Ou seja, pessoas “irrelevantes”, cujas profissões tendem a desaparecer em decorrência da substituição do homem pela automação em tarefas repetitivas. Elas não encontrariam espaço nas novas profissões que surgirão a partir do desenvolvimento tecnológico. Assim, a humanidade estaria diante de um duplo desafio: de um lado, assegurar o sustento dessa nova classe social; de outro, encontrar um meio de ocupar o tempo dos “inempregáveis”, dando sentido a suas vidas. Do contrário, ou elas vão enlouquecer ou cairão nas teias de mazelas sociais como o alcoolismo, dependência das drogas, depressão crônica, entre outras.
O risco de vivermos em uma “sociedade do não-trabalho” aumentou extraordinariamente desde a época da previsão de Harari. A Inteligência Artificial, na sua fase preditiva, era capaz de trabalhar com grandes volumes de dados, gerando previsões mais assertivas. A supremacia humana em suas decisões, que já vinha sendo substituída por decisões automatizadas, mudou de patamar. Agora a IA, na fase generativa, invade o espaço até então privativo do homem: o criativo.
A fase atual desse processo é o ChatGPT, capaz de produzir conteúdo original, habilidade que só o homem era capaz. Sim, hoje as máquinas são capazes de compor uma música ou escrever um livro. Elas impactam profundamente na saúde, na educação, no jornalismo e numa infinidade de atividades intelectuais. Em um futuro não muito distante, o exército de inempregáveis pode ser engrossado também por profissionais dessas áreas, sobretudo se eles não se reiventarem para novas profissões.
A IA generativa está no seu limiar, mas veio para promover uma revolução na relação homem-máquina. Autora dos livros “A inteligência artificial vai suplantar a inteligência humana?” e “Desmistificando a Inteligência artificial”, a professora da PUC Dora Kaufman situa a inteligência artificial no patamar de “revelações científicas que em algum sentido questionam a supremacia humana”, assim como questionaram “as descobertas de Giordano Bruno no século dezesseis e as de Charles Darwin no século dezenove”.
Desenvolvido pela empresa OpenAI, o ChatGPT parece ficção científica, mas não é. E, se ele vem assustando muita gente, é porque, como disse Kaufman, “ameaça nossos atributos identitários, espécie de reserva de mercado”. É dela a pergunta pertinente em relação ao futuro da humanidade: “o que restará para os humanos?”
O advento de tecnologias disruptivas sempre provoca receios e incertezas quanto aos benefícios de seu uso. Não está sendo diferente com a IA. Daí ser absolutamente natural a polêmica sobre as vantagens e desvantagens do ChatGPT. Na educação, o debate é intenso, dado o impacto – para o bem ou para o mal – no processo de aprendizagem, portanto na formação profissional, intelectual e ética de nossos jovens.
Não é uma questão banal e preocupa educadores de todo o mundo. Nos Estados Unidos, o departamento de educação da cidade de Nova York proibiu o uso do ChatGPT em sua rede escolar. Não foi um caso isolado. Na França, o Instituto de Estudos Políticos de Paris também o baniu, ao tempo em que revistas acadêmicas como Nature e Science recusam artigos de coautoria com o GPT, por uma razão inconteste: o autor de um artigo acadêmico responde legalmente pelo seu conteúdo e metodologia.
Até certo ponto, entende-se a postura cautelosa. Mas há que se tomar cuidado para não cair em uma posição conservadora, refratária a avanços científicos e tecnológicos. A educação não pode se dar ao luxo de não integrar ao processo de aprendizagem as novas tecnologias. Até porque a IA generativa é hoje o campo de maior investimento da inteligência artificial e deve dar um salto de qualidade nos próximos anos.
A incorporação de tais avanços no processo de aprendizagem aumenta as responsabilidades de educadores e gestores, no sentido de ensinar seus alunos a não aceitar acriticamente conteúdos criados pela ChatGPT. De saber pesquisar, discernir o certo do errado e de usar as novas ferramentas em favor de sua formação para profissões que ainda não existem, mas que existirão quando completar seus ciclos de estudos. E sobretudo a pautar-se por valores éticos na sua relação com a máquina.
Essa é uma questão global. A regulação do uso da IA preditiva e generativa passa a ser uma necessidade e um desafio para todos os governos do planeta. Não é sensato transferir essa missão para as empresas tecnológicas, que já deram sobejas demonstrações da sua incapacidade de se autorregular.
A Inteligência Artificial vem reconfigurando toda a sociedade. A educação não ficará imune a esse processo. Muito menos o mercado de trabalho. Como em todas as revoluções industriais, profissões vão desaparecer e novas surgirão. O alerta de Harari quanto ao surgimento, até o ano de 2050, de uma classe de “desocupados”, sem meio de sobrevivência e sem uma função social deve ser levado em consideração.
Paralelamente, recomenda-se não ter uma visão catastrofista em relação ao uso da inteligência artificial. No século passado o economista John Maynard Keynes preconizou que o desenvolvimento tecnológico traria desemprego em massa. No entanto, a História provou que todas as revoluções industriais geraram mais empregos do que destruíram, por uma razão: desenvolvimento tecnológico resulta em forte expansão da economia e do consumo, fazendo surgir novas atividades para a garantia da sobrevivência das pessoas.
A premonição de Keynes não se confirmou. Não está escrito nas estrelas que a premonição de Harari se confirmará.