terça-feira, 19 de abril de 2016

Cunha bate escanteio para Renen Cabecear a cabeca de dilma bola de futebol goleiro lula

Foi ruim? Pode piorar

Quem se chocou com as cenas da votação na Câmara, pode ter certeza de que só viu as cenas mais suaves. Governo e Congresso são prisioneiros de uma crise de legitimidade

Ganharam os historiadores. Terminaram a semana com fartura de material sobre o anacronismo dos métodos de se fazer política no Brasil. Quem se chocou com a votação da Câmara, pode guardar a certeza de que só assistiu às cenas mais suaves.

São duas as razões para as sucessivas evocações a Deus, na votação que deflagrou a destituição do governo Dilma. Primeiro, Ele nunca reclama. Segundo, todos sabem que é o único sem qualquer culpa nessa história.

A retórica chula, às vezes ressentida, predominante no microfone da Câmara, continha uma mensagem objetiva sobre o estado de decomposição das relações entre as forças políticas dominantes. Governo e Congresso estão enjaulados numa grave crise de legitimidade.

O Judiciário contribuiu, de forma decisiva, na última década. O Supremo Tribunal Federal estimulou quando abriu uma janela para o florescente negócio da criação de partidos. Eliminou a exigência de desempenho eleitoral mínimo (cláusula de barreira) e mudou a “propriedade” do mandato. Subtraiu-a do eleitor e entregou à burocracia partidária.

Já são 35 partidos com registro oficial. Na vida real, são pessoas jurídicas de direito privado, com acesso privilegiado aos cofres públicos. Têm garantido o usufruto de propaganda no rádio e na televisão, sustentada por isenções fiscais. E, também, a garantia de uma fatia do orçamento federal, via Fundo Partidário, estimada em R$ 900 milhões neste ano.

Os governos Lula e Dilma metabolizaram essa fragmentação no delírio da montagem da “maior base parlamentar do Ocidente”, como definia José Dirceu. Ampliaram para quatro dezenas os ministérios e aumentaram para 23 mil os cargos-chave na administração utilizáveis segundo a conveniência política, além da partilha do comando das empresas estatais. Deu no mensalão e nos inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras empresas estatais.

Quem ficou chocado com as cenas do início do impeachment, talvez se apavorasse com o mercado livre que antecedeu a votação em Brasília.

Lula, principal negociador das salvaguardas ao mandato de Dilma, descreveu como uma “Bolsa de Valores”. Deputados comentavam as “cotações” do relativismo ético: R$ 1 milhão por ausência, R$ 2 milhões pelo voto no plenário.

O pacote incluía adicionais em cargos, créditos e mimos diversos para prefeitos e governadores aliados — da desapropriação de terras à doação de áreas cultiváveis na floresta amazônica, parte em terras indígenas.

No caos, o PT de Lula e Dilma passou a disputar espaço com novos aliados, como o Partido Trabalhista Nacional. Chapadinha, deputado pelo PTN, levou uma diretoria do Incra no Pará. Os petistas locais souberam da negociação e promoveram uma greve no Incra de Santarém.

No sábado, véspera da votação, imprimiu-se uma edição extra do Diário Oficial. Ficaram visíveis 63 nomeações emergenciais para 22 órgãos federais. Dilma perdeu por 72%.

É com essa lógica anacrônica que os generais de Dilma preparam a batalha final no Senado. O governo acha que tem 22 votos. Precisa garantir mais seis e somar 28 para evitar o “Tchau, querida!” dos senadores.

Deus, é claro, não tem nada com isso.

José Casado

Destituída pelo país que já não mais suporta farsas que só comovem imbecis e cúmplices

Os sonhos da presidente Dilma estão sendo torturados, ela disse na coletiva a que se concedeu para a encenação da estratégia do dia. Os nossos também, mas isso não a comove; prefere tentar comover a plateia trocando o figurino da arrogância pelo de certo quebrantamento. Nada como uma boa sova democrática de 367 votos pela admissibilidade do impeachment, não é mesmo?


Do céu com luzes suaves e cores acesas, a manhã descia fazendo o mar cintilar sob um sol ainda gentil, com a brisa ainda fresca, praia ainda deserta num cantinho especial do litoral norte de São Paulo. Lindo e também perfeito: nada disso precisa de mim para acontecer e posso dormir até tarde embalada pela paz da minha irrelevância. Esta só foi suspensa enquanto minha filha era pequena e eu tinha de levantar cedo para que ela tomasse sol nos horários recomendados quando íamos à praia.

Na tática da presidente em assumir certo abatimento, há vestígios de inteligência; além dos efeitos positivos de se abandonar a arrogância, pois é mais inteligente, menos desgastante e útil assumir o que sentimos, somos e pensamos. Isso, claro, na feliz hipótese de conseguirmos identificar os sintomas todos; então, nos tornamos verdadeiros e, por isso, mais leves. Dilma estava verdadeiramente abatida e, tão verdadeira estava que pôs tudo a serviço do embuste, deformando em manipulação a potência transformadora do sofrimento.

Repetiu a acusação de golpe e, já que não toma as providências legais a que tal eventualidade a obriga segundo a Constituição, comete mais um crime de responsabilidade; atacou o vice-presidente cassando as prerrogativas constitucionais dele; declarou-se indignada porque punida por condutas semelhantes às dos antecessores inocentes que ficaram impunes, num modo atravessado de admitir o crime que alega inexistente; e, claro, relembrou a tortura que sofreu quando era terrorista sem reconhecer que terroristas e torturadores, abjetos sempre, equivalem-se moralmente porque agem sob a convicção sórdida de que os fins justificam os meios.

Mas a maternidade me modificou ou completou o meu destino de alguém que se comove mais facilmente do que antes com injustiças, o sofrimento alheio e tal. E ficou para sempre à flor da pele exposto o nervo da indignação, num modo de não me deixar entorpecer pelo excesso de mazelas daqui e do mundo. Entre elas, a existência de farsantes que, governantes ou não, valem-se do bem alheio para fazer o mal. Existem a indignação resignada, a transformadora ou inspiradora. E a de Dilma que, transferida do imaginário vigarista para legitimar um embuste real, indignação já não é, mas arrogância – ainda que medicada por alguma inteligência – num eterno retorno.

Comovido, um jornalista fez talvez a pergunta mais imbecil nesses tempos de dura concorrência: se a ditadura foi um período melhor do que a democracia. Ele sequer desconfia que poder formular a pergunta implausível é a resposta, pois regimes totalitários não se deixam questionar, sonho a que aspiraram a presidente e o regime petista. Eis o sonho de Dilma Rousseff que está sendo torturado, o de ser inquestionável. É também por essa razão que ela será destituída pelo país que já não mais suporta farsas que só comovem os imbecis e os cúmplices.

Quando o PT perdeu o caminho de casa?

Talvez em 1997, quando Lula chamou de “asneiras” as denúncias de que havia roubalheiras em contratos de firmas de consultoria com prefeituras petistas. Desde então, Lula e o comissariado fizeram uma opção preferencial pelo acobertamento e pela cumplicidade em todos os episódios em que a moralidade foi ofendida. Foi assim com as propinas que provocaram a morte do prefeito Celso Daniel. Assim foi no “mensalão” e assim o PT comporta-se diante da Lava-Jato.

Há um mantra em circulação: a honorabilidade pessoal de Dilma Rousseff está acima de qualquer suspeita. É verdade, mas pode-se aplicar o mesmo raciocínio ao general Emílio Médici (1969-1974). Ele foi um homem pessoalmente honrado. A ruína de sua biografia veio do campo da moral política. Médici nunca encostou a mão em ninguém, mas durante seu governo milhares de brasileiros foram torturados, e mais de uma centena foram assassinados.

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Para felicidade do Brasil, os crimes dos governantes mudaram de eixo e, durante o consulado petista, o demônio foi para o meio do redemoinho da corrupção e das suas alianças com larápios que hoje votaram pela deposição da presidente. Dilma era ministra de Minas e Energia quando um empresário narrou-lhe malfeitorias praticadas pela Petrobras. Ela respondeu: “Não posso me preocupar com pequenas ilegalidades”. Com o tempo, deixou de se preocupar com as grandes. Ela, Lula e o PT ficaram neutros contra a Operação Lava-Jato. Esse foi um dos principais fatores de erosão da credibilidade dos companheiros. (O apoio de Temer à faxina do juiz Moro é coisa a ser conferida. Por enquanto, ele continua a ser um velho aliado de Eduardo Cunha).

O resultado de ontem é uma derrota de Dilma, do PT e daquilo que se chama de esquerda. Como sair dessa? Nos anos 1970 do século passado, como Dilma, o uruguaio José (Pepe) Mujica estava na cadeia. Em 2010 Pepe elegeu-se presidente. Continuou vivendo na modesta chácara das cercanias de Montevidéo, dirigindo seu velho fusca e brincando com Manuela, sua cachorra de três patas. Basta olhar para seu exemplo.
Eli Gaspari

Juscelino, há 56 anos, definiu que governo algum pode perder as ruas

Exatamente esta foi a frase de Juscelino Kubitschek, numa entrevista a jornalistas na TV-Rio, que não existe mais, em novembro de 60, período final de seu governo, ao responder pergunta de Wilson Figueiredo, do Jornal o Brasil. Eu participava como repórter do Correio da Manhã. A TV-Rio ficava no Posto Seis, Copacabana, onde hoje está o Hotel Sofitel. A entrevista foi a propósito de um livro do embaixador Donatelo Grieco, filho do escritor Agripino Grieco, que se tornou, a meu ver, o maior pesquisador dos anos dourados de janeiro de 56 a janeiro de 61.

Donatelo Grieco comparou meticulosamente o que era o Brasil antes de Juscelino e o que passou a ser depois. JK, por exemplo, assumiu com uma produção de petróleo de 5 mil barris/dia. Entregou a faixa a Jânio Quadros com 100 mil. Na época, o consumo nacional era de 300 mil barris diários. E por aí vai.

JK criava Furnas e Três Marias, implantava a indústria automobilística. Duplicava a produção de energia elétrica, sem a qual a industrialização seria impossível. Mas estas são outras questões paralelas.

O fato essencial, comparando-se a expressão de ontem com a realidade de hoje, é que a presidente Dilma Rousseff perdeu as ruas e nada, absolutamente nada, faz para recuperá-las. Não conseguiu elaborar sequer um projeto de governo, não foi ao encontro das praças e das ruas, nem procurou abraçar a população em torno de uma ideia. Com isso, cortou sua comunicação com a opinião pública.

Quando precisou dela, não teve condições de lhe passar o entusiasmo contido nas grandes multidões. Por uma razão muito simples: as multidões petistas dividiram-se entre ela e Luiz Inácio da Silva. Por uma ironia do destino, seu maior eleitor, tornou-se seu maior problema.

Sim. Porque foi a partir do instante em que ela o nomeou para chefe da Casa Civil que se desencadeou uma nova tempestade: a tempestade chamada impeachment.

O Supremo bloqueou a investidura, depois de Lula ter tomado posse no Palácio do Planalto, ao som do Hino Nacional, jamais tocado para preceder a posse de um ministro de Estado

Para a presidente Dilma, Lula foi o início e, ao mesmo tempo, o fim. Claro. Porque, como todos já sentiram, ela não retornará ao governo. A votação que terminou à noite de domingo foi seu Waterloo político. Não haverá nova batalha. Ela perdeu o confronto original e também a guerra.

Onde estava o povo? As ruas eram ocupadas majoritariamente pelos que se emocionavam pelo seu afastamento. Emoção da mesma intensidade não se registra entre aqueles que falavam pela sua permanência no Planalto. E, no fundo, é o entusiasmo que aquece corações e mentes.

Para mim, observador dos políticos ao longo de seis décadas, tornou-se eterna a imagem iluminada por JK naquela noite, no prédio que, além da TV-Rio, abrigava o Cassino Atlântico, do jornalista Paulo Bitencourt, também diretor proprietário do Correio da Manhã. A imagem é simples e direta. Clara como um copo d’água, como devem ser as interpretações.

Sem apoio do povo, mesmo de forma indireta, não há poder que resista às tempestades que desabam no caminho dos governos e governantes. Dilma Rousseff não considerou este aspecto fundamental. E também essencial. Tão essencial quanto o ar que se respira.

O povo precisa de um projeto que lhe forneça pelo menos esperança.

É preciso começar já

72% a 27%. Impressionante a precisão! Seja qual tenha sido a sua impressão com aquelas longas horas diante do espelho, domingo, uma coisa é indiscutível: a Câmara representa, sim, a realidade nacional. A Nação, através dela, falou e disse e só não a ouviu quem optou por fazer-se de surdo. Se o governo tivesse conseguido subornar a sua minoria qualificada de 172 votos, como Lula anunciou oficialmente que estava tentando fazer, teria “acatado a decisão soberana da Câmara dos Deputados” e enfiado Dilma Rousseff goela abaixo dos 2/3 do Brasil que não suportam nem ouvir o nome dela para encerrar de uma vez para sempre a questão do impeachment. Como não conseguiu, “é golpe”. Será “golpe” sempre, a menos que vença o único golpe que os “surdos” querem ouvir.

É alto o preço que se tem de pagar para não destruir instituições. Essa gente não merece a paciência com que o Brasil a tem tratado. Numa coisa, entretanto, tem razão. Não foi “uma vingança”, foram 367 vinganças, fora a de Hélio Bicudo assinando a denúncia de crime de responsabilidade de Dilma Rousseff por todos os outros petistas honestos que foram tombando ao longo do caminho, contra esse PT que sobrou e vive sozinho no Olimpo atirando seus raios sobre a multidão dos idiotas. José Eduardo Cardozo é a mais recente encarnação desse delírio. Como esmurra fatos à vontade sem que ninguém lhe atire perguntas que o tragam de volta à Terra, insiste naquela Dilma sem pecados “nem apego a cargos” com que as(os) passionárias(os) jurássicas(os) do golpe sem aspas “anulam”, a cada frase, junto com a mais patológica das arrogâncias, 72% do eleitorado pesquisado, 72% do Congresso Nacional, o rito estabelecido pelo STF, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição da República, a falência da Petrobrás e das outras “brases”, a aliança medida com os empreiteiros ladrões e seus doleiros, a verdade da matemática e mais todo o resto da realidade sobre a qual o sol arrebenta de brilhar.

Num sistema em que segue sendo necessário eleger-se, político trata daquilo que sabe que lhe renderá manchetes. Vide José Eduardo Cardozo e a recorrência do seu novo figurino de advogado de seriado de TV. É por isso que, nas democracias saudáveis, é a imprensa amplificando as queixas e os pleitos difusos do eleitorado quem pauta o discurso dos políticos. O fato de a imprensa brasileira pós-regime militar se ter acostumado a deixar-se pautar por eles, mesmo depois – muito depois! – que os políticos deixaram de ser a expressão da resistência de um eleitorado impedido de eleger para se transformar na de uma casta que se outorga privilégios e cassou aos eleitores o direito de deselegê-la, é um elemento essencial da presente desgraça. Acentua essa distorção o isolamento geográfico e social da Brasília que vive do e para o Estado onde não entram as crises que grassam aqui fora, cujo sintoma mais alarmante é a alienação da realidade nacional sintetizada no grito do “Não nos representa!” que pôs em marcha o processo ora em curso.

A produtividade do trabalho no Brasil parou de crescer faz anos; o sistema educacional foi aparelhado e destruído e há pelo menos três o País anda para trás. Vínhamos numa trajetória de arrumação do Estado, valorização da regra e políticas sociais focadas nos mais pobres, mas tudo isso se inverteu. Apenas com juros subsidiados pelo Tesouro Nacional para os amigos do BNDES o governo torrou R$ 323 bilhões, equivalentes a 13 anos do Bolsa Família; as contas nacionais passaram a ser falsificadas e a mentira transformou-se em “razão de Estado”. Tudo o que conquistamos nos anos 90 já está perdido, mas a crise mal começou. Os problemas acumulados são gigantescos, a marcha à ré será dramática, partindo de um patamar já muito baixo, e não será uma simples troca de governo que resolverá tudo isso, mesmo que se supusesse toda a disposição para atacar os problemas do “Brasil real”, a que esse PT que só chora por si jura hoje, como jurou sempre, ódio eterno.

Com o quesito “luta pelo poder” suficientemente encaminhado, e a próxima tentativa rondando perigosamente as margens do mesmo pântano da“governabilidade” por linhas podres que acaba de tragar a obra de toda uma geração de brasileiros, a imprensa poderia dar uma contribuição muito maior ao País se passasse a trabalhar mais para informar Brasília sobre o que se passa no Brasil do que o contrário. Obrigar os políticos a tomar conhecimento da profundidade da crise do País real; cotejar seus números com as amenidades e os números da vida na Ilha da Fantasia onde os salários nunca se extinguem, os aumentos se dão por decurso de prazo, há “auxílios” para tudo e para todos isentos de Imposto de Renda, as aposentadorias partem multiplicadas por 33 é obrigar o País a encarar esses fatos, primeiro, medi-los, em seguida, e fazer escolhas reais e conscientes, finalmente, sem as quais jamais sairemos do brejo. O ponto a que chegamos e o encolhimento do espaço para gorduras mórbidas num mundo implacável com a ineficiência impõe providências que respeitem a matemática e, para chegar a elas, é preciso, primeiro, deixar que a luz do sol incida sobre a camada mais grossa da mentira que cerca a realidade do Brasil do Terceiro Milênio que segue embrulhado num discurso de falsificação da realidade que já era velho no último século do Segundo.

Um governo para o Brasil real só poderá estruturar-se em torno de uma proposta para os problemas reais do Brasil.

Previdência, inchaço do funcionalismo politicamente apadrinhado, subsídios, estrutura tributária, a armadilha trabalhista, as vinculações das contas nacionais, as regras que fazem o ambiente de negócios e, sobretudo, a velocidade com que tudo isso evoluiu para pior nos últimos anos são, ao mesmo tempo, os ingredientes da bomba que produz um déficit recorrente de R$ 150 bilhões e crescendo R$ 30 bilhões por ano sobre a qual estamos sentados, e os indicadores dos caminhos reais para desarmá-la.

O valor da política e a política sem valor

O momento histórico por que passa nosso país, com o prosseguimento do processo de impeachment da presidente da República, aprovado por 367 dos 513 deputados que compõem a Câmara Federal, com certeza indica algo muito maior que o simples afastamento da pessoa ocupante do mais alto cargo executivo.

Ao assistir às manifestações dos deputados na tarde de domingo é possível extrair muito pouco do que o Brasil quer ouvir. Infelizmente, esse é o verdadeiro retrato da política em nosso país. Os líderes têm pouco a dizer, falta sensibilidade para interpretar o anseio da nação, não há engajamento com a vontade emanada do povo.

Indeciso
O sentimento que se perpetra há anos em nosso país é o da “mais-valia” para com o Estado, no qual os políticos de todas as esferas investem seu precioso tempo em favor de valiosos benefícios a si próprios e aos seus financiadores, condição essa que ficou muito bem caracterizada na votação de domingo.

Não há pauta por um Estado melhor; ninguém protesta a favor dos meios de produção e distribuição de riquezas através do trabalho digno, alcançado por uma educação de qualidade. Não se vê nem um partido sequer protestar por um planejamento integrado e uma unicidade de esforços. Serão esses objetivos muito distantes? Essa é a interpretação do mercado internacional, que mesmo após a votação do processo de impedimento reluta em trazer seus dólares para o Brasil.

É preciso muito mais que um simples processo de impeachment para que tenhamos um Brasil melhor – aliás, há um grande risco de esse procedimento cair em verdadeiro descrédito internacional, pois se aguardam mudanças drásticas para oferecer crescimento ordenado à nação, mas que custarão impopularidade àqueles que subiram ao púlpito para declararem um sim com o simples objetivo de agradar suas bases.

Muitos estão a comemorar e outros tantos estão a chorar nessa data, mas sem saber propriamente o porquê disso tudo. A população se encontra movida por paixões plantadas, por uma dualidade sem compromisso, sem pauta e irresponsável.

Com certeza é preciso haver consequências para irresponsabilidades dos nossos governantes – consequências políticas e criminais, aliadas à necessária expropriação de todo e qualquer dinheiro desviado da finalidade pública aos bolsos de particulares, sem o que perpetrará aos criminosos o estimulante sentimento de que valeu a pena.

Faz-se necessária, nesse momento, uma profunda avaliação da política e do papel do Estado, não apenas por aqueles que ocupam os seus mantados outorgados pelo povo, mas necessariamente pelas famílias brasileiras, por todos aqueles que, independentemente de lado, estiveram nas ruas. É indispensável o amadurecimento da população quanto ao sentimento do que representam a política e as ações humanas para uma vida em sociedade.

Nesses últimos anos, o que se vê na condução dos poderes é um Legislativo que, no afã de produzir leis, a cada dia mais usurpa a liberdade e o poder de livre arbítrio do cidadão; um Poder Executivo sem capacidade cognitiva de dar atenção aos problemas fundamentais que necessita prover; e um Poder Judiciário pessoalizado, sem condições sistemáticas de enfrentar o objetivo da paz social com a grandeza merecida e os vultosos recursos a ele destinados.

Assim como as famílias fazem muito bem, os três poderes devem se conscientizar de que reclamar de falta de dinheiro raras vezes resolve os problemas; devem assimilar que o Estado não produz riqueza alguma sem uma iniciativa privada forte e segura, que a nação deve oportunizar negócios e circular riquezas para que esse enorme condomínio que é o Brasil consiga progredir com grandes feitos para toda a população.

Uma única batalha não garante o êxito na guerra; por isso, é necessário alavancar todo esse sentimento que brotou no seio da nação para ações efetivas, de combate firme aos desmandos na seara pública, de discussão cotidiana da política nas famílias e, principalmente, na quebra de paradigma de que política é para corruptos – do contrário, os teremos para o resto de nossas vidas.

Rômulo Augusto Araújo Bronzel

O PT roxo xinga o descosido Cunha

Assisti de ponta a ponta a sessão da Câmara dos Deputados que deliberou sobre a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Foi uma experiência emocionante e muito instrutiva. Nos telões armados no Parque Moinhos de Vento (Parcão) em Porto Alegre, em uníssono com a multidão, vibrei a cada Sim e vaiei a cada Não. Devo ter calculado quase uma centena de regras de três tentando antecipar um sempre cambiante resultado final.

Charge do dia 19/04/2016
Muito instrutiva a observação dos votantes, em especial a turma do Não. Marcharam para o cadafalso político uniformemente ensaiados. Repetiam os mesmos mantras que se revelaram inúteis ao longo dos últimos 15 meses! Levaram suas frases feitas até o alçapão da derrota. Traziam nos olhos um postiço furor cívico. Entre elas, o paradoxal estribilho sem verso "Impeachment é golpe" - uma contradição em termos porque o ato não pode ser as duas coisas: ou é impeachment ou é golpe. Ao final, temos que o povo, o TCU, boa parte da mídia, o STF, o Hélio Bicudo (quem diria?) e mais de 2/3 da Câmara são, todos, "golpistas". E se somam ao "golpista" magistrado Sérgio Moro, aos também "golpistas" promotores que atuam na Operação Lava Jato (outra conspiração) "golpista" e à notoriamente "golpista" Polícia Federal. Por quê? Porque diante do terremoto moral, econômico, fiscal e social que acometeu o governo e o pais, isso é tudo que o PT tem a dizer à nação. No meu modo de ver, em vista das proporções que tomou, o governo da República é o maior e mais danoso golpe impetrado num país democrático desde que Hitler chegou ao poder na Alemanha.

Um segundo mantra se repetiu ao longo da sessão. Refiro-me aos desaforos, em tom crescente, dirigidos a Eduardo Cunha. Entre os adjetivos de uma escala que começava com "patife" e chegava até "gangster", restaram poucos não utilizados pelos que pretenderam ser originais.

Não me surpreenderam os ataques ao presidente, que muito provavelmente os merecesse. O que me espantou foi constatar que partiam de bancadas empenhadas, ao último fio de voz, à última lufada de ar dos pulmões, na defesa de uma organização criminosa inteira. Organização que se apossou do poder central da República e ali praticou (no pouco que já se sabe com prova provada) o maior saque de que se tem notícia na história universal. Diante dela, Cunha entra na lista como mero trombadinha. Mas para o PT, enquanto Cunha é um bandido cuja presença na sessão deslegitima a deliberação do último domingo, o partido, com quanto pesa contra si, é um insubstituível modelo de virtudes, apto a dar lições de dignidade ao mundo.

Percival Puggina

Dia D de Dilma

Estou aqui no meu cantinho do Alvorada falando sozinha – agora dei para isso –, mas falo, sim, registrando nesse gravador a história de minha missão neste país, onde tentei combater sem trégua os perigos maiores que nos ameaçam. Um, dois, gravando, esse gravador é uma merda que o Mercadante deixou aqui, mas tudo bem... Declaro de peito aberto o que penso da vida e o que fiz para proteger meu Brasil brasileiro. Querem me “impichar”, dar um golpe. Será que conseguiram? Eu vos falo do passado, pois são sete horas da manhã de domingo, depois de uma noite insone. Quando me ouvirem, vocês já saberão se eu fui banida ou não.

Começo dizendo que minha consciência está em paz. Minha máxima sempre foi: os fins justificam os meios. Sim. Muita gente metida a ética acha isso até um crime, mas eu não. Meus fins uniram o país. Sim, uni vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro. Nunca errei.
tchau

Meus queridos, o Brasil estava perdido entre muitas ideologias metidas a “moderninhas” social democracia, liberalismo, mas eu restaurei o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a desnacionalização de nossas riquezas, contra a sociedade de empresários reacionários, contra o lucro, colocando o Estado no topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de ingênuos e ignorantes. Meus fins sempre justificaram os meios, sim, e não me arrependo de nada.

Essa porra de gravador está gravando? Vamos ver: “... porra de gravador está gravando”, sim. Declaro aqui também que acho o Brasil tão frágil ideologicamente que tem de ser dirigido por um grande Estado, sim. Só um Estado provedor pode proteger o povo nas lutas sociais que ele nem sabe que está travando, mas eu sei, porque nós somos da “elite de esquerda”. Não, “elite” não, fica feio. Pronto, apaguei.

Eu tenho orgulho de ter usado o Estado e seu tesouro acumulado para distribuir riquezas para o consumo tão ansiado pelos pobres diabos, sim, mesmo que os cofres públicos tenham ficado vazios para investir. Populismo? Eu chamo de catequese, conquista de adeptos para o grande futuro que virá! Disseram que eu quebrei o Estado para isso, mas e daí? Fiz isso, sim, porque o fim justifica esse meio; o fim era garantir apoio para as próximas eleições do nosso PT, pois era fundamental que ficássemos para sempre no poder desse país alienado e reacionário, até a chegada do futuro socialista.

Eu já vejo nosso futuro. Nossas massas cantarão unidas com desejos uniformes, com uma felicidade preestabelecida, com desejos programados, assim como a Coreia do Norte (de uma forma “light”, claro); se bem que nossos irmãos coreanos, às vezes, exageram um pouco... Aquele presidente parece um porquinho mas, está na “linha justa”, porque é temido pelos norte-americanos, nosso inimigo principal.

Na luta contra os ianques sempre falávamos da importância da democracia. Mas tenho de confessar uma coisa: para nós, “democracia” sempre foi uma estratégia para tomada do poder.... Falávamos “temos de pedir democracia burguesa para depois fazer o centralismo democrático de que tanto usou nosso grande irmão Stalin”. Democracia é o cacete... O povo não sabe se governar. Um minuto de silêncio para tomar um rivotril.

Alo, alô, voltando a gravar... Bem, vamos lá, me criticaram muito pela política de aliança com canalhas. Sim, por que não? Eu odiava ver suas carinhas pedindo verbinhas, puxando meu saco, mas me aliei a eles, sim, uns filhos da puta necessários, para aprovar coisas naquele ninho de cobras que votam minha saída. Vocês acham que eu gostava daquele hipopótamo do PDT que me beijou a mão, vocês acham que eu gostava de ver o brilho eterno daquele cabelo pintado do Lobão, do traidor Temer, em quem sempre vi a inveja debaixo de sua cara de mordomo de filme de terror?
Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, verbas infindas para seus currais... Fiz isso porque sei que é preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse isso?

Eu sabia de tudo, eu sabia que a compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, mas como conseguir dinheiro para minha reeleição sem tutu, sem propinas? Propinas de esquerda, é claro. Não mandei comprar aquela refinaria lata velha, mas fiz vista grossa sim, quando aquele caolhinho Cerveró me entregou uma página solta com uma piscadinha do olho bom.
Bom, gravando mais... Quero dizer, tudo para o futuro. Tenho orgulho de tudo que fiz...

Eu menti, sim... Menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit público, eu menti, sim, sobre as pedaladas. Uma mentira repetida vira verdade pelo bem de meu povo.

Olha aqui, meu querido, volta com essa bandeja, joga esse café de merda fora e faz outro que eu possa engolir, porra, essa massa atrasada não sabe nem fazer um café? Vai logo, cacete!

Continuando: essa porra desse neoliberalismo funciona muito na prática. Por isso, sempre lutei para impedir que sejamos um país todo “coxinha”, todo organizado, com o povo trabalhando feliz para o capitalismo. É muito difícil desenvolver esse país de merda. Por isso, temos de destruir o capitalismo por dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é melhor, mais revolucionária – seria uma espécie de “esculhambação criativa”, ha-ha-ha...

É isso aí... São sete horas da manhã de domingo... Aqui fica minha mensagem. Se eu for impichada, o Lula vai adorar, porque será o “mártir” da direita, e eu é que me fodo como fracassada... E um escroto; vai fazer sua campanha em cima de minha desgraça... Que vou fazer se banida? Tricô? Para onde vou?

E, se eu não for banida, o Lula se muda para o Planalto para preparar sua candidatura em 2018.
E eu vou ter de obedecer. Vou ter de recontratar a besta do Mantega, gastar mais ainda para o povão pensar que tudo melhorou (nem que seja por uns meses), até o Lula ser eleito e eu jogada para escanteio.

Quando vocês ouvirem isso, eu terei sido escorraçada ou mantida? Que será que me aconteceu?

Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas…
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo… — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.

Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço…
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Cecília Meireles

Dilma ataca Cunha, mas adula Renan Calheiros

Dona de uma ética de dois gumes, Dilma Rousseff dividiu sua alma ao meio —uma banda mais intransigente com a corrupção e a outra menos. A dicotomia, que era escamoteada, tornou-se escancarada. Cheia de rompantes quando se refere ao réu Eduardo Cunha, a presidente é uma seda no relacionamento com o poli-investigado Renan Calheiros. Depois que o presidente da Câmara lhe atravessou o impeachment no caminho, Dilma imagina que o presidente do Senado pode ajudá-la a livrar-se da encrenca.

Nesta segunda-feira, Cunha entregou a Renan o calhamaço do impeachment, aprovado na véspera na Câmara. Pediu pressa. E Renan: nem tão rápido que pareça atropelo, nem tão devagar que pareça procrastinação. Na sequência, o senador foi se encontrar com Dilma. Trocaram figurinhas longe dos refletores. O grão-vizir do Senado havia se comprometido a agir com isenção. Líderes partidários espantaram-se ao saber que sua primeira iniciativa foi uma conversa com a acusada.


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Horas antes, na República de Curitiba, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró prestou seu primeiro depoimento como delator ao juiz Sérgio Moro. A alturas tantas mencionou o repasse de uma propina de US$ 6 milhões para Renan. Foi silenciado pelo juiz da Lava Jato, já que Renan, como senador, não pode ser investigado e julgado senão no STF. Correm na Suprema Corte nove inquéritos contra o presidente do Senado. Todos relacionados à Lava Jato.

Corta para Brasília. “Não há contra mim nenhuma acusação de desvio de dinheiro público”, disse Dilma ao atacar Cunha numa conversa com repórteres. “Não há contra mim acusação de enriquecimento ilícito. […] Por isso eu me sinto injustiçada, porque aqueles que praticaram atos ilícitos, que têm contas no exterior, presidem a sessão que trata de uma questão tão grave como é a questão do impedimento do presidente da República.” Nenhuma palavra sobre o companheiro Renan.

Dilma exerce em plenitude o privilégio de escolher seu próprio caminho para o inferno. Enquanto foi possível, negociou com Cunha uma estratégia para livrá-lo do pedido de cassação do mandato. Em troca, o impedimento da presidente da República ficaria na gaveta. O PT melou o entendimento ao se negar a entregar seus votos a Cunha no Conselho de Ética. O impeachment ganhou asas. E o petismo descobriu que Eduardo Cunha é um tremendo Eduardo Cunha.

De tanto lidar com o cinismo, o brasileiro vai adquirindo uma certa prática. Já percebeu que há método na demência do governo petista. Durante 13 anos, o PT engordou a si e aos seus aliados com mensalões e petrolões. Interrompido o fluxo do dinheiro, os parceiros viraram os escorpiões que picaram Dilma na Câmara e se preparam para fazer o mesmo no Senado.

Quem conhece bem Renan sabe como isso vai acabar. O suposto aliado não é mais imprevisível. É um personagem tristemente previsível. Vá lá que Dilma, no desespero, não consiga enxergar que fará no Senado o mesmo papel de boba que desempenhou na Câmara. Mas não precisa ofender a inteligênia alheia fingindo que negocia com Renan como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.

Não é à toa que os petistas têm tanta dificuldade para explicar por que Eduardo, sendo o Cunha que todos conhecem, obteve dos governos petistas a senha que abriu o cofre.

A lição do 'impeachment-espetáculo'

O cenário para o “espetáculo do impeachment” já começava a ser montado quando se viu o bolão dos deputados, manifestantes como se fossem torcidas organizadas, bonecos infláveis, bandeiras, carros de som, dancinhas ensaiadas, telões em praças e em bares e declarações do tipo “vai ter musiquinha para o pessoal ‘se divertir’”! Tudo como na final de um campeonato, em que o time da casa jogaria contra o adversário visitante!

Se você achou tudo isso normal, não devia, pois a situação é muito séria para se dar espaço a frivolidades. O escritor Mario Vargas Llosa já descreveu o fenômeno no seu livro A Civilização do Espetáculo, apontando para a banalização da arte e da literatura, em que a cultura se tornou mero entretenimento e distração fútil, incluindo a política. Em muitos casos, me parece que manifestantes estão “se divertindo”, fugindo do tédio, procurando algo para preencher sua vida cotidiana sem sal e sem um significado maior, como faz todo fim de semana ao ir para as compras nos shoppings ou para a balada encher a cara.

Independentemente da votação que aprovou a admissibilidade do impeachment da presidente Dilma (apesar de o voto ter sido mais associado a filhos, mães, tias e seus currais eleitorais que às “pedaladas fiscais”, apontadas como a causa do processo), nunca tantos brasileiros puderam ver ao vivo todos os seus deputados eleitos. O difícil foi aturar seus discursos medíocres e inapropriados por quatro horas, sem coerência e decoro parlamentar. Foi o auge do espetáculo depois de o circo entrar na cidade com suas figuras bizarras. Nas redes sociais apareciam os comentários indignados com tais comportamentos, mas, de fato, o que vimos foi nosso reflexo no espelho. Sim, eles representam o Brasil e devíamos ter vergonha do que elegemos!

Dos 513 deputados da Câmara, 299 têm problemas na Justiça. Salvo raras exceções, vimos figuras grotescas e amorfas, alguns enaltecendo o seu décimo mandato, outros agradecendo a herança política de pai e avô! Reclamar de um Cunha e seu sorriso de deboche, de um Bolsonaro que elogia torturadores, da filha de Roberto Jefferson que homenageia o pai condenado pelo mensalão, do bufão Tiririca, de um deputado petista com ficha suja de nada adianta, pois foi o seu voto que o colocou lá! Os políticos cujos votos a favor ou contra o impeachment fizeram os manifestantes vibrar foram vendidos como uma caixa de sabão em pó ou um detergente, ressaltando suas formas e cores. A analogia serve, pois todos prometem “limpeza total” da corrupção do país. Marqueteiros treinaram “seus bandidos preferidos” nos gestos e na forma para se apresentarem ao eleitor, sabendo o que ele compra. Llosa ressalta que “no compasso da cultura reinante, a política foi substituindo cada vez mais ideias e ideais, debate intelectual e programas, por mera publicidade e aparências”.

Na câmara há 115 ruralistas, 77 religiosos, 44 advogados, 43 donos de rádios e tevês, 40 sindicalistas, e o resto se divide em outras profissões. A idiotização vista em frente às câmeras o representa, leitor? Um deputado cínico comandando um processo em que ele devia ser réu é legítimo? E lembre-se: agora o processo será julgado no Senado, onde 40% dos nossos senadores tem pendência criminal – inclusive Renan Calheiros, que o conduzirá! Sim, sua piscina está cheia de ratos. A pergunta é: o que você vai fazer a respeito disso nas próximas eleições?

Eloy F. Casagrande Jr.

E agora, quem governa?

Há poucos anos, num baronato petista, o burgomestre do alto da sapiência sesquipedal proclamou um novo decreto criando uma fundação que já existia ao menos no papel. Faltava apenas regularizá-la, mas como asnos têm medida imensurável, copiou-se quase letra a letra o decreto anterior e esfregou-se o papel na cara de todos como a máxima inovação em governabilidade. E assim, por alguns meses, o baronato possuiu duas fundações idênticas no papel e nenhuma funcionando, mas a última com presidanta instituída e proclamada mesmo no contracheque.

Não menos exótica é a situação criada, também sob auspícios petistas no STF, a partir de domingo, quando foi aprovado o encaminhamento do pedido de impeachment presidencial ao Senado. O Brasil acordou com dois presidentes e dois palácios, mas nenhum governo. E assim por um ou dois meses, haverá uma presidência e duas cabeças, que em verdade não funcionarão.


A eleita não tem apoio, mas a caneta e a chave para dispor à vontade do cofre, inclusive para pagar débitos políticos assumidos para a decisão de domingo. A cabeça, no palácio do Jaburu, tramará o futuro sem caneta e chave. Entre as duas a desgraceira econômica fazendo a ralé, metaforicamente chamada de eleitor, passar o pão que o diabo deles amassou.

A presidente eleita, sob processo de impeachment, continua a governar as ruínas que lhe sobraram. Ironicamente sobrevive sob a mesma situação do presidente da Câmara, que presidiu a sessão de domingo. Presidem enquanto não for batido o martelo da Justiça.

Ambos estão indiciados e continuam em seus cargos. Assim como o presidente do Senado, famoso colecionador de processos, também no STF, que vai presidir a sessão de abertura do processo contra Dilma. (Será que vão condenar a sessão por ser presidida por outro indiciado?)

Enquanto os poderes estão enrolados, vive-se esse caso de exceção de arregalar os olhos de qualquer democracia. Com dois presidentes - um pelos votos e outro pelo afastamento do titular -, o Brasil novamente dá um exemplo circense de como a política aqui é um pandemônio para salvaguardar poderosos em detrimento dos palhaços que pagam seus salários.

Inflacionado por dois presidentes, o Brasil vai se arrastando com a pesada carga da inflação e desemprego. O transporte dessa inconsequência será devidamente pago pela população, o que denominam "sacrifício de todos", metáfora para "nós gastamos a rodo e vocês pagam a conta".

E assim caminha a democracia do Brasil que é de todos, mas benefício de uns poucos que vivem à custa dos muitos que não têm a quem apelar neste jogo viciado.