segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Pensamento do Dia

 


Ideias fora do lugar

Fascista! Comunista! Bolsonarista! Lulista! Estas são as ofensas que resumem e desqualificam o debate político no ambiente polarizado do Brasil. É a linguagem irresponsável das militâncias. Apelam para a estupidez dos rótulos e impedem uma reflexão mais profunda no mundo das ideias políticas que, no conjunto, inspiram e fundamentam doutrinas, ideologias, ação e projetos de mudanças, às vezes, temerárias da vida social.

De outra parte, reduzem ao simplismo binário a diversidade de formas que pode assumir a organização do mundo real. Os extremos do bem e do mal; do certo e do errado; do falso e do verdadeiro; eliminam, com a palavra envenenada, sistemas de pensamento que brotaram de mentes brilhantes. E foi a capacidade criativa e percepção científica que legaram ao mundo atual o liberalismo, o socialismo, o conservadorismo, o comunismo e suas variantes.

Digo variantes, porque todos os autores que formularam e estudaram, seriamente, o liberalismo, o socialismo e o conservadorismo, a eles se referem no plural porque se diferenciam ao abordar valores e princípios, revelando as variadas nuances.


No caso do socialismo, podem ser identificados o socialismo utópico, o socialismo científico, o socialismo fabiano e o socialismo democrático; no caso do liberalismo, a árvore frondosa do pensamento vai do liberalismo clássico, ao liberalismo social e aos novos neoliberalismos, entre eles, o neoliberalismo de forte influência na economia por força do Consenso de Washington.

O conservadorismo merece algumas considerações adicionais. No ambiente, radicalizado o epíteto “conservador”, especialmente no Brasil, significa uma ofensa por uma simples razão: propositadamente ou inadvertidamente, é utilizado para qualificar o interlocutor de “reacionário”.


O cientista político português, João Pereira Coutinho, Professor do Instituto Político da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, colunista da Folha de São Paulo que publicou As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários (São Paulo: Três Estrelas, 2014) inicia sua obra afirmando: “O conservadorismo não existe. Existem conservadorismos, no plural, porque assumem formas plurais de diferentes expressões no tempo e no espaço”. A afirmação injeta uma forte dose de serenidade na discussão reduzida à superficialidade dos dogmas ideológicos, clichês e da miséria do obscurantismo.

O mencionado autor faz parte de uma notável plêiade de pensadores a exemplo do eclético Roger Scruton, autor de mais de trinta obras (1944-2022), Michael Oakeshot (1901-1990), descendentes da tradição conservadora britânica, inaugurada pelo irlandês Edmund Burke (1729-1797) no livro seminal Reflexão sobre a Revolução Francesa (Ed. Universidade de Brasilia, 1977), berço e matriz do pensamento conservador.

Outro autor que compõe o núcleo do pensamento conservador é o americano Russel Kirk (1918-1994). Da vasta produção intelectual, cabe destacar A mente conservadora (não traduzida no Brasil) e A política da prudência (Ed. É Realizações, 2014).

Sua reconhecida abertura política e a cultuada virtude da tolerância o inspiraram a formular dez princípios conservadores aqui resumidos: 1. A ordem moral significa harmonia entre a natureza humana constante e a natureza moral permanente; 2. O respeito aos costumes e à continuidade, caminho que une as gerações, contrapostas à ruptura das revoluções; 3. A consagração pelo uso “o indivíduo pode ser tolo, mas a espécie é sábia”; 4. O princípio da prudência é sábio; 5. Respeito ao princípio da variedade; 6. O ponto de partida para ação é o reconhecimento do pressuposto da imperfeição humana; 7. Liberdade e propriedade estão intimamente ligadas, observados deveres morais e legais que regem os possuidores; 8. Comunidades voluntárias se opõem ao coletivismo imposto; 9. Limites entre o poder e as paixões humanas; 10. Conservar e mudar são duas faces de uma mesma moeda.

No caso brasileiro, a fogueira inquisitorial do patrulhamento é implacável. A primeira decisão do Ministro Cristiano Zanin foi amaldiçoada porque não atendeu aos sagrados propósitos da “esquerda progressista”. Nem as “respeitáveis togas” merecem a devida consideração.

Enfim, o radicalismo revolucionário e o revanchismo reacionário, intolerantes, colocam as ideias fora do lugar. O risco é natureza tímida das virtudes. Os extremos se impõem e para que a sociedade seja tolerável, concluo, citando João Pereira Coutinho, o princípio “é evitar que o poder seja exercido por monomaníacos”.

A vitória dos néscios

Não nos deve surpreender que, a maior parte das vezes, os imbecis triunfem mais no mundo do que os grandes talentos. Enquanto estes têm por vezes de lutar contra si próprios e, como se isso não bastasse, contra todos os medíocres que detestam toda e qualquer forma de superioridade, o imbecil, onde quer que vá, encontra-se entre os seus pares, entre companheiros e irmãos e é, por espírito de corpo instintivo, ajudado e protegido. O estúpido só profere pensamentos vulgares de forma comum, pelo que é imediatamente entendido e aprovado por todos, ao passo que o gênio tem o vício terrível de se contrapor às opiniões dominantes e querer subverter, juntamente com o pensamento, a vida da maioria dos outros.


Isto explica por que as obras escritas e realizadas pelos imbecis são tão abundante e solicitamente louvadas - os juízes são, quase na totalidade, do mesmo nível e dos mesmos gostos, pelo que aprovam com entusiasmo as ideias e paixões medíocres, expressas por alguém um pouco menos medíocre do que eles.

Este favor quase universal que acolhe os frutos da imbecilidade instruída e temerária aumenta a sua já copiosa felicidade. A obra do grande, ao invés, só pode ser entendida e admirada pelos seus pares, que são, em todas as gerações, muito poucos, e apenas com o tempo esses poucos conseguem impô-la à apreciação idiota e ovina da maioria. A maior vitória dos néscios consiste em obrigar, com certa frequência, os sábios a atuar e falar deles, quer para levar uma vida mais calma, quer para a salvar nos dias da epidemia aguda da loucura universal.
Giovanni Papini, " Relatório sobre os homens"

Ideias fora do lugar

Fascista! Comunista! Bolsonarista! Lulista! Estas são as ofensas que resumem e desqualificam o debate político no ambiente polarizado do Brasil. É a linguagem irresponsável das militâncias. Apelam para a estupidez dos rótulos e impedem uma reflexão mais profunda no mundo das ideias políticas que, no conjunto, inspiram e fundamentam doutrinas, ideologias, ação e projetos de mudanças, às vezes, temerárias da vida social.

De outra parte, reduzem ao simplismo binário a diversidade de formas que pode assumir a organização do mundo real. Os extremos do bem e do mal; do certo e do errado; do falso e do verdadeiro; eliminam, com a palavra envenenada, sistemas de pensamento que brotaram de mentes brilhantes. E foi a capacidade criativa e percepção científica que legaram ao mundo atual o liberalismo, o socialismo, o conservadorismo, o comunismo e suas variantes.

Digo variantes, porque todos os autores que formularam e estudaram, seriamente, o liberalismo, o socialismo e o conservadorismo, a eles se referem no plural porque se diferenciam ao abordar valores e princípios, revelando as variadas nuances.


No caso do socialismo, podem ser identificados o socialismo utópico, o socialismo científico, o socialismo fabiano e o socialismo democrático; no caso do liberalismo, a árvore frondosa do pensamento vai do liberalismo clássico, ao liberalismo social e aos novos neoliberalismos, entre eles, o neoliberalismo de forte influência na economia por força do Consenso de Washington.

O conservadorismo merece algumas considerações adicionais. No ambiente, radicalizado o epíteto “conservador”, especialmente no Brasil, significa uma ofensa por uma simples razão: propositadamente ou inadvertidamente, é utilizado para qualificar o interlocutor de “reacionário”.

O cientista político português, João Pereira Coutinho, Professor do Instituto Político da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, colunista da Folha de São Paulo que publicou As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários (São Paulo: Três Estrelas, 2014) inicia sua obra afirmando: “O conservadorismo não existe. Existem conservadorismos, no plural, porque assumem formas plurais de diferentes expressões no tempo e no espaço”. A afirmação injeta uma forte dose de serenidade na discussão reduzida à superficialidade dos dogmas ideológicos, clichês e da miséria do obscurantismo.

O mencionado autor faz parte de uma notável plêiade de pensadores a exemplo do eclético Roger Scruton, autor de mais de trinta obras (1944-2022), Michael Oakeshot (1901-1990), descendentes da tradição conservadora britânica, inaugurada pelo irlandês Edmund Burke (1729-1797) no livro seminal Reflexão sobre a Revolução Francesa (Ed. Universidade de Brasilia, 1977), berço e matriz do pensamento conservador.

Outro autor que compõe o núcleo do pensamento conservador é o americano Russel Kirk (1918-1994). Da vasta produção intelectual, cabe destacar A mente conservadora (não traduzida no Brasil) e A política da prudência (Ed. É Realizações, 2014).

Sua reconhecida abertura política e a cultuada virtude da tolerância o inspiraram a formular dez princípios conservadores aqui resumidos: 1. A ordem moral significa harmonia entre a natureza humana constante e a natureza moral permanente; 2. O respeito aos costumes e à continuidade, caminho que une as gerações, contrapostas à ruptura das revoluções; 3. A consagração pelo uso “o indivíduo pode ser tolo, mas a espécie é sábia”; 4. O princípio da prudência é sábio; 5. Respeito ao princípio da variedade; 6. O ponto de partida para ação é o reconhecimento do pressuposto da imperfeição humana; 7. Liberdade e propriedade estão intimamente ligadas, observados deveres morais e legais que regem os possuidores; 8. Comunidades voluntárias se opõem ao coletivismo imposto; 9. Limites entre o poder e as paixões humanas; 10. Conservar e mudar são duas faces de uma mesma moeda.

No caso brasileiro, a fogueira inquisitorial do patrulhamento é implacável. A primeira decisão do Ministro Cristiano Zanin foi amaldiçoada porque não atendeu aos sagrados propósitos da “esquerda progressista”. Nem as “respeitáveis togas” merecem a devida consideração.

Enfim, o radicalismo revolucionário e o revanchismo reacionário, intolerantes, colocam as ideias fora do lugar. O risco é natureza tímida das virtudes. Os extremos se impõem e para que a sociedade seja tolerável, concluo, citando João Pereira Coutinho, o princípio “é evitar que o poder seja exercido por monomaníacos”.

O Brasil é f...

Há coisas que qualquer palavra nomeia ou traduz. Para as inefáveis e intraduzíveis, existe o palavrão.

Ele ajuda a aliviar a dor (por isso xingamos ao dar uma topada) ou a frustração (daí os estádios explodirem em imprecações diante do passe errado, do gol perdido). Isso acontece porque desbocar-se é uma forma de transgressão. Afrontar um tabu (sexo, religião, escatologia) aumenta o nível de estresse e gera uma descarga de adrenalina que nos deixa mais aptos a enfrentar um perigo — ou a fugir dele. Ao desafiar a moral, o palavrão levanta o moral. E, frequentemente, substitui a agressão física. Bem-aventurado o que atribui a profissão mais antiga do mundo à genitora de quem lhe deu uma fechada no trânsito, pois isso sacia (em parte) sua sede de vingança e evita que retribua a barbeiragem na mesma moeda.

O palavrão tem outro superpoder: a polissemia. Um dos nomes vulgares da genitália masculina pode exprimir também admiração, entusiasmo e evocar algo excelente, sensacional. Um dos que designam a profissional do sexo adquire caráter hiperbolizante, no mesmo sentido. Longe de ofender, será um elogio e tanto: “É uma puta atriz, com uma atuação do caralho”.


Mas, para que funcione, o palavrão precisa manter afiado seu gume, preservada sua potência. Lâmina que muito se usa perde o fio: o calão depende da excepcionalidade e do interdito para surtir efeito. Tente gritar “livro!” ao esmagar o dedo do pé na quina do móvel ou, no auge de uma discussão, mandar alguém tomar água — e compare o resultado com os impropérios e obscenidades normalmente invocados nesses contextos.

Por isso o Ministério da Expressividade adverte: use com moderação.

Acometido do que Nelson Rodrigues chamou de “a doença infantil do palavrão”, o teatro abusou desse recurso para chocar a burguesia, saudosa das pequenas contravenções da quinta série e ávida por um simulacro de catarse. A maioria dos comediantes continua refém dessa fórmula para arrancar risadas, mas poucos a usam com o talento de um Juca Chaves.

Incapaz de lidar com críticas, a cantora Luísa Sonza tuitou:

— Marina Sena é foda, Jão é foda, Pabllo Vittar é foda, Iza é foda, Ludmilla é foda, Anitta é foda, Gloria Groove é foda, eu sou foda. Isso independe da opinião de vocês.

Aqui, o palavrão apenas denota pobreza vocabular, pretensão e arrogância. Compare-se com a maestria de Hilda Hilst: Sonhei penhascos/Quando havia o jardim aqui ao lado. /Pensei subidas onde não havia rastros. /Extasiada, fodo contigo/Ao invés de ganir diante do Nada.

Quando, de tão (mal) empregados, os palavrões atuais se naturalizarem, esvaziados de sua carga emocional — e surgirem outros, associados aos novos tabus que o politicamente correto tem se empenhado em criar —, talvez seja o caso de recuperar os que nos forem mais caros. Uma forma seria reabilitar o artifício puritano e hipócrita de usar apenas a inicial, seguida de reticências. Assim, diríamos que a campeã Ana Moser é foda e que Fufuca é f... — distinguindo o elogio do desdém. Ou, como cantou Caetano, que “a bossa nova é foda” — deixando o f... para a safra de artistas desconectados da realidade.

Quanto ao Brasil de Bolsonaro, Lula, Centrão, militância cega, anulação da Lava-Jato e fragilização da Ficha-Limpa... para esse, haja pontinhos.