sexta-feira, 29 de novembro de 2024
O capitalismo de compadrio está chegando aos EUA
Estamos no final de 2025, e Donald Trump fez o que prometeu: impôs altas tarifas —impostos sobre importações— em produtos vindos do exterior, com tarifas extremamente altas sobre importações da China. Essas tarifas tiveram exatamente o efeito que muitos economistas previram, embora Trump insistisse no contrário: preços mais altos para os compradores americanos.
Digamos que você tenha um negócio que depende de peças importadas —talvez da China, talvez do México, ou de outro lugar. O que você faz?
Bem, a lei comercial dos Estados Unidos dá ao poder executivo ampla discricionariedade na definição de tarifas, incluindo a capacidade de conceder isenções em casos especiais. Então, você solicita uma dessas isenções. Seu pedido será atendido?
Em princípio, a resposta deveria depender de se pagar essas tarifas impõe dificuldades reais e ameaça empregos americanos. Na prática, você pode adivinhar com segurança que outros critérios terão um papel. Quanto dinheiro você contribuiu para os republicanos? Quando você realiza retiros empresariais, eles são em campos de golfe e resorts de Trump?
Não estou especulando à toa aqui. Trump impôs tarifas significativas durante seu primeiro mandato, e muitas empresas solicitaram isenções. Quem as obteve? Uma análise estatística recentemente publicada descobriu que empresas com laços republicanos, medidos por suas contribuições de campanha de 2016, eram significativamente mais propensas (e aquelas com laços democratas menos propensas) a ter suas solicitações aprovadas.
Mas isso foi apenas um ensaio em pequena escala para o que pode estar por vir. Embora ainda não tenhamos detalhes, as propostas de tarifas que Trump apresentou durante a campanha eram muito mais amplas em escopo e, no caso da China, muito mais altas do que qualquer coisa que vimos na primeira vez; o potencial para favoritismo político será uma ordem de magnitude maior.
Pelo que entendo, o termo "capitalismo de compadrio" foi inventado para descrever como as coisas funcionavam nas Filipinas sob a ditadura de Ferdinand Marcos, que governou de 1965 a 1986. Descreve uma economia em que o sucesso nos negócios depende menos de uma boa gestão do que de ter as conexões certas —muitas vezes compradas por meio de favores políticos ou financeiros para aqueles no poder. Na Hungria de Viktor Orban, por exemplo, a Transparência Internacional estima que mais de um quarto da economia é controlado por empresas com laços estreitos com o partido no poder.
Agora é muito provável que o capitalismo de compadrio esteja chegando à América.
Houve muitas análises do provável impacto macroeconômico das tarifas de Trump, que, se forem tão grandes quanto ele sugeriu, serão seriamente inflacionárias. No entanto, pode-se argumentar que sua influência corruptora será, a longo prazo, uma história ainda maior.
Por que as tarifas criam mais potencial para o compadrio do que outros impostos? Porque a forma como operam sob nossas leis oferece muito espaço para a aplicação discricionária. O secretário do Tesouro não pode simplesmente isentar seus amigos dos impostos sobre a renda (embora Andrew Mellon tenha concedido reembolsos altamente questionáveis na década de 1920).
O presidente pode, no entanto, isentar aliados das tarifas. E alguém realmente acredita que a administração Trump será ética demais para fazer isso? O próprio Trump se gabou de sua capacidade de manipular o sistema; ele se gabou de que não pagar sua parte justa dos impostos o torna "esperto".
As tarifas serão o único grande motor potencial do capitalismo de compadrio sob a nova administração? É duvidoso. Se você pensar bem, os planos de deportação de Trump também oferecerão muitas oportunidades para favoritismo.
Alguns dos conselheiros de Trump, notadamente Stephen Miller, parecem imaginar que podem rapidamente purgar a América de imigrantes que entraram ilegalmente nos EUA, reunindo milhões de pessoas e colocando-as em "vastas instalações de detenção". Mesmo que você deixe de lado questões legais, no entanto, isso provavelmente é logisticamente impossível. O que é muito mais provável que vejamos são anos de tentativas de aplicação dispersas, com batidas em várias empresas suspeitas de empregar tais imigrantes.
Mas quais critérios decidirão quais empresas se tornarão alvos prioritários para essas batidas e quais serão deixadas em paz, efetivamente isentas, por anos? O que você acha?
E há mais, é claro. Por exemplo, Trump sugeriu disposição para retirar as licenças de redes de TV que, em sua visão, fornecem cobertura desfavorável.
Se o capitalismo de compadrio está chegando, o que ele fará com a América? Obviamente, será ruim para a democracia, tanto por ajudar a consolidar uma grande vantagem financeira republicana quanto por garantir apoio empresarial vocal a Trump, não importa o quanto suas políticas causem danos. Também enriquecerá Trump e aqueles ao seu redor.
Além disso, um sistema que recompensa empresas com base em suas conexões políticas certamente exercerá um freio no crescimento econômico. Muitas tentativas de explicar o desempenho econômico desastroso da Itália na última geração atribuem o mau desempenho em parte ao compadrio generalizado. Um estudo recente descobriu que regimes populistas, sejam de esquerda ou de direita —regimes que geralmente também são capitalistas de compadrio— tendem a sofrer uma penalidade de crescimento de longo prazo de cerca de 1 ponto percentual a cada ano.
O tempo dirá. As evidências sugerem que as regras para ter sucesso nos negócios americanos estão prestes a mudar, e não de uma maneira boa.
Paul Krugman
Digamos que você tenha um negócio que depende de peças importadas —talvez da China, talvez do México, ou de outro lugar. O que você faz?
Bem, a lei comercial dos Estados Unidos dá ao poder executivo ampla discricionariedade na definição de tarifas, incluindo a capacidade de conceder isenções em casos especiais. Então, você solicita uma dessas isenções. Seu pedido será atendido?
Em princípio, a resposta deveria depender de se pagar essas tarifas impõe dificuldades reais e ameaça empregos americanos. Na prática, você pode adivinhar com segurança que outros critérios terão um papel. Quanto dinheiro você contribuiu para os republicanos? Quando você realiza retiros empresariais, eles são em campos de golfe e resorts de Trump?
Não estou especulando à toa aqui. Trump impôs tarifas significativas durante seu primeiro mandato, e muitas empresas solicitaram isenções. Quem as obteve? Uma análise estatística recentemente publicada descobriu que empresas com laços republicanos, medidos por suas contribuições de campanha de 2016, eram significativamente mais propensas (e aquelas com laços democratas menos propensas) a ter suas solicitações aprovadas.
Mas isso foi apenas um ensaio em pequena escala para o que pode estar por vir. Embora ainda não tenhamos detalhes, as propostas de tarifas que Trump apresentou durante a campanha eram muito mais amplas em escopo e, no caso da China, muito mais altas do que qualquer coisa que vimos na primeira vez; o potencial para favoritismo político será uma ordem de magnitude maior.
Pelo que entendo, o termo "capitalismo de compadrio" foi inventado para descrever como as coisas funcionavam nas Filipinas sob a ditadura de Ferdinand Marcos, que governou de 1965 a 1986. Descreve uma economia em que o sucesso nos negócios depende menos de uma boa gestão do que de ter as conexões certas —muitas vezes compradas por meio de favores políticos ou financeiros para aqueles no poder. Na Hungria de Viktor Orban, por exemplo, a Transparência Internacional estima que mais de um quarto da economia é controlado por empresas com laços estreitos com o partido no poder.
Agora é muito provável que o capitalismo de compadrio esteja chegando à América.
Houve muitas análises do provável impacto macroeconômico das tarifas de Trump, que, se forem tão grandes quanto ele sugeriu, serão seriamente inflacionárias. No entanto, pode-se argumentar que sua influência corruptora será, a longo prazo, uma história ainda maior.
Por que as tarifas criam mais potencial para o compadrio do que outros impostos? Porque a forma como operam sob nossas leis oferece muito espaço para a aplicação discricionária. O secretário do Tesouro não pode simplesmente isentar seus amigos dos impostos sobre a renda (embora Andrew Mellon tenha concedido reembolsos altamente questionáveis na década de 1920).
O presidente pode, no entanto, isentar aliados das tarifas. E alguém realmente acredita que a administração Trump será ética demais para fazer isso? O próprio Trump se gabou de sua capacidade de manipular o sistema; ele se gabou de que não pagar sua parte justa dos impostos o torna "esperto".
As tarifas serão o único grande motor potencial do capitalismo de compadrio sob a nova administração? É duvidoso. Se você pensar bem, os planos de deportação de Trump também oferecerão muitas oportunidades para favoritismo.
Alguns dos conselheiros de Trump, notadamente Stephen Miller, parecem imaginar que podem rapidamente purgar a América de imigrantes que entraram ilegalmente nos EUA, reunindo milhões de pessoas e colocando-as em "vastas instalações de detenção". Mesmo que você deixe de lado questões legais, no entanto, isso provavelmente é logisticamente impossível. O que é muito mais provável que vejamos são anos de tentativas de aplicação dispersas, com batidas em várias empresas suspeitas de empregar tais imigrantes.
Mas quais critérios decidirão quais empresas se tornarão alvos prioritários para essas batidas e quais serão deixadas em paz, efetivamente isentas, por anos? O que você acha?
E há mais, é claro. Por exemplo, Trump sugeriu disposição para retirar as licenças de redes de TV que, em sua visão, fornecem cobertura desfavorável.
Se o capitalismo de compadrio está chegando, o que ele fará com a América? Obviamente, será ruim para a democracia, tanto por ajudar a consolidar uma grande vantagem financeira republicana quanto por garantir apoio empresarial vocal a Trump, não importa o quanto suas políticas causem danos. Também enriquecerá Trump e aqueles ao seu redor.
Além disso, um sistema que recompensa empresas com base em suas conexões políticas certamente exercerá um freio no crescimento econômico. Muitas tentativas de explicar o desempenho econômico desastroso da Itália na última geração atribuem o mau desempenho em parte ao compadrio generalizado. Um estudo recente descobriu que regimes populistas, sejam de esquerda ou de direita —regimes que geralmente também são capitalistas de compadrio— tendem a sofrer uma penalidade de crescimento de longo prazo de cerca de 1 ponto percentual a cada ano.
O tempo dirá. As evidências sugerem que as regras para ter sucesso nos negócios americanos estão prestes a mudar, e não de uma maneira boa.
Paul Krugman
Leitura entre o caos
O fotógrafo argentino Eduardo Soteras recebeu o prêmio Foto do Ano da UNICEF ao registrar duas crianças se refugiando entre livros numa biblioteca escolar destruída na região do Tigray, na Etiópia. Soteras tem documentado a situação das crianças no norte da Etiópia desde 2020
Kianush Sanjari matou-se para escrevermos sobre isto
Escrevo este texto porque, ao ler sobre a morte do jornalista iraniano Kianush Sanjari, senti que era essa a sua vontade: que alguém escrevesse sobre Fatemeh Sepehri, Nasrin Shakarami, Toomaj Salehi e Arsham Rezaei.
Poucos sabem quem eles são. Até Sanjari se suicidar, eu só conhecia um, o rapper Salehi.
No dia 13 de manhã, Sanjari escreveu nas redes sociais que iria matar-se se até às 19h os quatro prisioneiros políticos não fossem libertados. Às 19h, sem notícias de qualquer libertação, publicou uma fotografia tirada da cobertura de um centro comercial no centro de Teerão e atirou-se.
Escrevo sabendo que de nada serve. Ainda assim, aqui vai.
Fatemeh Sepehri, 60 anos, é uma activista política e defensora dos direitos das mulheres. Em 2004, viúva há 20 anos, licenciou-se em Administração de Empresas pela Universidade Ferdowsi de Mashhad. Após as eleições iranianas de 2009, o “movimento verde” e os meses de protestos, tornou-se ativista. Um irmão, Mohammad Hossein Sepehri, assinou a célebre Carta dos 14 Ativistas Políticos, em 2019, no 10.º aniversário das eleições de 2009, que pede democracia no país e a demissão do ayatollah. Os dois irmãos estão presos.
Sepehri foi detida a primeira vez em setembro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, contra a morte de Mahsa Amini e o uso obrigatório do véu religioso. Passou 30 dias no Ministério da Informação, onde foi submetida a interrogatórios, e a seguir foi para a prisão de Vakilabad.
Em janeiro de 2023, um tribunal condenou-a a um ano de prisão e uma multa de 20 milhões de tomans por “espalhar falsidades, perturbar a opinião pública através de atividades nos meios de comunicação social e presença em meios de comunicação fora do Irã”, diz a Comissão dos EUA para a Liberdade Internacional Religiosa.
Este verão, Sepehri foi condenada a mais 18 anos e meio de prisão depois de ter feito esta declaração pública: “Condeno o ataque do Hamas a Israel e digo em voz alta que a nação iraniana apoia a nação israelense. A República Islâmica e os seus agentes gastam a riqueza do Irã para comprar balas e atacar Israel. Nós, o povo do Irã, não queremos a guerra nem a matança de pessoas indefesas. Condeno mais uma vez o ataque do Hamas. Desde a ascensão ao poder de Ali Khamenei e a fundação da República Islâmica, o Médio Oriente não tem visto paz.” O Tribunal Revolucionário de Mashhad condenou-a na segunda sessão do julgamento por “propaganda contra o regime”, “colaboração com governos estrangeiros hostis”, “insulto aos ayatollahs Ruhollah Khomeini e Ali Khamenei” e “reunião e conluio contra a segurança nacional”.
No ano passado, Sepehri, muito doente, foi hospitalizada. Tem diabetes e hipertensão. Foi operada do coração e, uma semana depois, reenviada para a prisão. Em outubro, foi hospitalizada de novo. Diz a agência americana que ter-lhe-ão sido “negados os cuidados médicos adequados”.
Nasrin Shakarami, presa em 2024
Nasrin Shakarami é a mãe de Nika Shakarami, de 16 anos, morta a 20 de setembro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, quatro dias depois da morte de Masha Amini.
Nika destacou-se da multidão ao subir em um contentor de lixo no Parque de Laleh, em Teerã, com um lenço a arder e o cabelo descoberto.
Nove dias depois, a mãe soube que estava morta. Pediu explicações e o governo disse-lhe que Nika se tinha suicidado e que a morte não tinha nada que ver com os protestos. Mas quando foi identificar o corpo à morgue, a mãe notou que as mãos, pés e o tronco da filha não tinham qualquer sinal de violência e que a cara, ossos faciais, dentes e cabeça estavam partidos, e o crânio tinha uma contusão tão grande que estava amolgado.
Um mês depois, a televisão estatal CCTV transmitiu uma “reportagem” na qual apresentou a teoria do suicídio, mostrando imagens de um suposto vídeo que teria sido captado por uma câmara de vigilância onde se vê uma rapariga parecida com Nika a entrar no prédio de onde ela teria saltado. A mãe diz que não tem dúvida de que aquela não é a sua filha e mesmo quem que não conheceu Nika consegue ver que as raparigas são diferentes.
Pouco depois, a unidade de investigação da BBC recebeu um documento classificado como “altamente secreto”, seis páginas de um dossier de 350 sobre os protestos de 2022, que incluem entrevistas às forças policiais e militares que prenderam Nika e que estavam na carrinha onde a adolescente terá sido morta.
O relatório secreto, diz a BBC, revela “uma versão muito diferente das razões que levaram à sua morte e dos homens envolvidos”. A BBC dedicou “meses a verificar a autenticidade” do documento com “múltiplas fontes independentes”. Nika Shakarami terá sido morta dentro do carro das forças policiais a caminho da prisão, depois de um ato de abuso sexual. Um dos homens terá metido as mãos dentro das suas calças, a rapariga gritou e insultou-o, ele bateu-lhe na cabeça com muita violência e Nika morreu. Sem saberem o que fazer, com a adolescente morta no carro, os guardas ligaram às chefias, que lhes disseram para abandonarem o corpo numa rua.
Desde cedo que Nasrin Shakarami acusa publicamente as autoridades de terem assassinado a sua filha. Foi presa há pouco tempo.
Toomaj Salehi, condenado a prisão perpétua
Foi também em outubro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, que Toomaj Salehi, um rapper de 33 anos, foi detido por causa das suas canções a criticar o regime. Foi acusado de “espalhar corrupção na Terra” e condenado à morte pelo Tribunal Revolucionário de Isfahan.
Em 2021, o Irã executou 853 pessoas e, em 2022, 600. Salehi passou um ano na prisão e foi libertado sob caução em 2023. Mas em maio deste ano publicou um vídeo nas redes sociais no qual revelava pormenores sobre a sua prisão: foi “severamente torturado”, ficou com “ossos partidos”, “lesões oculares” e “dentes partidos”. Injetaram-lhe alguma coisa no pescoço que, disse-lhe outro preso, era adrenalina, para que se mantivesse consciente e sentisse o máximo de dor. Disse também que tinha sido posto em isolamento durante 252 dias seguidos e privado de cuidados médicos vitais.
No vídeo, o rapper amigo do cineasta Jafar Panahi conta que essa foi a quarta vez que foi preso. Nas vezes anteriores, por causa de canções a criticar o regime e a pedir liberdade e democracia. Logo a seguir ao vídeo, o músico foi preso outra vez. A pena de morte terá sido alterada para prisão perpétua.
Arsham Rezaei, preso em 2023
Este outubro, o Tribunal de Apelação de Teerã manteve a sentença de 50 chicotadas e uma multa de 16 milhões de tomans a Arsham Rezaei, preso na famosa prisão de Evin desde o ano passado. As novas acusações decorrem de um caso iniciado durante a sua prisão.
Em agosto de 2023, Rezaei publicou um vídeo no Instagram onde conta que 12 agentes do Governo tocaram à porta da casa da sua mãe. Identificando-se como “funcionários do departamento de eletricidade”, invadiram a casa e confiscaram todos os seus documentos e cartões bancários. Foi preso dois meses depois. Em 2018, foi julgado no Tribunal Revolucionário de Teerã sem a presença de um advogado de defesa e condenado a uma pena suspensa de oito anos e seis meses sob a acusação de “propaganda contra o sistema”, “reunião e conluio com a intenção de agir contra a segurança nacional” e de “insultar os líderes” do país.
Não sei que razões levaram Sanjari a escolher estes quatro presos políticos. Há centenas de presos políticos no Irão, muitos deles jornalistas.
Sei que Sanjari foi preso, libertado, que conseguiu fugir do país e em 2008 chegou aos EUA, onde recebeu o estatuto de exilado político. Até 2016, trabalhou como jornalista para o serviço de notícias em farsi da rádio e agência de notícias Voice of America, ao mesmo tempo que fazia trabalho de pesquisa em organizações de direitos humanos. Em 2016, a mãe ficou doente e Sanjari voltou para o Irã. Os amigos dizem que acreditou que já ninguém se lembraria dele, tantos anos depois. Mas foi preso e condenado a 11 anos de prisão, dos quais cumpriu cinco.
Agora, antes de saltar, escreveu no X: “Ninguém devia ser preso por exprimir as suas opiniões. Protestar é o direito de cada cidadão iraniano.”
Poucos sabem quem eles são. Até Sanjari se suicidar, eu só conhecia um, o rapper Salehi.
No dia 13 de manhã, Sanjari escreveu nas redes sociais que iria matar-se se até às 19h os quatro prisioneiros políticos não fossem libertados. Às 19h, sem notícias de qualquer libertação, publicou uma fotografia tirada da cobertura de um centro comercial no centro de Teerão e atirou-se.
Escrevo sabendo que de nada serve. Ainda assim, aqui vai.
Fatemeh Sepehri, 60 anos, é uma activista política e defensora dos direitos das mulheres. Em 2004, viúva há 20 anos, licenciou-se em Administração de Empresas pela Universidade Ferdowsi de Mashhad. Após as eleições iranianas de 2009, o “movimento verde” e os meses de protestos, tornou-se ativista. Um irmão, Mohammad Hossein Sepehri, assinou a célebre Carta dos 14 Ativistas Políticos, em 2019, no 10.º aniversário das eleições de 2009, que pede democracia no país e a demissão do ayatollah. Os dois irmãos estão presos.
Sepehri foi detida a primeira vez em setembro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, contra a morte de Mahsa Amini e o uso obrigatório do véu religioso. Passou 30 dias no Ministério da Informação, onde foi submetida a interrogatórios, e a seguir foi para a prisão de Vakilabad.
Em janeiro de 2023, um tribunal condenou-a a um ano de prisão e uma multa de 20 milhões de tomans por “espalhar falsidades, perturbar a opinião pública através de atividades nos meios de comunicação social e presença em meios de comunicação fora do Irã”, diz a Comissão dos EUA para a Liberdade Internacional Religiosa.
Este verão, Sepehri foi condenada a mais 18 anos e meio de prisão depois de ter feito esta declaração pública: “Condeno o ataque do Hamas a Israel e digo em voz alta que a nação iraniana apoia a nação israelense. A República Islâmica e os seus agentes gastam a riqueza do Irã para comprar balas e atacar Israel. Nós, o povo do Irã, não queremos a guerra nem a matança de pessoas indefesas. Condeno mais uma vez o ataque do Hamas. Desde a ascensão ao poder de Ali Khamenei e a fundação da República Islâmica, o Médio Oriente não tem visto paz.” O Tribunal Revolucionário de Mashhad condenou-a na segunda sessão do julgamento por “propaganda contra o regime”, “colaboração com governos estrangeiros hostis”, “insulto aos ayatollahs Ruhollah Khomeini e Ali Khamenei” e “reunião e conluio contra a segurança nacional”.
No ano passado, Sepehri, muito doente, foi hospitalizada. Tem diabetes e hipertensão. Foi operada do coração e, uma semana depois, reenviada para a prisão. Em outubro, foi hospitalizada de novo. Diz a agência americana que ter-lhe-ão sido “negados os cuidados médicos adequados”.
Nasrin Shakarami, presa em 2024
Nika destacou-se da multidão ao subir em um contentor de lixo no Parque de Laleh, em Teerã, com um lenço a arder e o cabelo descoberto.
Nove dias depois, a mãe soube que estava morta. Pediu explicações e o governo disse-lhe que Nika se tinha suicidado e que a morte não tinha nada que ver com os protestos. Mas quando foi identificar o corpo à morgue, a mãe notou que as mãos, pés e o tronco da filha não tinham qualquer sinal de violência e que a cara, ossos faciais, dentes e cabeça estavam partidos, e o crânio tinha uma contusão tão grande que estava amolgado.
Um mês depois, a televisão estatal CCTV transmitiu uma “reportagem” na qual apresentou a teoria do suicídio, mostrando imagens de um suposto vídeo que teria sido captado por uma câmara de vigilância onde se vê uma rapariga parecida com Nika a entrar no prédio de onde ela teria saltado. A mãe diz que não tem dúvida de que aquela não é a sua filha e mesmo quem que não conheceu Nika consegue ver que as raparigas são diferentes.
Pouco depois, a unidade de investigação da BBC recebeu um documento classificado como “altamente secreto”, seis páginas de um dossier de 350 sobre os protestos de 2022, que incluem entrevistas às forças policiais e militares que prenderam Nika e que estavam na carrinha onde a adolescente terá sido morta.
O relatório secreto, diz a BBC, revela “uma versão muito diferente das razões que levaram à sua morte e dos homens envolvidos”. A BBC dedicou “meses a verificar a autenticidade” do documento com “múltiplas fontes independentes”. Nika Shakarami terá sido morta dentro do carro das forças policiais a caminho da prisão, depois de um ato de abuso sexual. Um dos homens terá metido as mãos dentro das suas calças, a rapariga gritou e insultou-o, ele bateu-lhe na cabeça com muita violência e Nika morreu. Sem saberem o que fazer, com a adolescente morta no carro, os guardas ligaram às chefias, que lhes disseram para abandonarem o corpo numa rua.
Desde cedo que Nasrin Shakarami acusa publicamente as autoridades de terem assassinado a sua filha. Foi presa há pouco tempo.
Toomaj Salehi, condenado a prisão perpétua
Foi também em outubro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, que Toomaj Salehi, um rapper de 33 anos, foi detido por causa das suas canções a criticar o regime. Foi acusado de “espalhar corrupção na Terra” e condenado à morte pelo Tribunal Revolucionário de Isfahan.
Em 2021, o Irã executou 853 pessoas e, em 2022, 600. Salehi passou um ano na prisão e foi libertado sob caução em 2023. Mas em maio deste ano publicou um vídeo nas redes sociais no qual revelava pormenores sobre a sua prisão: foi “severamente torturado”, ficou com “ossos partidos”, “lesões oculares” e “dentes partidos”. Injetaram-lhe alguma coisa no pescoço que, disse-lhe outro preso, era adrenalina, para que se mantivesse consciente e sentisse o máximo de dor. Disse também que tinha sido posto em isolamento durante 252 dias seguidos e privado de cuidados médicos vitais.
No vídeo, o rapper amigo do cineasta Jafar Panahi conta que essa foi a quarta vez que foi preso. Nas vezes anteriores, por causa de canções a criticar o regime e a pedir liberdade e democracia. Logo a seguir ao vídeo, o músico foi preso outra vez. A pena de morte terá sido alterada para prisão perpétua.
Arsham Rezaei, preso em 2023
Este outubro, o Tribunal de Apelação de Teerã manteve a sentença de 50 chicotadas e uma multa de 16 milhões de tomans a Arsham Rezaei, preso na famosa prisão de Evin desde o ano passado. As novas acusações decorrem de um caso iniciado durante a sua prisão.
Preso por agentes de inteligência do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, Rezaei foi condenado em dezembro a 15 anos de prisão. A sua condenação foi decidida num processo conjunto no qual o juiz terá condenado 11 presos políticos a 95 anos de cadeia. É talvez a sétima ou oitava vez que o ativista é preso.
Em agosto de 2023, Rezaei publicou um vídeo no Instagram onde conta que 12 agentes do Governo tocaram à porta da casa da sua mãe. Identificando-se como “funcionários do departamento de eletricidade”, invadiram a casa e confiscaram todos os seus documentos e cartões bancários. Foi preso dois meses depois. Em 2018, foi julgado no Tribunal Revolucionário de Teerã sem a presença de um advogado de defesa e condenado a uma pena suspensa de oito anos e seis meses sob a acusação de “propaganda contra o sistema”, “reunião e conluio com a intenção de agir contra a segurança nacional” e de “insultar os líderes” do país.
Não sei que razões levaram Sanjari a escolher estes quatro presos políticos. Há centenas de presos políticos no Irão, muitos deles jornalistas.
Sei que Sanjari foi preso, libertado, que conseguiu fugir do país e em 2008 chegou aos EUA, onde recebeu o estatuto de exilado político. Até 2016, trabalhou como jornalista para o serviço de notícias em farsi da rádio e agência de notícias Voice of America, ao mesmo tempo que fazia trabalho de pesquisa em organizações de direitos humanos. Em 2016, a mãe ficou doente e Sanjari voltou para o Irã. Os amigos dizem que acreditou que já ninguém se lembraria dele, tantos anos depois. Mas foi preso e condenado a 11 anos de prisão, dos quais cumpriu cinco.
Agora, antes de saltar, escreveu no X: “Ninguém devia ser preso por exprimir as suas opiniões. Protestar é o direito de cada cidadão iraniano.”
Muita calma nesta hora da vida brasileira
Duas dúvidas rondam a cena política do Brasil: se Jair Bolsonaro (PL) vai ser preso é uma. A outra diz respeito à possibilidade de o país caminhar para um ambiente de concertação e civilidade na convivência político-institucional.
Guardadas as devidas proporções inerentes às duas conjunturas, algo parecido aconteceu no Brasil nos anos 1980, quando a pressão da sociedade dentro dos meios legais e a união das forças políticas em torno de um objetivo comum permitiram a transição da ditadura militar para o regime democrático.
A primeira pergunta posta acima permeia o universo da política, mas objetivamente só poderá ser respondida pela Justiça. Ela tem a última palavra. Portanto, isso não será resolvido por obra do afã das torcidas nem em decorrência das redes sociais.
O segundo questionamento depende das partes em conflito se mostrarem dispostas e capacitadas a fazer o que foi feito lá se vão mais de 40 anos, numa transição negociada, cujos antagonistas precisaram cada qual dar sua parcela de concessões.
Ativistas da luta armada hoje reconhecem que erraram na escolha de métodos extremos para combater o arbítrio instalado no Brasil a partir de 1964. Os golpistas da época tiveram êxito, o que lhes permitiu reagir com capturas, torturas, matanças, censura e toda sorte de opressões.
Tudo ficou legalmente perdoado, mas não esquecido sob a luz da realidade histórica. Perdurou a sensação de dívida em aberto. Isso levou a uma desconfiança permanente em relação à firmeza do compromisso das Forças Armadas de guardarem distância da política e de submissão ao poder civil.
A suspeita de que havia subversão incubada mostrou-se fundamentada na conspiração levada a cabo no governo Bolsonaro e agora desvendada pela Polícia Federal mediante investigações com responsabilizações que certamente virão, estas sim nos limites da Constituição.
A preservação do império da legalidade aconselha fortemente a superação do ambiente polarizado sob o qual vivemos há anos. A vontade retórica frequenta discursos, mas não se materializa em ações efetivas de que os polos oponentes estejam dispostos a retirar os dedos do gatilho em prol do apaziguamento de ânimos.
Isso depende de fatores que não estão em cena. Os adversários seguem sendo vistos como inimigos, as palavras sendo ditadas pela hostilidade exacerbada, a intolerância com a diferença de opiniões está presente e os conflitos normais postos como desejo de aniquilação dos contrários. Tudo isso incita à violência.
A atmosfera radicalizada é terreno fértil para defensores de rupturas. Os tais rebeldes "antissistema" se criam nesse tipo de solo. E quem pretende combatê-los com o uso das mesmas moedas, ainda que retóricas, fomentam a dinâmica do atrito.
Desrespeitam, assim, as balizas da política, que é a arte de construir convergências preservadas as divergências das visões de mundo. Na democracia não cabem as hegemonias absolutas. Alcançá-las parece ser o intuito de grupos que pretendem prevalecer sobre as demais correntes de pensamento.
Esse mundo de harmonia entre opositores é possível? Prova de que não é uma utopia vem de ser dada na recente eleição presidencial no Uruguai. Venceu a esquerda, substituindo a direita que antes havia sido vencida num ciclo de alternância em que não se considerou a vitória do adversário uma tragédia nem se fez da violação das leis uma profissão de fé eleitoral.
Segundo o chanceler uruguaio, Omar Paganini, isso se deve a solidez do sistema partidário que interdita a ação de aventureiros. Tem a ver, sobretudo, com a lição deixada por 11 anos de ditadura (1973-1984) sobre o valor da estabilidade democrática como bem a ser preservado em nome da sobrevivência de todos.
Guardadas as devidas proporções inerentes às duas conjunturas, algo parecido aconteceu no Brasil nos anos 1980, quando a pressão da sociedade dentro dos meios legais e a união das forças políticas em torno de um objetivo comum permitiram a transição da ditadura militar para o regime democrático.
A primeira pergunta posta acima permeia o universo da política, mas objetivamente só poderá ser respondida pela Justiça. Ela tem a última palavra. Portanto, isso não será resolvido por obra do afã das torcidas nem em decorrência das redes sociais.
O segundo questionamento depende das partes em conflito se mostrarem dispostas e capacitadas a fazer o que foi feito lá se vão mais de 40 anos, numa transição negociada, cujos antagonistas precisaram cada qual dar sua parcela de concessões.
Ativistas da luta armada hoje reconhecem que erraram na escolha de métodos extremos para combater o arbítrio instalado no Brasil a partir de 1964. Os golpistas da época tiveram êxito, o que lhes permitiu reagir com capturas, torturas, matanças, censura e toda sorte de opressões.
Tudo ficou legalmente perdoado, mas não esquecido sob a luz da realidade histórica. Perdurou a sensação de dívida em aberto. Isso levou a uma desconfiança permanente em relação à firmeza do compromisso das Forças Armadas de guardarem distância da política e de submissão ao poder civil.
A suspeita de que havia subversão incubada mostrou-se fundamentada na conspiração levada a cabo no governo Bolsonaro e agora desvendada pela Polícia Federal mediante investigações com responsabilizações que certamente virão, estas sim nos limites da Constituição.
A preservação do império da legalidade aconselha fortemente a superação do ambiente polarizado sob o qual vivemos há anos. A vontade retórica frequenta discursos, mas não se materializa em ações efetivas de que os polos oponentes estejam dispostos a retirar os dedos do gatilho em prol do apaziguamento de ânimos.
Isso depende de fatores que não estão em cena. Os adversários seguem sendo vistos como inimigos, as palavras sendo ditadas pela hostilidade exacerbada, a intolerância com a diferença de opiniões está presente e os conflitos normais postos como desejo de aniquilação dos contrários. Tudo isso incita à violência.
A atmosfera radicalizada é terreno fértil para defensores de rupturas. Os tais rebeldes "antissistema" se criam nesse tipo de solo. E quem pretende combatê-los com o uso das mesmas moedas, ainda que retóricas, fomentam a dinâmica do atrito.
Desrespeitam, assim, as balizas da política, que é a arte de construir convergências preservadas as divergências das visões de mundo. Na democracia não cabem as hegemonias absolutas. Alcançá-las parece ser o intuito de grupos que pretendem prevalecer sobre as demais correntes de pensamento.
Esse mundo de harmonia entre opositores é possível? Prova de que não é uma utopia vem de ser dada na recente eleição presidencial no Uruguai. Venceu a esquerda, substituindo a direita que antes havia sido vencida num ciclo de alternância em que não se considerou a vitória do adversário uma tragédia nem se fez da violação das leis uma profissão de fé eleitoral.
Segundo o chanceler uruguaio, Omar Paganini, isso se deve a solidez do sistema partidário que interdita a ação de aventureiros. Tem a ver, sobretudo, com a lição deixada por 11 anos de ditadura (1973-1984) sobre o valor da estabilidade democrática como bem a ser preservado em nome da sobrevivência de todos.
As falas da rataria
Deus está chocado. A Pátria e a Família, então, nem se fala. Pois não é que justo aqueles que vivem falando em Seus nomes demonstraram que, ao querer passar os adversários na bazuca, no punhal e no veneno, estão pouco ligando para os valores que os ditos Deus, Pátria e Família defendem? Deus, a Pátria e a Família se referem aos áudios descobertos outro dia, que mostram generais espumando de patriotismo e pregando ódio e ranger de dentes.
E que gente grosseira e desbocada, meu Deus! Se é assim que eles conversam em família ou nas igrejas que frequentam, eu não gostaria de vislumbrar meus sobrinhos ou os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, ao alcance de tanta boca suja. Para eles, palavrão é vírgula. Duvida?
"O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta!" "Kid Preto, porra, por favor, o senhor tem que dar uma forçada de barra com o Alto Comando, cara. Tá na cara que houve fraude, porra. Não dá mais pra gente aguentar essa porra. Tá foda! Tá foda!" "Vai agora esperar virar uma Venezuela para virar o jogo, cara? Democrata é o cacete! Não tem que ser democrata mais agora. Acabou o jogo, pô!" "O presidente tem que fazer uma reunião com o petit comitê. Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião. Tem que ser a rataria!"
Ah, está explicado. Eles são a rataria, a turma abaixo da linha da ética. Mas Deus, a Pátria e a Família se perguntam: foi isso que aprenderam nos cursos que fizeram no quartel e lhes renderam aquelas chapinhas no peito? E o mais inacreditável vem agora: "Olha, general", diz um da rataria, "eu sou capaz de morrer, cara, pelo meu país, sabia? Pelo meu presidente, cara. Eu não consigo vislumbrar, né, meus sobrinhos, né, os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, vivendo sob o julgo [sic] desse vagabundo [Lula]. Aprendi na caserna a honrar o meu presidente [Bolsonaro]. E eu tô pronto a morrer por isso".
Deus, que é Onisciente, avisa: "Vá devagar, meu rato. O ratão por quem você se dispõe a morrer vai te deixar na rua assim que as coisas apertarem para ele".
E que gente grosseira e desbocada, meu Deus! Se é assim que eles conversam em família ou nas igrejas que frequentam, eu não gostaria de vislumbrar meus sobrinhos ou os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, ao alcance de tanta boca suja. Para eles, palavrão é vírgula. Duvida?
"O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta!" "Kid Preto, porra, por favor, o senhor tem que dar uma forçada de barra com o Alto Comando, cara. Tá na cara que houve fraude, porra. Não dá mais pra gente aguentar essa porra. Tá foda! Tá foda!" "Vai agora esperar virar uma Venezuela para virar o jogo, cara? Democrata é o cacete! Não tem que ser democrata mais agora. Acabou o jogo, pô!" "O presidente tem que fazer uma reunião com o petit comitê. Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião. Tem que ser a rataria!"
Ah, está explicado. Eles são a rataria, a turma abaixo da linha da ética. Mas Deus, a Pátria e a Família se perguntam: foi isso que aprenderam nos cursos que fizeram no quartel e lhes renderam aquelas chapinhas no peito? E o mais inacreditável vem agora: "Olha, general", diz um da rataria, "eu sou capaz de morrer, cara, pelo meu país, sabia? Pelo meu presidente, cara. Eu não consigo vislumbrar, né, meus sobrinhos, né, os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, vivendo sob o julgo [sic] desse vagabundo [Lula]. Aprendi na caserna a honrar o meu presidente [Bolsonaro]. E eu tô pronto a morrer por isso".
Deus, que é Onisciente, avisa: "Vá devagar, meu rato. O ratão por quem você se dispõe a morrer vai te deixar na rua assim que as coisas apertarem para ele".
O golpe durou o governo inteiro
Não foi um governo. Foi uma conspiração que durou um mandato. Começou em 2019 e a arma inicial foi a mentira. Durante todos os quatro anos a mentira foi usada como método. O objetivo era sedimentar a ideia, por repetição, de que o sistema eleitoral era fraudado e, assim, minar a confiança na democracia. A partir daí seus atos pareceriam legítimos. Os desdobramentos foram sendo escritos mas eram previsíveis. Cercar-se de militares, cortejar as Forças Armadas, especialmente o “meu Exército”.
Escolher alvos que seriam atacados tanto pelo então presidente da República, quanto pela milícia digital para o desmonte institucional. Por fim levar seguidores para Brasília, produzir o “clamor popular de 64”.
O relatório da Polícia Federal ajuda a entender a força da mentira. “O grupo investigado criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação”, diz a PF, no início do documento. E isso começou com Bolsonaro dizendo que houve fraude na eleição que ele ganhou. “O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade”, para depois “ser utilizada como fundamento dos atos”.
Foi para isso que se criou a milícia digital, o gabinete do ódio. Não era apenas para hostilizar as pessoas que eles consideravam inimigos. A milícia escolheu alvos e os atacou por quatro anos. Mas o principal era o sistema eleitoral. “ Os produtores de dados falsos difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva” a ideia de que houve fraude em 2018 e haveria em 2022.
“Por mais inverossímil que possa parecer” ela foi repetida para atingir o “público alvo”. E por que repetir tanto? “A repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação.” Para completar, “os investigados fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público alvo”.
A rede da mentira era o pilar de tudo o que se seguiu depois. A trama se espalhou em núcleos e propósitos. Tudo sob o comando do beneficiário maior: Jair Bolsonaro, o homem que sempre sonhou com uma nova ditadura. O governo passou a funcionar em torno disso.
A Abin de Alexandre Ramagem não fazia inteligência de Estado. Ajudava na fabricação de mentiras. O GSI, do notório general Heleno, remanescente da linha dura do governo militar, também. Chefe da Casa Civil, depois ministro da Defesa, Braga Netto era o lugar-tenente do conspirador em chefe. Foi usado como peça chave, em 2021, quando Bolsonaro demitiu o Ministro da Defesa Fernando Azevedo e todos os comandantes. Ali, Bolsonaro achou que havia dado o golpe de mestre, escolhendo os que levariam as tropas.
O plano falhou. Há várias razões. Mas veja que, se o general Braga Netto tivesse permanecido ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira é que estaria no comando do Exército. O general Paulo Sérgio não só participou, como convocou uma reunião com os comandantes no dia 14 de dezembro para mostrar a minuta do golpe. Numa instituição baseada na hierarquia, o que aconteceria se o comandante do Exército dissesse sim?
No dia 5 de março, eu contei na minha coluna que os depoimentos dos ex-comandantes Freire Gomes e Baptista Jr haviam implicado diretamente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Disse que também Paulo Sérgio havia mostrado a minuta aos comandantes.
“É depoimento, mas está comprovado pela apreensão que foi feita”, me disse minha fonte na época. Contei que o general e o brigadeiro deram detalhes que preencheram lacunas. “E as peças foram se encaixando, como num quebra-cabeças”, me disse a fonte.
O relatório da PF é um imenso quebra-cabeças em que tudo se encaixa. Há provas robustas. Falas recuperadas, documentos apreendidos, reuniões gravadas, captura da presença dos indiciados nos locais e horas dos eventos. Além do decreto do golpe, em várias versões, havia o plano homicida “Punhal Verde e Amarelo”, a estrutura do gabinete de gestão de crise e a minuta 142. Os golpistas redigiram, discutiram, guardaram cópias e a Polícia Federal encontrou.
A ordem de Braga Netto para que a milícia digital atacasse Freire Gomes e Batista Jr. mostra como a mentira era uma arma. Os golpistas queriam neutralizar os obstáculos. Até o dia em que “neutralizar” significava matar. A mentira foi a primeira pedra no tabuleiro do horror que Bolsonaro e seus ajudantes tentaram impor ao país.
Escolher alvos que seriam atacados tanto pelo então presidente da República, quanto pela milícia digital para o desmonte institucional. Por fim levar seguidores para Brasília, produzir o “clamor popular de 64”.
O relatório da Polícia Federal ajuda a entender a força da mentira. “O grupo investigado criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação”, diz a PF, no início do documento. E isso começou com Bolsonaro dizendo que houve fraude na eleição que ele ganhou. “O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade”, para depois “ser utilizada como fundamento dos atos”.
Foi para isso que se criou a milícia digital, o gabinete do ódio. Não era apenas para hostilizar as pessoas que eles consideravam inimigos. A milícia escolheu alvos e os atacou por quatro anos. Mas o principal era o sistema eleitoral. “ Os produtores de dados falsos difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva” a ideia de que houve fraude em 2018 e haveria em 2022.
“Por mais inverossímil que possa parecer” ela foi repetida para atingir o “público alvo”. E por que repetir tanto? “A repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação.” Para completar, “os investigados fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público alvo”.
A rede da mentira era o pilar de tudo o que se seguiu depois. A trama se espalhou em núcleos e propósitos. Tudo sob o comando do beneficiário maior: Jair Bolsonaro, o homem que sempre sonhou com uma nova ditadura. O governo passou a funcionar em torno disso.
A Abin de Alexandre Ramagem não fazia inteligência de Estado. Ajudava na fabricação de mentiras. O GSI, do notório general Heleno, remanescente da linha dura do governo militar, também. Chefe da Casa Civil, depois ministro da Defesa, Braga Netto era o lugar-tenente do conspirador em chefe. Foi usado como peça chave, em 2021, quando Bolsonaro demitiu o Ministro da Defesa Fernando Azevedo e todos os comandantes. Ali, Bolsonaro achou que havia dado o golpe de mestre, escolhendo os que levariam as tropas.
O plano falhou. Há várias razões. Mas veja que, se o general Braga Netto tivesse permanecido ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira é que estaria no comando do Exército. O general Paulo Sérgio não só participou, como convocou uma reunião com os comandantes no dia 14 de dezembro para mostrar a minuta do golpe. Numa instituição baseada na hierarquia, o que aconteceria se o comandante do Exército dissesse sim?
No dia 5 de março, eu contei na minha coluna que os depoimentos dos ex-comandantes Freire Gomes e Baptista Jr haviam implicado diretamente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Disse que também Paulo Sérgio havia mostrado a minuta aos comandantes.
“É depoimento, mas está comprovado pela apreensão que foi feita”, me disse minha fonte na época. Contei que o general e o brigadeiro deram detalhes que preencheram lacunas. “E as peças foram se encaixando, como num quebra-cabeças”, me disse a fonte.
O relatório da PF é um imenso quebra-cabeças em que tudo se encaixa. Há provas robustas. Falas recuperadas, documentos apreendidos, reuniões gravadas, captura da presença dos indiciados nos locais e horas dos eventos. Além do decreto do golpe, em várias versões, havia o plano homicida “Punhal Verde e Amarelo”, a estrutura do gabinete de gestão de crise e a minuta 142. Os golpistas redigiram, discutiram, guardaram cópias e a Polícia Federal encontrou.
A ordem de Braga Netto para que a milícia digital atacasse Freire Gomes e Batista Jr. mostra como a mentira era uma arma. Os golpistas queriam neutralizar os obstáculos. Até o dia em que “neutralizar” significava matar. A mentira foi a primeira pedra no tabuleiro do horror que Bolsonaro e seus ajudantes tentaram impor ao país.
Bolsonaro apela a Lula e Alexandre de Moraes para não ser punido
Depois de governar quatro anos só pensando em dar um golpe de Estado, de jogar os brasileiros contra a Justiça, de lançar a descrença sobre o processo eleitoral e de apelar aos militares para que abolissem a democracia, o que Bolsonaro, agora, propõe?
A pacificação do país. Sim, uma anistia para todos os golpistas, inclusive ele. Seria o caso de lhe perguntar: “Se o golpe tivesse sido aplicado, haveria anistia para os presos pelo novo regime e indenização para as famílias dos que foram mortos?”
Nós, jornalistas, não parecemos interessados em fazer as perguntas certas a Bolsonaro, nem a contestá-lo face a face. O que mais nos interessa é arrancar dele declarações, se possível originais e bombásticas, para esquentar o noticiário e atrair mais likes.
A minuta do golpe de dezembro de 2022 teve três ou mais versões. Em uma delas, revisada pelo próprio Bolsonaro, estava previsto o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em nenhuma das versões falava-se em pacificar o país. Com receio de ser preso a qualquer momento, ou o mais tardar depois de julgado e condenado, Bolsonaro passou a clamar por uma anistia ampla, geral e irrestrita, e quanto mais rápida melhor. Diz
– Para pacificar o Brasil, alguém tem que ceder. Quem? Alexandre de Moraes. Em 1979, foi anistiada gente que matou, soltou bomba, sequestrou, roubou. Agora, se tivesse uma palavra do Lula ou do Alexandre no tocante à anistia, estaria tudo resolvido.
Bolsonaro esqueceu que a ditadura militar de 64 matou, soltou bomba, sequestrou, roubou e torturou à vontade. E que a anistia de 1979, que permitiu a volta dos exilados, perdoou todos os chamados “crimes de sangue” cometidos pelos militares.
Até outro dia, Bolsonaro negava que tivesse conversado com comandantes militares sobre a possibilidade de golpe. Ele jamais faria algo “fora das quatro linhas da Constituição”. Ontem, admitiu ter conversado sobre “artigos da Constituição”. Mas para quê?
Ele respondeu vagamente, sem que que lhe cobrassem precisão: “[…] para voltar a discutir o processo eleitoral. Mas a ideia logo foi abandonada”. Por que discutir o processo eleitoral se ele fôra concluído e o presidente eleito diplomado pela justiça?
A auditoria encomendada pelo Partido Liberal de Bolsonaro encontrou provas ou vestígios de fraude no processo eleitoral? Não encontrou. E a auditoria encomendada por Bolsonaro ao Ministério da Defesa encontrou provas ou vestígios? Também não.
Ora, então por que diabos, Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula, reuniu-se dezenas de vezes com militares e civis que defendiam um golpe de Estado e viajou em seguida aos Estados Unidos para não passar o comando do país ao seu sucessor?
De volta ao início: porque ele governou – ou desgovernou o país – só pensando em dar um golpe. Se fosse reeleito, daria um golpe por dentro corroendo as instituições e mudando as leis com a ajuda de um Congresso comprado com dinheiro.
Se derrotado no voto, permaneceria no poder com o apoio das Forças Armadas. A maioria dos 16 generais do Alto Comando do Exército foi contra o golpe. A totalidade dos generais, porém, assistiu sem se mexer à tentativa de golpe em 8 de janeiro.
Na noite daquele dia, quando um destacamento da Polícia Militar foi prender os golpistas acampados à porta do QG do Exército, o general Júlio César de Arruda, comandante do Exército, mobilizou sua tropa e não deixou. A prisão só ocorreu no dia seguinte.
Muitos dos acampados aproveitaram a madrugada para fugir – entre eles, dezenas de parentes de militares.
A pacificação do país. Sim, uma anistia para todos os golpistas, inclusive ele. Seria o caso de lhe perguntar: “Se o golpe tivesse sido aplicado, haveria anistia para os presos pelo novo regime e indenização para as famílias dos que foram mortos?”
Nós, jornalistas, não parecemos interessados em fazer as perguntas certas a Bolsonaro, nem a contestá-lo face a face. O que mais nos interessa é arrancar dele declarações, se possível originais e bombásticas, para esquentar o noticiário e atrair mais likes.
A minuta do golpe de dezembro de 2022 teve três ou mais versões. Em uma delas, revisada pelo próprio Bolsonaro, estava previsto o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em nenhuma das versões falava-se em pacificar o país. Com receio de ser preso a qualquer momento, ou o mais tardar depois de julgado e condenado, Bolsonaro passou a clamar por uma anistia ampla, geral e irrestrita, e quanto mais rápida melhor. Diz
– Para pacificar o Brasil, alguém tem que ceder. Quem? Alexandre de Moraes. Em 1979, foi anistiada gente que matou, soltou bomba, sequestrou, roubou. Agora, se tivesse uma palavra do Lula ou do Alexandre no tocante à anistia, estaria tudo resolvido.
Bolsonaro esqueceu que a ditadura militar de 64 matou, soltou bomba, sequestrou, roubou e torturou à vontade. E que a anistia de 1979, que permitiu a volta dos exilados, perdoou todos os chamados “crimes de sangue” cometidos pelos militares.
Até outro dia, Bolsonaro negava que tivesse conversado com comandantes militares sobre a possibilidade de golpe. Ele jamais faria algo “fora das quatro linhas da Constituição”. Ontem, admitiu ter conversado sobre “artigos da Constituição”. Mas para quê?
Ele respondeu vagamente, sem que que lhe cobrassem precisão: “[…] para voltar a discutir o processo eleitoral. Mas a ideia logo foi abandonada”. Por que discutir o processo eleitoral se ele fôra concluído e o presidente eleito diplomado pela justiça?
A auditoria encomendada pelo Partido Liberal de Bolsonaro encontrou provas ou vestígios de fraude no processo eleitoral? Não encontrou. E a auditoria encomendada por Bolsonaro ao Ministério da Defesa encontrou provas ou vestígios? Também não.
Ora, então por que diabos, Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula, reuniu-se dezenas de vezes com militares e civis que defendiam um golpe de Estado e viajou em seguida aos Estados Unidos para não passar o comando do país ao seu sucessor?
De volta ao início: porque ele governou – ou desgovernou o país – só pensando em dar um golpe. Se fosse reeleito, daria um golpe por dentro corroendo as instituições e mudando as leis com a ajuda de um Congresso comprado com dinheiro.
Se derrotado no voto, permaneceria no poder com o apoio das Forças Armadas. A maioria dos 16 generais do Alto Comando do Exército foi contra o golpe. A totalidade dos generais, porém, assistiu sem se mexer à tentativa de golpe em 8 de janeiro.
Na noite daquele dia, quando um destacamento da Polícia Militar foi prender os golpistas acampados à porta do QG do Exército, o general Júlio César de Arruda, comandante do Exército, mobilizou sua tropa e não deixou. A prisão só ocorreu no dia seguinte.
Muitos dos acampados aproveitaram a madrugada para fugir – entre eles, dezenas de parentes de militares.
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