terça-feira, 20 de setembro de 2016

O militante imaginário

O MI se julga em ação, só que não se mexe. Ele é a favor de um Bem que não conhece bem. O que é o “Bem” para ele, o nosso militante imaginário?

Para o MI de hoje o “Bem” é uma mistura de crenças ideológicas que nos levariam a um futuro de felicidade. A mente de um MI é um sarapatel de leninismo vulgar, socialismo populista, subperonismo, vagos ecos getulistas e um desenvolvimentismo tosco.

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 Waldemar von Kazak
Eles gostam de ser militantes porque é bonito ser de uma vaga esquerda enobrecedora; ela abriga, como uma igreja, muitos tipos de oportunismo ideológico. São professores universitários, intelectuais sem assunto, jovens sem cultura política e até mesmo os “black blocs” que já são tolerados e viraram uma espécie de “guarda revolucionária” dos militantes.

Existem vários tipos de militantes imaginários.

Há o militante de cervejaria, de estrebaria e de enfermaria. Bêbados, burros e loucos.

O MI é um revolucionário que não gosta de acordar cedo. É muito chato ir para porta de fábrica panfletar.

O militante verdadeiro, puro, escocês, só gosta de teorias. A chamada “realidade” atrapalha muito com suas vielas e becos sem saída. Os MI’s odeiam a complexidade da realidade brasileira, porque eles aspiram a um absoluto social num mundo relativo; eles querem um Brasil decifrado por três ou quatro slogans.

A grande paixão do MI é a certeza. “Dúvida” é coisa de burguês reacionário, frescura social-democrata ou neoliberal. O MI só pensa no futuro; odeia o presente com suas complicações, idas e vindas. O militantes odeia meios; só tem fins.

Para o MI, o presente é chato. O futuro é melhor porque justifica qualquer fracasso: “Falhamos hoje, mas isso é apenas uma contradição passageira na marcha para a grande harmonia que virá!”. E quanto mais fracassos, mais fé. O MI perde o poder, mas não perde a pose e a fé. A cada uma de suas frequentes derrotas, mais brilha sua solidão de “vítima” do capitalismo. Aliás, ser “contra” o capitalismo justifica tudo e garante uma respeitabilidade reflexiva. E hoje, como o comunismo está inviável, os MI’s lutam pela avacalhação do que já existe, pois não têm nada para botar no lugar.

O MI é uma espécie de herói masoquista, pois tem o charme invencível do derrotado que não desiste.

Os MI’s são em geral românticos, são até bons sujeitos, mas são meio burros.

Há até MI’s cultíssimos, eruditos; porém, burros. Eles não veem o óbvio, porque o óbvio é muito óbvio. Acham que a verdade só existe escondida nas nervuras do real.

Depois de 13 anos de erros sucessivos, quando o PT abriu as portas para o presidencialismo de corrupção, houve o impeachment. Foram longos meses de cuidados constitucionais até a conclusão. O STF, o Congresso, a OAB, a PGR, todos consagraram rituais institucionais corretos.

Mas, não adianta; depois de pixulecos e panelaços, começou a gritaria de “golpe, golpe” e refloriu a primavera dos militantes imaginários que estavam meio arredios, acuados. A desgraça é que eles insistem nas dualidades ideológicas, quando o problema do Brasil é contábil. É a economia, estúpidos! – como disse Carville.

Hoje, eles estão pululando e gritando “Fora Temer”; até sem saber porquê.

Não importa se dilmistas e petistas tenham arrasado o País, jogando-o na maior depressão da história; o que importa para os MI’s é que, mesmo arrebentando tudo, eles portavam a bandeira mágica da revolução imaginária que tudo justifica. Espanta-me a frivolidade desses protestos abstratos. Os MI’s não se permitem nem alguns meses da esperança de que se consertem as contas públicas; destruíram-nas e não deixam consertá-las.

O militante imaginário se considera superior a todos nós, reacionários e caretas.

O MI é uma alegoria de si mesmo; ele não é apenas um indivíduo – ele é mais do que isso, ele é o autodeclarado embaixador do povo. O militante imaginário se considera o sujeito da história, o cara que vai mudar o rumo do erro; enquanto isso, a direita sabe que a história não tem sujeito; só objeto (no caso, o lucro).

Eles lutam pelo passado. São regressistas com toques sebastianistas de paz no futuro e glória no passado. Eles têm uma espécie de saudade de um mundo que já foi bom. Quando foi bom? Durante as duas guerras, no stalinismo, quando?

Ou seja, eles tem saudade de um tempo em que se achava que o mundo poderia vir a ser bom... É a saudade de uma saudade.

O MI acha que o mundo se divide em esquerda e direita – em opressores e oprimidos. Qualquer outra categoria é instrumento dos reacionários. O MI detesta contas, safras de grãos, estatísticas, tudo aquilo que interessa à velha direita. Por isso, ela ganha sempre.

O militante imaginário não pode ser confundido com o patrulheiro ideológico. Este vigia os desvios dos outros. O MI brilha como um exemplo a ser seguido. O MI só ama o todo.

Enquanto a direita só ama a “parte” (sua, claro). O MI nunca leu O Capital; a direita também não, mas conhece o enredo. O MI vive falando em “democracia”, mas não acredita nela. Como sempre, os MI’s só defendem a democracia como estratégia (“a gente apoia e depois esquece...”) .

Ultimamente, os MI’s andam eufóricos – não precisam mais governar e outras chateações administrativas. Agora, estão na doce condição de vítimas. E por aí vão, se enganando, se sentindo maravilhosos guerreiros com “boa consciência”, enquanto contribuem para a paralisia brasileira. É isso aí...

O MI me lembra uma frase de Woody Allen que adoro:

“A realidade não tem sentido, mas ainda é o único lugar onde ainda se pode comer um bom bife”.

O MI não quer bife.

História nos autos

Os óculos transitavam entre as mãos, cadenciando a fala diante da câmera. Já durava uma hora o interrogatório do ex-senador sobre a política no Brasil nos últimos 15 anos.

— O senhor diz que o presidente Lula tinha conhecimento do ilícito que estava sendo praticado lá na Petrobras, “arrecadação” de propina, desde a formação do governo. É isso mesmo? — quis saber o procurador.

— É isso. Então, doutor, no princípio era uma coisa mais restrita de menor monta, não atingiu a dimensão que veio depois.


O procurador queria detalhes sobre “a participação do Luiz Inácio Lula da Silva no esquema”. O ex-senador Delcídio Amaral demonstrava ansiedade em contar como foi o fatiamento do poder sobre o caixa da estatal de petróleo para financiar o PT, o PP e o PMDB, entre outros. Petista por década e meia, foi líder do governo Dilma até o início deste ano. Preso por obstruir a Justiça, resolveu fazer um acordo de colaboração, como outros 60 envolvidos (há mais duas dezenas de acusados na fila de negociações em Brasília e Curitiba).

— Sobre o processo “arrecadatório”, de propina, como é que se dava a relação do presidente da República com os diretores da Petrobras?

— Eram os partidos que executavam — explicou Delcídio. — Como ele conversava com os partidos, tinha um acompanhamento quase em tempo real de como cada partido estava agindo dentro dentro da Petrobras. Tinha ciência clara. Evidente que não entrava na execução, mas sabia o que estava acontecendo. Isso aí é inegável. E uma coisa é certa: se um diretor não “desempenhasse”, a reclamação era direta lá no Planalto.

— E ele (Lula) tinha conhecimento de quanto cada diretoria da Petrobras arrecadava?

— Do PT, ele tinha conhecimento claro. Dos outros partidos podia ter uma noção dos valores, pelo tamanho dos negócios. É inegável.

Setembro mal começara e o ex-líder do PT falou por mais uma hora sobre Lula, partidos e propinas em contratos da Petrobras. Na mesma época, em Curitiba, o antigo líder do PP na Câmara, Pedro Corrêa, relatou reuniões com Lula desde a nomeação de Paulo Roberto Costa na diretoria de Abastecimento da Petrobras, em 2004, para “arrecadação de propina”. Costa “atendia satisfatoriamente”, contou, mas o partido sempre queria mais.

— Em reunião do Conselho Político foi cobrado um ministério. Era eu, (os deputados) Janene, Pedro Henry e o (ministro) Dirceu. O Lula respondeu: “Vocês têm uma diretoria muito importante, estão muito bem atendidos financeiramente, o Paulinho tem me dito”.

No ano eleitoral de 2006, Corrêa e Janene voltaram ao Planalto: — Lula disse não. Nas palavras dele, “o Paulinho tinha deixado o partido muito bem abastecido, com dinheiro para fazer a eleição de todos os deputados”.

Delcídio e Corrêa continuam reconstituindo nos autos judiciais a devastação da maior empresa do país. Em outubro devem recontar a história para a Justiça dos EUA, na companhia de outros dez acusados. Jed Rakoff, juiz de Manhattan, pediu para ouvi-los no processo contra a Petrobras movido por investidores estrangeiros. Em Curitiba, Brasília e Nova York há certeza de que a Petrobras, fornecedores, executivos e políticos envolvidos não conseguirão escapar ilesos de indenizações e punições rigorosas no tribunal de Nova York.

José Casado

Imagem do Dia

Golpe suspenso

Ficou para outro dia o golpe tramado pelos maiores partidos do Congresso, com a bênção dos presidentes da Câmara e do Senado, contra o avanço do combate à corrupção no país. O governo estava informado a respeito, mas não se mexeu para abortá-lo.

Há mais de dois meses que circulava no Congresso um projeto de lei, elaborado por empresários paulistas, que a pretexto de criminalizar o uso de caixa dois anistiava todos os que tivessem se valido dele até a eleição de 2014 para financiar partidos e candidatos.
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Charge (Foto: Miguel)

O projeto beneficiaria os doadores e os contemplados com doações. Estava para ser votado ontem à noite na Câmara dos Deputados. Só não foi dada à reação de um grupo de deputados liderado por Miro Teixeira (REDE-RJ).

No Senado, onde o projeto seria votado em seguida, a reação ao projeto foi comandada por Randolfe Rodrigues (REDE-AP).

Caixa dois é dinheiro não declarado à Justiça por quem o doa e por quem o recebe. É crime, como já disse mais de uma vez a ministra Cármen Lúcia, atual presidente do Supremo Tribunal Federal. Mas sempre foi um crime tolerado pela Justiça.

Ocorre que o crime ganhou uma nova dimensão depois que o PT começou a usar a Justiça para encobri-lo. O PT passou a cobrar propina de empresas que tinham contratos com o governo. E para não perde-los, as empresas passaram a doar legalmente o que propina era.

Não se descarte a hipótese de o projeto reaparecer para ser votado em breve. Seus defensores vão esperar apenas que baixe a poeira levantada por ele.

Abismo

um salto no infinito guiada por um Arcanjo Guerrero:
Pensa-se hoje na revolução, não como maneira de se solucionarem problemas postos pela atualidade, mas como um milagre que nos dispensa de resolver problemas
Simone Weil

Vocal

Música de Kurt Weill e Maxwell Anderson foi lançada em 1938 

O perseguido

Coitados de Jesus Cristo, Tiradentes e Getúlio Vargas, que foram menos perseguidos do que Lula está sendo. Um foi crucificado, o segundo enforcado e esquartejado e o outro se suicidou. É incrível a soberba deste elemento que ousa se comparar com enormes vultos desse quilate. Mas se a história se repete, e baseado nos exemplos que ele mesmo cita, ou ele vai gozar dos seus milhões no outro mundo se a impunidade prevalecer ou, enquanto ficar no mundo dos vivos, ele que é um dos maiores ”vivos” do Brasil, vai ter que curtir a sua grana atrás das grades.

Lula, que não tem foro privilegiado e que morria de medo de ter seus processos remetidos para Curitiba, não vai escapar do Sérgio Moro. O corajoso juiz sabe que a verdade estará do seu lado e que a opinião pública apoiará e aplaudirá a sua decisão redentora que será um marco na justiça brasileira. Moro certamente dará prosseguimento ao processo que condenará o nosso medalha de ouro no campeonato mundial da corrupção.

É uma ironia que um milionário como Lula seja denunciado por um “mísero” apartamento no Guarujá (mísero para ele, é claro) e pela guarda de seus bens pessoais na Granero. Nem mesmo o sítio de Atibaia está arrolado como prova nas 150 páginas da denúncia apresentada na quarta-feira. Por que será?

Mas não faz mal: quem rouba galinha ladrão é. Não existe meia virgindade. Para a justiça, não tem essa de grande ou pequeno ladrão, mas simplesmente ladrão. Se aquela senhora foi presa por roubar um pote de margarina no supermercado (lembram?), bem que o sapo barbudo pode ser preso pelo triplex e pela guarda dos seus bens pessoais, que são tantos que só uma empresa especializada poderia armazena-los, não é mesmo?

Ser preso por milhões ou por “pixulecos” dá na mesma: tá preso!

O que veio a público é só a ponta do iceberg. A Polícia Federal e os procuradores estão no encalço da fortuna a logo exibirão provas nacionais e internacionais do seu formidável enriquecimento ilícito. Do chefe da quadrilha, de membros da sua família e de amigos mais chegados, alguns deles já atrás das grades, tipo José Dirceu, o pecuarista Bumlai e João Vaccari Neto.

Nem mesmo os propalados 25 milhões de euros depositados pela famosa Rose em Portugal foram mencionados. E este foi um fato amplamente divulgado. Segundo consta, ela solicitou um carro forte para transportar a dinheirama do Aerolula para o Banco Espírito Santo. Não acredito que a Rose possa justificar esta fortuna como fruto do salário que recebia, por maior que tenha sido enquanto desfrutava da intimidade do rei.

E as fazendas no Sul do Pará, povoadas por milhares de cabeças de gado e devidamente registradas em nomes de laranjas como seu próprio filho Fábio? A rede Lulista tem mais frutas cítricas do que o Grupo Cutrale...

E as contas secretas nos países africanos amigos? Será que isso tem que ver com o recente perdão de 80% das dívidas de 709 milhões de dólares de Zâmbia, Tanzânia, Congo e Costa do Marfim conseguida por Gleise Hoffman na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado?

E o enrosco das milionárias palestras faturadas pela LILS contra as empreiteiras do petrolão?

É pura sacanagem.

Tem tanta coisa rolando por baixo da ponte que nossa vã filosofia não alcança, mas que a força tarefa da Lava Jato há de desvendar e desnudar a fim de desmascarar um dois maiores aproveitadores que a política nacional já revelou.

Coitado do Collor, que roubou menos e que pagou caro em 1992.

E do Eduardo Cunha, que perdeu a boca e está sendo processado pelo desvio de uma “mixaria” de cinco milhões de dólares oriundos do propinoduto petista e afins.

Coitados de tantos outros cidadãos menos votados que superpovoam as nossas penitenciárias. É bom não esquecer que apesar de superlotadas, elas sempre arrumam lugar para mais um...

No seu espetáculo de quinta-feira a jararaca perseguida chorou.

Sem levar em conta que nós, seus mais de 200 milhões de conterrâneos, estamos chorando amargamente pelo legado que a cleptocracia dos últimos 14 anos nos deixou: desemprego em massa, inflação em alta, serviços públicos em frangalhos, estado falido, desconfiança generalizada, entre outras tantas desgraças que, apesar de não merecermos, estamos tendo que enfrentar.

Mas deixa estar jacaré - ou jararaca - que a lagoa há de secar.

Ainda vamos ver o perseguido ir a pé até a delegacia para ser preso, como ele próprio previu.

Neste dia, que não vai demorar muito, vamos acreditar que o Brasil ainda tem jeito.

Faveco Corrêa

Pura mitologia

Lula zombou do Ministério Público sem que isso sirva para ajudá-lo na Justiça. Mas deu motivos aos interessados em atrapalhar as investigações que, não por acaso, lhe deram toda razão.


João Santana captou de forma certeira a essência de Luiz Inácio da Silva quando contou como explorou para efeito de propaganda política a dupla personalidade do personagem: o fortão e o fraquinho. Ambos viventes do mesmo corpo entram em cena de acordo com a necessidade.

O forte atua para intimidar e se vangloriar; o fraco para fazer-se de mártir. O primeiro encarna o humilde que virou poderoso contra tudo e contra todos e o segundo faz o papel de vítima das elites, alvo de preconceito de classe, um injustiçado, mas resistente benfeitor dos pobres. Santana revelou o truque ao público há dez anos e até hoje ainda há quem se deixe iludir por essa artimanha.

E não se fala aqui do fiel depositário dos benefícios sociais, que não os vê como direito, mas como concessão paternal. Fala-se das camadas mais informadas, cientes de todos os fatos e atos que revelaram a mentira da bandeira do PT pela ética na política. Caíram no conto quando da condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal e voltaram a morder a isca quando da denúncia apresentada pela força-tarefa da Lava Jato, na semana passada.

Por ocasião da coercitiva, ato que já havia sido aplicado a vários investigados na operação, Lula encenou o fortão: agressivo, avisou que haviam tentado abater “jararaca”, mas não conseguiram matá-la.

Atingiu o objetivo de inocular desconfiança na atitude dos investigadores que, por essa versão, teriam cometido abusos, exagerado, montado um “circo”. Pois de lá para cá surgiram novos indícios, novas revelações contidas nos depoimentos das delações premiadas, que justificavam o ato. Lula deveria sim ser tratado como vários outros investigados também conduzidos da mesma forma a prestar esclarecimento sem que houvesse reação contra o “absurdo”.

A diferença é que o ex-presidente é o que resta ao PT e, nessa condição, precisa alimentar o mito do intocável. Naquela ocasião, recorreu ao fortão que mete medo. Nessa recente, subiu ao palco o fraquinho que produz necessidade de expiação de culpa e resgate da “dívida social”. Ambos cultivam terreno fértil à semeadura da enganação.

A contundente, adjetivada e detalhada exposição das razões pelas quais foi apresentada a denúncia contra Lula propiciou a propagação da ideia de que os procuradores extrapolaram, produziram um show e nada comprovaram que pudesse corroborar a convicção de que o ex-presidente esteve no topo do esquema de corrupção que sem seu conhecimento não teria como funcionar naquela dimensão.

Fizeram isso de maneira transparente, apresentando as evidências até agora recolhidas, respondendo depois às perguntas dos jornalistas. Obviamente não revelaram tudo. Quando o Ministério Público divulga resultados de investigações é porque detém muito mais informações para respaldar as afirmações.

Já Lula fez as coisas de forma nebulosa. Pronunciou-se sem abordar o mérito das acusações, protegido pelos aplausos da militância reunida no Diretório Nacional do PT. Deu a satisfação que quis, fugindo daquelas que seria instado a dar caso tivesse aberto espaço aos questionamentos da imprensa.

O ex-presidente acusou o golpe recebido com a denúncia. Disse que não estava “entendendo” o que se passava, mas compreendia perfeitamente o que daqui em diante pode lhe acontecer. Fosse de fato inexistente a substância do material na posse do MP, ele teria rebatido ponto a ponto sem o auxílio de recursos histriônicos nem teria precisado sustentar sua diatribe aos procuradores numa mentira: “Não temos provas, mas temos convicção”, a frase de impacto que nunca foi dita.

Lula zombou do Ministério Público sem que isso sirva para ajudá-lo na Justiça. Mas deu motivos aos interessados em atrapalhar as investigações que, não por acaso, lhe deram toda razão.

A podridão até a raiz

Faz pena. A gente elege entre trinta mil almas meia dúzia de indivíduos para conviver, e, afinal, chega perto deles a defender uma pureza política, uma pureza profissional, uma pureza sexual, e caem sobre nós mil argumentos dum pragmatismo dúbio, suspeito, que confrange. Longe de se receber estímulo para combater as tentações, encontra-se um escorregadoiro conivente para o abismo delas.

— É o meio — repito de cada vez, a tentar iludir-me. Mas é inútil vendar o olhos. Até o meio geográfico se pode vencer, quanto mais o meio social. Na luta contra as atrações inferiores do ambiente humano é que está precisamente a beleza duma vida. O meio! Eles é que são o meio, assim perdidos, duplos, comprometidos com a podridão até à raiz. 
Miguel Torga 

O fim da farra na Petrobras

O desastre administrativo da Petrobrás permitiu ao País constatar o mal que faz submeter a gestão das estatais à patota sindical. Felizmente, a nova direção da empresa tomou coragem para retomar o caminho do profissionalismo, ao propor um pacote trabalhista que, na prática, visa a encerrar esse período nefasto em que os servidores da petroleira se tornaram uma casta de privilegiados às expensas do contribuinte.

Conforme noticiou o Estado, a proposta inclui redução de jornada de trabalho e de salário, congelamento do piso salarial e corte de horas extras, do auxílio-alimentação e do subsídio para compra de remédios por funcionários, tudo como parte do ajuste nas depauperadas finanças da estatal e da recuperação de sua capacidade de investimento.

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Como era previsível, a proposta encontrou forte resistência dos sindicalistas, cuja presença em diversos cargos de direção, por obra e graça da trevosa era lulopetista, é um dos elementos que explicam por que a estatal chegou ao estágio de degradação em que se encontra. Dizendo-se defensora da empresa contra o “imperialismo” e contra o “neoliberalismo”, a companheirada esmerou-se em criar e ampliar mimos para os funcionários, como se esses servidores fossem de uma categoria especial apenas pelo fato de trabalharem na estatal que “traz em sua bandeira verde e amarela a paixão e o orgulho do povo brasileiro”, como qualificou a Federação Única dos Petroleiros (FUP). Ser empregado da Petrobrás, segundo essa turma, não é exercer uma simples ocupação remunerada; é abraçar a nobre missão de proteger a soberania nacional.

Essa patranha foi utilizada na tentativa de justificar barbaridades. Assim, por exemplo, os funcionários que deixaram de trabalhar nas plataformas de petróleo e passaram a despachar nos escritórios no centro do Rio de Janeiro não perderam o extra que recebiam a título de periculosidade – esse dinheiro foi convertido em bônus, graças a um acordo dos sindicatos com os gerentes de recursos humanos e de relações sindicais, não por acaso ex-dirigentes da FUP. Suspeita-se que tal acordo – que, na prática, anula o adicional de periculosidade – tenha sido deliberadamente malfeito pelos gerentes-sindicalistas com o objetivo de deixar brechas para contestações judiciais e uma enxurrada de indenizações, das quais os sindicatos abocanham uma parte.

Vantagens inexplicáveis como essa, que não são encontradas em nenhuma empresa do setor privado, se multiplicam na Petrobrás. Os funcionários dispõem de generosa assistência médica e de ampla participação nos lucros – que foi paga mesmo quando a empresa começou a registrar prejuízo bilionário. Além disso, prevalece o sistema em que funcionários são promovidos apenas em razão do tempo de casa.

É claro que, ao estimular essa esbórnia trabalhista, a tigrada só pensa em arregimentar, entre os felizes e agradecidos empregados da Petrobrás, os contribuintes que sustentarão a máquina sindical. É um círculo vicioso que precisa ser rompido sem hesitação, mesmo diante do desgastante confronto com os sindicatos.

A reação começou entre os próprios funcionários da Petrobrás, cansados do aparelhamento promovido pelo PT, que, entre outros estragos, abriu um rombo no fundo de pensão da estatal. Na mais recente eleição para representante dos funcionários no Conselho de Administração da Petrobrás, saiu vencedora a chapa constituída por engenheiros sem qualquer ligação partidária ou sindical. Até então, essa vaga era ocupada por gente da FUP e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).

Agora, a nova direção da Petrobrás quer avançar ainda mais no desmonte dessa estrutura perniciosa, restabelecendo a racionalidade no trato com seus funcionários. O melhor sinal de que a Petrobrás está no caminho certo é a reação irada dos sindicatos, que prometeram uma “resposta dura” ao pacote. Espera-se que a direção da estatal deixe claro que a época da administração companheira, responsável por permitir a pilhagem da empresa por aqueles que dizem defendê-la, acabou de vez.

Mantenha a calma e...

Como manter a calma no meio de um turbilhão, de redemoinhos que diariamente tentam nos arrastar e afogar nos rios da vida, de fatos sobre os quais não temos controle e que se sucedem continuamente à nossa volta. Não sei, mas dei de tentar. Antes respondia que as coisas estavam no controle, no certo controle, emendava. Agora digo que vou levando, tentando manter a calma, e emendo: no que me é possível. Como está você? Como faz?

Mas além da calma, temos é muito o que manter, um monte de coisas a listar. Daí a tal expressão Keep calm and…, preenchida e desenhada de todas as várias ideias e formas, muito popular nas redes sociais, com versões que não dá nem pro cheiro as brincadeiras com o “powerpoint do Lula”, onde ele é flechado e tudo converge para o seu nome crucificado lá no meio numa bolona em branco sobre azul. Mantenha o humor.

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A esperança. Mantenha a fé. Aproveita e economiza. Mantenha a luz apagada, mantenha fechada a porta da geladeira e a torneira.

Mantenha a calma, a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Mantenha as flores no vaso e um sorriso nos lábios. O brilho dos olhos. As mãos limpas.

Mantenha as dúvidas. E as certezas, as muitas às quais calmamente chegou.

Mantenha a pose, o caráter e a elegância. Mantenha a noção da importância das amizades, dos amores, das conquistas.

Mantenha a calma e a área limpa, a porta aberta para que coisas boas cheguem. E trancada por dentro com as sete chaves para que não te deixem. Mantenha a cidade limpa. Os jardins bem cuidados, floridos, regados, que a primavera vem aí. Sorria. Você pode estar sendo filmado, fotografado, radiografado e até multado.

Mantenha-se em dúvida sobre tudo e sobre todos esses que estão aí não fazendo e acontecendo, mas prometendo. Igual a manter a tampa da privada abaixada, as coisas no lugar. Promessas que jamais cumpriremos, e que nos tiram a calma, por mais bobas, por pueris que sejam.

Mantenha-se centrado, e à esquerda e à direita, que a estrada sempre tem várias saídas.

Mantenha a calma e o hábito de balançar a cabeça, bater os pés, mexer-se com a música boa. E inquietar-se da mesma forma quando escuta arroubos e descalabros teatrais de olhos marejados e falas desconexas, mas inflamadas.

Mantenha a calma e a boca fechada para seus planos. E boquiaberta, sempre, capaz de aprender e se surpreender, assim como protestar quando não há calma que se possa ter.

Mantenha a calma e o foco. Mantenha-se livre. Deixa que digam/ Que pensem, que falem. Deixa isso pra lá/ Vem pra cá. O que é que tem? E eu não tô fazendo nada, nem você também. Faz mal bater um papo assim gostoso com alguém?

'Vale do Silício Amazônico' pode manter floresta em pé

A maior floresta tropical do planeta, berço de pelo menos metade de todas as espécies vivas, pode se transformar no próximo "Vale do Silício". A proposta parte de cientistas: os 6,7 milhões de km2 de floresta – sete vezes o tamanho da Alemanha – escondem matérias-primas que devem impulsionar a quarta revolução industrial, diz um estudo publicado nesta semana na prestigiada Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), dos Estados Unidos.

"As nossas análises mostraram que, se continuarmos com os dois modelos de desenvolvimento historicamente usados, que são a conservação pura da floresta e a atividade agropecuária, o desmatamento vai continuar. Se não encontrarmos uma outra maneira, a floresta vai desaparecer", afirma em entrevista à DW Brasil o climatologista Carlos Nobre, principal autor do estudo e recém-eleito membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Amazonia, Brasil:
Chamada de "terceira via", a proposta dos cientistas enxerga a Amazônia como um patrimônio biológico global, que pode impulsionar a nova revolução movida a inteligência artificial e tecnologias que "imitam" a natureza - o biomimetismo.

"Estamos dizendo que existe um valor agregado muito maior nos recursos biológicos da Amazônia que podem gerar uma economia muito robusta, de longo prazo, que sustentará um novo modelo e que é compatível com a floresta em pé", explica Nobre.

Desvendar de que plantas e animais são feitos, como organismos se locomovem e percebem o ambiente, por exemplo, são a chave para criação de materiais, sensores e até robôs do futuro. "Conhecemos o caso de uma espuma resistente produzida por um sapo que inspirou a criação de uma nova tecnologia de captura de CO2 da atmosfera", diz Juan Carlos Castilla-Rubio, um dos autores e presidente do conselho da Space Time Ventures, incubadora de start-ups de tecnologia.

Em mais de 50 anos de exploração da Amazônia, que se estende por 9 países e ocupa 47% do território brasileiro, a expansão da agropecuária e ocupação já desmataram 20% da floresta. Segundo diversos estudos publicados por climatologistas, se mais de 40% da floresta for destruída, a mata densa não consegue mais se recuperar e se transforma numa savana.

A Amazônia também é fundamental no combate às mudanças climáticas – a estimativa é que suas árvores armazenem até 200 bilhões de toneladas de carbono. A liberação desse gás de efeito estufa na atmosfera poderia elevar a temperatura do planeta num ritmo ainda mais acelerado.

"Talvez a proposta de explorar esse patrimônio biológico seja, de fato, a única possibilidade de conservar a Amazônia", avalia Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA). "Mas é preciso muito cuidado para que haja a repartição de benefícios, para que a exploração dos recursos naturais não vire patentes nas mãos de empresas internacionais detentoras de tecnologia", alerta.

Para Castilla-Rubio, a Amazônia é o próximo centro de inovações do mundo, mas ainda é cedo para dizer se a floresta tropical será tomada por laboratórios de alta tecnologia. "Ainda não sabemos como isso vai acontecer exatamente, é um tema que vai durar 20 anos ou mais. Mas sabemos que a capacidade e conhecimento local precisam ser reforçados, e muito", comenta Castilla-Rubio, que compara o nível de dificuldade do projeto "à ida do homem à Lua" . Atualmente, apenas 2% dos doutores formados anualmente no Brasil vêm de universidade amazônicas.

Ao mesmo tempo, a Amazônia é o lar de cerca de 2,7 milhões de indígenas. Para que essas comunidades se beneficiem do "Vale do Silício Amazônico", a pesquisadora Bensusan diz que é preciso reverter uma tendência.

"Caminhamos para uma situação em que os conhecimentos tradicionais estão sendo desrespeitados. É preciso fazer um reconhecimento do importante papel que eles desempenham, não só identificando determinados princípios, mas também usando plantas e animais para processos de cura e cosméticos, fazendo a distribuição espacial de muitas espécies, e o manejo", critica Bensusan.

Nobre reconhece as dificuldades. "É difícil essa articulação do que realmente retorna para os povos da floresta quando o conhecimento deles é apropriado e se torna um produto no mercado. Mas a Lei da Biodiversidade está aí para ser testada", diz o cientista, fazendo referência à legislação aprovada em 2015, que prevê pagamento às comunidades indígenas por parte da indústria.

É por isso que a revolução impulsionada pela Amazônia tem que ser inclusiva, defende Nobre. "E a única maneira de isso acontecer é pela qualidade da educação. E não dá para eliminar o governo: é ele que tem que garantir capacitação profissional e pesquisa básica. A revolução vai acontecer, queremos que ela traga o melhor impacto e benefício para a floresta e quem vive dela", finaliza.

Os crimes da era Lula

Existem dias na vida das pessoas em que a História se realiza ante nossos olhos na forma de desconstrução irrevogável das percepções do senso comum. São dias que marcam e demarcam. Dias nos quais vivemos momentos em que temos a certeza de que uma era chega ao fim e outra se inicia.

Isso pode acontecer com a violência de um terremoto, de um ato de guerra, um desastre, ou simplesmente pelas palavras ditas por um ser humano.

No dia 25 de fevereiro de 1956, Nikita Khruschev ainda nas indefinições que se seguiram à morte de Stalin, realizou uma apresentação para uma sessão fechada do Congresso da URSS, na qual Khruschev demoliu para sempre a reputação de Stalin enterrando definitiva e irrevogavelmente qualquer ilusão e complacência com a realidade criminosa acerca de como o “paizinho” exerceu o poder.

Falou durante quatro horas de silencio, em uma sessão onde as testemunhas posteriormente afirmaram que era possível escutar um alfinete cair ao chão. Khruschev disse aos delegados perplexos: “ Stalin mostrou em uma série de casos sua intolerância, sua brutalidade, abusos de poder—ele geralmente escolheu o caminho da repressão e aniquilação física não somente contra seus verdadeiros inimigos, mas também contra aqueles que não cometeram nenhum crime contra o partido ou contra o governo soviético. ”

Dali em diante a era Stalin começava a ser historicamente descontruída e, mais do que tudo, devidamente fixada na História a verdadeira face criminosa de Stalin.

O Brasil viveu um dia assim quando tomamos conhecimento que o ex-presidente Lula é agora acusado formalmente de diversos crimes. O mais impressionante momento pode ser resumido na fala de um jovem procurador do Ministério Público Federal (MPF) que afirmou que “hoje o MPF acusa o sr. Luiz Inácio Lula da Silva como o comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava-Jato” e ajuntou referindo-se ao ex-presidente como “maestro da orquestra concatenada para saquear os cofres da Petrobras e outros órgãos públicos” e “grande general do esquema de corrupção” que a operação Lava Jato desvelou em suas investigações remontando ao longo de mais uma década atrás de evidências, provas e fatos.

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A fixação na História da desconstrução de Lula ocorreu no dia 14 de Setembro aos olhos de todos os brasileiros via webcast, em uma transmissão na qual fomos contemplados não apenas com a fala dos procuradores e investigadores, mas com a exibição de farta documentação de suporte, sintetizada em conjunto de slides exibidos em grande tela. Aliás é só clicar aqui para conhecer a íntegra da acusação contra Lula, sua esposa e seus amigos.

Nas últimas duas semanas os brasileiros viveram outros dias inegavelmente históricos, começando pela conclusão pelo Senado do processo constitucional do impeachment devido a crimes de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff, que se arrastou durante nove meses e foi concluído no dia 31 de agosto. Mas nada é mais simbólico do que o dia em que Lula passou a ser formalmente acusado na Justiça como “o comandante máximo” do maior esquema de corrupção de que se tem notícia em nossa jovem nação.

O que vem por aí ninguém sabe nem pode prever.

Mas o mais provável é que os dominós continuem caindo um a um. Lula pode ser preso a qualquer momento, mas dificilmente escapará das barras da lei. Dilma seguramente será enquadrada nas investigações, no mínimo por tentativa de obstrução de justiça. O Partido dos Trabalhadores poderá virtualmente desaparecer por meio da implosão eleitoral ou formalmente extinto pelo Tribunal Superior Eleitoral.

De qualquer forma Lula prepara-se para passar à História de forma contrária às suas próprias expectativas. Lula no Brasil foi o líder político mais popular dos últimos cinquenta anos, talvez só ultrapassado como mito popular por Getúlio Vargas, com quem Lula sempre apreciou ser cotejado.

Vargas viveu igualmente um longo período de protagonismo, mas sempre foi visto inegavelmente como um virtual ditador entre 1930 e 1945. Teve seu momento de maior glória ao voltar ao poder pela via eleitoral em 1950 até 1954, ano de seu suicídio. Mas Vargas passou ser reconhecido popularmente em termos históricos como “pai dos pobres e mãe dos ricos”.

Ricardo Neves