domingo, 16 de dezembro de 2018

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Turquia

Créditos políticos um dia se esgotam

Como técnicos de futebol que ganham campeonatos improváveis ou goleiros que fazem defesas milagrosas e revertem títulos perdidos, presidentes da República em início de mandato têm crédito e capital político a queimar. Mesmo parte dos eleitores que nele não votaram tomam doses de tolerância e ligam o módulo "boa vontade". A vida segue, afinal. A eleição, um dia, tem que acabar. De um modo geral, é mais conveniente que as coisas melhorem, ao invés de piorar continuamente, num pesadelo sem fim.

Jair Bolsonaro é essa espécie de técnico de futebol, ou melhor, presidente da República. É desde sempre um personagem controverso; foi um deputado beirando o folclórico e um candidato a quem as circunstâncias deram a vitória. Mesmo assim, venceu uma eleição improvável e fez a alegria de sua torcida quanto a felicidade de quem detestava seu adversário. Como o goleiro que faz milagres; fechou o gol e, na gíria do futebol antigo, garantiu o bicho.


Portanto, neste momento, tem crédito. Mas, é irresistível chamar Fernando Collor de Mello à memória. O ex-presidente praticou a maior intervenção no domínio econômico que se tem recordação e ainda assim, no dia seguinte à decretação de seu Plano (Collor), houve aceitação geral, em que pese os desespero de quem teve recursos sequestrados pelo governo. No Congresso Nacional, se disse "amém" ao tom imperial do então jovem presidente. O Plano Collor foi aprovado sem resistência e mesmo o Supremo Tribunal Federal se esquivou de julgar a inconstitucionalidade flagrante das medidas.

(Ao seu tempo, Dilma Rousseff teve igualmente momentos de glória: todos a cercavam, chamavam de presidenta, como preferia ser tratada, e apontavam elegância e sabedoria na resoluta (e suposta) faxina que realizava na base política que herdara de Lula)

É isso: no início de relacionamento, quase tudo é relevado e até o abuso é permitido. A popularidade inicial mistura-se à esperança e ambas se transformam em indulgência. Nesse período, o governante sente-se invulnerável. Sobretudo, o governante inexperiente. No auge de sua vaidade, tripudia adversários; com soberba, encara de peito aberto todos os interesses contrariados, sem precaução.

Abre, assim, múltiplas e simultâneas frentes de conflito, sem saber que seus passos são observados; seus erros, anotados e a soma dos ressentimentos que causou é colocada no módulo de espera, no freezer, para será descongelada em banho-maria, quando o tempo passar e a tolerância e a boa vontade se esvaírem. É, a tolerância é elástica, mas como barbante também arrebenta. O bom governo sabe disso e trata de não exceder limites.

***

Jair Bolsonaro passa por seu momento de inebriação. Sua autossuficiência inocente é tão humana quanto errar também é. Vive o melhor momento de seu governo antes de inicia-lo, concretamente. Tudo é mais ou menos festa; depende de sua vontade e as reações ainda não se fazem sentir na força bruta como de fato são. Depois é que virá o temporal.

Naquilo em que não foi obrigado a delegar — como ocorreu na Economia (Paulo Guedes), Justiça (Sérgio Moro) e na Defesa (General Fernando Azevedo e Silva) —, não se fez de rogado e atendeu exclusivamente sua prole e aliados de primeira hora; não contemporizou com o Congresso e nem com a sociedade de um modo geral. Itamaraty, Meio Ambiente, Educação, Direitos Humanos, Secretaria de Governo, Secretaria-Geral e Secretaria de Comunicação foram preenchidos de acordo com seu exclusivo entendimento e compromissos com o grupo mais próximo.

Não se importou se as escolhas que fez podem ou não afetar o comércio e a imagem exterior do Brasil; o futuro da formação e da capacidade produtiva do país, direitos individuais e de grupos que expressam a sociedade moderna e complexa de relações de gênero e orientação sexual secularizadas, relações com o Congresso Nacional, com a mídia e a imprensa tradicional.

Não se pode dizer que tenha enganado quem quer que fosse; o presidente eleito faz ou indica que fará o que prometeu na campanha eleitoral e ao longo de sua vida política. Mesmo assim, age com determinação desabrida, de modo áspero e rude; pouco prudente, às vezes pouco convincente. Nesse clima, constroem-se por si as armadilhas de logo mais à frente.

A princípio, o caso do ex-assessor do filho de Bolsonaro, que segundo o Coaf teria movimentação atípica de recursos, depositando valores — ditos, agora irrisórios — na conta da futura primeira-dama, é o "amendoin" do momento. Uma bobagem, quando tudo ainda é esperança e há crédito. Mas, pode ser também veneno guardado no freezer, esperando que Dalila do tempo corte os cabelos de Sansão.

Isto se deu com o cheque que pagou o Fiat Elba para o uso da família Collor e com as tais "pedaladas" de Dilma Rousseff. Pode não ser nada, mas pode vir a ser alguma coisa a se somar com outras tantas acumuladas no processo, transformada em tormenta no momento mais frio dos invernos que invariavelmente chegam para qualquer governo.

Como técnicos de futebol que perdem jogos ganhos, por pura teimosia ou goleiros que levam frangos por displicência, o crédito político se esvai em coisas assim: tropicões de hoje que serão cobrados como verdadeiros tombos, amanhã. O "timing" do Congresso Nacional é distinto do tempo do Poder Executivo: ao contrário da urgência de um governo na crise, os adversários podem esperar; cantar "não se afobe não, nada é pra já". No freezer, o erro político aguarda na fila o banho-maria; depois é que germina desastre.
Carlos Melo

Muita informação, falsas ideias

Desde Heinrich Heine, a figura histórica do intelectual ganhou importância junto com a esfera pública liberal em sua configuração clássica. No entanto, esta vive de certos pressupostos culturais e sociais inverossímeis, principalmente da existência de um jornalismo desperto, com meios de referência e uma imprensa de massa capaz de despertar o interesse da grande maioria da população para temas relevantes na formação da opinião pública.  
E também da existência de uma população leitora que se interessa por política e tem um bom nível educacional, acostumada ao processo conflitivo de formação de opinião, que reserva um tempo para ler a imprensa independente de qualidade. Hoje em dia, essa infraestrutura não está mais intacta
Jürgen Habermas:

Falsas boas ideias

“Medo: Trump na Casa Branca”, livro de Bob Woodward sobre o caos da administração de Donald Trump no governo dos EUA, que acaba de sair pela editora Todavia, tem trechos que podem ser lidos como peças de humor. E outros, como peças de terror. É um relato do voluntarismo, despreparo e estroinice do chefe de uma nação, capaz de fazer um grande estrago se o deixarem executar o que lhe vem à cabeça. Por sorte, o governo americano tem tantos canais e escaninhos que muitas de suas decisões podem ser anuladas antes de se tornarem realidade.

A que abre o livro já é histórica. Em 2017, Trump ameaçou pôr em risco a paz mundial ao planejar romper um acordo comercial de mais de 60 anos com a Coreia do Sul. E por que não conseguiu fazer isto? Porque gente de dentro da Casa Branca escondeu o rascunho da carta em que ele desfazia o acordo e “esqueceu-o” numa pasta até que Trump esquecesse efetivamente o assunto —o que afinal aconteceu.

“Não se trata de fazer algo pelo país”, disse um assessor, “mas de impedir que ele faça”. Trump tem essa vantagem: como sabe pouco do que fala, muda muito de ideia ou se esquece dela.


Se o Brasil tivesse esses canais e escaninhos, várias tragédias talvez pudessem ter sido evitadas, mesmo no tempo dos militares. O Ato Institucional nº 5, por exemplo. As torturas, as execuções, a bomba no Riocentro. Você dirá que eram atos de uma ditadura, que não precisava dar satisfações a ninguém. Sim, mas mesmo as ditaduras têm correntes internas em conflito —talvez alguém visse a barbaridade daquelas medidas.

Assim como o confisco da poupança por Collor, o mensalão e o petrolão nos governos Lula e Dilma, e até Temer recebendo gente fora da agenda e fora de horas. Ninguém os advertiu de que eram falsas boas ideias?

Agora temos Bolsonaro. Mas imagine se os ocupantes daqueles canais e escaninhos forem seus filhos, ministros e gurus.

O desafio dos direitos humanos

O tema dos direitos humanos, complexo a partir de sua conceituação, permeia há anos o debate público. A rigor, há séculos, desde que a Revolução Francesa os consignou – e os descumpriu.

Foi um dos carros-chefes da eleição de Jair Bolsonaro, que questiona os termos em que a esquerda o formula, e há de acompanhar, em ambiente controverso, o curso de sua gestão, que tem a segurança pública como um de seus eixos.

Há dias, numa entrevista a um canal de televisão, o general Augusto Heleno, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi instado, mais uma vez, a falar sobre ele.

E reiterou seu ponto de vista de que “os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”. O dito se contrapõe à tendência, ainda dominante, de ver na polícia instituição violadora desses direitos, quando, a rigor, tem como missão garanti-los.


A frase do general, que está longe de ser mero jogo de palavras, pressupõe critério e hierarquia na aplicação desses direitos, a cuja plenitude só pode aspirar quem os respeita. Não é o caso dos bandidos, cujo ofício consiste exatamente em violá-los.

Qualquer direito pressupõe uma instância que os garanta – em regra, o Estado, via polícia. O direito humano fundamental é, por óbvio, o de garantir a vida, já que sem ele nenhum outro subsistirá: o da integridade física, o de ir e vir, o de propriedade etc. Quem os viola submete-se (ou pelo menos deveria) aos rigores da lei.

Mas, se, como quer parte dos militantes da causa, esses direitos são indistintamente para todos os humanos, deve-se, antes de mais nada, revogar o Código Penal, que, mediante determinadas práticas, suprime alguns deles, a começar pelo de ir e vir, podendo chegar ao da própria vida, em caso de legítima defesa.

A visão idealizada do bandido, como vítima da sociedade, e uma espécie de revolucionário em estado bruto, levou o Estado brasileiro, sobretudo no período PT, a nele focar prioritariamente sua ação humanitária. A vítima torna-se persona secundária, alguém no lugar errado, na hora errada. Um azarado, sem qualquer glamour.

Criou-se, entre outros direitos, o bolsa-bandido, que garante, aos delinquentes inscritos na Previdência, repasses de pensão à família, além de benesses como o “saidão” (que libera presos em datas festivas para visitas à família); progressão penal (que, por bom comportamento, reduz o tempo de prisão); e, até (caso do Rio de Janeiro), vale-transporte para que familiares dos presos os visitem.

O Estado garante ainda assistência psicológica à família e ao preso. E, como coroamento, há a audiência de custódia, criada pelo ministro Ricardo Lewandowski, quando na presidência do STF.

Ela obriga o policial a levar o preso em flagrante, 24 horas após a prisão, perante um juiz para que avalie o tratamento que recebeu. O réu passa a ser a autoridade coatora, que pode sofrer processo e ser até demitido, e não o infrator, que será liberado caso o juiz, por razões de ordem subjetiva, não considere o ato grave.

O STF professa a tese do desencarceramento para pequenos delitos (sem defini-los), ecoando princípio programático do PT.

Nesses termos, o banditismo prosperou e o Brasil ostenta o título de um dos mais violentos países do mundo, com mais de 60 mil homicídios anuais (contabilizados aí apenas os que morrem no local do crime), que ultrapassa os índices de países em guerra.

Há quem argumente que a leniência do Estado em relação ao crime decorre do desastre humanitário que é o sistema penitenciário, verdadeira sucursal do inferno. Em vez de humanizá-lo, o Estado opta por evitar o aumento de seus habitantes – não combatendo o crime, mas, inversamente, estimulando-o pela impunidade.

Eis um dos maiores – senão o maior – dos desafios do futuro governo Bolsonaro.

Ruy Fabiano

Salada Brasil


Guerra de religião

“A igreja deve governar”, exclamou Damares Alves, nova ministra da Mulher, da Família e Direitos Humanos aos fiéis de sua seita evangélica. Há pouco, bastaria contraditá-la invocando a laicidade estatal. Hoje, face ao regresso político em curso, é preciso examinar as relações entre igreja, partido e governo para redescobrir o valor universal do princípio do Estado laico.

A fé não precisa de uma igreja para se manifestar. As igrejas, como os partidos, são sobre poder. No Ocidente medieval, a Igreja Católica exercia um poder absoluto sobre as sociedades: o papado legitimava os reis. Um paralelo apropriado é com os totalitarismos do século 20: os partidos de Stalin e Hitler identificavam-se com o Estado.

Nas democracias, contudo, partidos e igrejas ocupam lugares radicalmente diferentes. Os primeiros almejam governar; as segundas só podem almejar a liberdade de pregar uma fé.

O partido é a expressão política de uma parte da sociedade que pretende representar, provisoriamente, a sociedade inteira. A meta é atingida por meio do voto majoritário, veículo da soberania popular, que sagra a verdade do partido como verdade geral provisória.

Mas o partido que chega ao governo continua a ser a parte, não o todo, e, por isso, corre o risco de ser apeado na eleição seguinte. A igreja, porém, qualquer que seja ela, define a sua verdade como Verdade eterna —e, por isso, não tem o direito de querer governar.

Os partidos exibem seus programas como soluções melhores para administrar as coisas (a economia, os serviços públicos) nas circunstâncias do presente. As igrejas, por outro lado, pretendem universalizar uma fé, um modo de entender a vida e a morte, um catálogo de preceitos sobre o comportamento dos indivíduos nas esferas pública e privada.

O governo do partido pode ser mudado; o “governo da igreja” é, por definição, imutável. Do ponto de vista da democracia, não existem diferenças essenciais entre Damares e os fundamentalistas islâmicos que governam a Arábia Saudita, o Irã, o Sudão e a Faixa de Gaza.

“Todo o poder aos sovietes!”. A exigência dos antigos comunistas de transferência de “todo o poder” à classe proletária deve ser interpretada: de fato, eles queriam o poder absoluto para seu próprio partido.

Os partidos comunistas proclamavam representar, com exclusividade, a classe trabalhadora. Por esse motivo, quando os bolcheviques chegaram ao poder na Rússia, começaram proibindo os “partidos burgueses”, inimigos da “ditadura do proletariado”, para proibir na sequência os demais partidos que juravam representar os interesses dos trabalhadores.

As igrejas são, sob esse aspecto, muito parecidas com os partidos comunistas. Deriva daí que a elevação de uma igreja ao governo é o que de mais perigoso pode acontecer para a liberdade de religião.

A seita de Damares vê, no cristianismo, a fé verdadeira exclusiva. O seu “governo da igreja” começaria proscrevendo as “religiões demoníacas” (ou seja, todas as não cristãs), mas não pararia por aí.

Tanto quanto as outras, a seita de Damares enxerga a si mesma como a única perfeita tradução da fé cristã. Depois de eliminar as “religiões demoníacas”, seu “governo da igreja” proscreveria as igrejas cristãs concorrentes. Todo o poder para Damares tem, como implicação lógica, a guerra de religião, primeiro contra os “infiéis” e, na sequência, contra os “falsos fiéis”.

No seu organograma de governo, Bolsonaro traçou um círculo em torno de quatro ministérios, criando uma reserva de mercado para o extremismo de direita.

Perto dos ministérios das Relações Exteriores, da Educação e do Meio Ambiente, a pasta de Damares parece um pátio de folguedos infantis entregue a meia dúzia de fundamentalistas cristãos. Engano: o governo que desafia o Estado laico está brincando com fósforo entre tambores de substâncias inflamáveis.

Fora das discussões, que faremos com o clima?

Durante a Conferência do Clima promovida pela ONU na Polônia, membros de mais de mil ONGs se manifestaram, “em tom de piada”, mas também com “duras críticas” (Estado, 6/12), acerca da intenção do Brasil de abandonar o Acordo de Paris, que discute e regula as questões nessa área. O Brasil chegou até a ser laureado pela Climate Action Network com o prêmio “Fóssil do Dia”.

“O que aconteceu com você, Brasil?”, perguntavam os membros da reunião ao saberem que o presidente Bolsonaro indicou que o País pode abandonar os esforços de combate às mudanças climáticas, “que seriam parte de uma trama marxista para transferir o poder para a China”. O Brasil já decidiu também que não vai receber a cúpula do clima no ano que vem. Alegou dois motivos: restrições orçamentárias e a transição para um novo governo eleito, que herdaria o compromisso.

É lamentável. Basta lembrar o relatório da ONU segundo o qual o Acordo de Paris pode salvar 1 milhão de vidas por ano até 2050 (IHU, 11/12) . E impressionantes ganhos na saúde, segundo a OMS: só a poluição do ar por combustíveis fósseis causa 7 milhões de mortes anuais no mundo e custa cerca de US$ 5,11 trilhões, além de afetar o ar limpo, a água potável, alimentos e abrigos seguros.


Como enfrentar tudo isso, sabendo que 2018 está sendo o quarto ano mais quente da História desde 1850, perdendo somente para 2016, 2017 e 2015? E 2019 pode ser ainda mais quente com a provável chegada do El Niño. O teor de calor dos oceanos de janeiro a setembro foi o maior ou o segundo maior e o número de ciclones tropicais, maior do que a média. O gelo marinho no oceano Ártico teve a sua segunda menor extensão máxima.

A Organização Meteorológica Mundial computou os impactos socioeconômicos dos eventos extremos: de 2017 para cá, a fome associada a eventos climáticos afetou 59 milhões de pessoas só na África; no mundo todo, 2 milhões de pessoas dos 17,7 milhões forçados a abandonar suas casas o fizeram por causa de eventos climáticos.

Com o aumento das emissões nas atividades humanas, elas devem chegar este ano a 41,5 bilhões de toneladas, das quais 37,5 bilhões se devem à queima de combustíveis fósseis (as energias renováveis cresceram este ano 15%). O aumento das emissões de carbono fóssil aponta para uma trajetória de aquecimento que já está além de 1,5 grau Celsius. E não bastará apoiar as energias renováveis. È preciso descarbonizar toda a economia, segundo a pesquisadora Corinne Le Quéré, do Centro de Pesquisa Climática da Universidade of East Anglia (Plurale, 11/12).

E esse crescimento nas metas globais de dióxido de carbono (CO2) põe em risco as metas estabelecidas no Acordo de Paris. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), para chegar bem abaixo de 2 graus Celsius as emissões de CO2 devem baixar 20% até 2030 e chegar a zero em torno de 2075. Para limitar o aquecimento a 1,5 grau as emissões devem diminuir até 2030 e chegar a zero por volta de 2050.

O aumento contínuo das emissões globais é muito preocupante, diz a diretora executiva da Future Earth, Amy Luers. “Temos a tecnologia, o conhecimento e a visão de negócio para reduzir nossas emissões exponencialmente. Agora, trata-se de uma opção ganha-ganha. Mas é preciso começar o caminho vencedor” (o uso global de carvão está 3% abaixo do seu pico histórico). Glen Peters, diretor de pesquisa da Cicero, em Oslo, estudioso do tema, enfatiza que, olhando a taxa de crescimento do consumo, que deve ser de 4,7% nas China, conclui-se que não será fácil para esse país mudar de um rumo que siga na mesma trilha nas próximas décadas. A Índia, que responde por 7%das emissões globais, deve continuar com seu crescimento forte (6,3% em 2017), com aumento do uso de petróleo (2,9%), gás (6%) e carvão (7,1%). Na União Europeia, responsável por 10% da emissão global de gases, o último declínio foi de 2,6% para 1,3%, quando vinha baixando 2% ao ano. No resto do mundo, responsável por 42% das emissões, estas devem crescer 1,8% em 2018. Em 19 países (20% das emissões totais), elas caíram sem diminuição do produto interno bruto.

Na verdade, o aumento ou redução das emissões está nas mãos das quatro potências - China, EUA, União Europeia e Índia - que concentram quase 60% do CO2 do planeta. E em todas elas estão previstos fortes aumentos do consumo.

Mas não faltam otimistas, que lembram a redução do consumo a partir de 2013, inclusive com a capacidade instalada de energia renovável dobrando a cada quatro anos. Para esses, as emissões globais devem começar a cair antes de 2020, para permitir que se alcancem os objetivos do Acordo de Paris, de modo a que o aumento da temperatura no fim do século não passe de 1,5 a 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais (o planeta já sofreu aumento de 1 grau).

As emissões brasileiras de gases do efeito estufa (2,07 bilhões de gases carbônicos equivalentes) caíram 2,3% em 2017 , comparadas com o ano anterior (Folha de S.Paulo, 23/11). O principal motivo da queda foi a redução de 12% no desmatamento da Amazônia. O aumento de 11% no desmatamento no Cerrado impediu redução maior. E quase todos os outros setores da economia tiveram aumento nas emissões em 2017, quando o País começou a sair da recessão. A agropecuária responde por 70% das nossas emissões totais - 46% por mudanças no uso da terra e 24% por emissões diretas dos rebanhos.

Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas no Observatório do Clima, destaca (Folha de S.Paulo, 23/11) que as emissões brasileiras de hoje têm volume próximo do de 1990. Depois do agronegócio, transporte e indústria são os setores que mais contribuem para as emissões de gases-estufa. Mas é possível projetar que o Brasil chegue a 2020 perto do limite do cumprimento das metas de redução de emissões - um panorama que pode ser promissor.

Sob as sombra do laranjal dos Bolsonaro

No clima primaveril de diplomação e festejos, o novo governo desabrocha exalando um odor inconfundível de laranja podre, com suspeitas de velhas práticas, esquemas condenáveis e descaso pela verdade a imolar uma gestão que se pretendia, desde o início, incorruptível. A movimentação atípica de uma pequena fortuna por parte do motorista policial Fabrício de Queiroz, amigo dileto, de longa data, dos Bolsonaro, e os depósitos que entravam e saiam de sua conta na mesma velocidade dos pagamentos dos salários da Alerj (a Assembleia Legislativa do Rio), deixam um rastro imenso de dúvidas sobre a lisura das práticas dessa turma. Estaria a dinastia Bolsonaro reeditando a fórmula de um “mensalinho”, usual entre parlamentares que costumam cobrar uma espécie de mesada ou pedágio dos funcionários em cargos comissionados devido ao emprego concedido? Ao menos sete assessores da equipe do então deputado e agora senador eleito, Flávio Bolsonaro, efetuaram transferências para a conta do ex-PM, dublê de motorista Queiroz, que recebia de salário à época a quantia de R$ 8.517 por mês, de toda incompatível com os montantes que passearam por suas mãos. A troco de quê? O Coaf suspeita que essa seja uma movimentação típica de conta de passagem na qual o real destinatário do valor creditado não é o seu titular. Os saques e depósitos em dinheiro vivo, para não deixar rastros, reforçam a hipótese. As operações obedeciam a um padrão: entravam e saíam da conta em intervalos de tempo pequenos, às vezes no mesmo dia. Ao menos 176 saques do motorista titular obedeceram a essa rotina (precedidos de um depósito em espécie de valor em patamar semelhante), 50 deles em quantias acima de R$ 2.000, ao longo do ano de 2016. Não há como evitar os questionamentos. E as respostas, para afastar qualquer ranço de desconfiança de um dízimo ou de um caixa dois em gestação para o partido ou em benefício do parlamentar responsável – no caso, Flávio, digníssimo representante da estirpe Bolsonaro –, deveriam ter vindo de bate pronto. Não vieram. O presidente eleito, depois de um ensurdecedor período em silêncio, apareceu para falar do que entende ser a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Justificou um cheque de Queiroz para a conta de sua mulher, Michelle Bolsonaro, alegando tratar-se de um empréstimo no montante total de R$ 40 mil que ele estava devolvendo em prestações. Queiroz e Bolsonaro pai se conhecem há mais de 40 anos, compartilharam juntos diversos momentos de lazer, desde encontros para churrascos até pescarias, devidamente registrados. E esse vínculo do servidor com a família o colocou na inevitável condição de constranger os futuros detentores do poder em Brasília. Não são apenas os R$ 24 mil depositados na conta da primeira-dama. Nem os alegados R$ 40 mil dados em empréstimo pelo mandatário em pessoa – que, de resto, sequer declarou a quantia ao Fisco. O que dizer dos inúmeros repasses na conta desse assessor, da dinheirama de mais de R$ 1,2 milhão que ele gerenciou com precisão diligente, tal qual um tesoureiro, ao longo de quase um ano? Queiroz saiu estrategicamente dos holofotes para evitar cobranças. De todo modo, seria só ele a ter de prestar esclarecimentos, como pretendem os Bolsonaro irritadiços, que atribuem a revelação do caso a perseguições indevidas da imprensa, do Coaf, da oposição, de forças ocultas e do diabo a quatro? Naturalmente que não. Essa reação – tão igual e previsível entre autoridades costumeiramente flagradas em situações duvidosas – é típica de quem tem dificuldades de passar da condição de atirador de pedras à posição de vidraça. Os Bolsonaro e seus asseclas se portam como senhores da verdade que não devem satisfações a ninguém. Ou, no mínimo, acreditam que o assunto está resolvido, e ponto. O motorista que se vire para explicar. Não é razoável aceitar que alguém tão próximo do clã, que conseguiu pendurar no gabinete de Flávio a mulher e duas filhas, além dele próprio – e colocar uma outra herdeira em um cargo de confiança junto ao mandatário eleito –, reforçando laços de confiança duradoura com os Bolsonaro, tenha operado todo esse esquema de repasses de forma voluntariosa, sozinho e sem conhecimento superior. Queiroz, com rendimentos que jamais justificariam tamanho desprendimento pecuniário, não virou da noite para o dia um exímio financista, capaz de angariar recursos fartos. Naturalmente, é de se supor que agiu com o beneplácito dos chefes, tal qual um laranja, como tantos outros que se prestaram ao papel na putrefata política dessas paragens. O histórico laranjal brasileiro, que serve de fachada aos poderosos, parece não encontrar limites. Como uma praga, brota por todo o lugar, nas diversas vertentes partidárias, sem preconceito ideológico à direita ou à esquerda. Teria, agora, tomado também os novos titulares do Planalto? Essa é a dúvida que precisa ser imediatamente dissipada. Não tem que reagir com raiva ou descaso os senhores do novo time. O futuro chefe da Nação, que foi eleito com a bandeira de moralização da atividade pública, “contra tudo que está aí”, não pode se furtar à missão de deixar tudo às claras, sem respostas pela metade. A imagem do futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, abandonando uma entrevista no meio, esbravejando destemperado diante das câmeras ao ser questionado sobre o tema, mostra a intolerância e inabilidade que ainda grassam com fervor entre os novos ocupantes do Planalto. Não vão terminar bem se insistirem nesse caminho. Carlos José Marques