domingo, 25 de outubro de 2015
A força que vem das margens
A maior avalanche de problemas de nossa contemporaneidade – junção de crises nas esferas política, econômica, de gestão e no campo da moral – sinaliza um amanhã radiante. Excesso de otimismo? Vejamos.
Primeiro, a constatação: há um animus animandi no Brasil que sinaliza para a racionalidade, estreitando as torrentes de emoção. A sociedade toma consciência de sua força, da capacidade que tem para pressionar e exigir. Trata-se da ascensão do conceito de auto-gestão técnica, de uma aculturação lenta, porém firme, no sentido de fazer predominar a razão sobre a emoção.
O crescimento das cidades e, por consequência, as crescentes demandas sociais; o surto vertiginoso do discurso crítico, revigorado por pautas investigativas e denunciadoras feitas pela mídia; o repúdio à velha política que gera, por todos os lados, movimentos de revolta e indignação; e a extraordinária organicidade social, que aparece na multiplicação das entidades intermediárias, hoje poderoso foco de pressão sobre o poder público - formam, por assim dizer, a base de um longo processo de mudanças.
As conseqüências se farão sentir no fortalecimento do edifício democrático. Sinaliza-se um vento favorável à democracia direta, aquela que nasceu em Atenas dos IV e V séculos, quando os cidadãos, na praça central, podiam se manifestar diretamente sobre a vida do Estado. Vivenciamos, hoje, uma borrasca que respinga sobre a democracia representativa, tendo como causa o declínio dos mecanismos clássicos da política, dentre eles, o arrefecimento ideológico; a pasteurização partidária; o enfraquecimento dos Parlamentos; a desmotivação das massas eleitorais; o descumprimento das promessas da democracia (justiça para todos; educação para a cidadania; combate ao poder invisível, entre outras citadas por Norberto Bobbio em seu excelente O Futuro da Democracia).
É fato inegável que um dos avanços se dá pela passagem da democratização do Estado para a democratização da sociedade. Esta democracia social é fruto de um poder ascendente que se consolida pela força emergente das entidades que fazem intermediação de interesses de grupos e setores. A sociedade se torna cada vez mais policrática, multiplicando os centros de poder, muitos deles assumindo posições diferentes da visão das instituições do Estado. Intui-se que cresce, entre nós, o modelo de autogestão técnica, que se enxerga em Nações desenvolvidas, pelo qual o cidadão sabe o que quer e escolhe os meios para alcançar suas metas.
O fato é que uma sociedade mais plural e participativa – como a que se começa a enxergar no país - propicia maior distribuição de poder; maior distribuição de poder abre caminhos para a democratização social; por conseguinte, a democratização da sociedade civil amplifica a democracia política. Caminhamos firmes nessa direção e a prova mais eloquente de tal tendência se verifica na formidável malha de centros de influência instituídos em todos os âmbitos.
Esse fenômeno enfraquece o poder político representado pela instituição parlamentar? De certo modo, sim. A formação de novos polos de poder no meio e nas margens também se ancora na falta de respostas adequadas por parte da representação política. Partidos políticos constituem um ente amalgamado, massa incolor, sem matiz ideológico. Seus integrantes, idem. Desnaturam suas identidades e não possuem propostas substantivas. O declínio geral das ideologias, apenas para lembrar, decorre da débâcle do socialismo clássico, da globalização e da interpenetração de fronteiras entre países.
No campo do pensamento, as doutrinas se aproximam e se fundem, resultando na desideologização do discurso político, até porque as lutas do passado - travadas sob o manto da clivagem ideológica - perderam sentido. Os novos adereços doutrinários procuram compor vertentes do liberalismo com sobras do socialismo e, como resultado, desenvolve-se a modelagem social-democrata.
As oposições perdem vigor. O oposicionismo, nos dias de hoje, se dá menos em função de uma visão programática e mais em função de projetos circunstanciais (e pessoais) de poder, centrados no pragmatismo e inspirados nas demandas dos novos núcleos de pressão. Por outro lado, a ação política voltada para a conquista do poder leva em consideração a micropolítica de grupos regionais. Dessa forma, o processo político no Brasil se estreita.
E o que resulta dessa nova engenharia social e política? Uma força ascendente-centrípeta, de baixo para cima e de fora para dentro, que reforça a democracia representativa, inoculando-a com valores da democracia direta, entre os quais manifestações e demandas dos cidadãos nas assembléias de suas entidades. Esse empuxo se contrapõe à força descendente-centrífuga, de cima para baixo e dentro para fora, a cargo dos poderes da República e da tecnoestrutura governamental.
Que impactos essa alteração provocará na feição social? O fortalecimento da democracia participativa; a descoberta pelos cidadãos de que seu voto é a principal arma de defesa da cidadania; a instigação para que grupamentos e setores se organizem em torno de entidades; a mudança nos padrões tradicionais da política; o fechamento do ciclo do engodo, da mistificação e da corrupção.
Antes disso, o país mais afundará. O fundo do poço está por vir. Temos, porém, condições de fazer com que o Brasil volte, mais adiante, a caminhar firme. Como lembra o poeta Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF: “o fundo do poço pode não ser de areia movediça. Pode até nem ser de chão batido. Mas de molas ejetoras, a depender de quem despenca. Foi o que me disse uma velha cigana flamenca”.
Temos de acreditar que o Brasil será ejetado na direção de horizontes mais largos e promissores.
Primeiro, a constatação: há um animus animandi no Brasil que sinaliza para a racionalidade, estreitando as torrentes de emoção. A sociedade toma consciência de sua força, da capacidade que tem para pressionar e exigir. Trata-se da ascensão do conceito de auto-gestão técnica, de uma aculturação lenta, porém firme, no sentido de fazer predominar a razão sobre a emoção.
As conseqüências se farão sentir no fortalecimento do edifício democrático. Sinaliza-se um vento favorável à democracia direta, aquela que nasceu em Atenas dos IV e V séculos, quando os cidadãos, na praça central, podiam se manifestar diretamente sobre a vida do Estado. Vivenciamos, hoje, uma borrasca que respinga sobre a democracia representativa, tendo como causa o declínio dos mecanismos clássicos da política, dentre eles, o arrefecimento ideológico; a pasteurização partidária; o enfraquecimento dos Parlamentos; a desmotivação das massas eleitorais; o descumprimento das promessas da democracia (justiça para todos; educação para a cidadania; combate ao poder invisível, entre outras citadas por Norberto Bobbio em seu excelente O Futuro da Democracia).
É fato inegável que um dos avanços se dá pela passagem da democratização do Estado para a democratização da sociedade. Esta democracia social é fruto de um poder ascendente que se consolida pela força emergente das entidades que fazem intermediação de interesses de grupos e setores. A sociedade se torna cada vez mais policrática, multiplicando os centros de poder, muitos deles assumindo posições diferentes da visão das instituições do Estado. Intui-se que cresce, entre nós, o modelo de autogestão técnica, que se enxerga em Nações desenvolvidas, pelo qual o cidadão sabe o que quer e escolhe os meios para alcançar suas metas.
O fato é que uma sociedade mais plural e participativa – como a que se começa a enxergar no país - propicia maior distribuição de poder; maior distribuição de poder abre caminhos para a democratização social; por conseguinte, a democratização da sociedade civil amplifica a democracia política. Caminhamos firmes nessa direção e a prova mais eloquente de tal tendência se verifica na formidável malha de centros de influência instituídos em todos os âmbitos.
Esse fenômeno enfraquece o poder político representado pela instituição parlamentar? De certo modo, sim. A formação de novos polos de poder no meio e nas margens também se ancora na falta de respostas adequadas por parte da representação política. Partidos políticos constituem um ente amalgamado, massa incolor, sem matiz ideológico. Seus integrantes, idem. Desnaturam suas identidades e não possuem propostas substantivas. O declínio geral das ideologias, apenas para lembrar, decorre da débâcle do socialismo clássico, da globalização e da interpenetração de fronteiras entre países.
No campo do pensamento, as doutrinas se aproximam e se fundem, resultando na desideologização do discurso político, até porque as lutas do passado - travadas sob o manto da clivagem ideológica - perderam sentido. Os novos adereços doutrinários procuram compor vertentes do liberalismo com sobras do socialismo e, como resultado, desenvolve-se a modelagem social-democrata.
As oposições perdem vigor. O oposicionismo, nos dias de hoje, se dá menos em função de uma visão programática e mais em função de projetos circunstanciais (e pessoais) de poder, centrados no pragmatismo e inspirados nas demandas dos novos núcleos de pressão. Por outro lado, a ação política voltada para a conquista do poder leva em consideração a micropolítica de grupos regionais. Dessa forma, o processo político no Brasil se estreita.
E o que resulta dessa nova engenharia social e política? Uma força ascendente-centrípeta, de baixo para cima e de fora para dentro, que reforça a democracia representativa, inoculando-a com valores da democracia direta, entre os quais manifestações e demandas dos cidadãos nas assembléias de suas entidades. Esse empuxo se contrapõe à força descendente-centrífuga, de cima para baixo e dentro para fora, a cargo dos poderes da República e da tecnoestrutura governamental.
Que impactos essa alteração provocará na feição social? O fortalecimento da democracia participativa; a descoberta pelos cidadãos de que seu voto é a principal arma de defesa da cidadania; a instigação para que grupamentos e setores se organizem em torno de entidades; a mudança nos padrões tradicionais da política; o fechamento do ciclo do engodo, da mistificação e da corrupção.
Antes disso, o país mais afundará. O fundo do poço está por vir. Temos, porém, condições de fazer com que o Brasil volte, mais adiante, a caminhar firme. Como lembra o poeta Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF: “o fundo do poço pode não ser de areia movediça. Pode até nem ser de chão batido. Mas de molas ejetoras, a depender de quem despenca. Foi o que me disse uma velha cigana flamenca”.
Temos de acreditar que o Brasil será ejetado na direção de horizontes mais largos e promissores.
Lições do impeachment
Nunca se falou tanto de impeachment nesta quadra da vida em que até as palavras já não gozam de intimidade. Nem elas conseguem ficar a sós consigo mesmas. Os paparazzi somos todos nós e é num piscar de olhos que transitamos das pessoas para os dicionários e vice-versa. Basta alguém riscar um fósforo na direção de outrem, ou de algo, para um terceiro chegar ali colado e já de capinzal a tiracolo. O fogaréu é em tempo real, porque online. Paciência! Paciência, e se as coisas se nos dão assim como um imperativo kantiano, que tiremos o melhor proveito coletivo delas. Que nos transformemos de paparazzi em cidadãos cada vez mais partícipes da arquitetura do nosso próprio destino.
É o que podemos fazer em tema de impeachment, justamente. Ele está ali bem focado, bem postado, bem centrado nos artigos 85 e 86 da Constituição para um eventual uso. Não é golpe falar dele. Nenhum tema da Constituição, nem do Direito em geral, ou da vida em sua universalidade mesma se pode blindar quanto à respectiva discussão a qualquer momento. Em qualquer lugar. Sob qualquer assistência ou protagonização humana. Golpe é tão somente quando se dão pedaladas na Constituição para aplicar o instituto a ferro e fogo. De qualquer jeito. Sem que estejam presentes os respectivos pressupostos. No pior estilo oportunista que se contém nesta frase de Epicuro (341-270 a.C.): “Quando a tentação chegar, ceda logo antes que ela vá embora”.
Não é assim de afogadilho que o tema se equaciona. Até porque ele se põe como a figura de Direito mais “externa corporis” das relações entre o Poder Legislativo da União e o presidente da República. Nem mesmo a berrante voz da crise econômica justifica um pular de cerca da nossa Lei Fundamental. Uma Lei Fundamental do mais alto merecimento intrínseco, ajunte-se, porquanto consagradora da democracia como o princípio dos princípios jurídicos; ou seja, da democracia como o valor-teto, o valor-continente e o valor-síntese de todos os outros. A instituição que tem por conteúdos a República e a Federação brasileira, nessa ordem (o Brasil é uma República Federativa, e não uma Federação Republicana). Uma Constituição, em suma, que desde o seu artigo 1.º define o Brasil como um “Estado Democrático de Direito” porque somente a partir desse fundamento é que se pode legitimamente subir ao podium de “uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I do artigo 3.º). Fins legítimos a alcançar por meios igualmente legítimos.
Esta a primeira lição. A lição da compatibilidade entre o Estado Democrático de Direito e o tema do impeachment de quem esteja como presidente da República. Seja o impeachment enquanto processo de acusação e julgamento, seja o impeachment enquanto pena ou resultado condenatório. Aqui, a implicar “perda do cargo, com inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (parágrafo único do artigo constitucional de n.º 52). Ali, a pressupor um devido processo legal do tipo substantivo ou verdadeiramente fiel às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Salto para o que me parece a segunda grande lição. A lição de que não basta a eleição popular como forma de legitimidade da investidura no cargo de presidente da República brasileira. Tal eletividade se traduz numa das fases da legitimidade política; isto é, caracteriza a fase da legitimidade originária ou no ponto de partida das coisas. A legitimidade que os narradores das corridas de automóvel chamariam de grid de largada. O que não elimina jamais o percurso do mandato presidencial, destinado à concreção de um segundo tipo de legitimidade: a legitimidade pelo desempenho. A legitimidade pelo exercício. A legitimidade pela não incidência nos “crimes de responsabilidade”. Tipologia de delitos a que vai corresponder um atestado de inadaptabilidade do chefe do Poder Executivo da União à ordem constitucional. Que não é senão um estilo de governo insultuoso ou afrontoso ou acintoso da Constituição mesma. Donde o citado artigo 85 falar dos crimes de responsabilidade como “os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição”. Contra a Constituição, sim (este o bem jurídico protegido), especialmente pelos sete conteúdos que o mesmíssimo artigo 85 lista por um modo inelástico.
Na base do mexeu com eles, mexeu comigo...
Mas não é só por crimes de responsabilidade que a nossa Constituição possibilita a desinvestidura punitiva do presidente da República. Ela vai mais longe. Faz-se mais rigorosa no aviamento de antídotos contra as eventuais malfeitorias do chamado primeiro mandatário do País. Mais severa no aperto do cerco em face de quem detém uma tríplice chefia: a da administração pública, a do governo e a do Estado. Donde as seguintes passagens normativas: a) impugnação do próprio mandato, por motivo de “abuso do poder econômico, corrupção ou fraude” (§ 10 do artigo 14); b) “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos”, tanto quanto em ação cível de “improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4.º” (incisos III e V do artigo 15). As duas últimas destituições como consequência do link operacional que o mesmo artigo 15 estabelece entre condenação judicial e suspensão dos direitos políticos.
Estamos bem servidos de normatividade constitucional, portanto. Mas uma normatividade que diferencia os institutos. Crime de responsabilidade é uma coisa, as demais ilicitudes são outras. Cada qual com o seu peculiar regime jurídico, inclusive no plano da lei, embora os resultados possam coincidir em certa medida. A hora é de certificar a nossa maturidade jurídica. Não a de misturar alhos com bugalhos, precipitadamente. Distinção que Martin Luther King bem soube fazer quando disse que: “Não me interessa conhecer as suas leis, porém os seus intérpretes”.
Não é assim de afogadilho que o tema se equaciona. Até porque ele se põe como a figura de Direito mais “externa corporis” das relações entre o Poder Legislativo da União e o presidente da República. Nem mesmo a berrante voz da crise econômica justifica um pular de cerca da nossa Lei Fundamental. Uma Lei Fundamental do mais alto merecimento intrínseco, ajunte-se, porquanto consagradora da democracia como o princípio dos princípios jurídicos; ou seja, da democracia como o valor-teto, o valor-continente e o valor-síntese de todos os outros. A instituição que tem por conteúdos a República e a Federação brasileira, nessa ordem (o Brasil é uma República Federativa, e não uma Federação Republicana). Uma Constituição, em suma, que desde o seu artigo 1.º define o Brasil como um “Estado Democrático de Direito” porque somente a partir desse fundamento é que se pode legitimamente subir ao podium de “uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I do artigo 3.º). Fins legítimos a alcançar por meios igualmente legítimos.
Esta a primeira lição. A lição da compatibilidade entre o Estado Democrático de Direito e o tema do impeachment de quem esteja como presidente da República. Seja o impeachment enquanto processo de acusação e julgamento, seja o impeachment enquanto pena ou resultado condenatório. Aqui, a implicar “perda do cargo, com inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (parágrafo único do artigo constitucional de n.º 52). Ali, a pressupor um devido processo legal do tipo substantivo ou verdadeiramente fiel às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Salto para o que me parece a segunda grande lição. A lição de que não basta a eleição popular como forma de legitimidade da investidura no cargo de presidente da República brasileira. Tal eletividade se traduz numa das fases da legitimidade política; isto é, caracteriza a fase da legitimidade originária ou no ponto de partida das coisas. A legitimidade que os narradores das corridas de automóvel chamariam de grid de largada. O que não elimina jamais o percurso do mandato presidencial, destinado à concreção de um segundo tipo de legitimidade: a legitimidade pelo desempenho. A legitimidade pelo exercício. A legitimidade pela não incidência nos “crimes de responsabilidade”. Tipologia de delitos a que vai corresponder um atestado de inadaptabilidade do chefe do Poder Executivo da União à ordem constitucional. Que não é senão um estilo de governo insultuoso ou afrontoso ou acintoso da Constituição mesma. Donde o citado artigo 85 falar dos crimes de responsabilidade como “os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição”. Contra a Constituição, sim (este o bem jurídico protegido), especialmente pelos sete conteúdos que o mesmíssimo artigo 85 lista por um modo inelástico.
Na base do mexeu com eles, mexeu comigo...
Mas não é só por crimes de responsabilidade que a nossa Constituição possibilita a desinvestidura punitiva do presidente da República. Ela vai mais longe. Faz-se mais rigorosa no aviamento de antídotos contra as eventuais malfeitorias do chamado primeiro mandatário do País. Mais severa no aperto do cerco em face de quem detém uma tríplice chefia: a da administração pública, a do governo e a do Estado. Donde as seguintes passagens normativas: a) impugnação do próprio mandato, por motivo de “abuso do poder econômico, corrupção ou fraude” (§ 10 do artigo 14); b) “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos”, tanto quanto em ação cível de “improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4.º” (incisos III e V do artigo 15). As duas últimas destituições como consequência do link operacional que o mesmo artigo 15 estabelece entre condenação judicial e suspensão dos direitos políticos.
Estamos bem servidos de normatividade constitucional, portanto. Mas uma normatividade que diferencia os institutos. Crime de responsabilidade é uma coisa, as demais ilicitudes são outras. Cada qual com o seu peculiar regime jurídico, inclusive no plano da lei, embora os resultados possam coincidir em certa medida. A hora é de certificar a nossa maturidade jurídica. Não a de misturar alhos com bugalhos, precipitadamente. Distinção que Martin Luther King bem soube fazer quando disse que: “Não me interessa conhecer as suas leis, porém os seus intérpretes”.
Desapego e evolução
Ensina a doutrina que a percepção e a intuição mais corretas nascem de uma disposição interior que se alcança com disciplina e autocontrole (via do Dharma), permitindo a tomada de consciência gradual daquilo que somos, de onde viemos e para onde caminhamos. No Universo, tudo é progressivo e tende a se expandir num espaço que não sabemos o que é, mas que se atribui a uma qualidade do Criador. O Universo seria o local “em que cada ponto é o centro, e a circunferência está em nenhum”.
Autores iluminados, como Herman Hesse, definem o ser humano como o “andarilho das estrelas”, o “eterno peregrino”. Palavras que tentam explicar a “mônada” (ocidental), de Leibniz, ou o verdadeiro EU, a centelha divina que evolui cumprindo o desejo da vontade que a gerou.
A “mônada” parte do Um indivisível, já parece um não-senso da doutrina oriental, dificilmente decifrável na letra morta das escrituras. Aí é que se requer um salto no abismo da compreensão. Bem por isso, a questão se transfere a uma esfera “eso-terica”, na qual “eso” quer dizer “para poucos”, e “terica” é igual a “teoria” (“estudo”). Uma nítida dissociação da guerra terrestre que é a sobrevivência pagando tributos aos desejos ilusórios. Quando se usa o termo “esotérico”, mais que conceitos abstrusos, se entende um conhecimento que vai além da mera materialidade, um passo além da caverna.
Platão tentou explicar com o Mito da Caverna, e das sombras refletidas em seu fundo, o mundo comezinho das lutas fisiológicas do homem (individualidade pensante), que teima em desconhecer o universo externo, bilhões de vezes maior, mais belo que o esquálido cubículo em que se encontra acorrentado. Existem pessoas que possuem consciência do mundo de fora da caverna. São essas que desanuviam a visão e abrem a janela da intuição, um meio de percepção milhões de vezes mais rápido que a mecânica de uma mente inferior.
Quem mais e quem menos tem direito às suas intuições, momentos fulgurantes e instantâneos que revelam um oceano de verdades. Essas pessoas, na realidade, são raras, capazes de encontrar nos meandros da maior complicação, quando não estão envolvidas pelo interesse material, a fórmula de decifrar enigmas, de desvendar o insolúvel ao simples mortal; já outras personalidades, as mais comuns, como diz o ditado, não enxergam um palmo à frente do nariz.
O desapego funciona para as primeiras como limpador de para-brisa numa chuva de lama. Dissipa as condensações térreas e egoísticas, permite ver as coisas assim como são, e não distorcidas por aquilo que gostaríamos que fossem. O desapego permite a plenitude da intuição. Mas quem é desapegado? Um interesse quase sempre temos.
Não é o desejo do Mal (pior de todos) ou o desejo do Bem (menos mal), mas a falta de desejo que determina o desapego e faz silenciar a mente inferior. Helena Blavatsky escreveu sua obra-prima, “A Voz do Silêncio”, justamente para abreviar a compreensão da circunstância.
No meio dos extremos, o ser Intuitivo, necessariamente desapegado e iluminado, e o ser Obscurecido, normalmente egoísta, apegado, tomado de ansiedades, sobrevivem os graus intermediários, aqueles que, embora sem “vidência”, desenvolveram graus perceptivos intermediários, nem totalmente livres de apegos, e em parte auxiliados pelos conhecimentos e pela capacidade de elaboração mental, intelectualidade.
Os santos católicos, envoltos em auréolas emanando luz, em todos eles se encontra a comunhão com o desapego. Algo que se aproxima da compaixão budista, pregada pelo dalai-lama, sentimento que uma tradução na “neutralidade amorosa”, que compreende a humana desventura, a deixa fluir acompanhada de sentimentos misericordiosos e de amor. O budista não vê a desventura como um episódio negativo, mas necessário para a evolução. Mortifica a matéria e os desejos. Doa a carne dos seus entes falecidos aos abutres para que sirva a eles.
No monastério zen informam ao recém-chegado: “Quem desperdiçar um grão de arroz não entrará no céu (Nirvana)”. Disso, o chela (aluno), ao lavar sua vasilha, bebe a lavagem.
Podemos dizer que a diferença chega de quem desenvolve a compreensão mais elevada (intuitiva), deixa a calculadora mecânica de manivela (década de 50) para usar um chip que instantaneamente realiza qualquer operação matemática. A máquina mecânica desgasta, enferruja, necessita de graxa e consertos periódicos; a digital, além de instantânea, dura para sempre.
Considerando-se as humanas desventuras pelas quais o Brasil passa, notamos que “desapego” está em falta, que dever foi esquecido, que compaixão não é praticada, impossibilitando, assim, que o Bem flua e cumpra sua ação. Entretanto, vale lembrar que o mal não é eterno e serve de lição.
Maria está no banho
O ano de 2015 para a presidente Dilma Rousseff e o deputado Eduardo Cunha já terminou. Pelo andar da lenta carruagem, ambos passarão a virada do ano exatamente onde estão. No gabinete mais importante do Palácio do Planalto e na cadeira mais alta da Câmara dos Deputados, a ordem, numa palavra, é protelar.
A pauta “banho-maria” inclui o exame do parecer do Tribunal de Contas da União de rejeição às contas do governo em 2014, a decisão sobre o mais recente pedido de impeachment presidencial e a tramitação do requerimento de abertura de processo contra Cunha por quebra de decoro parlamentar.
Em tese, está tudo andando. Na prática, o que se vê são movimentos com a finalidade de empurrar o desfecho para 2016. Conspiram a favor disso o pouco tempo que falta para o início do recesso do Parlamento (17 de dezembro) e os prazos regimentais convenientemente usados em prol do atraso.
Senão, vejamos. Qual seria a razão de o presidente do Senado, Renan Calheiros, ter dado prazo de 45 dias para o governo apresentar sua defesa ao parecer do TCU? Defesa esta que já havia sido apresentada ao tribunal. O material, portanto, está pronto e ainda que seja necessário fazer algumas alterações, não seria preciso um mês e meio para isso.
O prazo vencerá praticamente em dezembro e aí bastará Renan Calheiros evitar levar ao plenário por algumas sessões para encerrar o ano.
Quanto ao impeachment, o presidente da Câmara havia prometido “celeridade” na decisão. Um dia depois de fazer essa afirmação, disse que não tinha pressa e acenou vagamente com o dia 15 de novembro, ressalvando não ter a intenção de se comprometer com datas ou prazos. Compreende-se: paralisar o processo é seu único trunfo. Junto ao governo, que espera a rejeição, e junto à oposição, que torce pela aceitação. Para Cunha, a melhor decisão é não decidir enquanto puder.
O mesmo critério aplica-se ao pedido de abertura de processo contra ele no Conselho de Ética, parado há uma semana na Mesa da Câmara, presidida por Cunha. Em algum momento, ele terá de liberar a representação. Mas, a partir daí, correm prazos que podem ser atrasados por estratagemas simples. Por exemplo, a falta de quórum às sessões ordinárias do Conselho previstas no regimento para o exame do mérito.
O atraso não resolve, mas dá aos envolvidos a esperança (ilusão?) de que o imponderável faça alguma surpresa.
Boca torta
Os comunistas antigamente diziam-se pautados pela “linha justa”. Os petistas atualmente demonstram se conduzir pela linha injusta. Entre outros exemplos, está a carga pesada feita contra os ministros da Fazenda e da Justiça.
Joaquim Levy e José Eduardo Cardozo desagradam ao PT não pelos defeitos, mas pelas qualidades. Levy segue a direção lógica do ajuste realista na condução de uma política econômica que, embora recessiva, é a única capaz de levar o País à correção do rumo perdido. Cardozo faz o que lhe cabe por dever de ofício e não procura interferir onde não pode: o trabalho da polícia, da Justiça e do Ministério Público.
Na visão petista, quem faz o certo está errado e, por isso, deve deixar o governo. Por essa ótica, o ministro da Fazenda deveria ser irresponsável e o titular da Justiça, transgressor da Constituição. O partido talvez pense assim por ter-se acostumado ao padrão de irresponsabilidade e transgressão estabelecido desde o governo Luiz Inácio da Silva.
Joaquim Levy e José Eduardo Cardozo desagradam ao PT não pelos defeitos, mas pelas qualidades. Levy segue a direção lógica do ajuste realista na condução de uma política econômica que, embora recessiva, é a única capaz de levar o País à correção do rumo perdido. Cardozo faz o que lhe cabe por dever de ofício e não procura interferir onde não pode: o trabalho da polícia, da Justiça e do Ministério Público.
Na visão petista, quem faz o certo está errado e, por isso, deve deixar o governo. Por essa ótica, o ministro da Fazenda deveria ser irresponsável e o titular da Justiça, transgressor da Constituição. O partido talvez pense assim por ter-se acostumado ao padrão de irresponsabilidade e transgressão estabelecido desde o governo Luiz Inácio da Silva.
Modelo este fundado sobre a crença de que é possível fazer tudo errado acreditando que no fim possa dar certo.
Dilma assassinou a retórica do seu mentor Lula
Nelson Rodrigues dizia que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes da emissão do atestado de óbito. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe. Deu-se algo parecido com a retórica de Lula. O morubixaba do PT ainda não se deu conta, mas sua retórica já morreu e, suprema desgraça, não foi para o céu. No momento, exerce a prerrogativa de escolher seu próprio caminho para o inferno.
Numa evidência de que a placa do seu cérebro ferveu, Lula pede o escalpo de Joaquim Levy em privado e apregoa a retomada do crescimento econômico em público. Finge não ver que os erros na economia são de madame e que o conserto do estrago vai tomar tempo, pelo menos dois anos —ao longo dos quais a inflação e o desemprego, ambos a caminho dos dois dígitos, transformarão Lula em cúmplice de uma ruína anunciada.
No momento, Lula promove um ciclo de encontros sobre educação. Treze anos depois da chegada do PT ao poder federal, ele trombeteia a perspectiva de destinação gradual de 10% do PIB e 75% dos royalties do pré-sal para a educação. Faz isso num instante em que o PIB derrete em meio a uma recessão a pino. E o triunfalismo do pré-sal dá lugar às lamúrias sobre a breca de uma Petrobras saqueada pela quadrilha de assaltantes-companheiros.
Com a morte de sua retórica, Lula tornou-se um orador desconexo. Enfia Lava Jato em todos os seus discursos. Até bem pouco, jactava-se de ter honrado a independência do Ministério Público e proporcionado autonomia operacional à Polícia Federal. Agora, num instante em que seu nome salta dos lábios dos delatores como pulgas no dorso de vira-latas, Lula critica a investigação e enxerga “quase um Estado de exceção” onde só existe uma democracia tentando conter seus usurpadores. Num rasgo de cinismo, Lula comparou os delatados do PT a Jesus Cristo, que teve de fugir de Herodes ao nascer e foi morto na cruz.
Dias atrás, Lula declarou que não gostaria de se candidatar novamente à Presidência em 2018. Talvez os fatos venham a confirmar a sensação de que o cabeça do PT está sendo delicado demais consigo mesmo. Depois que sua retórica foi assassinada por seu poste, Lula ganhou a aparência de um cadáver político na fila para acontecer.
Não foi uma morte natural. Ironicamente, a oratória de Lula foi assassinada pelo mito gerencial que ajudou a colocar no Palácio do Planalto. Matou-a, num processo lento e cruel, a ineficácia crônica de Dilma. Sem assunto, Lula perambula pelo país esgrimindo um discurso desconexo, que ofende a inteligência de quem ouve.
Lula já não dispõe da alternativa de atacar a herança maldita de FHC. Graças ao poder longevo, o PT agora lida com seu próprio legado. Enquanto conseguiu maquiar a gastança, Dilma manteve as aparências. Mas agora a irresponsabilidade fiscal apresenta a conta. Potencializada pelas 'pedaladas', a irresponsabilidade foi levada às fronteiras do paroxismo. Até o TCU notou.
Numa evidência de que a placa do seu cérebro ferveu, Lula pede o escalpo de Joaquim Levy em privado e apregoa a retomada do crescimento econômico em público. Finge não ver que os erros na economia são de madame e que o conserto do estrago vai tomar tempo, pelo menos dois anos —ao longo dos quais a inflação e o desemprego, ambos a caminho dos dois dígitos, transformarão Lula em cúmplice de uma ruína anunciada.
No momento, Lula promove um ciclo de encontros sobre educação. Treze anos depois da chegada do PT ao poder federal, ele trombeteia a perspectiva de destinação gradual de 10% do PIB e 75% dos royalties do pré-sal para a educação. Faz isso num instante em que o PIB derrete em meio a uma recessão a pino. E o triunfalismo do pré-sal dá lugar às lamúrias sobre a breca de uma Petrobras saqueada pela quadrilha de assaltantes-companheiros.
Com a morte de sua retórica, Lula tornou-se um orador desconexo. Enfia Lava Jato em todos os seus discursos. Até bem pouco, jactava-se de ter honrado a independência do Ministério Público e proporcionado autonomia operacional à Polícia Federal. Agora, num instante em que seu nome salta dos lábios dos delatores como pulgas no dorso de vira-latas, Lula critica a investigação e enxerga “quase um Estado de exceção” onde só existe uma democracia tentando conter seus usurpadores. Num rasgo de cinismo, Lula comparou os delatados do PT a Jesus Cristo, que teve de fugir de Herodes ao nascer e foi morto na cruz.
Dias atrás, Lula declarou que não gostaria de se candidatar novamente à Presidência em 2018. Talvez os fatos venham a confirmar a sensação de que o cabeça do PT está sendo delicado demais consigo mesmo. Depois que sua retórica foi assassinada por seu poste, Lula ganhou a aparência de um cadáver político na fila para acontecer.
Ação ou inação igual a rejeição
Nem impeachment de Dilma nem cassação de Eduardo Cunha. Ambos manterão seus mandatos. Essa previsão é a pior que poderia ser feita, pois a rejeição nacional atinge os dois.A presidente da República não pode mais deixar seus palácios nem dirigir-se à população pela TV, com risco de vaias, agressões verbais e panelaços. Fora inaugurações bissextas onde claques contratadas substituem participantes espontâneos, e além dos passeios matinais de bicicleta, cercada por seguranças, Madame parece habitar outro planeta.
Quanto ao presidente da Câmara, até no Salão Verde obriga-se a transitar blindado de permanente guarda pessoal encarregada de afastar grupos hostis, até mesmo de deputados oposicionistas. Nem Cunha nem Dilma aproveitam as naturais benesses do poder concedidas em tempos normais pela popularidade inerente às suas funções. São proscritos. Presos em gaiolas de ouro, até de cantar estão proibidos.
A indagação é se o exercício da função pública vale tanto. Manter afastada a sociedade em vez de integrar-se nela exprime a maior das contradições a que são obrigados para preservar a própria sobrevivência,senão política, que já não existe, ao menos a física. Tudo ao redor deles é artificial. Estão colhendo o que plantaram. Num exemplo: por antecipação, sofrem com o comparecimento à inauguração e ao encerramento das Olimpíadas do próximo ano. E a qualquer outra festa popular, religiosa ou patriótica. Comparecer a comícios, andar pelas ruas, frequentar restaurantes ou olhar o comércio, nem pensar.
Este longo preâmbulo se faz a propósito das incertezas da prática política. Não faz muito, apenas um ano, Dilma era reeleita com 35 milhões de votos, aplaudida onde aparecesse. Cunha entrava sob palmas e exortações de apoio toda vez que assumia a presidência das sessões da Câmara. O diabo, no caso do deputado, é que há muito já era o vigarista especializado em negócios escusos, assaltos à Petrobras e aplicação de dezenas de milhões em contas secretas na Suíça. Quanto à presidente da República, quem duvida de que desde o primeiro mandato sabia e tolerava a roubalheira incrustada ao seu redor? Tanto faz se pela ação dele ou pela inação dela o país mergulhou no despenhadeiro. A rejeição atingiu os dois. Aliás, atinge muito mais gente.
A indagação é se o exercício da função pública vale tanto. Manter afastada a sociedade em vez de integrar-se nela exprime a maior das contradições a que são obrigados para preservar a própria sobrevivência,senão política, que já não existe, ao menos a física. Tudo ao redor deles é artificial. Estão colhendo o que plantaram. Num exemplo: por antecipação, sofrem com o comparecimento à inauguração e ao encerramento das Olimpíadas do próximo ano. E a qualquer outra festa popular, religiosa ou patriótica. Comparecer a comícios, andar pelas ruas, frequentar restaurantes ou olhar o comércio, nem pensar.
Este longo preâmbulo se faz a propósito das incertezas da prática política. Não faz muito, apenas um ano, Dilma era reeleita com 35 milhões de votos, aplaudida onde aparecesse. Cunha entrava sob palmas e exortações de apoio toda vez que assumia a presidência das sessões da Câmara. O diabo, no caso do deputado, é que há muito já era o vigarista especializado em negócios escusos, assaltos à Petrobras e aplicação de dezenas de milhões em contas secretas na Suíça. Quanto à presidente da República, quem duvida de que desde o primeiro mandato sabia e tolerava a roubalheira incrustada ao seu redor? Tanto faz se pela ação dele ou pela inação dela o país mergulhou no despenhadeiro. A rejeição atingiu os dois. Aliás, atinge muito mais gente.
O roto e o esfarrapado
A presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, passaram boa parte da semana batendo boca. Ambos com razão nas frases feitas. E absoluta falta dela na virulência e ausência de senso. Roto falando de esfarrapado, provérbio que nos últimos tempos insiste em ditar a política.
Dilma fala mal de Cunha. Cunha de Dilma. Lula já fala mal de Dilma em público. Dilma, privadamente, de Lula. Um culpa o outro da culpa que cada um tem. A oposição arrota dignidade e usa os métodos que dizia condenar. Tenta preservar Cunha para imolar Dilma.
Mas se ainda não há vencedores na disputa entre o sujo e o mal lavado, é impossível esconder as sucessivas derrotas que essas irresponsabilidades impõem ao país.
Indicador algum é capaz de dar alento. Nem para o futuro próximo, muito menos para o presente. Difícil enxergar possibilidades de conserto na economia, quanto mais na sem-vergonhice que, contam-se nos dedos as exceções, virou método de fazer política.
A inflação continua subindo, os investimentos caindo, a recessão agudizando. Em 12 meses, 1,24 milhões de vagas de emprego formal foram engolidas pela crise, pior número desde que se iniciaram as medições, em 1992. Um retrocesso de mais de mais de duas décadas na oferta de empregos, pilar de qualquer avanço social.
Depois de gastar o que não tinha e o que não sabia se algum dia iria ter para se reeleger, Dilma teria de arrumar mais de R$ 70 bilhões só para fechar o ano de 2015. Ainda assim, a presidente freou arrumações internas, como o corte de 3 mil cargos comissionados, para poder distribuir aos aliados em troca – sem qualquer garantia – de se manter no terceiro andar do Planalto.
Registra-se que os cortes anunciados com pompa e circunstância pela presidente só valerão – se é que de fato vão valer – a partir de novembro. Tanto a redução dos míseros 10% dos salários dela e dos ministros quanto o fim das mordomias de primeira classe em aviões e carros de luxo. Algo que, de fato, não passará perto da presidente, que viaja em jato privativo, e de vários de seus auxiliares, que requisitam aviões da FAB para seus deslocamentos.
O tema chegou a frequentar o plenário do Senado. De novo, viu-se o roto, que acaba de licitar uma frota nova de veículos de luxo para os 81 senadores, abrindo o bico para um governo espandongado, que continua hospedando Dilma com luxos de princesa em cada viagem que faz.
Agindo como quem beira o fim da linha, nos dois meses que faltam para terminar ano Dilma agendou compromissos na Arábia Saudita, Vietnã, França, Emirados Árabes, Argentina e Japão. Pelo jeito, prefere ficar longe da encrenca Brasil, gastando por conta.
Por sua vez, a oposição esbraveja contra o roto e esgarça cada vez mais os seus farrapos. Alia-se às sujeiras de Cunha e joga fora créditos que tinha obtido com a derrocada política de Dilma e do PT.
De forma mal ajambrada, repete a lambança que fingia condenar. Faz o diabo para impedir Dilma, que, confessamente, fez o diabo para se reeleger.
Na CPI da Petrobras, aquela que concluiu que o problema da estatal não é a roubalheira, mas a delação premiada, nem a mentira dita por Eduardo Cunha – “não tenho conta no exterior” – foi rechaçada pelo PSDB. Uma vergonha.
Diante da imundice de quem prefere continuar sem se lavar, a utópica ideia do ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, de renúncia coletiva faz cada dia mais sentido. Seria a chance de, ao lado da Lava-Jato, lavar o país.
Dilma fala mal de Cunha. Cunha de Dilma. Lula já fala mal de Dilma em público. Dilma, privadamente, de Lula. Um culpa o outro da culpa que cada um tem. A oposição arrota dignidade e usa os métodos que dizia condenar. Tenta preservar Cunha para imolar Dilma.
Indicador algum é capaz de dar alento. Nem para o futuro próximo, muito menos para o presente. Difícil enxergar possibilidades de conserto na economia, quanto mais na sem-vergonhice que, contam-se nos dedos as exceções, virou método de fazer política.
A inflação continua subindo, os investimentos caindo, a recessão agudizando. Em 12 meses, 1,24 milhões de vagas de emprego formal foram engolidas pela crise, pior número desde que se iniciaram as medições, em 1992. Um retrocesso de mais de mais de duas décadas na oferta de empregos, pilar de qualquer avanço social.
Depois de gastar o que não tinha e o que não sabia se algum dia iria ter para se reeleger, Dilma teria de arrumar mais de R$ 70 bilhões só para fechar o ano de 2015. Ainda assim, a presidente freou arrumações internas, como o corte de 3 mil cargos comissionados, para poder distribuir aos aliados em troca – sem qualquer garantia – de se manter no terceiro andar do Planalto.
Registra-se que os cortes anunciados com pompa e circunstância pela presidente só valerão – se é que de fato vão valer – a partir de novembro. Tanto a redução dos míseros 10% dos salários dela e dos ministros quanto o fim das mordomias de primeira classe em aviões e carros de luxo. Algo que, de fato, não passará perto da presidente, que viaja em jato privativo, e de vários de seus auxiliares, que requisitam aviões da FAB para seus deslocamentos.
O tema chegou a frequentar o plenário do Senado. De novo, viu-se o roto, que acaba de licitar uma frota nova de veículos de luxo para os 81 senadores, abrindo o bico para um governo espandongado, que continua hospedando Dilma com luxos de princesa em cada viagem que faz.
Agindo como quem beira o fim da linha, nos dois meses que faltam para terminar ano Dilma agendou compromissos na Arábia Saudita, Vietnã, França, Emirados Árabes, Argentina e Japão. Pelo jeito, prefere ficar longe da encrenca Brasil, gastando por conta.
Por sua vez, a oposição esbraveja contra o roto e esgarça cada vez mais os seus farrapos. Alia-se às sujeiras de Cunha e joga fora créditos que tinha obtido com a derrocada política de Dilma e do PT.
De forma mal ajambrada, repete a lambança que fingia condenar. Faz o diabo para impedir Dilma, que, confessamente, fez o diabo para se reeleger.
Na CPI da Petrobras, aquela que concluiu que o problema da estatal não é a roubalheira, mas a delação premiada, nem a mentira dita por Eduardo Cunha – “não tenho conta no exterior” – foi rechaçada pelo PSDB. Uma vergonha.
Diante da imundice de quem prefere continuar sem se lavar, a utópica ideia do ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, de renúncia coletiva faz cada dia mais sentido. Seria a chance de, ao lado da Lava-Jato, lavar o país.
O Diabo e o poder
Quando Franco Zefirelli esteve no Rio, fiquei encarregado de lhe dar assistência. Conversamos bastante, conversas que poderíamos jogar fora. Mas houve um dia em que ele me impressionou.
Falávamos da ópera "Tosca", cujo original, de Sardou, contém um amplo quadro das brigas da época, quando Napoleão, invadindo a Itália, libertava-a do absolutismo e da tirania. Notei que Zefirelli apreciava o Puccini de "Turandot" e "La Bohême", mas não se entusiasmava com a ópera em que um preso político é torturado para delatar um amigo subversivo.
Falávamos da ópera "Tosca", cujo original, de Sardou, contém um amplo quadro das brigas da época, quando Napoleão, invadindo a Itália, libertava-a do absolutismo e da tirania. Notei que Zefirelli apreciava o Puccini de "Turandot" e "La Bohême", mas não se entusiasmava com a ópera em que um preso político é torturado para delatar um amigo subversivo.
Zefirelli ficou sério e resumiu seu pensamento: "A política é o Diabo!" Falou assim mesmo, o Diabo em maiúscula. Eu o entendi. Se o Diabo deixasse de existir, ou se nunca existiu realmente, tanto faz. Existe a política e todas as funções do Diabo podem ser cumpridas pela política.
Na luta pelo poder, no fogo cruzado e nem sempre leal das posições e contestações, coloca-se a política acima de qualquer outro valor, daí ser justo, em nome da causa, matar, difamar, roubar o adversário. Que nem é um adversário, mas um amigo que, em determinada questão, ousa pensar com a própria cabeça e discorda da maioria.
Sei que a luta de nosso tempo custou milhares de vítimas, mortas pela repressão. Mas sei também que tais vítimas foram mortas, física ou moralmente, pelos próprios companheiros da verdade ocasional. O chão político está coberto de cadáveres mutilados na luta pelo poder.
Lembro Agildo Barata, acusado de roubar o caixa do partido por não aceitar algumas teses de 1956. Foi moralmente assassinado pelos companheiros.
Acima dos partidos, acima das causas, é fácil ver o Diabo em pessoa, esfregando o rabo de raiva. Ele cria novas causas para que os homens continuem se devorando. Dilma e Cunha são exemplos.
Na luta pelo poder, no fogo cruzado e nem sempre leal das posições e contestações, coloca-se a política acima de qualquer outro valor, daí ser justo, em nome da causa, matar, difamar, roubar o adversário. Que nem é um adversário, mas um amigo que, em determinada questão, ousa pensar com a própria cabeça e discorda da maioria.
Sei que a luta de nosso tempo custou milhares de vítimas, mortas pela repressão. Mas sei também que tais vítimas foram mortas, física ou moralmente, pelos próprios companheiros da verdade ocasional. O chão político está coberto de cadáveres mutilados na luta pelo poder.
Lembro Agildo Barata, acusado de roubar o caixa do partido por não aceitar algumas teses de 1956. Foi moralmente assassinado pelos companheiros.
Acima dos partidos, acima das causas, é fácil ver o Diabo em pessoa, esfregando o rabo de raiva. Ele cria novas causas para que os homens continuem se devorando. Dilma e Cunha são exemplos.
O pato é nosso
Equilibrar as finanças. Foi a justificativa da presidente Dilma Rousseff ao sair em defesa da famigerada e polêmica CPMF. Como se não bastasse a inflação a corroer o bolso do cidadão e a minar o poder de consumo - verve da ideologia petista -, o povo é quem vai pagar o pato. Caberá a nós tirar dinheiro da própria conta para reparar a duvidosa gestão orçamentária de um governo que luta para levantar e equilibrar sua popularidade. Caberá a nós inverter o conceito de democracia e determinar que é o povo quem faz para o governo, não o contrário.
O brasileiro precisará consertar as ações perdulárias de um sistema político carcomido pela corrupção e pela ampla chance de impunidade. Os assalariados, homens e mulheres que se reinventam para sobreviver, vão precisar cooperar para salvar as contas do país. Sem saber o que comerão amanhã e nutrindo a certeza de que jamais terão R$ 20 milhões em contas na Suíça nem carros de luxo não declarados à Receita. Também jamais deixarão valores humanos, como a dignidade e a honestidade, escaparem ralo abaixo pelos esgotos da sandice humana em troca de punhados de dinheiro público.
É chegada a hora de o Brasil cobrar a moralização da política. Chega de jogatinas escusas para reduzir a pena ou salvar a pele de gestores e de engravatados que parecem desconhecer o conceito de Welfare State, o Estado de bem-estar social. Pensam muito mais na manutenção do poder enquanto status e via de enriquecimento ilícito do que no interesse do cidadão. Entopem-se das benesses e confortos do próprio sistema e se esquecem de que, para além de seu mundinho refrigerado e cheio de verbas, existe gente desesperada, sem teto e sem pão.
Chega de um Congresso que premia com salários astronômicos a inépcia de seus representantes. Chega de artimanhas em benefício de empreiteiras e de proselitismo político. O cidadão brasileiro merece e precisa exigir o mínimo de respeito de políticos que se julgam acima de Deus na Terra. Afinal, foram colocados no posto pelo próprio eleitor e a ele devem prestar contas. As ruas, mas também as urnas, são os principais ambientes para protestos calcados no bom senso e no máximo exercício da cidadania. Estamos cansados de pagar o pato em um Brasil que se acha gigante, mas que se apequena ante uma saída moral para o próprio futuro.
O pulo de surpresa
Somos todos prisioneiros de uma concepção estática do que é e do que não é importante, fixamos sobre o que é importante olhares ansiosos, enquanto, às escondidas, nas nossas costas, o insignificante conduz sua guerrilha que terminará por mudar sub-repticiamente o mundo e vai pular sobre nós de surpresaMilan Kundera
Cerco ao Congresso
Quem roubou não pode chamar o PT de ladrão, disse Luiz Inácio da Silva. Ou seja: ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, mas ladrão que xinga ladrão vai se ver com Lula. Até que enfim, uma medida moralizadora. O PT quer ser respeitado ao menos pelos bandidos — o que dentro da cadeia é uma coisa importante.
E por falar em bandido, roubo e cadeia, o delator Fernando Baiano disse que deu R$ 2 milhões do petrolão à nora de Lula. Enquanto isso, retorna à pátria (e à Papuda) Henrique Pizzolato, um dos heróis petistas do mensalão. As obras completas dos companheiros nestes 13 anos são realmente impressionantes. Se o governo do PT fosse um filme, seria o “Sindicato dos ladrões” — com todo o respeito. O mais curioso é como o Brasil se harmonizou bem com esse projeto criminoso de poder, na definição do ministro Celso de Mello (que não roubou, então pode dizer que o PT é ladrão).
Pizzolato esfaqueou o Banco do Brasil, Baiano esfolou a Petrobras — e esses são apenas dois agentes do maior sistema de corrupção da história, regido pelo PT de dentro do Palácio do Planalto. Agora tirem as crianças da sala para a notícia estarrecedora: o PT continua dentro do palácio.
Como escreveu Fernando Gabeira, o Brasil desmoralizou a instituição do batom na cueca. A mancha veio da lavanderia, o batom era progressista e a cueca era do bem. O ministro Gilmar Mendes disse que Dilma não precisa de um Fiat Elba como o de Collor para cair. Claro que não. Ela pode cair pedalando — o que seria inclusive menos poluente. As pedaladas fiscais que o TCU já condenou são crime de responsabilidade, e constituem uma fração do tal projeto criminoso — que não é feito só de mensalões e pixulecos, mas também de fraudes contábeis para maquiar o rombo.
Não deixem as crianças ouvirem: essa orgia companheira acaba de render ao Brasil o selo de país caloteiro. Agora sejam fortes: as pedaladas continuaram este ano, depois de flagradas e desmascaradas, e pelo menos uma das centrais de tramoias do petrolão continuou ativa depois da revelação do escândalo. Deu para entender? O PT é o cupim do Estado brasileiro, e não dá para pedir a ele: senhor cupim, por favor, poderia parar de devorar a mobília até 2018? O Brasil está esperando que os cupins passem a se alimentar de vento estocado e façam o ajuste fiscal.
Dilma Rousseff declarou na Finlândia que este governo não está envolvido com corrupção. É verdade. A corrupção, coitada, é que está envolvida com este governo. De cabo a rabo. A Lava-Jato já apresentou as evidências de que a própria reeleição de Dilma se alimentou do petrolão — e Vaccari, o ex-tesoureiro do PT, está preso por causa disso. Mas o governo promete tapar o rombo, e lá estão os brasileiros com os braços estendidos para a seringa da nova CPMF, ou bolsa cupim. Contando, ninguém acredita.
Nesse meio tempo, num lugar muito distante da Finlândia, o Banco Central informa que desistiu de cumprir a meta fiscal. Note bem: não foi uma frase de Mercadante, Mantega ou outra das nossas autoridades de picadeiro. O Banco Central do Brasil, espremido entre a inflação e a recessão, teve que largar no chão a arma da política monetária: simplesmente não há o que fazer para respeitar a meta fiscal em 2016. Dilma reagiu: pediu à sua equipe econômica para flexibilizar a meta fiscal. Nessa linha, poderia aproveitar e pedir para flexibilizar o Código Penal. Seria mais eficaz neste momento.
O governo parou. Dilma, a representante legal (sic) do projeto criminoso de poder, está morando de favor no palácio. Conta com a blindagem do STF aparelhado, do companheiro procurador Janot e de um bando de inocentes úteis que doam suas reputações em troca de uma fantasia progressista cafona (alguns perderam a inocência na tabela dos pixulecos). Quem pode descupinizar o palácio é o Congresso Nacional. O pedido de impeachment está nas mãos do presidente da Câmara, que um Brasil abobado transformou em inimigo público número um — porque aqui quem assalta com estrelinha no peito é herói. Eduardo Cunha pode ser cassado, condenado ou execrado, só não pode roubar a cena daqueles que roubaram o país inteiro.
Os brasileiros que estão autorizados por Lula a chamar o PT de ladrão estão chegando a Brasília, acampando em frente ao Congresso Nacional. Quando deputados e senadores estiverem devidamente cercados pela multidão, brotará num passe de mágica sua responsabilidade cívica. Aí os nobres representantes do povo farão, altivamente, a descupinização do palácio — sem traumas, em nome da lei. O resto é com a polícia.
E por falar em bandido, roubo e cadeia, o delator Fernando Baiano disse que deu R$ 2 milhões do petrolão à nora de Lula. Enquanto isso, retorna à pátria (e à Papuda) Henrique Pizzolato, um dos heróis petistas do mensalão. As obras completas dos companheiros nestes 13 anos são realmente impressionantes. Se o governo do PT fosse um filme, seria o “Sindicato dos ladrões” — com todo o respeito. O mais curioso é como o Brasil se harmonizou bem com esse projeto criminoso de poder, na definição do ministro Celso de Mello (que não roubou, então pode dizer que o PT é ladrão).
Pizzolato esfaqueou o Banco do Brasil, Baiano esfolou a Petrobras — e esses são apenas dois agentes do maior sistema de corrupção da história, regido pelo PT de dentro do Palácio do Planalto. Agora tirem as crianças da sala para a notícia estarrecedora: o PT continua dentro do palácio.
Como escreveu Fernando Gabeira, o Brasil desmoralizou a instituição do batom na cueca. A mancha veio da lavanderia, o batom era progressista e a cueca era do bem. O ministro Gilmar Mendes disse que Dilma não precisa de um Fiat Elba como o de Collor para cair. Claro que não. Ela pode cair pedalando — o que seria inclusive menos poluente. As pedaladas fiscais que o TCU já condenou são crime de responsabilidade, e constituem uma fração do tal projeto criminoso — que não é feito só de mensalões e pixulecos, mas também de fraudes contábeis para maquiar o rombo.
Dilma Rousseff declarou na Finlândia que este governo não está envolvido com corrupção. É verdade. A corrupção, coitada, é que está envolvida com este governo. De cabo a rabo. A Lava-Jato já apresentou as evidências de que a própria reeleição de Dilma se alimentou do petrolão — e Vaccari, o ex-tesoureiro do PT, está preso por causa disso. Mas o governo promete tapar o rombo, e lá estão os brasileiros com os braços estendidos para a seringa da nova CPMF, ou bolsa cupim. Contando, ninguém acredita.
Nesse meio tempo, num lugar muito distante da Finlândia, o Banco Central informa que desistiu de cumprir a meta fiscal. Note bem: não foi uma frase de Mercadante, Mantega ou outra das nossas autoridades de picadeiro. O Banco Central do Brasil, espremido entre a inflação e a recessão, teve que largar no chão a arma da política monetária: simplesmente não há o que fazer para respeitar a meta fiscal em 2016. Dilma reagiu: pediu à sua equipe econômica para flexibilizar a meta fiscal. Nessa linha, poderia aproveitar e pedir para flexibilizar o Código Penal. Seria mais eficaz neste momento.
O governo parou. Dilma, a representante legal (sic) do projeto criminoso de poder, está morando de favor no palácio. Conta com a blindagem do STF aparelhado, do companheiro procurador Janot e de um bando de inocentes úteis que doam suas reputações em troca de uma fantasia progressista cafona (alguns perderam a inocência na tabela dos pixulecos). Quem pode descupinizar o palácio é o Congresso Nacional. O pedido de impeachment está nas mãos do presidente da Câmara, que um Brasil abobado transformou em inimigo público número um — porque aqui quem assalta com estrelinha no peito é herói. Eduardo Cunha pode ser cassado, condenado ou execrado, só não pode roubar a cena daqueles que roubaram o país inteiro.
Os brasileiros que estão autorizados por Lula a chamar o PT de ladrão estão chegando a Brasília, acampando em frente ao Congresso Nacional. Quando deputados e senadores estiverem devidamente cercados pela multidão, brotará num passe de mágica sua responsabilidade cívica. Aí os nobres representantes do povo farão, altivamente, a descupinização do palácio — sem traumas, em nome da lei. O resto é com a polícia.
'Não faço questão!'
Essa expressão, tão comum, não parece conter toda uma atitude diante do mundo.
“Quer um café?”
“Não faço questão. Como você quiser.”
Ora, não é difícil saber se queremos tomar o café que alguém nos oferece. A incapacidade de decidir sobre coisa tão simples pode indicar algo maior do que uma hesitação. Pode ser indiferença. Anemia afetiva. Medo de se comprometer. Essa bem pode estar sendo nossa atitude, hoje, diante do mundo. Passiva. Que deixa correr. E isso é perigoso. O mundo pede emoção e inteligência. Espera que façamos questão dele. Eis a questão.
Questionar é uma posição diante do mundo e da vida que pode ter-se inventado na Grécia muito antiga, por volta do século VI a. C. Antes, nos tempos homéricos, a natureza, os humanos, os deuses, os animais andavam misturados, e talvez não fosse necessário pô-los em questão. O que é um centauro? É mistura de cavalo e homem. E uma semideusa? O resultado do amor entre uma deusa e um homem. E uma ninfa? O encontro do divino com a água. Sempre compostos. Uma coisa e outra. Não ou bem uma, ou bem outra. As duas. Só mais tarde, no século VI a. C., veio-se a criar a atitude que acabou sendo a nossa: “E pode? O que é deusa? O que é homem? O que é água? Cada uma sendo o que é, e só aquilo (veio a se chamar mais tarde “essência”), a mistura é possível? Não é. Ela destrói a unidade. E fazemos questão da unidade. Não abrimos mão dela. Fazemos questão do Ser”. Para nós, ocidentais, em cujas terras o sol todos os dias vem morrer, os noturnos, foi aí que se criou a metade grega do nosso DNA. Foi a partir desse momento que questionar se tornou uma obrigação do espírito. Na seguinte sequência: “Faço questão de que você venha tomar um café comigo. Não abro mão.” Só por isso, porque não abrimos mão, podemos, depois, pôr em questão todas as coisas, inclusive porque não abrimos mão. Antes de tudo, é preciso não abrir mão. Não deixar para lá. Não ser indiferente diante de nada do mundo e da vida. Nem mesmo de um modesto café. Essa é a mais básica das nossas atitudes de origem. É uma ética. É amorosa.
Vamos revisitar o velho Sócrates. Ele fez questão. Todos os dias, chovesse ou fizesse sol. Era capaz de questionar a chuva e o sol eles mesmos. Porque amava a vida, e não era indiferente a nada que a afetasse. Não era assunto dele (é a outra metade do nosso DNA, de que ele não participa) que Deus mandasse o sol e a chuva sobre justos e injustos. Diante dessa afirmação, talvez perguntasse: O que é justiça? Provavelmente também: O que é Deus? Perguntava porque não queria abrir mão. Fazia questão de tudo, por isso podia questionar. No dia em que estava para morrer, condenado pela cidade de Atenas, conversou com os discípulos sobre a morte. O que é a morte? Sem medo. Fazia questão de morrer. Não chegou a dizer “a irmã morte”, a que muito mais tarde São Francisco haveria de sorrir. Mas também esteve sereno e à espera. Viria decerto ela, o fim de todas as questões. Até lá, porém, perguntar era viver. E viver é essencial. Morrer também. E fazer questão de um como do outro é um respeitoso amor.
Shakespeare também soube dessas coisas. “Ser ou não ser, eis a questão”, além de um bom verso com excelente efeito dramático, quer dizer: é preciso resolver isso, o príncipe não pode suportar por mais tempo a indecisão. Depois houve outros usos para a palavra “questão”, parte essencial da nossa história. Por exemplo: a Igreja católica no renascimento francamente violava a sua essência original, vendendo indulgências. O monge agostiniano Martinho Lutero pôs essa prática em questão. Fez questão da pureza originária da Igreja, que seu mestre Agostinho encarnara. Fundou, sobre esse questionamento, a dissidência protestante. E mudou o mundo. Outro exemplo, perverso: os antissemitismos europeus sentiam-se incomodados com a presença dos judeus no mundo. Os judeus carregam sua cultura incansavelmente, há 20 séculos, desde a diáspora do século I. Têm nela sua identidade. Fazem questão dela, ganham o direito de pô-la em questão. E irritam quem não faz tanta questão de nada. A esses os judeus incomodam, porque questionam infatigavelmente. Criou-se para esse incômodo a “questão judaica”. Não era questão nenhuma. Era uma sentença. Deu no que deu. Fazer questão, até uma dessas, falsa, nunca é sem consequências. Nessa atitude se jogam a vida e a morte.
Agora está em moda ter horror da política. Má ideia. Não que os políticos frequentemente não motivem repulsa e raiva. Mas esses sentimentos deviam, justamente, pô-los em questão. Deveríamos fazer questão da política. Ela é essencial aos povos da terra. Há no entanto, em número alarmantemente grande, os que não estão nem aí: “Política? Passo. Não faço questão.”
Melhor fazer. Há um mundo pendurado aí, que pode naufragar. Melhor fazer.
“Quer um café?”
“Não faço questão. Como você quiser.”
Ora, não é difícil saber se queremos tomar o café que alguém nos oferece. A incapacidade de decidir sobre coisa tão simples pode indicar algo maior do que uma hesitação. Pode ser indiferença. Anemia afetiva. Medo de se comprometer. Essa bem pode estar sendo nossa atitude, hoje, diante do mundo. Passiva. Que deixa correr. E isso é perigoso. O mundo pede emoção e inteligência. Espera que façamos questão dele. Eis a questão.
Vamos revisitar o velho Sócrates. Ele fez questão. Todos os dias, chovesse ou fizesse sol. Era capaz de questionar a chuva e o sol eles mesmos. Porque amava a vida, e não era indiferente a nada que a afetasse. Não era assunto dele (é a outra metade do nosso DNA, de que ele não participa) que Deus mandasse o sol e a chuva sobre justos e injustos. Diante dessa afirmação, talvez perguntasse: O que é justiça? Provavelmente também: O que é Deus? Perguntava porque não queria abrir mão. Fazia questão de tudo, por isso podia questionar. No dia em que estava para morrer, condenado pela cidade de Atenas, conversou com os discípulos sobre a morte. O que é a morte? Sem medo. Fazia questão de morrer. Não chegou a dizer “a irmã morte”, a que muito mais tarde São Francisco haveria de sorrir. Mas também esteve sereno e à espera. Viria decerto ela, o fim de todas as questões. Até lá, porém, perguntar era viver. E viver é essencial. Morrer também. E fazer questão de um como do outro é um respeitoso amor.
Shakespeare também soube dessas coisas. “Ser ou não ser, eis a questão”, além de um bom verso com excelente efeito dramático, quer dizer: é preciso resolver isso, o príncipe não pode suportar por mais tempo a indecisão. Depois houve outros usos para a palavra “questão”, parte essencial da nossa história. Por exemplo: a Igreja católica no renascimento francamente violava a sua essência original, vendendo indulgências. O monge agostiniano Martinho Lutero pôs essa prática em questão. Fez questão da pureza originária da Igreja, que seu mestre Agostinho encarnara. Fundou, sobre esse questionamento, a dissidência protestante. E mudou o mundo. Outro exemplo, perverso: os antissemitismos europeus sentiam-se incomodados com a presença dos judeus no mundo. Os judeus carregam sua cultura incansavelmente, há 20 séculos, desde a diáspora do século I. Têm nela sua identidade. Fazem questão dela, ganham o direito de pô-la em questão. E irritam quem não faz tanta questão de nada. A esses os judeus incomodam, porque questionam infatigavelmente. Criou-se para esse incômodo a “questão judaica”. Não era questão nenhuma. Era uma sentença. Deu no que deu. Fazer questão, até uma dessas, falsa, nunca é sem consequências. Nessa atitude se jogam a vida e a morte.
Agora está em moda ter horror da política. Má ideia. Não que os políticos frequentemente não motivem repulsa e raiva. Mas esses sentimentos deviam, justamente, pô-los em questão. Deveríamos fazer questão da política. Ela é essencial aos povos da terra. Há no entanto, em número alarmantemente grande, os que não estão nem aí: “Política? Passo. Não faço questão.”
Melhor fazer. Há um mundo pendurado aí, que pode naufragar. Melhor fazer.
A volta da miséria
Entre 2015 e 2016 os brasileiros devem perder cerca de R$ 280 bilhões de sua capacidade de compra, segundo estudo da Consultoria Tendências. É a primeira vez, desde 2004, que se registra recuo do poder aquisitivo após anos ininterruptos de crescimento do consumo.É triste de ver. Nos sinais, nas calçadas, debaixo dos viadutos, na periferia ou nos grandes centros, ela volta a se mostrar com uma crueza desconcertante. A miséria tem mil faces e com a crise que assola o País ganha cada vez mais força e destaque na paisagem cotidiana das cidades brasileiras. Ela está estampada nos rostos de flanelinhas, carroceiros, meros pedintes, vendedores de balas, basqueteiros de cadeira de roda, ferramenteiros, mães com filho de colo, ambulantes diversos, desempregados sem teto, um contingente crescente e variado de necessitados que toma as ruas. Institutos atestam que há, hoje, cerca de 90 milhões de brasileiros classificados como miseráveis ou na linha da pobreza extrema – estatisticamente, cidadãos que sobrevivem com uma renda familiar inferior ao salário mínimo. Isso é mais de um terço da população total. Em meados dos anos 70 o numero não passava de 30 milhões e estava concentrado basicamente no campo. Os miseráveis migraram para as metrópoles. Montaram favelas e moradias improvisadas por onde podiam. Na virada do século já somavam perto de 60 milhões de excluídos e, de lá para cá, não pararam de crescer, a um ritmo de 3% ao ano. Nem mesmo os programas sociais implementados por seguidos governos foram capazes de barrar esse avanço e, com o atual corte de despesas na área, o universo tende a explodir.
Um trabalho recém-concluído pelo pesquisador Samuel Franco, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), aponta que em quase 20% dos lares brasileiros nenhum morador tem atualmente emprego. Em um ano a alta foi de 770 mil famílias sem qualquer membro com rendimento de trabalho formal ou informal e – por tabela – com baixíssimas condições de bancar seus dependentes. A falta de trabalho é a maior chaga que pode acometer uma sociedade. Por trás dela vem o gradual empobrecimento da população. Percentualmente, a parcela dos lares onde ninguém está ocupado passou de 18,6% ao longo de 2014 para 19,3% no primeiro semestre deste ano. No período, quase um milhão de vagas foram sumariamente extintas. E muitos dos dispensados passaram a engrossar o mafuá dos cruzamentos, montando um verdadeiro pit stop de comércio persa nas esquinas, praças e avenidas. A pobreza fora de controle, com milhares de indivíduos sem perspectiva ou condições de sustento, retrata o Brasil desses dias, que mergulha na maior recessão dos últimos 25 anos.
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