Os comandos militares não atendem ao convite à intervenção consentida. Este é o modelo reclamado nos domingueiros e violentos piqueniques golpistas da Praça dos Três Poderes. As manifestações, animadas pelo presidente, sua família e amigos, descomprometidos com a civilidade, alimentam falsa tensão política.
Desviam, com crueldade, o foco da dura e letal realidade da pandemia que mata brasileiros e brasileiras. Até que ponto não passa de blefe o compromisso incondicional da força militar que o presidente propaga?
Os escalões profissionais das Forças pretendem manter-se no papel constitucional que cumprem, à risca, há décadas. Para o que pretende Bolsonaro, aí está o problema.
Por enquanto, ainda não se cansaram de redigir notas reafirmando a observância rigorosa das atribuições constitucionais. É um texto esperado, que surge sempre em seguida às manifestações de que participa o presidente, à frente de um grupo de fanáticos. Assim, de ameaça em ameaça, e explicação em explicação, o suspense é mantido. Por mais que se reúnam com Bolsonaro nas vésperas dos atos extremistas, permitindo-lhe mostrar força, os militares não parecem dispostos ao papel de algozes da democracia.
Reforça o enredo do terror o fato de terem quadros e indicações para todas as funções. Hamilton Mourão, Braga Neto e Fernando Azevedo constituem praticamente uma “junta” natural. Luiz Eduardo Ramos, da ativa, é regra três para assumir o comando da tropa, em substituição a Edson Leal Pujol. Apesar do seu veemente desmentido, a notícia de que daria a rasteira já havia cumprido seu objetivo de confundir. Em evidente relevância aos temores lançados nos comícios em que paira a ameaça de intervenção militar. Tudo se encaixa, nada é por acaso. Se a interpretação é exagerada, o que significam as insinuações de Bolsonaro de que dispõe dos militares para o que der e vier?
Selecionemos duas hipóteses de explicação adequadas à conduta do presidente. Numa, é possível concluir que os militares são vítimas e estão sendo provocados para aceitarem se engajar nas esquisitices do governo. Embora não estejam dispostos a tudo, não têm meios para reagir às pressões públicas de Bolsonaro.
Como resistem, ficam na mira. De quem? Do Gabinete do Ódio, o operador oficial, de dentro do Palácio, desse tipo de enredo. Atua sempre sob o comando do filho vereador e do professor virtual que, de Richmond, tutela o governo, em Brasília.
Bem-sucedido, o grupo já conseguiu, para ficar apenas no tema em questão, demitir Santos Cruz, abalar Hamilton Mourão, denegrir Rocha Paiva (melancia), irritar Villas Boas, e iniciar, agora, uma guerra contra Pujol. Acham que ele não atua politicamente e não coloca sua tropa a serviço do interesse do governo. Confiam que, se não conseguirem arrastar o comandante para o embate político, pelo menos promovem a divisão, pois consideram os escalões intermediários já engajados na dialética presidencial. Provocar a cizânia na tropa é o pior dos ataques a um comando militar.
Uma segunda hipótese, de significado também realista, mostra o presidente atormentado por inquéritos que o colocam, bem como a sua família, no alvo da incursão em crime. Ameaçado, ele ameaça.
E o que acossa Bolsonaro são, sobretudo, as investigações em três frentes: as das fake news, cujo aprofundamento pode retroagir a sua eleição; a dos gabinetes parlamentares controlados pela família e suas conexões, no Rio; e a das denúncias do ex-ministro Sérgio Moro.
De assombrado, Bolsonaro partiu para cima e virou assombração.