terça-feira, 19 de abril de 2016

Destituída pelo país que já não mais suporta farsas que só comovem imbecis e cúmplices

Os sonhos da presidente Dilma estão sendo torturados, ela disse na coletiva a que se concedeu para a encenação da estratégia do dia. Os nossos também, mas isso não a comove; prefere tentar comover a plateia trocando o figurino da arrogância pelo de certo quebrantamento. Nada como uma boa sova democrática de 367 votos pela admissibilidade do impeachment, não é mesmo?


Do céu com luzes suaves e cores acesas, a manhã descia fazendo o mar cintilar sob um sol ainda gentil, com a brisa ainda fresca, praia ainda deserta num cantinho especial do litoral norte de São Paulo. Lindo e também perfeito: nada disso precisa de mim para acontecer e posso dormir até tarde embalada pela paz da minha irrelevância. Esta só foi suspensa enquanto minha filha era pequena e eu tinha de levantar cedo para que ela tomasse sol nos horários recomendados quando íamos à praia.

Na tática da presidente em assumir certo abatimento, há vestígios de inteligência; além dos efeitos positivos de se abandonar a arrogância, pois é mais inteligente, menos desgastante e útil assumir o que sentimos, somos e pensamos. Isso, claro, na feliz hipótese de conseguirmos identificar os sintomas todos; então, nos tornamos verdadeiros e, por isso, mais leves. Dilma estava verdadeiramente abatida e, tão verdadeira estava que pôs tudo a serviço do embuste, deformando em manipulação a potência transformadora do sofrimento.

Repetiu a acusação de golpe e, já que não toma as providências legais a que tal eventualidade a obriga segundo a Constituição, comete mais um crime de responsabilidade; atacou o vice-presidente cassando as prerrogativas constitucionais dele; declarou-se indignada porque punida por condutas semelhantes às dos antecessores inocentes que ficaram impunes, num modo atravessado de admitir o crime que alega inexistente; e, claro, relembrou a tortura que sofreu quando era terrorista sem reconhecer que terroristas e torturadores, abjetos sempre, equivalem-se moralmente porque agem sob a convicção sórdida de que os fins justificam os meios.

Mas a maternidade me modificou ou completou o meu destino de alguém que se comove mais facilmente do que antes com injustiças, o sofrimento alheio e tal. E ficou para sempre à flor da pele exposto o nervo da indignação, num modo de não me deixar entorpecer pelo excesso de mazelas daqui e do mundo. Entre elas, a existência de farsantes que, governantes ou não, valem-se do bem alheio para fazer o mal. Existem a indignação resignada, a transformadora ou inspiradora. E a de Dilma que, transferida do imaginário vigarista para legitimar um embuste real, indignação já não é, mas arrogância – ainda que medicada por alguma inteligência – num eterno retorno.

Comovido, um jornalista fez talvez a pergunta mais imbecil nesses tempos de dura concorrência: se a ditadura foi um período melhor do que a democracia. Ele sequer desconfia que poder formular a pergunta implausível é a resposta, pois regimes totalitários não se deixam questionar, sonho a que aspiraram a presidente e o regime petista. Eis o sonho de Dilma Rousseff que está sendo torturado, o de ser inquestionável. É também por essa razão que ela será destituída pelo país que já não mais suporta farsas que só comovem os imbecis e os cúmplices.

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