sábado, 23 de setembro de 2023
Submundo
O submundo tosco de ideias e refinadamente intuitivo dos caudilhos não conhece direita nem esquerda, senão como rótulos. O que lhes importa é o poder, o uso pessoal dele, para enriquecer, para afogar suas inferioridades no ódio, na cobiça, na deslumbrada mediocridade do espanto de se verem tão alto – sem saber como nem para quê
Carlos Lacerda, “O Poder das Ideias”,
Carlos Lacerda, “O Poder das Ideias”,
A ignorância dos políticos
É raríssimo um político se confessar ignorante. Embora o sejam, na maioria, jamais admitem sua ignorância! Usualmente mostram-se cheios da verdade e elevam a voz, mentem e buscam humilhar quem os contesta.
Aliás, essa ignorância, a atitude e a arrogância de escamoteá-la são causas adicionais do atual descrédito nas instituições políticas e da radicalização da opinião pública, fenômeno este decorrente, também, dos algoritmos polarizadores do Facebook e do Twitter.
Aliás, essa ignorância, a atitude e a arrogância de escamoteá-la são causas adicionais do atual descrédito nas instituições políticas e da radicalização da opinião pública, fenômeno este decorrente, também, dos algoritmos polarizadores do Facebook e do Twitter.
Um raro político a se confessar ignorante é o inglês Rory Stewart. Parlamentar, perdeu a disputa da liderança do partido conservador para Boris Johnson, abandonou a política e foi professor em Harvard e Yale. Seria bom instituir mecanismos que levassem outros políticos a seguir seu exemplo e reconhecer suas limitações: melhoraria a democracia.
A seguir, algumas das suas confissões, publicadas no The Guardian (16/09/23). Impressionante como elas, embora se refiram à política do Reino Unido, se aplicam como luva à realidade brasileira, e de outros países!
Stewart chegou ao parlamento em 2010, “em meio a pessoas que se pareciam com ele e compartilhavam as mesmas ideias. Então, enquanto o mundo mudava de maneiras inimagináveis, ele assistia horrorizado que as pessoas não acompanhavam as mudanças”.
Como ministro, em 2015, responsável por enchentes, florestas, parques nacionais, qualidade do ar, entre outros assuntos “sobre os quais eu sabia quase nada”, fui surpreendido pelos efeitos da maior chuva jamais ocorrida na Inglaterra “e fiz um comentário idiota”. “Sentia-me como um ator menor, parte da antiga tradição de ministros subqualificados e desequilibrados imersos na prática política britânica”.
“Em 2015, a ministra do meio ambiente, Liz Truss (posteriormente primeira-ministra do Reino Unido defenestrada poucas semanas após a posse) me pediu para preparar um plano de dez pontos para os parques nacionais, apenas uma semana após a minha posse, assim revelando que o que parecia ser política pública era simplesmente uma peça de propaganda desenhada para dar ilusão de dinamismo”.
“Eu havia descoberto quão grotescamente subqualificados tantos de nós éramos, inclusive eu, para os cargos que ocupávamos. Fui ministro de cinco diferentes ministérios em pouco mais de três anos e fui responsável por todas as prisões da Grã-Bretanha sem saber nada sobre prisões, o serviço prisional, a lei e a liberdade condicional”. “É uma cultura que privilegia a campanha em detrimento de uma governança cuidadosa, pesquisas de opinião em detrimento de debates aprofundados sobre políticas, anúncios em lugar de implementação”.
Pulando da Inglaterra para o Brasil, tivemos na semana passada uma “reforma ministerial” para incluir duas pessoas no primeiro escalão, embora, por semanas, não se soubesse qual ministério seria atribuído a qual delas! Conhecimento do assunto? Não importa. A solução? Mais verbas, com menos controle!
Isso pode dar certo, no sentido de contribuir para melhorar a qualidade e vida dos brasileiros mais necessitados?
A seguir, algumas das suas confissões, publicadas no The Guardian (16/09/23). Impressionante como elas, embora se refiram à política do Reino Unido, se aplicam como luva à realidade brasileira, e de outros países!
Stewart chegou ao parlamento em 2010, “em meio a pessoas que se pareciam com ele e compartilhavam as mesmas ideias. Então, enquanto o mundo mudava de maneiras inimagináveis, ele assistia horrorizado que as pessoas não acompanhavam as mudanças”.
Como ministro, em 2015, responsável por enchentes, florestas, parques nacionais, qualidade do ar, entre outros assuntos “sobre os quais eu sabia quase nada”, fui surpreendido pelos efeitos da maior chuva jamais ocorrida na Inglaterra “e fiz um comentário idiota”. “Sentia-me como um ator menor, parte da antiga tradição de ministros subqualificados e desequilibrados imersos na prática política britânica”.
“Em 2015, a ministra do meio ambiente, Liz Truss (posteriormente primeira-ministra do Reino Unido defenestrada poucas semanas após a posse) me pediu para preparar um plano de dez pontos para os parques nacionais, apenas uma semana após a minha posse, assim revelando que o que parecia ser política pública era simplesmente uma peça de propaganda desenhada para dar ilusão de dinamismo”.
“Eu havia descoberto quão grotescamente subqualificados tantos de nós éramos, inclusive eu, para os cargos que ocupávamos. Fui ministro de cinco diferentes ministérios em pouco mais de três anos e fui responsável por todas as prisões da Grã-Bretanha sem saber nada sobre prisões, o serviço prisional, a lei e a liberdade condicional”. “É uma cultura que privilegia a campanha em detrimento de uma governança cuidadosa, pesquisas de opinião em detrimento de debates aprofundados sobre políticas, anúncios em lugar de implementação”.
Pulando da Inglaterra para o Brasil, tivemos na semana passada uma “reforma ministerial” para incluir duas pessoas no primeiro escalão, embora, por semanas, não se soubesse qual ministério seria atribuído a qual delas! Conhecimento do assunto? Não importa. A solução? Mais verbas, com menos controle!
Isso pode dar certo, no sentido de contribuir para melhorar a qualidade e vida dos brasileiros mais necessitados?
É primavera!...
Rastreava os registros sobre a chegada da primavera, quando surgiu na tela um informe do jornalista e pesquisador Cláudio Ângelo, sobre a morte de Alberto Setzer, cientista espacial brasileiro, descendente de russos imigrados , da equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de São José dos Campos. Foi ele quem detectou e denunciou para o mundo as queimadas na Amazônia. Tinha com ele um certo relacionamento.
Até os anos de 1980, convivia-se no Brasil, passivamente, com a passagem dos tempos secos, incendiários, do inverno tropical, à espera, em setembro, da primavera, cheia de frutos e flores, aquela da "fresca madrugada", de que falava o poeta Raimundo Correia. Contudo, no final da década, uma onda de calor sacudiu o hemisfério Norte, registrando-se em Nova York temperaturas acima de 37oC . O Senado americano convocou uma audiência pública, na qual o cientista da NASA - Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento da Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas.
Atribuía-se à queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) . Mas, o problema envolvia um modelo industrializante, que propiciava o crescimento econômico no mundo, e gerava milhões de empregos. No dia seguinte ao encontro, o jornal The New York Times abriu uma manchete: “O aquecimento global começou!”.
A informação despertou, no Brasil, a atenção do jovem e curioso cientista Alberto Setzer para as imagens de satélite que chegavam às suas mãos diariamente. Da sua análise resultou a constatação de que o volume de gases poluidores e mortíferos produzidos na terra espalhavam-se pela atmosfera ao redor do Planeta. Notou ainda que boa parte dele era engolido, contudo, pelas florestas. A Amazônia, com uma extensão contínua de 6,7 milhões de km2, absorvia aqueles gases: gás carbônico (CO2) , o metano (CH4) e o nitroso de oxigênio (N2O) que fragilizavam a proteção da terra contra os raios solares .
A floresta em pé ajudava a manter o equilíbrio climático na terra, e protegia a extensa biodiversidade - concluíra -, representada por cerca de 36% das espécies da flora e da fauna. O Brasil detinha 5,2 milhões de km2 só na Amazônia. Era o seu grande celeiro. O desmatamento e, sobretudo, as grandes queimadas, para plantio de soja e formação de pastos na área da agropecuária, tratavam a questão com indiferença, despejando na atmosfera enormes volumes de gases venenosos com os extensos desmates e queimadas.
Setzer via aquilo nas imagens de satélite, e convencera-se de que as queimadas na Amazônia era um dos pontos críticos das mudanças do clima no Planeta, pois liberava não só gases tóxicos na atmosfera, mas destruía o solo, poluía as águas e extinguia, em definitivo, milhares de princípios ativos de vida na terra, gerando desequilíbrios climáticos.
O chamado buraco de ozônio e o tal efeito estufa, decorrentes dessas emissões, permitiam a incidência direta dos raios solares sobe a superfície terrestre. Provocariam mesmo secas prolongadas e uma elevação da temperatura na Terra. Com ela, a possibilidade da subida das águas no oceano, pelo descongelamento das geleiras, afogando alguns países-ilhas e centenas de cidades costeiras no mundo . Foi nesse momento de profunda agonia de Setzer que nos conhecemos.
Ele apareceu subitamente lá na sede do IBDF - Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (1987), hoje IBAMA. Era hora do almoço, e não havia ninguém para atendê-lo. Eu era o coordenador de Comunicação. Com elevada paciência e modéstia, começou a me mostrar alguns mapas de queimadas na Amazônia. Levei o maior susto. Nunca havia visto indicadores tão perversos como aqueles. Estava totalmente contaminado pela ideia do desenvolvimento sustentável, descrito no Relatório (Gro)Brundland - primeira ministra da Noruega -, intitulado "Nosso futuro comum".
Almoçamos por ali mesmo, para ganhar tempo. Lá pelos duas e meia da tarde, o Presidente chegou, e sugeri que o recebesse. Setzer conversou com ele por cerca de uma hora, mostrando-lhe os mapas, e retornou à Assessoria para relatar a conversa. Confessou, meio desanimado, que não sentiu entusiasmo sobre o assunto. Jovem inda, tinha um jeito formal, mas descontraía-se na medida em que conversávamos.
Indignado, disse-lhe: "Dá um tempo... Se nada acontecer, nós vamos passar, clandestinamente, essas informações para a imprensa. Você não diz e nem divulga nada, por enquanto". Poderíamos ser presos. Eu já não tinha uma boa folha corrida no SNI. Ele topou. Meu contato com a imprensa era amplo. Havia saído de grandes reportagens para a Folha de São Paulo, Última Hora e o Correio Braziliense sobre projeto Radam e a , inundação de cidades e vilas centenárias do vale do São Francisco, pelo reservatório de Sobradinho. A Folha trombeteara: "O Sertão vai virar Mar!"
Agora, mais tarde, na Assessoria do IBDF editávamos uma revista intitulada "Brasil Florestal" (perto de 100 edições) - de caráter semi científico. Publicara dois ou três trabalhos de um professor da Universidade Federal do Paraná, Ronaldo Santos, sobre os "incêndios" florestais, e modelos de manejo possíveis para o combate ao fogo. Santos inspirara-se, sobretudo em um monumental incêndio na reserva florestal dos Klabin, no Paraná. Uma destruição assustadora: 200 mil hectaresa! Coisa assim...
Mas, a história do Setzer passara a me intrigar, sobretudo, porque assistia, de dentro do órgão, o pouco interesse pelos incêndios e, sobretudo, as queimadas. O pessoal só pensava em incentivos fiscais para o reflorestamento. Queimadas era uma tecnologia primitiva usada na área da agricultura. O silêncio dos governos e a indiferença das grandes empresas sobre o meio ambiente, iriam fazer surgir um exército de reserva : milhares de organizações civis de defesa do meio ambiente, logo estigmatizados como "ecoloucos".
Nada acontecera mesmo. Partimos, então, para a denúncia clandestina. Milhares de quilômetros quadrados da floresta Amazônica estavam sendo queimados diariamente, e ninguém se atentava para aquele desastre. Setzer contava cada foco de incêndio que o satélite registrava e media sua extensão. Revelados os números, foi um escândalo nacional e internacional. Deu manchete e capas em todos os jornais e revistas do Brasil e do mundo. A revista Time puxou uma chamada de primeira página: "A Amazônia está pegando fogo!". Foi o estopim para o surgimento de novas políticas públicas contra mudanças climáticas no Planeta. Se temos ainda primavera, Setzer, este sim, merece o "Prêmio Nobel!"
Até os anos de 1980, convivia-se no Brasil, passivamente, com a passagem dos tempos secos, incendiários, do inverno tropical, à espera, em setembro, da primavera, cheia de frutos e flores, aquela da "fresca madrugada", de que falava o poeta Raimundo Correia. Contudo, no final da década, uma onda de calor sacudiu o hemisfério Norte, registrando-se em Nova York temperaturas acima de 37oC . O Senado americano convocou uma audiência pública, na qual o cientista da NASA - Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento da Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas.
Atribuía-se à queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) . Mas, o problema envolvia um modelo industrializante, que propiciava o crescimento econômico no mundo, e gerava milhões de empregos. No dia seguinte ao encontro, o jornal The New York Times abriu uma manchete: “O aquecimento global começou!”.
A informação despertou, no Brasil, a atenção do jovem e curioso cientista Alberto Setzer para as imagens de satélite que chegavam às suas mãos diariamente. Da sua análise resultou a constatação de que o volume de gases poluidores e mortíferos produzidos na terra espalhavam-se pela atmosfera ao redor do Planeta. Notou ainda que boa parte dele era engolido, contudo, pelas florestas. A Amazônia, com uma extensão contínua de 6,7 milhões de km2, absorvia aqueles gases: gás carbônico (CO2) , o metano (CH4) e o nitroso de oxigênio (N2O) que fragilizavam a proteção da terra contra os raios solares .
A floresta em pé ajudava a manter o equilíbrio climático na terra, e protegia a extensa biodiversidade - concluíra -, representada por cerca de 36% das espécies da flora e da fauna. O Brasil detinha 5,2 milhões de km2 só na Amazônia. Era o seu grande celeiro. O desmatamento e, sobretudo, as grandes queimadas, para plantio de soja e formação de pastos na área da agropecuária, tratavam a questão com indiferença, despejando na atmosfera enormes volumes de gases venenosos com os extensos desmates e queimadas.
Setzer via aquilo nas imagens de satélite, e convencera-se de que as queimadas na Amazônia era um dos pontos críticos das mudanças do clima no Planeta, pois liberava não só gases tóxicos na atmosfera, mas destruía o solo, poluía as águas e extinguia, em definitivo, milhares de princípios ativos de vida na terra, gerando desequilíbrios climáticos.
O chamado buraco de ozônio e o tal efeito estufa, decorrentes dessas emissões, permitiam a incidência direta dos raios solares sobe a superfície terrestre. Provocariam mesmo secas prolongadas e uma elevação da temperatura na Terra. Com ela, a possibilidade da subida das águas no oceano, pelo descongelamento das geleiras, afogando alguns países-ilhas e centenas de cidades costeiras no mundo . Foi nesse momento de profunda agonia de Setzer que nos conhecemos.
Ele apareceu subitamente lá na sede do IBDF - Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (1987), hoje IBAMA. Era hora do almoço, e não havia ninguém para atendê-lo. Eu era o coordenador de Comunicação. Com elevada paciência e modéstia, começou a me mostrar alguns mapas de queimadas na Amazônia. Levei o maior susto. Nunca havia visto indicadores tão perversos como aqueles. Estava totalmente contaminado pela ideia do desenvolvimento sustentável, descrito no Relatório (Gro)Brundland - primeira ministra da Noruega -, intitulado "Nosso futuro comum".
Almoçamos por ali mesmo, para ganhar tempo. Lá pelos duas e meia da tarde, o Presidente chegou, e sugeri que o recebesse. Setzer conversou com ele por cerca de uma hora, mostrando-lhe os mapas, e retornou à Assessoria para relatar a conversa. Confessou, meio desanimado, que não sentiu entusiasmo sobre o assunto. Jovem inda, tinha um jeito formal, mas descontraía-se na medida em que conversávamos.
Indignado, disse-lhe: "Dá um tempo... Se nada acontecer, nós vamos passar, clandestinamente, essas informações para a imprensa. Você não diz e nem divulga nada, por enquanto". Poderíamos ser presos. Eu já não tinha uma boa folha corrida no SNI. Ele topou. Meu contato com a imprensa era amplo. Havia saído de grandes reportagens para a Folha de São Paulo, Última Hora e o Correio Braziliense sobre projeto Radam e a , inundação de cidades e vilas centenárias do vale do São Francisco, pelo reservatório de Sobradinho. A Folha trombeteara: "O Sertão vai virar Mar!"
Agora, mais tarde, na Assessoria do IBDF editávamos uma revista intitulada "Brasil Florestal" (perto de 100 edições) - de caráter semi científico. Publicara dois ou três trabalhos de um professor da Universidade Federal do Paraná, Ronaldo Santos, sobre os "incêndios" florestais, e modelos de manejo possíveis para o combate ao fogo. Santos inspirara-se, sobretudo em um monumental incêndio na reserva florestal dos Klabin, no Paraná. Uma destruição assustadora: 200 mil hectaresa! Coisa assim...
Mas, a história do Setzer passara a me intrigar, sobretudo, porque assistia, de dentro do órgão, o pouco interesse pelos incêndios e, sobretudo, as queimadas. O pessoal só pensava em incentivos fiscais para o reflorestamento. Queimadas era uma tecnologia primitiva usada na área da agricultura. O silêncio dos governos e a indiferença das grandes empresas sobre o meio ambiente, iriam fazer surgir um exército de reserva : milhares de organizações civis de defesa do meio ambiente, logo estigmatizados como "ecoloucos".
Nada acontecera mesmo. Partimos, então, para a denúncia clandestina. Milhares de quilômetros quadrados da floresta Amazônica estavam sendo queimados diariamente, e ninguém se atentava para aquele desastre. Setzer contava cada foco de incêndio que o satélite registrava e media sua extensão. Revelados os números, foi um escândalo nacional e internacional. Deu manchete e capas em todos os jornais e revistas do Brasil e do mundo. A revista Time puxou uma chamada de primeira página: "A Amazônia está pegando fogo!". Foi o estopim para o surgimento de novas políticas públicas contra mudanças climáticas no Planeta. Se temos ainda primavera, Setzer, este sim, merece o "Prêmio Nobel!"
Crime de multidão chega ao Supremo
Os três julgamentos de 12 a 14 de setembro, relativos à intentona de 8 de janeiro, pela primeira vez levaram à Suprema Corte, no Brasil, um crime de multidão, de motivação política. O fato propôs aos ministros o desafio de conhecer e julgar uma modalidade sociologicamente pós-moderna de crime, o de um novo sujeito de questionamento delinquente da ordem social e política.
O país, desde a segunda metade do século passado, vinha se destacando pelos crescentes índices de linchamentos e já é hoje um dos países que mais lincham no mundo: quatro a cinco linchamentos ou tentativas por dia. Pelo menos 1 milhão de brasileiros participou desses eventos em pouco mais de meio século. O justiçamento, a justiça pelas próprias mãos, já faz parte da nossa cultura cotidiana. A turba da praça dos Três Poderes vinha sendo formada há tempos.
Os linchamentos têm motivação moral, de uma moralidade decrépita e persistente, de país atrasado, baseada em velhos códigos, como as Ordenações Filipinas e as práticas da Santa Inquisição. Aqueles que ficaram residualmente inscritos na consciência social profunda de uma sociedade em que a justiça não era acessível à imensa maioria, e ainda não é, embora a injustiça estivesse e ainda está na vida cotidiana de carências e violências de grande parcela do povo.
Uma das injustiças se expressa, justamente, em atos, como os de 8 de janeiro, de uma multidão partidarizada, mas não politizada, que desconhece as instituições e suas regras, que faz política como vingança difusa contra um outro imaginário e abstrato. Os manipuláveis e descartáveis. Os pobres de espírito.
A novidade neste caso é que essa anomia estrutural desta sociedade, na intentona de 8 de janeiro, que já era o golpe em andamento, expressou-se pela primeira vez de maneira visível. Mas como ato em que a anormalidade gravíssima deu-se a ver como ato supostamente lícito, tácita ou expressamente apoiado ou coadjuvado por militares, por igrejas, por empresas, a classe média dos alienados da inclusão econômica sem inclusão política. Os órfãos de compromisso com a civilidade e com o discernimento. Uma proclamação da ignorância e do desconhecimento como um direito.
As estruturas fundamentais da sociedade brasileira foram submetidas à demolição preparatória dos atos de 8 de janeiro, entre 2019 e 2022, na educação, na religiosidade, na economia, nos valores de referência, na cultura. Como Alice no País das Maravilhas, de Carroll, quanto mais caminhamos, mais voltamos para trás.
Achamos que somos patriotas e valentões porque não percebemos que multidão delinquente tem sido aqui a institucionalização da covardia. Nos pouco mais do que 2 mil casos de linchamento que estudei, isso foi comprovado. Separei linchamentos diurnos de linchamentos noturnos e calculei o tamanho da turba e o índice de sua crueldade em cada grupo. A turba é maior e mais cruel nos linchamentos noturnos do que nos diurnos. Ou seja, quando quem lincha acha que ninguém está vendo sua cara. Sabe, portanto, que se trata de um crime.
No 8 de janeiro, isso aconteceu de outro modo. A convicção induzida de que o clamor pelo golpe de Estado tinha apoio de militares, de igrejas e de empresas foi a escuridão imaginária de que careciam para proteger-se contra o crime que sabiam estar cometendo. Certeza que tiveram ao serem acobertados e apoiados em portas de quartéis, em púlpitos de igrejas, no transporte dos patrocinadores da viagem e na infraestrutura de acampamentos.
Na enorme lista dos que estão sujeitos a julgamento e começaram a ser julgados os principais membros da multidão não estão visíveis. Quem nela esteve depredando, gritando e orando pelo golpe, e até fazendo em áreas simbólicas dos palácios aquilo que se faz na privada, não é inocente, a não ser na sociologicamente pobre concepção de que sobre o ente coletivo prevalece o indivíduo.
Desde o famoso estudo de Gustave Le Bon sobre a multidão, confirmado por inúmeros estudos em diferentes sociedades, o indivíduo não é mero cúmplice e coadjuvante do ser coletivo que nele se oculta e que irrompe com violência quando se integra na multidão, da qual sabe que se torna mente e braço.
Ele se entrega à condição de ser manipulado pelos poderes da desordem e personifica, na duração da manifestação, o ser oculto que na turba não tem senão a cara da multidão. Ele é o agente ativo dos que a divisão do trabalho político da desordem deu a função e a conveniência da invisibilidade da incitação e da manipulação de vontades alheias. É o executor de um projeto político de alienados e do avesso. O de mudar pela destruição dos recintos e objetos não pela transformação da sociedade que simbolizam.
O país, desde a segunda metade do século passado, vinha se destacando pelos crescentes índices de linchamentos e já é hoje um dos países que mais lincham no mundo: quatro a cinco linchamentos ou tentativas por dia. Pelo menos 1 milhão de brasileiros participou desses eventos em pouco mais de meio século. O justiçamento, a justiça pelas próprias mãos, já faz parte da nossa cultura cotidiana. A turba da praça dos Três Poderes vinha sendo formada há tempos.
Os linchamentos têm motivação moral, de uma moralidade decrépita e persistente, de país atrasado, baseada em velhos códigos, como as Ordenações Filipinas e as práticas da Santa Inquisição. Aqueles que ficaram residualmente inscritos na consciência social profunda de uma sociedade em que a justiça não era acessível à imensa maioria, e ainda não é, embora a injustiça estivesse e ainda está na vida cotidiana de carências e violências de grande parcela do povo.
Uma das injustiças se expressa, justamente, em atos, como os de 8 de janeiro, de uma multidão partidarizada, mas não politizada, que desconhece as instituições e suas regras, que faz política como vingança difusa contra um outro imaginário e abstrato. Os manipuláveis e descartáveis. Os pobres de espírito.
A novidade neste caso é que essa anomia estrutural desta sociedade, na intentona de 8 de janeiro, que já era o golpe em andamento, expressou-se pela primeira vez de maneira visível. Mas como ato em que a anormalidade gravíssima deu-se a ver como ato supostamente lícito, tácita ou expressamente apoiado ou coadjuvado por militares, por igrejas, por empresas, a classe média dos alienados da inclusão econômica sem inclusão política. Os órfãos de compromisso com a civilidade e com o discernimento. Uma proclamação da ignorância e do desconhecimento como um direito.
As estruturas fundamentais da sociedade brasileira foram submetidas à demolição preparatória dos atos de 8 de janeiro, entre 2019 e 2022, na educação, na religiosidade, na economia, nos valores de referência, na cultura. Como Alice no País das Maravilhas, de Carroll, quanto mais caminhamos, mais voltamos para trás.
Achamos que somos patriotas e valentões porque não percebemos que multidão delinquente tem sido aqui a institucionalização da covardia. Nos pouco mais do que 2 mil casos de linchamento que estudei, isso foi comprovado. Separei linchamentos diurnos de linchamentos noturnos e calculei o tamanho da turba e o índice de sua crueldade em cada grupo. A turba é maior e mais cruel nos linchamentos noturnos do que nos diurnos. Ou seja, quando quem lincha acha que ninguém está vendo sua cara. Sabe, portanto, que se trata de um crime.
No 8 de janeiro, isso aconteceu de outro modo. A convicção induzida de que o clamor pelo golpe de Estado tinha apoio de militares, de igrejas e de empresas foi a escuridão imaginária de que careciam para proteger-se contra o crime que sabiam estar cometendo. Certeza que tiveram ao serem acobertados e apoiados em portas de quartéis, em púlpitos de igrejas, no transporte dos patrocinadores da viagem e na infraestrutura de acampamentos.
Na enorme lista dos que estão sujeitos a julgamento e começaram a ser julgados os principais membros da multidão não estão visíveis. Quem nela esteve depredando, gritando e orando pelo golpe, e até fazendo em áreas simbólicas dos palácios aquilo que se faz na privada, não é inocente, a não ser na sociologicamente pobre concepção de que sobre o ente coletivo prevalece o indivíduo.
Desde o famoso estudo de Gustave Le Bon sobre a multidão, confirmado por inúmeros estudos em diferentes sociedades, o indivíduo não é mero cúmplice e coadjuvante do ser coletivo que nele se oculta e que irrompe com violência quando se integra na multidão, da qual sabe que se torna mente e braço.
Ele se entrega à condição de ser manipulado pelos poderes da desordem e personifica, na duração da manifestação, o ser oculto que na turba não tem senão a cara da multidão. Ele é o agente ativo dos que a divisão do trabalho político da desordem deu a função e a conveniência da invisibilidade da incitação e da manipulação de vontades alheias. É o executor de um projeto político de alienados e do avesso. O de mudar pela destruição dos recintos e objetos não pela transformação da sociedade que simbolizam.
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