domingo, 25 de outubro de 2015

Desapego e evolução


Ensina a doutrina que a percepção e a intuição mais corretas nascem de uma disposição interior que se alcança com disciplina e autocontrole (via do Dharma), permitindo a tomada de consciência gradual daquilo que somos, de onde viemos e para onde caminhamos. No Universo, tudo é progressivo e tende a se expandir num espaço que não sabemos o que é, mas que se atribui a uma qualidade do Criador. O Universo seria o local “em que cada ponto é o centro, e a circunferência está em nenhum”.

Autores iluminados, como Herman Hesse, definem o ser humano como o “andarilho das estrelas”, o “eterno peregrino”. Palavras que tentam explicar a “mônada” (ocidental), de Leibniz, ou o verdadeiro EU, a centelha divina que evolui cumprindo o desejo da vontade que a gerou.

A “mônada” parte do Um indivisível, já parece um não-senso da doutrina oriental, dificilmente decifrável na letra morta das escrituras. Aí é que se requer um salto no abismo da compreensão. Bem por isso, a questão se transfere a uma esfera “eso-terica”, na qual “eso” quer dizer “para poucos”, e “terica” é igual a “teoria” (“estudo”). Uma nítida dissociação da guerra terrestre que é a sobrevivência pagando tributos aos desejos ilusórios. Quando se usa o termo “esotérico”, mais que conceitos abstrusos, se entende um conhecimento que vai além da mera materialidade, um passo além da caverna.

Platão tentou explicar com o Mito da Caverna, e das sombras refletidas em seu fundo, o mundo comezinho das lutas fisiológicas do homem (individualidade pensante), que teima em desconhecer o universo externo, bilhões de vezes maior, mais belo que o esquálido cubículo em que se encontra acorrentado. Existem pessoas que possuem consciência do mundo de fora da caverna. São essas que desanuviam a visão e abrem a janela da intuição, um meio de percepção milhões de vezes mais rápido que a mecânica de uma mente inferior.

Quem mais e quem menos tem direito às suas intuições, momentos fulgurantes e instantâneos que revelam um oceano de verdades. Essas pessoas, na realidade, são raras, capazes de encontrar nos meandros da maior complicação, quando não estão envolvidas pelo interesse material, a fórmula de decifrar enigmas, de desvendar o insolúvel ao simples mortal; já outras personalidades, as mais comuns, como diz o ditado, não enxergam um palmo à frente do nariz.

O desapego funciona para as primeiras como limpador de para-brisa numa chuva de lama. Dissipa as condensações térreas e egoísticas, permite ver as coisas assim como são, e não distorcidas por aquilo que gostaríamos que fossem. O desapego permite a plenitude da intuição. Mas quem é desapegado? Um interesse quase sempre temos.

Não é o desejo do Mal (pior de todos) ou o desejo do Bem (menos mal), mas a falta de desejo que determina o desapego e faz silenciar a mente inferior. Helena Blavatsky escreveu sua obra-prima, “A Voz do Silêncio”, justamente para abreviar a compreensão da circunstância.

No meio dos extremos, o ser Intuitivo, necessariamente desapegado e iluminado, e o ser Obscurecido, normalmente egoísta, apegado, tomado de ansiedades, sobrevivem os graus intermediários, aqueles que, embora sem “vidência”, desenvolveram graus perceptivos intermediários, nem totalmente livres de apegos, e em parte auxiliados pelos conhecimentos e pela capacidade de elaboração mental, intelectualidade.

Os santos católicos, envoltos em auréolas emanando luz, em todos eles se encontra a comunhão com o desapego. Algo que se aproxima da compaixão budista, pregada pelo dalai-lama, sentimento que uma tradução na “neutralidade amorosa”, que compreende a humana desventura, a deixa fluir acompanhada de sentimentos misericordiosos e de amor. O budista não vê a desventura como um episódio negativo, mas necessário para a evolução. Mortifica a matéria e os desejos. Doa a carne dos seus entes falecidos aos abutres para que sirva a eles.

No monastério zen informam ao recém-chegado: “Quem desperdiçar um grão de arroz não entrará no céu (Nirvana)”. Disso, o chela (aluno), ao lavar sua vasilha, bebe a lavagem.


Podemos dizer que a diferença chega de quem desenvolve a compreensão mais elevada (intuitiva), deixa a calculadora mecânica de manivela (década de 50) para usar um chip que instantaneamente realiza qualquer operação matemática. A máquina mecânica desgasta, enferruja, necessita de graxa e consertos periódicos; a digital, além de instantânea, dura para sempre.

Considerando-se as humanas desventuras pelas quais o Brasil passa, notamos que “desapego” está em falta, que dever foi esquecido, que compaixão não é praticada, impossibilitando, assim, que o Bem flua e cumpra sua ação. Entretanto, vale lembrar que o mal não é eterno e serve de lição.

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