domingo, 20 de outubro de 2024
Pergunta que não me faço
Se eu sou feliz ou infeliz, eis uma pergunta que não me faço.
A única coisa em que penso sempre com alegria –
é que na grande conta (a conta deles, a que detesto)
com todas as suas cifras, eu não figuro,
como uma unidade entre outras. No total,
eu não fui contado. E essa alegria me basta.
Konstantinos Kaváfis
Cegueira, a pedra no caminho
A cegueira de Israel é agora um dos maiores obstáculos no caminho para acabar com esta guerra terrível e insaciávelGideão Levy, no Haaretz
A maldição americana
Muitos cidadãos americanos se têm interrogado sobre duas questões essenciais. A primeira é por que motivo se tornaram progressivamente tristes. Nos últimos oito anos a depressão galopou tal como as mortes provocadas por drogas, álcool e suicídio. Além disso a percentagem de pessoas que dizem não ter amigos próximos quadruplicou desde 1990.
O grupo populacional dos americanos entre os 25 e os 54 anos que não eram casados ou viviam em união de facto com um parceiro aumentou para 38% em 2019, quando era de 29% em 1990. Um quarto dos cidadãos com 40 anos nunca casou. Mais de metade dos inquiridos sentem-se isolados no mundo e afirmam que ninguém os conhece bem. O número de alunos do ensino secundário que confessam “sentimentos persistentes de tristeza ou desesperança” disparou de 26% em 2009 para 44% em 2021.
Desde o dono do restaurante que tem que expulsar um cliente todas as semanas devido a comportamentos rudes ou cruéis, coisa que nunca aconteceu antes, até à enfermeira-chefe de um hospital que relata que muitos elementos da sua equipa estão a abandonar a profissão porque os pacientes se tornaram abusivos e excessivamente agressivos.
De resto, os crimes de ódio em 2020 apresentaram o nível mais elevado em 12 anos e as taxas de homicídio aumentaram, assim como o comércio das armas de fogo. Como resultado, a perceção de segurança e a confiança social caíram a pique. O ambiente é de ameaça, conspiração, polarização, tiroteios em massa e trauma.
Por outro lado, se no ano 2000, dois terços das famílias americanos encaminharam doações para a caridade, em 2018, menos da metade o fez. Não há dúvida de que se está em presença de algum tipo de crise emocional, relacional e espiritual, que por sua vez sustenta uma disfunção política e uma crise geral da democracia. O que está a acontecer?
As respostas sociológicas para este fenómeno de aumento do ódio, da ansiedade e do desespero são diversas.
Por um lado, temos a tecnologia que justifica que as redes sociais estão a deixar as pessoas enlouquecidas. Do ponto de vista da demografia, os Estados Unidos estão em profunda transformação ao deixar de ser um país dominado por brancos, uma mudança que está a trazer pânico a milhões de americanos brancos. A nível da economia, as profundas desigualdades trouxeram insegurança e deixaram as pessoas com medo, alienadas e pessimistas. E tudo isto terá contribuído para afastar os cidadãos da vida comunitária e promover o isolamento.
A realidade é que as pessoas estão de facto muito mais isoladas, mas porquê? As respostas anteriores não fornecem o quadro completo. As redes sociais estão em todo o mundo, assim como as desigualdades sociais, mas isso não explica tal colapso social e emocional nos EUA. A grande questão é saber o que leva os americanos a optar por estilos de vida que os tornam solitários, tristes, alienados e rudes.
A razão primeira, provavelmente, é que eles estão numa sociedade que perdeu o hábito de tratar os outros com gentileza e consideração. Pelo contrário, hoje qualquer pessoa se sente autorizada a manifestar o seu egoísmo. Uma sociedade coesa e saudável implica uma rede de instituições como famílias, escolas, grupos religiosos, organizações comunitárias e locais de trabalho, que contribuem para a formação de indivíduos como cidadãos gentis e responsáveis. Ou seja, o país está a viver uma fase de decadência moral. David Brooks defendia há tempos, em longo artigo no “The Atlantic”, que a América deixou há muito de investir na formação moral dos seus cidadãos. Talvez tenha razão.
Sejamos honestos. O país desenvolveu nas últimas décadas uma cultura desprovida de verdadeira educação moral, o que levou à emergência de gerações que se encontram a crescer num mundo desarticulado e autorreferencial. E quando assim acontece, vem ao de cima o pior do ser humano.
A verdade é que só faz sentido viver quando o fazemos também em função dos outros.
O grupo populacional dos americanos entre os 25 e os 54 anos que não eram casados ou viviam em união de facto com um parceiro aumentou para 38% em 2019, quando era de 29% em 1990. Um quarto dos cidadãos com 40 anos nunca casou. Mais de metade dos inquiridos sentem-se isolados no mundo e afirmam que ninguém os conhece bem. O número de alunos do ensino secundário que confessam “sentimentos persistentes de tristeza ou desesperança” disparou de 26% em 2009 para 44% em 2021.
A segunda questão é perceber por que razão os cidadãos americanos se tornaram tão insensíveis e antissociais.
Desde o dono do restaurante que tem que expulsar um cliente todas as semanas devido a comportamentos rudes ou cruéis, coisa que nunca aconteceu antes, até à enfermeira-chefe de um hospital que relata que muitos elementos da sua equipa estão a abandonar a profissão porque os pacientes se tornaram abusivos e excessivamente agressivos.
De resto, os crimes de ódio em 2020 apresentaram o nível mais elevado em 12 anos e as taxas de homicídio aumentaram, assim como o comércio das armas de fogo. Como resultado, a perceção de segurança e a confiança social caíram a pique. O ambiente é de ameaça, conspiração, polarização, tiroteios em massa e trauma.
Por outro lado, se no ano 2000, dois terços das famílias americanos encaminharam doações para a caridade, em 2018, menos da metade o fez. Não há dúvida de que se está em presença de algum tipo de crise emocional, relacional e espiritual, que por sua vez sustenta uma disfunção política e uma crise geral da democracia. O que está a acontecer?
As respostas sociológicas para este fenómeno de aumento do ódio, da ansiedade e do desespero são diversas.
Por um lado, temos a tecnologia que justifica que as redes sociais estão a deixar as pessoas enlouquecidas. Do ponto de vista da demografia, os Estados Unidos estão em profunda transformação ao deixar de ser um país dominado por brancos, uma mudança que está a trazer pânico a milhões de americanos brancos. A nível da economia, as profundas desigualdades trouxeram insegurança e deixaram as pessoas com medo, alienadas e pessimistas. E tudo isto terá contribuído para afastar os cidadãos da vida comunitária e promover o isolamento.
A realidade é que as pessoas estão de facto muito mais isoladas, mas porquê? As respostas anteriores não fornecem o quadro completo. As redes sociais estão em todo o mundo, assim como as desigualdades sociais, mas isso não explica tal colapso social e emocional nos EUA. A grande questão é saber o que leva os americanos a optar por estilos de vida que os tornam solitários, tristes, alienados e rudes.
A razão primeira, provavelmente, é que eles estão numa sociedade que perdeu o hábito de tratar os outros com gentileza e consideração. Pelo contrário, hoje qualquer pessoa se sente autorizada a manifestar o seu egoísmo. Uma sociedade coesa e saudável implica uma rede de instituições como famílias, escolas, grupos religiosos, organizações comunitárias e locais de trabalho, que contribuem para a formação de indivíduos como cidadãos gentis e responsáveis. Ou seja, o país está a viver uma fase de decadência moral. David Brooks defendia há tempos, em longo artigo no “The Atlantic”, que a América deixou há muito de investir na formação moral dos seus cidadãos. Talvez tenha razão.
Sejamos honestos. O país desenvolveu nas últimas décadas uma cultura desprovida de verdadeira educação moral, o que levou à emergência de gerações que se encontram a crescer num mundo desarticulado e autorreferencial. E quando assim acontece, vem ao de cima o pior do ser humano.
A verdade é que só faz sentido viver quando o fazemos também em função dos outros.
Para onde caminha a guerra no Oriente Médio — e por que a diplomacia está perdendo
Um ano atrás, chegavam imagens assustadoras do Oriente Médio.
Israel ainda se recuperava do pior ataque sofrido na sua história, mas já realizava bombardeios que devastavam a Faixa de Gaza, em uma completa reviravolta na região.
O conflito entre israelenses e palestinos, praticamente esquecido pelo noticiário há anos, voltou subitamente a invadir as nossas telas. E todos pareciam terem sido tomados de surpresa.
Apenas uma semana antes dos ataques, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, havia dito que a "a região do Oriente Médio" vivia "o seu momento mais tranquilo nas últimas duas décadas."
Um ano se passou e a região está em chamas. Mais de 41 mil palestinos foram mortos e dois milhões de moradores da Faixa de Gaza foram desalojados.
Na Cisjordânia, outros 600 palestinos foram mortos. No Líbano, um milhão de pessoas estão desabrigadas e mais de 2 mil foram mortos.
Mais de 1,2 mil israelenses foram mortos no ataque daquele primeiro dia. Desde então, Israel perdeu 350 soldados na Faixa de Gaza e 200 mil israelenses foram forçados a deixar suas casas perto de Gaza e na sua volátil fronteira com o Líbano, no norte do país. E cerca de 50 soldados e civis foram mortos pelos mísseis lançados pelo Hezbollah.
Em todo o Oriente Médio, outras forças entraram nos combates.
Os Estados Unidos trabalharam incansavelmente para evitar a escalada da crise, com visitas presidenciais, incontáveis missões diplomáticas e o envio de vastos recursos militares. Mas não houve resultados.
Mísseis já foram disparados até de locais distantes de Israel, como o Iraque e o Iêmen. Irã e Israel, dois inimigos mortais também trocaram disparos e é quase certo que outros ataques virão.
A influência de Washington poucas vezes se mostrou tão pequena quanto neste conflito.
À medida que os combates se espalham, suas origens ficam esquecidas.
A vida dos moradores da Faixa de Gaza, antes e depois de 7 de outubro de 2023, quase foi esquecida, com a imprensa antecipando impacientemente uma possível "guerra total" no Oriente Médio. E os israelenses que tiveram suas vidas viradas do avesso naquele dia terrível também se sentem igualmente negligenciados.
"Fomos colocados de lado", queixou-se Yehuda Cohen, pai do refém Nimrod Cohen, à rede israelense Kan News, na semana passada.
Cohen responsabilizou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, por uma "guerra sem sentido que colocou todos os inimigos possíveis contra nós. Ele está fazendo de tudo para transformar o evento de 7 de outubro em um caso sem importância, com grande sucesso."
Nem todos os israelenses concordam com o ponto de vista de Cohen. Hoje, muitos observam os ataques do Hamas de um ano atrás como o prenúncio de uma campanha maior dos inimigos de Israel para destruir o Estado judeu.
A reação de Israel – com a explosão de pagers, assassinatos dirigidos, bombardeios de longo alcance e as operações de inteligência que são, há muito tempo, motivo de orgulho no país – restaurou parte da sua autoconfiança perdida um ano atrás.
"Não existe nenhum lugar no Oriente Médio que Israel não possa alcançar", declarou Netanyahu, confiante, na semana passada.
Os índices de avaliação do primeiro-ministro passaram meses no fundo do poço depois de 7 de outubro. Agora, ele vê sua popularidade crescer novamente. Seria uma licença para novos atos de ousadia?
Onde isso irá parar?
"Nenhum de nós sabe quando a dança irá terminar e onde estarão todos nesse momento", declarou o ex-embaixador britânico no Irã, Simon Grass, ao podcast Today, da BBC, no dia 3 de outubro.
Os Estados Unidos continuam envolvidos, mesmo que a visita a Israel do chefe do Comando Central americano (Centcom), o general Michael Kurilla, pareça mais um ato de gestão de crise do que um estudo de saídas diplomáticas.
A apenas quatro semanas da eleição presidencial americana e com o Oriente Médio politicamente mais tóxico do que nunca, este não parece uma ocasião para novas iniciativas dos Estados Unidos.
O desafio imediato é simplesmente evitar um conflito regional maior.
Existe um consenso entre os aliados de que Israel tem o direito – e até o dever – de responder ao ataque iraniano com mísseis balísticos do início de outubro.
Nenhum israelense foi morto no ataque e o Irã aparentemente tinha como objetivo atingir alvos militares e de inteligência. Ainda assim, Netanyahu prometeu uma resposta enérgica.
Após semanas de surpreendentes vitórias táticas, o primeiro-ministro israelense parece alimentar grandes ambições. Em discurso dirigido ao povo iraniano, ele indicou que Teerã estaria próximo de uma mudança de regime.
"Quando o Irã estiver finalmente livre, e este momento irá chegar muito antes do que as pessoas pensam, tudo será diferente", declarou ele.
Para alguns observadores, sua retórica trouxe desconfortáveis lembranças dos pontos defendidos pelos neoconservadores norte-americanos, durante as preparações para a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003.
Mas, apesar de todos os riscos atuais, ainda existem frágeis mecanismos de proteção.
O regime iraniano talvez sonhe com um mundo sem a existência de Israel, mas eles sabem que o Irã ainda é muito fraco para enfrentar a única superpotência da região – especialmente em um momento em que o Hezbollah e o Hamas, seus aliados e prepostos no chamado "Eixo de Resistência", estão sendo aniquilados.
Israel também gostaria profundamente de se livrar da ameaça imposta pelo Irã, mas o país também sabe que não pode fazer isso sozinho, mesmo com seus sucessos recentes.
A mudança de regime no Irã não está na agenda do presidente Joe Biden, nem da sua vice-presidente, Kamala Harris.
Em relação a Donald Trump, a única vez em que ele se sentiu tentado a atacar o Irã ocorreu em junho de 2019, quando Teerã derrubou um drone de vigilância norte-americano. Mas o ex-presidente desistiu no último momento – embora tenha ordenado o assassinato de um importante general iraniano, Qasem Soleimani, sete meses depois.
Poucas pessoas teriam imaginado, um ano atrás, que o Oriente Médio se encaminhava para o seu momento mais perigoso nas últimas décadas. Mas, olhando pelo mesmo espelho retrovisor da jamanta, os últimos 12 meses parecem ter seguido uma lógica terrível.
Com tantos destroços espalhados pelo caminho e os eventos ainda se desenrolando em velocidades alarmantes, as autoridades e o restante das pessoas continuam lutando para acompanhar a situação.
O conflito na Faixa de Gaza se arrasta para o seu segundo ano e as discussões sobre o "dia seguinte" – como reabilitar e governar a Faixa de Gaza quando os combates finalmente terminarem – simplesmente desapareceram, ofuscadas pelos sobressaltos de uma guerra maior.
Também desapareceu qualquer traço de discussão sobre uma possível resolução do conflito de Israel com os palestinos, que foi o que nos trouxe até aqui.
Em algum momento, quando Israel acreditar que já causou danos suficientes ao Hamas e ao Hezbollah, depois que o Irã e Israel já tiverem deixado claro suas posições (imaginando que suas ações não mergulhem a região em uma crise ainda mais profunda) e quando a eleição presidencial norte-americana estiver decidida, talvez a diplomacia possa ter uma nova chance.
Mas, no momento, este ainda parece ser um objetivo distante.
Israel ainda se recuperava do pior ataque sofrido na sua história, mas já realizava bombardeios que devastavam a Faixa de Gaza, em uma completa reviravolta na região.
O conflito entre israelenses e palestinos, praticamente esquecido pelo noticiário há anos, voltou subitamente a invadir as nossas telas. E todos pareciam terem sido tomados de surpresa.
Apenas uma semana antes dos ataques, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, havia dito que a "a região do Oriente Médio" vivia "o seu momento mais tranquilo nas últimas duas décadas."
Um ano se passou e a região está em chamas. Mais de 41 mil palestinos foram mortos e dois milhões de moradores da Faixa de Gaza foram desalojados.
Na Cisjordânia, outros 600 palestinos foram mortos. No Líbano, um milhão de pessoas estão desabrigadas e mais de 2 mil foram mortos.
Mais de 1,2 mil israelenses foram mortos no ataque daquele primeiro dia. Desde então, Israel perdeu 350 soldados na Faixa de Gaza e 200 mil israelenses foram forçados a deixar suas casas perto de Gaza e na sua volátil fronteira com o Líbano, no norte do país. E cerca de 50 soldados e civis foram mortos pelos mísseis lançados pelo Hezbollah.
Em todo o Oriente Médio, outras forças entraram nos combates.
Os Estados Unidos trabalharam incansavelmente para evitar a escalada da crise, com visitas presidenciais, incontáveis missões diplomáticas e o envio de vastos recursos militares. Mas não houve resultados.
Mísseis já foram disparados até de locais distantes de Israel, como o Iraque e o Iêmen. Irã e Israel, dois inimigos mortais também trocaram disparos e é quase certo que outros ataques virão.
A influência de Washington poucas vezes se mostrou tão pequena quanto neste conflito.
À medida que os combates se espalham, suas origens ficam esquecidas.
A vida dos moradores da Faixa de Gaza, antes e depois de 7 de outubro de 2023, quase foi esquecida, com a imprensa antecipando impacientemente uma possível "guerra total" no Oriente Médio. E os israelenses que tiveram suas vidas viradas do avesso naquele dia terrível também se sentem igualmente negligenciados.
"Fomos colocados de lado", queixou-se Yehuda Cohen, pai do refém Nimrod Cohen, à rede israelense Kan News, na semana passada.
Cohen responsabilizou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, por uma "guerra sem sentido que colocou todos os inimigos possíveis contra nós. Ele está fazendo de tudo para transformar o evento de 7 de outubro em um caso sem importância, com grande sucesso."
Nem todos os israelenses concordam com o ponto de vista de Cohen. Hoje, muitos observam os ataques do Hamas de um ano atrás como o prenúncio de uma campanha maior dos inimigos de Israel para destruir o Estado judeu.
A reação de Israel – com a explosão de pagers, assassinatos dirigidos, bombardeios de longo alcance e as operações de inteligência que são, há muito tempo, motivo de orgulho no país – restaurou parte da sua autoconfiança perdida um ano atrás.
"Não existe nenhum lugar no Oriente Médio que Israel não possa alcançar", declarou Netanyahu, confiante, na semana passada.
Os índices de avaliação do primeiro-ministro passaram meses no fundo do poço depois de 7 de outubro. Agora, ele vê sua popularidade crescer novamente. Seria uma licença para novos atos de ousadia?
Onde isso irá parar?
"Nenhum de nós sabe quando a dança irá terminar e onde estarão todos nesse momento", declarou o ex-embaixador britânico no Irã, Simon Grass, ao podcast Today, da BBC, no dia 3 de outubro.
Os Estados Unidos continuam envolvidos, mesmo que a visita a Israel do chefe do Comando Central americano (Centcom), o general Michael Kurilla, pareça mais um ato de gestão de crise do que um estudo de saídas diplomáticas.
A apenas quatro semanas da eleição presidencial americana e com o Oriente Médio politicamente mais tóxico do que nunca, este não parece uma ocasião para novas iniciativas dos Estados Unidos.
O desafio imediato é simplesmente evitar um conflito regional maior.
Existe um consenso entre os aliados de que Israel tem o direito – e até o dever – de responder ao ataque iraniano com mísseis balísticos do início de outubro.
Nenhum israelense foi morto no ataque e o Irã aparentemente tinha como objetivo atingir alvos militares e de inteligência. Ainda assim, Netanyahu prometeu uma resposta enérgica.
Após semanas de surpreendentes vitórias táticas, o primeiro-ministro israelense parece alimentar grandes ambições. Em discurso dirigido ao povo iraniano, ele indicou que Teerã estaria próximo de uma mudança de regime.
"Quando o Irã estiver finalmente livre, e este momento irá chegar muito antes do que as pessoas pensam, tudo será diferente", declarou ele.
Para alguns observadores, sua retórica trouxe desconfortáveis lembranças dos pontos defendidos pelos neoconservadores norte-americanos, durante as preparações para a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003.
Mas, apesar de todos os riscos atuais, ainda existem frágeis mecanismos de proteção.
O regime iraniano talvez sonhe com um mundo sem a existência de Israel, mas eles sabem que o Irã ainda é muito fraco para enfrentar a única superpotência da região – especialmente em um momento em que o Hezbollah e o Hamas, seus aliados e prepostos no chamado "Eixo de Resistência", estão sendo aniquilados.
Israel também gostaria profundamente de se livrar da ameaça imposta pelo Irã, mas o país também sabe que não pode fazer isso sozinho, mesmo com seus sucessos recentes.
A mudança de regime no Irã não está na agenda do presidente Joe Biden, nem da sua vice-presidente, Kamala Harris.
Em relação a Donald Trump, a única vez em que ele se sentiu tentado a atacar o Irã ocorreu em junho de 2019, quando Teerã derrubou um drone de vigilância norte-americano. Mas o ex-presidente desistiu no último momento – embora tenha ordenado o assassinato de um importante general iraniano, Qasem Soleimani, sete meses depois.
Poucas pessoas teriam imaginado, um ano atrás, que o Oriente Médio se encaminhava para o seu momento mais perigoso nas últimas décadas. Mas, olhando pelo mesmo espelho retrovisor da jamanta, os últimos 12 meses parecem ter seguido uma lógica terrível.
Com tantos destroços espalhados pelo caminho e os eventos ainda se desenrolando em velocidades alarmantes, as autoridades e o restante das pessoas continuam lutando para acompanhar a situação.
O conflito na Faixa de Gaza se arrasta para o seu segundo ano e as discussões sobre o "dia seguinte" – como reabilitar e governar a Faixa de Gaza quando os combates finalmente terminarem – simplesmente desapareceram, ofuscadas pelos sobressaltos de uma guerra maior.
Também desapareceu qualquer traço de discussão sobre uma possível resolução do conflito de Israel com os palestinos, que foi o que nos trouxe até aqui.
Em algum momento, quando Israel acreditar que já causou danos suficientes ao Hamas e ao Hezbollah, depois que o Irã e Israel já tiverem deixado claro suas posições (imaginando que suas ações não mergulhem a região em uma crise ainda mais profunda) e quando a eleição presidencial norte-americana estiver decidida, talvez a diplomacia possa ter uma nova chance.
Mas, no momento, este ainda parece ser um objetivo distante.
Quando o sangue tem nome
A primeira vez que o encontrei terá sido logo após a pandemia, em Barcelona, quando a Friedrich Naumman Foundation me convidou para fazer uma palestra sobre as mulheres na diáspora.
O tema genérico era a forma como os países do Sul encaravam e tratavam a vaga migratória que crescia a cada dia que passava.
O projeto evoluiu e outros momentos foram acontecendo tendo por base sempre uma temática que nos ligava duma forma muito especial dentro do grupo de peritos: os menores que chegavam não acompanhados à Europa e o seu destino, trabalho que nos levou ao seu país natal, Líbano.
Parece ter sido ontem mesmo e já lá vai mais dum ano…
Ibrahim é (até não ter certezas será no presente que o irei mencionar) um cientista social. Daqueles a sério, dos que vão ao terreno, dos que falam com as pessoas, dos que não aceitam ser asséticos, dos que tocam nas pessoas e lhes sorriem, dos que são objetivos, para serem cientistas e empáticos o suficiente para não deixarem de ser totalmente humanos.
Os seus trabalhos, quer em torno das sondagens políticas quer no que à questão da migração dizem respeito, são variados e profundamente fundamentados com números, estatísticas, metodologias, estudos de casos… tudo o que se pede a um académico. Mas por entre a secura dos números vazia que brotasse sempre uma flor para ninguém se esquecesse que se tratava de seres humanos.
Como diz o povo, ao pé dele ninguém consegue estar triste. Ama a vida e não o esconde. Com uma história sempre na ponta da língua (e se tem e sabe histórias e História) anima qualquer reunião formal ou qualquer encontro informal.
Foi ele que me alertou para situação da fronteira síria onde estariam a ser formados meninos soldados à base de kaptagon, a droga sintética fabricada em pequenas aldeias fronteiriças e que confere uma força sobre-humana e uma desinibição animalesca.
A sua voz não era a mesma. Tinha um trago amargo, um vazio emocional que não era dele. Afiançou-me que estava bem e agradeceu-me e à minha família pelo cuidado e preocupação. Pediu-me que não esquecêssemos o Líbano
“ – Acredita, não precisamos de exércitos de máquinas. Já estão a ser criados exércitos de monstros”, dizia-me.
E estabelecíamos estratégias, fazíamos planos, discutíamos como terminar com este horror humano.
Falámos horas sobre o que será destas crianças nascidas e criadas em campos de refugiados, no meio da lei do mais forte.
Falámos e agora este silêncio….
E nem de propósito eis que o telemóvel apita com uma mensagem.
Depois de três dias, um novo assessment sobre o Líbano assinado por Ibrahim Jouharim.
Não consigo descrever o alívio e a alegria de ver aqueles gráficos, aquela análise… O meu amigo estava vivo e foi como se de repente a guerra tivesse acabado.
As novas tecnologias permitiram que o ouvisse e a dor voltou.
A sua voz não era a mesma. Tinha um trago amargo, um vazio emocional que não era dele. Afiançou-me que estava bem e agradeceu-me e à minha família pelo cuidado e preocupação. Pediu-me que não esquecêssemos o Líbano, o belo Líbano.
Como se pudéssemos…
E despedimo-nos com um desanimo. Mútuo.
O sangue derramado naqueles dias de silêncio tinham tido, certamente, um nome para ele. E, quando tal acontece, a guerra torna-se bem mais real.
Yallah a todos os que sofrem uma guerra que tem nomes gravados na dor,
O tema genérico era a forma como os países do Sul encaravam e tratavam a vaga migratória que crescia a cada dia que passava.
O projeto evoluiu e outros momentos foram acontecendo tendo por base sempre uma temática que nos ligava duma forma muito especial dentro do grupo de peritos: os menores que chegavam não acompanhados à Europa e o seu destino, trabalho que nos levou ao seu país natal, Líbano.
Parece ter sido ontem mesmo e já lá vai mais dum ano…
Ibrahim é (até não ter certezas será no presente que o irei mencionar) um cientista social. Daqueles a sério, dos que vão ao terreno, dos que falam com as pessoas, dos que não aceitam ser asséticos, dos que tocam nas pessoas e lhes sorriem, dos que são objetivos, para serem cientistas e empáticos o suficiente para não deixarem de ser totalmente humanos.
Os seus trabalhos, quer em torno das sondagens políticas quer no que à questão da migração dizem respeito, são variados e profundamente fundamentados com números, estatísticas, metodologias, estudos de casos… tudo o que se pede a um académico. Mas por entre a secura dos números vazia que brotasse sempre uma flor para ninguém se esquecesse que se tratava de seres humanos.
Como diz o povo, ao pé dele ninguém consegue estar triste. Ama a vida e não o esconde. Com uma história sempre na ponta da língua (e se tem e sabe histórias e História) anima qualquer reunião formal ou qualquer encontro informal.
Foi ele que me alertou para situação da fronteira síria onde estariam a ser formados meninos soldados à base de kaptagon, a droga sintética fabricada em pequenas aldeias fronteiriças e que confere uma força sobre-humana e uma desinibição animalesca.
A sua voz não era a mesma. Tinha um trago amargo, um vazio emocional que não era dele. Afiançou-me que estava bem e agradeceu-me e à minha família pelo cuidado e preocupação. Pediu-me que não esquecêssemos o Líbano
“ – Acredita, não precisamos de exércitos de máquinas. Já estão a ser criados exércitos de monstros”, dizia-me.
E estabelecíamos estratégias, fazíamos planos, discutíamos como terminar com este horror humano.
Falámos horas sobre o que será destas crianças nascidas e criadas em campos de refugiados, no meio da lei do mais forte.
Falámos e agora este silêncio….
E nem de propósito eis que o telemóvel apita com uma mensagem.
Depois de três dias, um novo assessment sobre o Líbano assinado por Ibrahim Jouharim.
Não consigo descrever o alívio e a alegria de ver aqueles gráficos, aquela análise… O meu amigo estava vivo e foi como se de repente a guerra tivesse acabado.
As novas tecnologias permitiram que o ouvisse e a dor voltou.
A sua voz não era a mesma. Tinha um trago amargo, um vazio emocional que não era dele. Afiançou-me que estava bem e agradeceu-me e à minha família pelo cuidado e preocupação. Pediu-me que não esquecêssemos o Líbano, o belo Líbano.
Como se pudéssemos…
E despedimo-nos com um desanimo. Mútuo.
O sangue derramado naqueles dias de silêncio tinham tido, certamente, um nome para ele. E, quando tal acontece, a guerra torna-se bem mais real.
Yallah a todos os que sofrem uma guerra que tem nomes gravados na dor,
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