quarta-feira, 26 de março de 2025

Pensamento do Dia

 


Gente da bolha

A compreensão torna-se difícil às pessoas das classes mais elevadas, que estão acostumadas a estilos de vida falsos que não envolvem trabalho diário .
Kenzaburo Oe

A extrema direita pagará o custo dos abusos de Trump

Há boas notícias para candidatos, partidos e movimentos da direita radical, a começar pelo fato de que Donald Trump voltou a governar os Estados Unidos. Além disso, a extrema direita segue crescendo eleitoralmente nas grandes democracias das Américas e da Europa. Le Pen, por exemplo, aparece liderando as pesquisas de intenção de voto na França para 2027, enquanto no Chile —que recentemente viveu uma primavera progressista— multiplicam-se agora as candidaturas de extrema direita, inclusive em disputa interna sobre quem é mais radical.

No caso brasileiro, as pesquisas indicam que os que votaram na extrema direita continuam, em grande medida, prontos para repetir esse voto. E todas as esperanças de desradicalização, assim como as promessas de reconciliação nacional, já não existem ou não dão qualquer indício de que possam ser cumpridas. Isso quer dizer, no mínimo, que a ascensão da extrema direita ainda não atingiu seu teto e que há espaço para expansão.


Mas há também uma má notícia para a direita mais radical: Trump, sua principal vitrine, governa os Estados Unidos de uma maneira que desaconselha qualquer um, exceto os fanáticos, a querer ser governado assim.

Trump se elegeu com uma retórica de reação à cultura progressista. Acusações de desrespeito às liberdades de expressão e pensamento e denúncias de tentativas de doutrinação e imposição de valores progressistas à sociedade conservadora foram parte do arsenal ideológico usado nos últimos anos. O que se sabe hoje, a partir dos primeiros meses de governo, é que ele não está enfrentando nem desmantelando o que chamava de obra da ortodoxia progressista, principalmente na forma da política identitária. Faz exatamente o que acusava os outros de fazer, invertendo os sinais.

Faz tempo que passou do ponto: seu governo é autoritário, personalista, revanchista e agora disposto a calar, punir e demolir qualquer dissidência. E não há sinal de que escrúpulos de consciência, decisões judiciais ou respeito à Constituição possam se constituir em obstáculos.

A tentativa de fechar o Departamento de Educação revela uma cruzada ideológica contra o sistema educacional federal. A perseguição a universidades como Columbia, que teve US$ 400 milhões de verbas federais congeladas por abrigar protestos pró-palestinos, mostra como o governo busca silenciar a dissidência usando o financiamento como arma política. Manifestantes foram presos e lideranças estudantis começaram a ser deportadas sem julgamento, como no caso do estudante Khalil Mahmoud. Ao mesmo tempo, o governo pressiona para que centros acadêmicos retirem departamentos inteiros simplesmente por não se alinharem ideologicamente.

Medidas que afetam diretamente acadêmicos e pesquisadores usam critérios absurdos: barram-se pesquisadores por terem criticado o presidente em redes sociais; investigam ou expulsam outros por posições críticas ao governo de Israel ou pró-Palestina. Projetos de pesquisa em áreas como saúde perdem financiamento porque incluem palavras-chave ou hipóteses com termos como "gênero" ou "feminismo". A situação chegou ao limite que a revista The Economist descreve como "uma administração que busca extinguir o iliberalismo esquerdista nos campi com seu próprio iliberalismo conservador".

Mesmo no campo jurídico, avançou o sinal. Trump assinou ordens executivas para proibir contratos com escritórios de advocacia que litigam contra seu governo e ignorou decisões judiciais que bloquearam essas medidas, emitindo novas ordens com o mesmo teor dois dias depois. Quando um juiz federal ordenou a suspensão de deportações com base em lei de 1798, Trump não apenas ignorou a ordem como pediu o impeachment do magistrado, sendo repreendido publicamente pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts.

O governo Trump quer moldar a educação, a imprensa, a burocracia, o sistema judicial e a sociedade civil à sua imagem. Não se trata de corrigir o excesso de poder dos progressistas ou enfrentar o ímpeto censório do dogmatismo woke, mas de substituí-los por conservadores radicais com a mesma lógica de aparelhamento, censura e intimidação.

Com a extrema polarização eleitoral na maioria dos países hoje, as eleições são decididas pelos eleitores moderados ou de centro, que ocasionalmente pendem para um lado ou para o outro. Esse eleitor quer mais pluralismo, menos controle ideológico e mais liberdade para discordar. Quanto mais Trump governar como autocrata, mais o eleitor de centro e o conservador moderado vão repensar seu apoio a candidatos semelhantes em seus países.

Resiliência emocional e cansaço digital: como sobreviver a esta teia?

Vivemos na era da hiperconectividade, onde a informação (não confundir com conhecimento) nunca dorme e as nossas mentes tampouco. A avalanche de notícias, a pressão das redes sociais e a cultura da urgência de estar online minam silenciosamente a nossa resiliência emocional. O resultado? Um cansaço digital que exaure e desafia a capacidade de regular emoções, tomar decisões conscientes e manter uma saúde mental equilibrada.

Este fenómeno surge relacionado com o paradoxo da conectividade: nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão isolados (uns dos outros e do mundo). A tecnologia e, em particular, as redes sociais proporcionam-nos interações instantâneas, acesso ilimitado a informação e a oportunidades de estarmos em rede em qualquer lugar e a qualquer hora. No entanto, esta mesma conectividade pode levar à sobrecarga cognitiva, à superficialidade nos vínculos interpessoais e à ansiedade gerada pela necessidade constante de estar online e atualizado. Não é um facto que a primeira coisa que fazemos quando acordamos é consultar o telemóvel?!

Um dos sintomas mais evidentes deste excesso de informação é o doomscrolling – o hábito de consumir notícias negativas de forma excessivamente continuada. A cada movimento infinito do polegar, alimentamos a nossa fadiga emocional, o que nos acarreta um sentimento de impotência diante do caos do mundo. Além disso, a fadiga de empatia – resultado da exposição constante a crises globais, conflitos e injustiças – deixa-nos emocionalmente esgotados, reduzindo a nossa capacidade de lidar tanto com desafios pessoais, como sociais.


Quer queiramos quer não, este cenário entra-nos casa adentro e afeta diferentes grupos sociais, sendo que os jovens representam um exemplo complexo e alarmante. Os adolescentes e jovens de hoje cresceram na era do WWW e, em consequência, enfrentam desafios emocionais preocupantes. Embora demonstrem compromisso e consciência sobre temas como direitos humanos, diversidade e sustentabilidade, também lidam com a pressão constante de re-agir num mundo digitalizado, onde a comparação social e a procura por aceitação e validação online podem minar a sua autoestima. Além disso, será essa consciência, efetivamente, consciente? Ou uma moda em que se não fizer parte dela, não faz parte de nada?!

No ambiente de trabalho, a cultura do “sempre disponível” agrava ainda mais este intricado cenário. Os novos modelos de trabalho como o home office, as notificações incessantes e a pressão por produtividade e alta performance dissolvem as fronteiras entre vida profissional e pessoal (o tão aclamado work-life balance). Esta disponibilidade sobre-humana é uma fonte geradora de exaustão e dificulta a desconexão necessária para preservar o equilíbrio do nosso software interno, que faz de nós seres humanos.

Para navegar neste mundo altamente dependente das redes, sem sucumbir ao cansaço digital, a inteligência emocional torna-se uma aliada essencial nos nossos frenéticos dia-a-dias. Por exemplo, o desenvolvimento da autoconsciência permite-nos identificar quando a exposição digital pode estar a afetar o nosso bem-estar; por conseguinte, praticar a regulação emocional ajuda-nos a estabelecer limites saudáveis – criar espaços livres de telas, reduzir o consumo de notícias negativas e priorizar interações significativas são estratégias fundamentais.

Claro está que o desafio que se coloca não é rejeitar a tecnologia, mas aprender a usá-la de forma consciente e a favor do nosso desenvolvimento pessoal e emocional. Ao equilibrarmos certas dualidades antagónicas, como “conexão e desconexão”, “urgência e pausa”, “dedicação e descanso”, podemos construir uma relação mais saudável com o mundo digital e, ao mesmo tempo, fortalecer a nossa resiliência emocional.

Em El Salvador, os EUA replicaram e refinaram Guantánamo

A Administração Trump deslocalizou e subcontratou um pesadelo carcerário a El Salvador. É uma nova versão de Guantánamo, a base militar e prisão norte-americana na ilha de Cuba para onde a Administração Bush atirou aqueles que quis privar de direitos humanos elementares durante a sua guerra contra o terrorismo, e que as seguintes administrações democratas não fizeram o suficiente por encerrar de vez. Como em tantas outras frentes, a protelação ou desinteresse democrata no desmantelamento de armadilhas, alçapões e vazios legais ao longo de década e meia deixou agora na mão da segunda Administração Trump um vasto conjunto de ferramentas para a repressão e para a negação de direitos. Em Guantánamo, onde restavam em janeiro apenas 15 detidos da era Bush, cresce agora um novo campo de detenção para imigrantes em situação irregular.

A Casa Branca alega que envia para lá apenas “os piores dos piores” criminosos. Mas, como em tantas outras histórias das últimas semanas, também se multiplicam os alertas sobre inocentes apanhados na rede, porque é o que acontece quando se tenta fazer justiça fora dos tribunais. Permanecem sem contacto com advogados, sem possibilidade de clamar a sua inocência perante um juiz, e sem perspectiva de virem a ser libertados.

Ficou Guantánamo, e fez-se escola. O recurso norte-americano a estes buracos negros, a estes depósitos de vidas humanas em terra de ninguém, é agora replicado e refinado com a colaboração de El Salvador, a quem os EUA pagam para receber os tais “piores dos piores”, ou os suspeitos de o serem. Vale muito a pena ler o trabalho do jornalista norte-americano Philip Holsinger na revista Time para perceber o que é o CECOT, o gigantesco campo de detenção e de trabalhos forçados naquele país centro-americano para onde os EUA passaram a enviar, este mês, sem julgamento, centenas de estrangeiros suspeitos de filiação a grupos criminosos.


Os cerca de 15 mil reclusos do CECOT, entre os salvadorenhos que já lá estavam e os latino-americanos agora deportados dos EUA, vivem 23 horas e 30 minutos por dia fechados em celas, cada uma partilhada com cerca de 80 homens. Dormem amontoados em beliches metálicos de quatro níveis que mais se assemelham a prateleiras de um grande armazém, sem colchão, lençóis ou almofadas. Partilham duas sanitários e duas bacias de água por cela.

Saem apenas para o corredor para trinta minutos diários de exercício físico guiado, e nunca veem o céu. Não podem receber visitas, nem ocupar o tempo com nada que não seja a leitura da Bíblia. Comem apenas arroz, feijão e ovos.

Na noite de dia 15, Holsinger assistiu à chegada de três aviões com 261 homens deportados dos EUA. “Quase todos os detidos apareceram à porta do avião com rostos zangados e de desafio. Foram os seus rostos que me captaram a atenção, porque em poucas horas esses rostos seriam completamente transformados”, escreve. Viu como foram retirados das aeronaves de mãos e pés algemados, como foram pontapeados e esbofeteados, como os despiram e rasparam o cabelo.

Viu um deles chorar e chamar pela mãe. “Ele dizia, ‘não sou membro de nenhuma gangue, sou gay, sou barbeiro’. Acreditei nele. Mas talvez apenas porque ele não se parecia com aquilo que eu esperava – não era nenhum monstro tatuado”, escreve Holsinger.

O homem que chora pela mãe poderá ser Andrys, um venezuelano de 23 anos cuja advogada nos EUA nega que tenha qualquer envolvimento com organizações criminosas. Terá sido visado pelas autoridades norte-americanas pela sua origem e por ter tatuagens incorretamente identificadas como símbolos de pertença ao Tren de Aragua, um gangue venezuelano. Ou Francisco José García Casique, um barbeiro venezuelano reconhecido pela mãe através da televisão. Mas há outros indivíduos cujos advogados e famílias alegam a sua inocência.

“Mais deles começaram a choramingar; os rostos duros que vi no avião tinham-se evaporado. Era como se estivesse a olhar para homens que passaram por uma máquina no tempo. Em duas horas, tinham envelhecido dez anos”, relata Holsinger.

Estas centenas de homens deportados para El Salvador, onde arriscam passar o resto das suas vidas presos e amontoados, a dormir em prateleiras metálicas e a comer mistelas, estão por estes dias no centro de uma mediática batalha entre um juiz federal norte americano, James Boasberg, e a Casa Branca. Foram deportados à revelia do magistrado, que negou à Administração Trump o recurso a uma lei arcaica de 1798, o Alien Enemies Act, para expulsar do país, sem o devido processo legal, estrangeiros suspeitos de serem invasores inimigos.

Boasberg, que enfrenta um pedido de Donald Trump para que o Congresso o afaste, personifica para já a única esperança, ainda que muito remota, de libertação que os eventuais inocentes apanhados na rede e levados para El Salvador têm neste momento. Mas enfrentam um Governo norte-americano que entende que o Presidente tem um poder virtualmente ilimitado de decisão e acção, e que certos cidadãos estrangeiros, ou talvez todos, não usufruem sequer de direitos básicos consagrados pela Constituição.

É certamente difícil empatizar com membros de gangues sanguinários da América Latina, e é plausível que muitos dos homens deportados para El Salvador sejam, efectivamente, criminosos violentos. Só que nunca saberemos se é mesmo esse o caso de todos os deportados, porque os seus processos não foram julgados cabalmente.

E se o Governo nega direitos elementares a cidadãos estrangeiros porque entende que não está obrigado pela Constituição a garanti-los, então há também uma mensagem grave para os próprios norte-americanos: esse Governo só não violará os direitos dos seus cidadãos porque a leitura vigente da Constituição não o permite ainda; não por um imperativo moral que o impeça.

Mostra-o Trump, que na sexta-feira escreveu na sua rede social, a Truth Social: “Mal posso esperar para ver vândalos terroristas doentios levarem com sentenças de 20 anos de cadeia pelo que estão a fazer a Elon Musk e à Tesla. Talvez possam servi-las nas prisões de El Salvador, que recentemente se tornaram famosas pelas suas condições maravilhosas.”

Talvez seja apenas uma piada, esta ideia de enviar também cidadãos norte-americanos para um gulag fora de fronteiras. Ou talvez El Salvador se torne numa das maiores manchas do período histórico cada vez mais extraordinário em que os EUA entraram.

'Austeridade é meio de poder da elite sobre trabalhadores'

A máxima de que um Estado precisa reduzir constantemente suas despesas, independente de estar em crise, ganhou força com a ascensão de governos de ultradireita pelo mundo, como o de Donald Trump, nos EUA, e de Javier Milei, na Argentina, segundo avaliação da economista italiana Clara Mattei.

A professora e diretora do Centro de Economia Heterodoxa (CHE) da Universidade de Tulsa, nos EUA, afirma que tais eleições intensificaram uma tendência global implacável de austeridade, sem justificativas macroeconômicas.

"É uma estratégia vencedora para aqueles que querem manter o status quo, porque a austeridade cria mais xenofobia, mais autoritarismo, e esse autoritarismo só produz mais austeridade", diz.


Segundo ela, mesmo governos de centro-esquerda, como o de Luiz Inácio Lula da Silva, também acabam reféns de uma pressão do capital internacional por cortes de gastos. "Governantes centristas em todo o mundo estão pressionados para fazer políticas semelhantes, talvez menos aceleradas. Eu sei que o governo Lula, por exemplo, está tendo que lidar com a austeridade por causa da pressão da elite econômica e dos investidores do mercado", afirma.

O que é a austeridade autoritária e como isso vem se tornando uma tendência global, mesmo sem novas crises financeiras?

Nosso sistema econômico está mostrando a sua cruzada de repressão econômica sobre a maioria, dado que a austeridade está sendo liderada sem o motivo de uma crise financeira. E isso é muito claro.

Todos os governos de direita, como Trump, nos EUA, ou Milei, na Argentina, estão pressionando pela austeridade. Sabemos que governantes centristas em todo o mundo estão pressionados para fazer políticas semelhantes, talvez menos aceleradas. Eu sei que o governo Lula, por exemplo, está tendo que lidar com a austeridade por causa da pressão da elite econômica e dos investidores do mercado.

Acho que é um momento histórico muito interessante, porque, de certa forma, as desculpas caíram, e agora o que você vê é uma guerra de classes muito clara. No fim das contas, a austeridade serve para preservar o equilíbrio de poder entre a maioria das pessoas trabalhadoras e a elite. Essa elite está capturando quase todos os recursos que são produzidos pela sociedade e mantendo o resto das pessoas em uma forma muito vulnerável e precária de vida.

Essa simbiose de austeridade e autoritarismo se forma em si mesma – no sentido de que, quanto mais austeridade os governos implementam, mais as pessoas acreditam na narrativa de que é o mais fraco que é responsável pelo quadro atual. É uma estratégia vencedora para muitos daqueles que querem manter o status quo, porque a austeridade cria mais xenofobia, mais autoritarismo, e esse autoritarismo só produz mais austeridade.

O retorno de Trump à Casa Branca pode trazer novas ondas de cortes orçamentários e políticas pró-mercado. Na sua visão, quais seriam as principais características da "austeridade autoritária" nesse novo mandato?

Eu acho que alguém como Elon Musk sabe que os trabalhadores podem se organizar e contestar o capitalismo e a relação social pela qual eles são explorados.

É interessante notar como essa administração [o governo Trump] ataca diretamente a área social. Trump quer desmantelar completamente a pequena infraestrutura social que restou após [Joe] Biden, como o Medicaid e o Head Start [dois programas voltados a pessoas de baixa renda, sendo o primeiro de assistência à saúde e o segundo focado na primeira infância].

Acho que é algo parecido com o que vimos na administração [de Jair] Bolsonaro no Brasil: um ataque à infraestrutura para ver o quão rápido ela pode se desmantelar, com a ideia de que, uma vez que ela se desmantela, é muito difícil reconstruir.

Mas isso não significa que o Estado não estará gastando; o Estado estará gastando para apoiar, subsidiar e incentivar a elite.

O que geralmente acontece é que taxam mais o trabalho, a classe trabalhadora, enquanto reduzem taxas sobre o capital, dividendos, propriedade, e lucros corporativos.

Além disso, a austeridade constante espreme os trabalhadores, porque, com uma taxação regressiva, se eles têm que comprar o que antes tinham como direito, isso significa que eles são mais dependentes do mercado e estão também mais dispostos a aceitar qualquer condição de trabalho.

Como essa nova onda de austeridade pode impactar a economia europeia, principalmente em países como a Alemanha, que flexibilizou o limite de endividamento introduzido pelo governo de Angela Merkel em 2009?

Sabemos que os níveis de pobreza estão subindo em toda a Europa. A desigualdade é obscena agora. Na Itália, o número de bilionários no país continua aumentando e, ao mesmo tempo, a pobreza absoluta continua subindo também.

Essa desigualdade não produz futuro para os cidadãos. Ela produz um grande banquete para aqueles que já estão ganhando. A Itália é privatizada e continua a privatizar o máximo possível. Meloni continua cortando os benefícios dos cidadãos, jogando milhares de famílias em pior condição, enquanto ela está dizendo que precisamos nos rearmar.

E isso é algo que nós estamos ouvindo na Alemanha também. A retórica é que nós estamos rearmando, precisamos aumentar nosso setor de defesa, enquanto o custo dele é desmantelar o setor social.

O setor de defesa é o melhor setor para o governo investir, no sentido de que ele não desafia o equilíbrio de classes.

Não é sobre empoderar as pessoas diretamente através de recursos sociais, através do trabalho público, através de uma sensação de participar da economia. Na verdade, é o melhor jeito de estimular os investidores enquanto preservam a total despolitização e a desdemocratização da economia.

No Brasil, a austeridade é frequentemente justificada como necessária ao equilíbrio das contas públicas, mas também resulta em cortes em áreas sociais e aumento da desigualdade. Você vê paralelos entre a "austeridade autoritária" e as políticas econômicas adotadas no Brasil nos últimos anos?

O Brasil tem recursos abundantes. E há formas de o país ter uma produção muito mais sustentável, ecológica e democrática.

Isso deveria ser algo que poderia ser expandido com o apoio do Estado, se o Estado parar de focar em satisfazer os investidores internacionais – que, de qualquer forma, nunca estarão satisfeitos. Porque, de novo, se você fizer austeridade, você vai causar uma recessão que trará sua morte econômica no longo prazo.

Acho que o Brasil é um país típico que, se tivesse coragem política para dizer que persegue uma agenda original, ecológica e democrática, poderia realmente fazer isso. Mas é preciso muita coragem, apoio popular e imaginação política.

Será que o Lula vai conseguir fazer isso? Não sei, eu não acho. Ele está muito dentro desse sistema. E isso só vai acontecer se houver pressão de baixo.

O Estado precisa apoiar atividades que são relacionadas à produção para, finalmente, conseguir uma independência do mercado. Isso não vai acontecer na Europa, acho que a Europa está morta politicamente. Isso precisa acontecer no Sul Global, começando pelo Brasil.