a amigos e parentes. Presidente da República, não se furta em indicar o próprio filho para ser embaixador em Washington.

Quando percorreu o país em campanha bancado pela Câmara (ao custo de R$ 520 mil, pelas contas do jornalista Lúcio Vaz), quando diz que usava o dinheiro do auxílio-moradia para “comer gente”; quando contrata em seu gabinete uma filha de Fabrício Queiroz , investigado pela prática de “rachadinha” (apropriação de parte do salário dos funcionários) no gabinete de seu filho Flávio, quando leva os parentes de helicóptero para o casamento de seu outro filho, Eduardo, e quer fazê-lo embaixador, Bolsonaro reforça uma marca do patrimonialismo que é o desdém, o exercício do poder com desprezo, que ele eleva, com seu léxico político, a categoria do vulgar, do chulo.

Não é apenas desviando verba pública que se degrada ao sistema público e à política. Como conclui Lilian Schwarcz, sem vencer a prática do patrimonialismo nunca fugiremos do modelo “presidente-pai, um pater familias autoritário e severo diante daqueles que se rebelam; justo e 'próximo' para quem o segue e compartilha das suas ideias”. Ela não cita nomes. E nem precisa.

Bolsonaro concentra poder

Jair Bolsonaro avança na concentração de poder. Em julho fez uma escolha pessoal, decidida em família, para o comando da agência de espionagem. “O que o presidente precisa é de informação para não ser surpreendido”, disse ao entregar a Abin ao delegado federal Alexandre Ramagem. Herdeira do antigo SNI, ela mantém 26 unidades nos estados. Agora, opera sob controle direto do presidente.

Em seguida, ele aproveitou a confusão política com o “superministério” da Justiça para retirar-lhe o Coaf, banco de dados financeiros em cuja malha caíra um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Semana passada, avisou à Receita Federal que pretende “limpar” o órgão de “petistas infiltrados”. O governo não refutou o relato do repórter Raphael Di Cunto sobre queixas do presidente quanto a uma suposta “perseguição” fiscal à sua família.

Nesta semana define quem vai comandar a Procuradoria-Geral da República. Ontem, alinhou os compromissos que impôs: “Que (o escolhido) entenda a situação do homem do campo e não fique com essa ojeriza ambiental; que não atrapalhe as obras, dificultando licenças; que preserve a família brasileira; e que entenda que as leis têm que ser feitas para a maioria e não para as minorias.” Por tais critérios, Bolsonaro parece desejar a PGR como um anexo do Palácio do Planalto.

A lei dá à Procuradoria-Geral a competência exclusiva para investigar e denunciar — ou não — o presidente da República, ministros, deputados e senadores. O ungido de Bolsonaro terá influência decisiva no rumo de casos de corrupção, meio ambiente, direitos civis, limites à ação policial, armamento da população e, também, arguições das leis previdenciária e tributária em produção no Congresso — onde o presidente já tem a maior bancada.

Bolsonaro começou enquadrando o governo numa moldura de símbolos militaristas verde-oliva. Agora, avança no controle pessoal e direto sobre a agência de espionagem, os órgãos de controle externo e o Ministério Público. É um excedente de poder, observam políticos, nas mãos de um presidente em campanha pela reeleição.

Fique rico com democracia

Tudo em Pindorama sai pelo avesso porque mesmo com a República o poder, agora aumentado, continuou nas mãos dos poucos, não passou para as dos muitos
Nem mais nem menos corrupto que o resto. O brasileiro é só humanidade. O poder – que corrompe sempre e corrompe absolutamente quando é absoluto – é que é absoluto por aqui. Quanto a isso, aliás, seguimos evoluindo para trás. Tratar o problema exclusivamente com polícia resultou em que o círculo se fechasse ainda mais. De 513 mais estaduais e municipais que nós elegemos pusemo-nos nas mãos de 11 nomeados dos quais, para nos arrancar a pele, bastam seis. Isso se ninguém recorrer à “monocracia”!

Em um único dia de primeiras páginas foi possível colecionar o seguinte. “Gasto com funcionalismo sobe na crise e bate recorde”. “Condenados do mensalão não pagam (nem) multas”. “Verba pública para partidos cresceu 2400% em 24 anos”. “Mortandade de industrias chega a 2300 de janeiro a maio”. “Com 42 ações com base em dados do COAF Toffoili só reagiu à de Flavio Bolsonaro”. “STF impede que Lula seja transferido para cela comum”. “STF impede investigação de Glen Greenwald”. “STF barra investigações contra o crime organizado”. “STF afasta fiscais e pára investigação de ministros e parentes”. “STF quer censura para quem falar mal do STF”…


Acreditar que trocando poderes desse calibre de dono vamos acabar com essa corrupção é acreditar que é possível fazer a humanidade deixar de ser a humanidade. O caso não é de polícia, é de política. De instituições políticas, melhor dizendo. Político, aqui, tem existência própria, independente do povo. Mas eles não foram feitos para “ser”, foram feitos para “representar”. Para ser comandados, não para comandar.

Na democracia, o sistema que o Brasil copiou antes de saber do que se tratava, o povo tem os poderes todos, maiores até que os dos reis, e os seus representantes individualmente nenhuns. Tudo em Pindorama sai pelo avesso porque mesmo com a República o poder, agora aumentado, continuou nas mãos dos poucos, não passou para as dos muitos. É ilusão de noiva esperar que funcione sem o comando do povo uma máquina de governar que foi desenhada para funcionar estritamente sob a batuta dele. O povo, só o povo e ninguém mais que o povo pode ter poderes absolutos. Só dividido pela totalidade da população esse excesso de poder converte-se de vício em virtude. E como o povo mora é na cidade, no bairro, a hierarquia, na democracia, exerce-se da periferia, que é a realidade, sobre o centro que é a ficção política.

Não no Brasil. Aqui a ficção é que manda na realidade. O pouco de federalismo que houve, lá nos primeiros dias da República, Getúlio Vargas matou e nunca mais reviveu. Mas o que vai por escrito é que democracia seguimos sendo e as instituições (não importa quais) “estão funcionando”. E como “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” temos, sim, leis e dinheiros “contingenciáveis” empurradas pela periferia que vão todas na direção de garantir educação, saúde e segurança. Só que têm precedência sobre elas as leis e os dinheiros “incontingenciáveis” que regem a vida do centro – a própria constituição que a isto está reduzida – e desviam tudo que o outro lado tenta fazer da função para o funcionário, assinando embaixo: “Povo”. Passa então a ser “o brasileiro” – assim difuso – que paga mal o professor, não cuida da saúde, é violento e irresponsável de um tanto que só não anda matando pelas ruas quem não tem uma arma pra chamar de sua. Liberdade condicional. Vão por aí abaixo as “verdades estabelecidas” que a mídia traga e, sem nenhum filtro, traduz…

E no entanto é tão simples. 99% da literatura política do mundo é ininteligível porque não passa de tapeação. Não existe isso de “entender de política”. Meu pai sempre dizia que quando você lê alguma coisa e não entende o burro (ou o sacana) é “o outro”. Democracia é coisa de somenos. Como todo bom remédio, exigiu muy especial ilustração para inventar mas não requer nenhuma para usar. Até o morador de rua analfabeto, lá na cidadezinha dele, sabe se o prefeito asfaltou aquela via publica porque é o que a cidade estava precisando ou porque tinha comprado os terrenos todos. Se o vereador fez aquela lei pra fazer a vida de todo mundo mais fácil ou pra vender a isenção a ela. Se o preço de uma obra está justo ou obeso de roubalheira. Se a dosagem de repressão prescrita é ou não é suficiente para desincentivar o crime. Se o que é exigido do funcionário público deve ou não ser o mesmo que é exigido de todo mundo. Se o salário do político está obsceno de pouco ou de demasia. Se é ou não razoável ele pagar suando o dobro pelo “direito adquirido” a pagar metade dado por um político ao seu vizinho. Se as leis devem ou não ser mudadas assim que se provarem superadas. Quais normas, para além da regra do jogo feita para impedir trapaça na mudança, devem ou não ser “petrificadas” por um complicador adicional de alteração.

Democracia, onde tudo isso se vota, não é mais que isso. E, como quem manda é quem demite, para tê-la tudo que é preciso é inverter a relação hierárquica entre o País Real e o País Oficial. A ligação entre representantes e representados tem de ser concreta para que a marcação possa se dar homem a homem. Só o voto distrital puro com retomada de mandato (recall) permite isso. Qualquer outro entrega o ouro aos bandidos. As regras do jogo têm de ser consensuadas e não impostas, o que só os direitos de iniciativa e referendo legislativos proporcionam. A justiça tem de ser tão isenta quanto pode ser a humana, o que requer liberdade absoluta do juiz “enquanto se comportar bem”, critério cuja aferição eleições periódicas de reconfirmação dos seus poderes pelo voto direto do povo tira do céu e traz de volta à Terra. Os poderes do eleitor têm de ser tanto mais absolutos quanto mais próximo se estiver do bairro, a periferia do sistema, e mais contrabalançados na medida em que se aproximarem do centro que muda de lugar com 50% + 1.

A natureza humana não se altera sob a democracia. Mas nela você só paga pelos erros em que insistir em perseverar. Dá pra ficar rico!

Pátria amada do presidente


Motoserra

Só falta agora o presidente Jair Bolsonaro incluir o agronegócio na sua lista de inimigos e a tropa bolsonarista na internet passar a chamar produtores e exportadores rurais de petistas, esquerdopatas e comunistas, por fazerem uma advertência real: proteger o meio ambiente não é coisa da esquerda nem utopia, é uma questão de competitividade internacional.

“Desenvolvimento sustentável” é o equilíbrio entre economia e ecologia. Não é moda nem supérfluo, é um conceito massificado nas democracias e exige responsabilidade das empresas. Ser “environment-friendly” é um ótimo negócio. Não ser pode custar caro.


O Brasil é um dos três maiores exportadores agrícolas do mundo, o governo aprofunda um processo de privatizações que atiça o interesse externo e a equipe trabalha intensamente para atrair investimentos produtivos fundamentais para impulsionar o desenvolvimento e gerar empregos.

As decisões e manifestações de Bolsonaro sobre meio ambiente podem interferir negativamente nisso tudo, afetando a posição de liderança do Brasil na área ambiental e gerando desconfianças desnecessárias nos demais setores, empresas e conglomerados que estão de olho no Brasil.

Ok. O capital é pragmático e pode não dar muita bola para florestas, rios e reservas ecológicas e indígenas de um país distante da América do Sul, mas é exatamente por pragmatismo que é forçado a contemplar todas essas questões na hora de fazer negócio. Não se esqueçam que, quando falamos de imagem do Brasil lá fora, não estamos nos referindo apenas a governos, mas também a parlamentos, mídia, meios científicos e sociedades. Todos têm forte influência nas empresas.

Que grande empresa quer colar sua marca num país que involui a olhos vistos na proteção ambiental? Mais: o governo mira a Europa, mas os EUA também desenvolveram uma forte consciência ambiental e uma ativa militância nessa área, com ou sem Trump.

Ao atacar o então diretor e os dados científicos do Inpe sobre desmatamento da Amazônia – em entrevista a correspondentes estrangeiros, frise-se –, o presidente fez exatamente o que ele acusa o professor Ricardo Galvão de ter feito: denegrir a imagem do Brasil no exterior numa área tão sensível.

Em setembro, Bolsonaro terá um palanque especial e uma ótima chance para abaixar a bola, amenizar suas falas e explicar ao mundo que não é bem assim como parece: que ele não quer facilitar a vida de madeireiros ilegais, escancarar as reservas indígenas a mineradoras até americanas, transformar santuários em “novas Cancúns”, liberar a pesca em áreas protegidas e desqualificar Inpe, Ibama, ICMBio.

Será que ele vai fazer isso? Leais colaboradores do presidente torcem para que sim, mas duvidam que ele o faça, porque, assim como Dilma Rousseff tinha a visão perigosa de que “um pouco de inflação não faz mal a ninguém”, Bolsonaro está empenhado em relativizar a proteção do meio ambiente em nome do que ele considera “desenvolvimento”.

Logo, não há motivo para otimismo na fala do presidente na abertura da Assembleia Geral da ONU, mês que vem, em Nova York. Em vez de amenizar o discurso e a sensação de uma política retrógrada em meio ambiente, o risco é ele fazer o oposto e dobrar a aposta, sob aplausos dos áulicos domésticos.

Essa é mais uma missão para Paulo Guedes, único superministro restante. Ele transformou o estatizante e corporativista Bolsonaro em privatizante e liberal. Agora, tem novo desafio: convencer o pupilo de que cuidar da natureza não é “frescura” nem “coisa de esquerdista”, mas fundamental para a sobrevivência do planeta e o interesse nacional. Ou melhor: os variados interesses nacionais, inclusive o econômico.

A Amazônia é o centro do mundo

Eu quero começar lembrando onde nós estamos.

E quero lembrar que nós estamos no centro do mundo. Essa não é uma frase retórica. Também não é uma tentativa de construir uma frase de efeito. No momento em que o planeta vive o colapso climático, a floresta amazônica é efetivamente o centro do mundo. Ou, pelo menos, é um dos principais centros do mundo. Se não compreendermos isso, não há como enfrentar o desafio do clima.

Esta é justamente a razão de colocarmos o nosso corpo aqui, nesta cidade, Manaus, capital do Amazonas, estado do Brasil, país que abriga cerca de 60% da Amazônia. Manaus é tanto uma floresta em ruínas como as ruínas de uma ideia de país. Manaus pode ser vista como a escultura viva de um conflito iniciado em 1500, com a invasão europeia que causou a morte de centenas de milhares de homens e mulheres indígenas e a extinção de dezenas de povos. Neste momento, em 2019, testemunhamos o início de um novo e desastroso capítulo.


O Brasil é um grande construtor de ruínas. O Brasil constrói ruínas em dimensões continentais desde que começou a ser inventado pelos europeus no século 16. Neste momento, uma forma de vida predatória chamada bolsonarismo assumiu o poder quase total e totalitário no Brasil. O principal projeto do bolsonarismo é justamente construir ruínas com método e com velocidade na floresta amazônica. É por isso que pela primeira vez, desde a redemocratização do país, temos um ministro contra o meio ambiente.

Nenhum ministro do meio ambiente dos últimos mais de 30 anos teve a autonomia que já demonstrou ter Ricardo Salles, o ministro contra o meio ambiente. Ele é o office-boy do agronegócio predatório, este que é responsável pela maioria das mortes no campo e na floresta e é também a maior força de destruição do Brasil. Não é que hoje os ruralistas estão no Governo. No governo eles estiveram desde sempre, formalmente ou não. Hoje eles são o Governo.

O principal projeto de poder do bolsonarismo é converter as terras públicas que servem a todos, na medida em que garantem a preservação dos biomas naturais e a vida dos povos originários, em terras privadas para lucros de poucos. Estas terras, a maioria delas na floresta amazônica, são as terras públicas de usufruto dos povos indígenas, as terras públicas ocupadas pelos ribeirinhos (população que vive da pesca, da coleta do látex, da castanha e de outros frutos da floresta há mais de um século), e as terras de uso coletivo dos quilombolas (descendentes de escravos rebeldes que conquistaram seu direito aos territórios ocupados pelos antepassados).

As disputas entre os vários grupos que ocupam o Governo é constante, inclusive porque o Governo Bolsonaro tem como estratégia simular sua própria oposição, ocupando todos os espaços. A abertura das terras protegidas dos povos indígenas e a abertura das áreas de conservação, entretanto, despontam como consenso. Sobre transformar a maior floresta tropical do planeta em boi, soja e mineração não há briga. Algumas das vozes levemente dissonantes já foram deletadas do Governo.

O bolsonarismo vai muito além da criatura que lhe dá nome. Eventualmente, em algum momento, o bolsonarismo pode inclusive prescindir de Jair Bolsonaro. O bolsonarismo, intimamente conectado à crise global das democracias, está influenciando toda a região amazônica, fazendo com que figuras que se mantiveram nos esgotos por anos, às vezes décadas, estejam hoje emergindo em outros países da América Latina onde também o destino da maior floresta tropical do mundo está sendo decidido. O bolsonarismo, vale repetir, não é uma ameaça apenas para o Brasil, mas para o planeta. Exatamente porque ele destrói a floresta estratégica para o controle do aquecimento global.

Como resistir a essa enorme força de destruição, a essa competente força de destruição?

Para sermos capazes de resistir nós precisamos nos tornar floresta — e resistir como floresta. Como floresta que sabe que carrega consigo as ruínas, que carrega consigo tanto o que é quanto o que deixou de ser. Me parece que é a esse sentimento político-afetivo que precisamos dar forma para dar sentido à nossa ação. Para isso temos que deslocar algumas placas tectônicas de nosso próprio pensamento. Temos que descolonizar a nós mesmos.

O fato de a Amazônia ainda ser vista como um longe e também — ou principalmente — como uma periferia dá a dimensão da estupidez da cultura ocidental branca, de matriz primeiro europeia e depois norte-americana, essa estupidez que molda e dá forma às elites políticas e econômicas do mundo e também do Brasil. E, em parte, também às elites intelectuais do Brasil e do planeta. Acreditar que a Amazônia é longe e que a Amazônia é periferia, quando qualquer possibilidade de controle do aquecimento global só é possível com a floresta viva, é uma ignorância de proporções continentais. A floresta é o perto mais perto que todos nós aqui temos. E o fato de muitos de nós nos sentirmos longe quando aqui estamos só mostra o quanto o nosso olhar está contaminado, formatado e distorcido. Colonizado.

Dias atrás eu conversava com procuradores e defensores públicos que chegaram há pouco em cidades do interior amazônico. Era o primeiro posto deles. Porque essa é a lógica. A Amazônia é o epicentro dos conflitos, mas, para fiscalizar o Estado e defender os direitos dos mais desamparados, as instituições mandam os sem nenhuma experiência. Alguns deles — não todos — interpretam que estão sendo enviados a uma região amazônica como um teste ou mesmo um castigo, um calvário que precisam passar antes de ter um posto “decente”. Parte deles — não todos — não vê a hora de ter o que é chamado de “remoção” e deixar essa bad trip para trás. E não é culpa deles, ou não é só culpa deles, porque essa é a lógica das instituições, este é o olhar para a Amazônia. Felizmente alguns deles percebem a importância do seu papel, aprendem, compreendem, permanecem e se tornam servidores públicos essenciais para a luta pelos direitos em regiões onde os direitos pouco ou nada valem.

Lembrei a eles que, como eu, eram privilegiados. Eles estavam justamente no centro do mundo. Eles estavam no melhor lugar para se estar para quem tinha escolhido aquela profissão. Mas teriam que se esforçar muito para superar a sua ignorância, como eu me esforço todos os dias para superar a minha. Era a população local, eram os povos da floresta que teriam de ter enorme paciência para explicar a eles o que precisam saber, já que pouco ou nada sabem quando aqui chegam. O mesmo princípio vale para jornalistas e também para cientistas.

Se nós nos reunirmos aqui acreditando que somos especiais por estarmos preocupados com a floresta, não teremos compreendido nada. Se nós compreendermos a nós mesmos — nós jornalistas, nós cientistas, nós brancos para muito além da cor da pele —, como aqueles que deixam o conforto de suas casas em cidades “desenvolvidas” e supostamente com mais opções de lazer e cultura para se solidarizarem com os povos da floresta, também não teremos entendido nada. Se existe uma verdade ela está nas ruínas. A única verdade são as ruínas.

Durante mais de duas décadas, eu me desloquei para as diferentes regiões da Amazônia e depois voltei para Porto Alegre, primeiro, depois para São Paulo, onde vivia. Em 2017, me mudei para Altamira, para deixar de ser “enviada especial” à Amazônia, mudar o ponto de vista a partir do qual eu olhava para o Brasil e para o planeta e ser coerente com a convicção de que a floresta é o centro do mundo.

Na chegada, tive dificuldades para alugar uma casa. Algumas das que eu gostava pertenciam a grileiros e/ou mandantes de crimes contra povos da floresta e pequenos agricultores. Porque aqui, no centro do mundo, a relação é direta. Não é que os proprietários de casas, apartamentos, hotéis e condomínios de São Paulo sejam mais “limpinhos”, é que a cadeia entre o crime e a ponta é mais longa e tem mais intermediários.

Nas grandes cidades do Brasil e do mundo, somos afastados das mortes das quais nossos pequenos atos cotidianos se fazem cúmplices, temos o privilégio de não sermos obrigados a questionar a origem da roupa que vestimos ou a origem da comida que comemos. Aqui, na Amazônia, se você come boi, tem certeza que é boi de desmatamento. Se você compra madeira, sabe que (quase) não existe madeira efetivamente legal no Brasil. Se você compra uma mesa ou um guarda-roupa vai ficar olhando para esses móveis e pensando que muito provavelmente eles foram feitos com madeira arrancada de terra indígena ou de uma reserva extrativista. Aqui, no centro do mundo, a relação com a morte da floresta e dos povos da floresta, assim como com a morte dos agricultores familiares, é direta. É inescapável. E só podemos viver carregando — conscientemente — tanto nossas contradições quanto nossas ruínas.

Por isso, temos que enfrentar também a contradição de estarmos aqui, financiados neste evento, por recursos da Noruega. A Noruega também sustenta majoritariamente o Fundo Amazônia, hoje sob ataque do Governo de Bolsonaro. A continuidade do Fundo Amazônia, principal financiador da proteção da floresta, é essencial para barrar, ainda que minimamente, a destruição acelerada do bioma. Este fato não nos absolve, porém, da necessidade de refletir que o Rainforest Journalism Fund é financiado, em grande parte, por dinheiro proveniente do petróleo, já que a Noruega é o maior produtor de petróleo da Europa. A Noruega tem ainda participação em frentes de destruição da Amazônia, como a empresa Hydro Alunorte, que contaminou os rios de Barcarena, no Pará. Só podemos seguir adiante enfrentando todas essas contradições — e não fugindo delas. E exigindo melhores práticas e mais coerência da Noruega.

Por caminhos diferentes, penso que nós estamos aqui, e não só os que vieram de fora, mas também os que já se colocaram geograficamente aqui neste território, porque sabemos que nossa vida depende disso. Mesmo que este ainda não seja um sentimento — ou mesmo um pensamento — que todos possam nomear. Não estamos aqui para ajudar os povos da floresta, contando o que está acontecendo aqui para o mundo de lá, mas sim estamos aqui para, humildemente, perguntar se eles nos aceitam ao seu lado na luta.

Somos nós que precisamos da ajuda dos povos da floresta. É deles o conhecimento sobre como viver apesar das ruínas. São eles os que têm experiência sobre como resistir às grandes forças de destruição. Para que tenhamos alguma chance de produzir movimento de resistência precisamos compreender que, nesta luta, nós não somos os protagonistas.

Sem compreender nosso lugar nessa luta e estarmos dispostos a compartilhar o pouco poder que temos, ou mesmo ceder esse poder, acredito que será muito difícil produzir movimento real. Desta vez, somos nós que precisamos nos deixar ocupar, permitir que nosso corpo seja afetado por outras experiências de ser e de estar neste planeta. Não como uma violência, como foi a colonização da Amazônia e de seus povos, esta que está em processo até hoje, e em processo cada vez mais acelerado. Mas, desta vez, como troca, como mistura, como relação amorosa, como sexo consentido.

Reproduzo aqui uma fala do filósofo Peter Pál Pelbart, que faz essa síntese de forma brilhante: “Talvez o desafio seja abandonar a dialética do Mesmo e do Outro, da Identidade e da Alteridade, e resgatar a lógica da Multiplicidade. Não se trata mais, apenas, do meu direito de ser diferente do Outro ou do direito do Outro de ser diferente de mim, preservando em todo caso entre nós uma oposição. Nem mesmo se trata de uma relação de apaziguada coexistência entre nós, onde cada um está preso à sua identidade feito um cachorro ao poste, e portanto nela encastelado. Trata-se de algo mais radical, nesses encontros, de também embarcar e assumir traços do outro, e com isso às vezes até diferir de si mesmo, descolar-se de si, desprender-se da identidade própria e construir sua deriva inusitada”.

Durante muito tempo nós, jornalistas e cientistas brancos ocidentais, e quando me refiro a brancos ocidentais me refiro a muito além da cor da pele, me refiro a um modo de pensar e de habitar esse mundo, usamos os povos da floresta apenas como fontes do nosso trabalho. Cientistas de todas as áreas, e também da área de humanas, fizeram sua carreira a partir do conhecimento dos povos da floresta citando-os nos trabalhos acadêmicos apenas como “informantes”, isso quando os citavam.

Embora essa prática ainda seja largamente exercida na produção científica, muitos já começam a compreender que já não é eticamente possível fazer isso. Os povos da floresta precisam ser reconhecidos, no mínimo, como coautores. Os intelectuais, assim como os cientistas, não se restringem à academia. Os intelectuais e os cientistas estão também — e muito — na floresta.

É isso que muitos intelectuais indígenas estão dizendo no mundo inteiro neste momento. No Brasil, a obra mais expressiva de coautoria entre um intelectual acadêmico e um intelectual da floresta é A Queda do Céu, resultado de uma parceria efetiva, real, de mútuo respeito e mútuo aprendizado, entre Davi Kopenawa, intelectual yanomami, e Bruce Albert, antropólogo francês.

Talvez o debate mais fundamental que precisamos empreender no jornalismo é como esse desafio ético e também estético pode ocupar a produção jornalística neste momento crucial. Como colaborar com os povos da floresta para invadir e ocupar o jornalismo a partir de suas próprias experiências — e não apenas se deixando formatar pelo nosso modelo de imprensa. Esta, me parece, não deve ser apenas uma ocupação de espaço, com indígenas, ribeirinhos e quilombolas fazendo jornalismo. Deve ser também uma transformação do espaço, do próprio fazer jornalístico.

Uma das maneiras de começar esse movimento no Rainforest Journalism Fund é estimular a coautoria nos projetos de reportagem porque, a maneira mais efetiva de ocupar os espaços de poder é... ocupando os espaços de poder. E, de novo, devemos aceitar esse desafio não porque somos cool ou por concessão ou por favor — e nem mesmo porque é o mais correto a se fazer —, mas porque precisamos muito aprender e porque podemos ensinar. Precisamos nos inventar de outro jeito se quisermos ter uma chance de enfrentar este momento em que a espécie humana se tornou ela mesma a catástrofe que temia.

Bolsonaro não é apenas uma ameaça para a Amazônia. É uma ameaça para o planeta exatamente porque é uma ameaça para a Amazônia. Diante desta força acelerada de destruição que é o bolsonarismo nós, de todas as nacionalidades, precisamos fazer como os africanos escravizados que se rebelaram contra o opressor. Precisamos nos aquilombar. E, como não sabemos fazer isso, teremos que ter a humildade de aprender com quem sabe.

O melhor — e o mais potente — do Brasil atual e da Amazônia, em todas as regiões, são as periferias que reivindicam o lugar de centro. Nossa melhor chance é nos somar às forças do real centro do mundo onde a disputa pelo futuro é travada, às vezes a bala.

É a esse movimento que nós, jornalistas e cientistas, precisamos humildemente servir. Espero que os povos da floresta possam, depois de tudo o que fizemos contra seus corpos, nos aceitar ao seu lado na luta.

Rede de mentiras

O presidente Jair Bolsonaro se valeu das redes sociais para compensar a baixa exposição de sua candidatura à Presidência da República no ano passado por meios ditos tradicionais, como as propagandas no rádio e na TV.

Desde o início da década de 2010, notadamente a partir da onda de protestos de junho de 2013, o papel das redes sociais na vida política do País foi amplificado. Bolsonaro soube identificar e aproveitar como poucos essa transformação no relacionamento entre os políticos e uma significativa parcela do eleitorado. Não só foi eleito presidente, como consolidou uma base de apoio fiel, acrítica e bastante ruidosa no Twitter e no Facebook, plataforma em que semanalmente faz suas já conhecidas lives, transmissões diretas e informais por meio das quais trata do que lhe vier à cabeça no dia.


Essa aguerrida base de apoiadores virtuais, cujo tamanho varia a depender de quem realiza a contagem, serve ao presidente como uma caixa de ressonância para os seus interesses imediatos, que tanto podem ser a defesa de algum projeto do governo como o ataque a seus críticos. Particularmente em relação a esta segunda “atribuição”, por assim dizer, a rede virtual de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro é implacável. Qualquer instituição, órgão, homem ou mulher que emitam algum tipo de crítica ao “mito”, façam-lhe reparos ou apontem suas incoerências serão alvo de uma campanha de desqualificação que ultrapassa, e muito, o limite do que seria um debate democrático entre grupos sociais antagônicos.

O bando de radicais que se põem a serviço do governo, ou melhor, da pessoa do presidente da República, não hesita em caluniar, injuriar e difamar quem quer que seja quando Jair Bolsonaro está sob crítica por seus atos e palavras. Aqui parece haver uma fina sintonia entre o presidente e sua rede de apoio digital, o que sugere algum grau de coordenação.

O Estadão Verifica, núcleo de checagem de fatos do Estado, constatou a falsidade total ou parcial das informações que circularam amplamente por meio de redes sociais sobre pessoas que foram alvos de Jair Bolsonaro em sua recente erupção verborrágica.

Quando o presidente Jair Bolsonaro desqualificou publicamente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e seu então presidente, Ricardo Galvão, classificando como “mentirosos” os dados colhidos pelo instituto a respeito do desmatamento da Amazônia, a rede bolsonarista na internet logo fez circular o “depoimento” de um suposto médico do Amazonas que contestava aqueles dados científicos. As informações contidas na fala do tal médico, evidentemente, eram falsas, apurou o Estadão Verifica.

Em uma mesma ocasião, um café da manhã com a imprensa estrangeira, no dia 19 de julho, o presidente mentiu sobre o passado da jornalista Miriam Leitão, dizendo que teria sido presa a caminho da guerrilha do Araguaia, e disse que “daqueles governadores ‘de paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem de dar nada para esse cara”. Ato contínuo, a milícia digital a serviço de Bolsonaro nas redes sociais fez circular a hashtag #MiriamLeitãoTerroristaSim e divulgou a informação de que o governador Flávio Dino (PCdoB) trocou a bandeira do Brasil de seu gabinete pela bandeira do partido comunista. Mais uma vez, as alegações foram desmentidas pelo Estadão Verifica.

Há vários outros casos que seguem o mesmo padrão. Eles revelam, antes de tudo, que o presidente da República e seus apoiadores mais radicais não sabem debater no mundo dos fatos, optando pela ilusão de que a permanente construção da fantasia lhes bastará para impor sem contradita a versão oficial do que quer que seja.

Há o desgaste desse próprio modo de atuação, que recorre à mentira com contumácia e, pouco a pouco, ficará cada vez mais restrito às bolhas fanatizadas que orbitam em torno do governo. Há o amadurecimento da sociedade, que haverá de superar o impacto da transformação trazida pelas redes sociais e saberá distinguir o falso do verdadeiro. E haverá sempre a tradicional imprensa profissional a desmentir mentiras e a publicar aquilo que se quer manter escondido.

Pensamento do Dia


Elo Bolsonaro-Trump repete modelo Lula-Chávez

Ao anunciar que o governo dos Estados Unidos deu sinal verde à indicação do seu filho "Zero Três"para a embaixada brasileira em Washington, Jair Bolsonaro jactou-se de uma peculiaridade: "Teve um linguajar pessoal no documento que eu recebi". Referia-se a um bilhete que veio junto com o agrément. "É pessoal", disse o capitão. "Do próprio punho do Trump". Esse relacionamento personalista, tratado pelo presidente como algo vantajoso, pode ser ruinoso.

Em matéria de política externa, Bolsonaro diz uma coisa e realiza o contrário. No gogó, prometera inaugurar uma fase de relações internacionais "sem viés ideológico". Na prática, cultiva com Donald Trump um relacionamento que segue o modelo Lula-Chávez. Algo deletério, pois, na diplomacia, a ideologia é o caminho mais longo entre um projeto e sua realização.

Bolsonaro deveria aprender com os equívocos de seu antagonista. Entretanto, a exemplo da divindade petista, o mito direitista cultiva a soberba da infalibilidade. Quanto mais erra, mais persiste na dissimulação do mesmo no erro do adversário. Não se deu conta de que as relações diplomáticas acríticas costumam ser letais. A primeira vítima é o interesse nacional.


Lula e sua criatura Dilma Rousseff empurraram a Venezuela do autocrata Hugo Chávez para dentro do Mercosul. Sob Michel Temer, os profissionais do Itamaraty tiveram de suar os punhos de renda para fazer valer as cláusulas democráticas do bloco. Na era petista, exportaram-se para Caracas as verbas sujas do Departamento de Propinas da Odebrecht e o dinheiro limpo do BNDES. Deu no que está dando: corrupção e um calote bilionário.

Apenas o espeto decorrente dos repasses do BNDES à Venezuela e Cuba obrigou o bancão de fomento brasileiro a registrar no seu balanço financeiro de 2018 perdas de notáveis R$ 4,4 bilhões. Na outra ponta, o petismo manteve um relacionamento hostil com Washington. Algo que o novo governo se dispõe a rever. Bom, muito bom, excelente. A manutenção da birra com a maior potência mundial seria uma tolice. Mas o que parecia uma solução revelou-se um problema às vésperas da primeira visita de Bolsonaro à Casa Branca, em março.

A reunião de Bolsonaro com Trump foi tratada pelo hipotético futuro embaixador Eduardo Bolsonaro como "um encontro épico entre duas nações que sempre foram muito próximas, mas que nos últimos governos foram separadas devido a uma sanha ideológica que já se mostrou falida por onde passou". Épico, como se sabe, evoca a ideia de epopeia, de ações heroicas, resultantes de esforços homéricos. Esse tipo de retórica se parece muito com deslumbramento. Diplomacia é feita de outros tipos de matéria-prima: equilíbrio, profissionalismo e interesse de Estado.

A família Bolsonaro ambiciona manter com o presidente americano uma relação de amor. Mas o pragmatismo de Trump, homem de negócios, demonstra que, nas questões de Estado, amar não é coisa para amadores. O "Zero Três" ainda nem chegou a Washington e Trump já começa a cobrar a fatura do caráter "pessoal" que atribuiu à opção nepotista do capitão, brindando-o com o bilhete escrito de "próprio punho".

A pedido de Trump, Bolsonaro ordenou aos ministérios da Economia e da Ciência e Tecnologia que elaborem uma medida provisória modificando a lei que regulamenta a TV paga no Brasil. Coisa destinada a ajustar a legislação local às conveniências do grupo Time Warner, que controla, entre outros, os canais CNN, HBO, Cartoon Network e DC Comics. Num ambiente liberal, a concorrência é sempre benfazeja. Mas convém ao Congresso analisar com lupa a MP que está por vir. É preciso verificar de que lado está o amor dos Bolsonaro.

Bolsonaro, sua prole e o chanceler Ernesto Araújo sustentam que o petismo afastou-se de Washington por razões ideológicas. O diabo é que o novo governo aproxima-se dos Estados Unidos pelos mesmos motivos. Dão de ombros para uma obviedade: o contrário do antiamericanismo primário do PT é o pró-americanismo inocente da dinastia Bolsonaro. Nesse ambiente contaminado pelo fanatismo, o mito periférico tende a ser engolido pelo mito da potência.

Assim como não faz sentido que o Brasil trate os Estados Unidos na base do ponta-pé, também não é razoável tratar como "épico" um relacionamento que precisa ser apenas profissional. Mantido o diapasão atual, os pró-americanos ingênuos vão acabar convencendo Pequim, por exemplo, de que Brasília prefere a submissão ideológica a Washington ao relacionamento comercial superavitário que mantém com a China.

Com seus 35 anos recém-completados, Eduardo Bolsonaro servirá ao Brasil ou colocará sua inexperiência e sua idolatria ao trumpismo a serviço do interesse norte-americano?, eis a pergunta que os senadores precisam fazer na sabatina ao filho-embaixador.

Ser "amigo dos filhos de Trump" e falar um par de idiomas não são credenciais suficientes para comandar a embaixada em Washington, posto mais relevante mantido pelo Brasil no exterior. A poltrona está vaga posto desde abril, quando Bolsonaro ejetou da poltrona, sem motivo aparente, o tarimbado embaixador Sérgio Amaral. O substituto precisa ter qualificação diplomática, econômica e administrativa. Isso exige anos de formação.

Há no Itamaraty opções de mostruário. Entre os nomes à disposição há vários conservadores, bem ao gosto do capitão. É só escolher. Não há precedente de indicação de forasteiros para Washington. Com a atribuição constitucional de deliberar, em votação secreta, sobre a indicação de Bolsonaro, os 81 senadores não julgarão apenas a desqualificação do "Zero Três". Eles avaliarão o próprio Senado. No limite, emitirão um juízo sobre o tipo de país que o Brasil deseja ser.

Impróprio ao consumo

O populismo de direita é quase sempre uma fraude, porque essencialmente é uma maneira de desviar a atenção e ignorar as pessoas que estão sofrendo com a desigualdade. Coloca-se a culpa nos imigrantes, nos estrangeiros, nos criminosos, e os verdadeiros problemas não são enfrentados.
O populismo é um sintoma dessa doença (a desigualdade), e às vezes dá uma resposta ou outra, mas nunca a resposta final. É preciso respostas mais inteligentes e, acima de tudo, que a sociedade realmente acredite que esse é um problema a ser enfrentado
Martin Wolf, comentarista-chefe de economia no Financial Times e doutor em economia pela London School of Economics

O jeito de ser

O Presidente Bolsonaro diz que não vai mudar e que não tem estratégia. Jeito de ser é uma forma mais popular para definir estilo. Cada um tem o seu. Quando esta afirmação ocorre na esfera privada, causa estranheza porque tudo muda. Se ocorre no espaço público, soa ameaçadora.

A palavra e a ação do governante têm consequências, afetam diretamente a vida de milhões de pessoas. Apesar dos defeitos, a democracia liberal tece uma institucionalidade que limita o poder e protege o cidadão dos excessos e abusos dos governantes. A afirmação presidencial nos remete à máxima de Zagalo, ao conquistar a Copa América, 1997, em resposta aos críticos: “vocês vão ter que me engolir”.




Não é bem assim. A maior virtude da democracia é definir o prazo de validade dos governos e possibilitar saídas legais para as crises políticas. Estão na Constituição que assegura o princípio de liberdade de expressão e permite o exercício do pensamento crítico.

De outra parte, a sequência de declarações afronta instituições e resvala do campo político para ofender doloridos sentimentos pessoais. E o mais grave: desmente a não estratégia quando diz que fala para um segmento da população onde se agrupa a extrema direita.


Se, de fato, a intenção é recuperar um país em crise, este não é o caminho adequado. O ambiente de confronto vai na direção oposta do que almejam os investidores: estabilidade político-institucional, segurança jurídica e reformas estruturais. Vale registrar os avanços alcançados no campo econômico, decorrentes de um curioso arranjo informal em que doses de parlamentarismo mitigam o presidencialismo imperial e fazem andar a agenda de interesse nacional.

Enquanto no mundo real cada dia é uma agonia, no plano teórico, cabeças pensantes analisam o perfil doutrinário de Bolsonaro e chegam a um consenso: populista de direita, candidato a autocrata a exemplo de vários países em que a autocracia tomou o poder pelo voto.

E não dá para injuriar os liberais. Neste sentido, vale recorrer a Vargas Llosa no primoroso e recém-lançado livro, O chamado da tribo: “O liberalismo é uma doutrina que não tem respostas para tudo, como pretende o marxismo, e admite em seu seio a divergência e a crítica a partir de um corpo pequeno, mas inequívoco de convicções (…) A liberdade é um valor supremo (…) é uma só e numa sociedade genuinamente democrática deve se manifestar em todos os domínios – econômico, político, social e cultural”. 

Gustavo Krause 

Os pastores de Trump chegam a Brasília

“Esse estudo não é sobre se Deus aceita ou não uma guerra. Ele aceita”, anuncia o pastor americano Ralph Drollinger, em um dos seus estudos bíblicos semanais, com uma voz emotiva porém pausada, calculada para que os visitantes de seu site acompanhem o raciocínio. Em seguida, explica que a frase bíblica “Bem-aventurados são os que promovem a paz porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9) diz respeito apenas a “como os fiéis devem conduzir suas vidas pessoais”. Ou seja: não vale para os governos, que podem, sim, ir à guerra.

Publicado em maio de 2018, aquele “estudo bíblico” tinha razão de ser, segundo o próprio pastor: ajudar os membros do Governo americano a refletir sobre “a ameaça de guerra com a Síria, o Irã e a Coreia do Norte” —movimentos iniciados pelo presidente americano Donald Trump. E convencê-los de que ir à guerra é abençoado pela própria Bíblia. Dias depois, Drollinger seria ainda mais explícito na sua pregação, ao pedir que “você, como servidor público, ajude a reduzir a tendência antibíblica secular em direção ao pacifismo e não intervencionismo! Isso vai levar a um crescente caos global!”.

Não foi a primeira vez nem seria a última que o fundador do ministério evangélico Capitol Ministries encontraria na Bíblia uma justificativa para as ações mais radicais do governo Trump. Afinal, o objetivo da igreja fundada por Drollinger é basicamente “converter” políticos e servidores públicos a uma visão cristã evangélica da política que se casa perfeitamente com a visão da ultradireita americana. “Sem essa orientação, é bem mais difícil chegar a políticas públicas que satisfaçam a Deus e sejam benéficas ao progresso da nação”, resume Drollinger em um dos estudos em seu site.

Enquanto o presidente americano nega os acordos sobre o aquecimento global —e questiona abertamente se ele de fato existe—, Drollinger rechaça em outro estudo bíblico que o homem possa impactar o meio ambiente. “Todos devem ficar seguros sobre a habilidade e vontade d’Ele de sustentar o ecossistema do nosso mundo”, diz, concluindo, com voz exaltada: “Que verdades gloriosas Deus nos deu! São um tapa na cara dos teóricos de moda que tentam nos assustar com o aquecimento global”.

E se alguém questiona se a maior promessa de Trump —construir um muro na fronteira com o México para evitar a entrada de imigrantes e refugiados— pode conviver com o princípio cristão da compaixão, ele tem a resposta pronta: “Compreende-se do Gênesis 11 que as nações, pelos desígnios de Deus, devem ter diferentes línguas, culturas, e fronteiras”, raciocina. “As leis imigratórias de cada nação devem ser baseadas na Bíblia e estritamente aplicadas— com a absoluta confiança e a garantia de que Deus aprova tais ações.” Quem garante é o pastor.


A Capitol Ministries —nome que significa “Ministério do Capitólio”, símbolo do Congresso americano— foi fundada pelo ex-jogador de basquete Ralph Drollinger na Califórnia, em 1996, para “criar discípulos de Jesus Cristo na arena política pelo mundo todo”. A ideia do pastor era levar para a política seu trabalho anterior, focado em evangelizar atletas.

Até o ano 2010, seu público eram deputados estaduais; naquele ano, o primeiro ciclo de estudos foi fundado em Washington, no Congresso americano. Mas foi em 2017 que Drollinger deu seu salto para o primeiro plano da política mundial, quando fundou o primeiro grupo de estudos dedicado apenas a membros do Governo de Donald Trump. O encontro semanal, em um local não revelado, reúne dez membros do alto escalão do Governo, incluindo o vice-presidente, Mike Pence, e o secretário de Estado, Mike Pompeo, que dirige a política externa. O ex-diretor da Agência de Proteção Ambiental Scott Pruitt, que articulou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, sobre aquecimento global, e já questionou o efeito de emissões de carbono sobre o clima, também chegou a participar.

Muito além de um simples falatório, as pregações de Drollinger têm efeito prático em um Governo que mais de uma vez reconheceu ter sido eleito graças ao voto evangélico. Em junho do ano passado, um de seus sermões foi usado pelo ex-procurador-geral Jeff Sessions para apaziguar os corações dos eleitores quanto à detenção de milhares de crianças imigrantes em péssimas condições na fronteira com o México. “Eu citaria a vocês o apóstolo Paulo e seu comando claro e sábio em Romanos 13, para obedecer às leis do Governo porque Deus ordenou o Governo para seus desígnios”, disse Sessions, invocando a Bíblia, e não a legislação americana, como justificativa. Enquanto a imprensa americana reagia chocada, Drollinger fez questão de expor suas digitais por trás da declaração.

“Eu tive a distinta honra de ensinar a ele sobre esse assunto e muitos outros”, disse. “Não há nada mais animador, quando você é um professor da Bíblia, do que ver um dos caras com quem você está trabalhando articulando algumas coisa que você ensinou.” A frase, de fato, é uma repetição do manual básico de Drollinger, e Sessions, quando estava no Governo, realmente frequentava seus estudos bíblicos.

Separar pais dos seus filhos seria aprovado pela palavra de Deus, diz o pastor. “Quando alguém viola a lei de um país, deve antecipar que uma das consequências do seu comportamento ilegal será a separação dos seus filhos. É esse o caso de ladrões ou assassinos que são presos”, justifica.
Em busca de Bolsonaro, Capitol chega ao Brasil

Financiada pelo vice-presidente Mike Pence e pelo secretário de Estado Mike Pompeo, segundo afirmou o próprio Drollinger em seu site, a Capitol Ministries também se vale da influência do Governo americano para cumprir sua missão, entre aspas, divina: dominar o mundo. Desde o ano passado, abriu capítulos em cinco países latino-americanos —México, Honduras, Paraguai, Costa Rica e Uruguai—, anunciou que abrirá em outros dois —Nicarágua e Panamá— e acaba de aportar no Brasil, com lançamento oficial programado para a segunda quinzena de agosto no Senado Federal, “sem muita badalação, voltado apenas para autoridades” e “com a presença de Drollinger e sua esposa”, como explicou à Pública o pastor da Igreja Batista Vida Nova, Raul José Ferreira Jr., que será o responsável por conduzir os estudos bíblicos no Senado, na Câmara.

Ele diz ainda que, “se Deus permitir”, vai conduzir também estudos bíblicos na Casa Civil junto ao presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, traduzindo as palavras do pastor americano para o presidente brasileiro. “Nós estamos realmente trabalhando firme para que possa haver ao menos um encontro do pastor Drollinger com o presidente Bolsonaro agora em agosto, para que a partir daí a gente possa desenvolver um trabalho. Mas, mesmo que o presidente não esteja entre eles, nós vamos tentar construir um trabalho dentro da Casa Civil, junto dos ministros diretamente ligados ao palácio”, diz.

O objetivo dos estudos bíblicos, que são traduzidos para o espanhol e em breve para o português, é disseminar a visão de Drollinger sobre o cristianismo aplicado à política. “Nossa ideia é chegar a nível de Presidência da República e ministros, primeiro escalão. A gente tem um slogan que é ‘first the firsts’, ou seja, primeiro os primeiros. Através dessas pessoas com relevância a gente pode mudar o destino da nossa nação”, diz o pastor Ferreira Jr., que, indicado pelo diretor regional no Brasil, pastor Giovaldo de Freitas, passou por uma semana de treinamento em Seattle com Ralph Drollinger e sua equipe.

As aspirações da Capitol Ministries no Brasil são ambiciosas, embora o pastor Ferreira Jr. chame de “trabalho de formiguinha”: conduzir, a portas fechadas nos gabinetes, reuniões bíblicas individuais com parlamentares, especialmente os não convertidos, além de reuniões coletivas semanais —e ainda garantir que cada parlamentar do Congresso Nacional receba os estudos impressos, por e-mail e por mensagem no celular. “Nosso objetivo é reconstruir a nação a partir de valores cristãos que são forjados através do estudo da palavra”, define o pastor.

Para tanto, ele diz que o ministério de Drollinger já conta com o apoio de alguns parlamentares que são membros atuantes da Frente Parlamentar Evangélica, como o senador e pastor Zequinha Marinho (PSC-PA), o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e o deputado e também pastor Roberto de Lucena (Podemos-SP).


As negociações para a chegada da Capitol Ministries ao Brasil começaram ainda no Governo Temer, em 2017, como explicou à Pública o diretor do ministério no Brasil e pastor da Igreja Batista de Moema, Giovaldo Freitas, em seu escritório em São Paulo. Naquele ano, Giovaldo era parte do Global Leadership Summit, uma organização evangélica americana que realiza grandes eventos de capacitação para lideranças empresariais no mundo todo. Em um dos eventos do grupo em Chicago, o pastor foi convidado pelo hoje coordenador da Capitol Ministries na América Latina, o peruano Oscar Zamora, a participar de um almoço que acertaria os detalhes da vinda do ministério para o Brasil.

Giovaldo passou então pelo treinamento de Drollinger em Washington com pessoas do mundo todo: “Tinha várias pessoas da América Latina, alguns do Caribe, da Europa, gente da Ásia... Gente da Argentina, Paraguai, Uruguai, Equador, Colômbia, Bermudas, Bahamas, Guatemala, Honduras, Costa Rica, México, Holanda, Romênia, Rússia...”, lembra. E acrescenta: “Foi muito interessante porque de repente eu me vejo ali conversando com um senador americano superempolgado porque estava vindo para o Brasil. Nessa reunião tinha oito senadores e dois deputados [americanos]”. O pastor não quis revelar os nomes dos políticos americanos presentes, mas disse que também houve, na ocasião, um painel com a presença de três secretários de Trump: a secretária de Educação, Betsy DeVos, o secretário de Energia, Rick Perry. e o da Agricultura, Sonny Perdue.

Segundo ele, os laços religiosos têm dado frutos políticos: “Inclusive, esse secretário de Energia tem mantido conversa com nosso ministro de Minas e Energia exatamente por causa da chegada da Capitol Ministries”, revela.

Desde então, o pastor descreve que várias negociações aconteceram no Congresso brasileiro, além de reuniões com embaixadores do Itamaraty e com o chefe de gabinete de Temer, em maio de 2018, “para decidir algumas coisas” sobre o lançamento no Brasil, segundo Giovaldo. Questionado pela reportagem, ele não quis entrar em detalhes. A Pública encontrou registros de uma reunião com o então ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Ronaldo Fonseca, em julho do ano passado, na qual estavam Giovaldo e outro ex-membro da Capitol Ministries, o pastor Evandro Beserra.

Embora diga que a intenção do ministério não é “levantar bandeiras”, o pastor admite que existe uma aproximação natural com os partidos mais à direita. O novo Governo é, para ele, o cenário ideal para a chegada: “Na primeira semana de abril, nos reunimos com o Onyx Lorenzoni [ministro-chefe da Casa Civil], que foi muito receptivo, evangélico do Rio Grande do Sul, foi um tempo muito gostoso. O presidente Bolsonaro estava em Israel, então não pudemos ter contato, mas fomos muito bem recebidos”, comentou.

Segundo a professora de direito e diretora do Centro Jurídico sobre Gênero e Sexualidade na Universidade de Columbia, Katherine Franke, a exportação de missões fundamentalistas dos EUA para a América Latina, com a bênção do Governo federal, viola os princípios de separação de Estado e Igreja determinada pela Constituição dos Estados Unidos. “O Governo está promovendo a religião como um projeto oficial do Governo e isso claramente viola uma das cláusulas. Mais ainda, o Governo está promovendo uma visão particular da religião, sem fazê-lo imparcialmente. E esse é um segundo tipo de violação ”, disse a especialista à coalizão de veículos que faz parte do projeto “Transnacionais da Fé”, que publica esta reportagem.