quinta-feira, 23 de julho de 2015

De volta ao que sempre fomos

Em novembro de 2009, Beirute foi a capital mundial do livro, título concedido anualmente pela Unesco. Em comemoração, foram convidados 15 escritores de oito países para debater as perspectivas da literatura. No dia da chegada, participamos de um jantar oficial oferecido pela universidade Saint Joseph, a segunda mais importante do Líbano. À entrada, o reitor recebia a todos com uma simpática mas rápida saudação. Quando chegou minha vez, no entanto, ele, ao ouvir o nome Brasil, segurou caloroso minha mão e passou a perguntar sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com curiosidade e admiração.


Um ano antes, Lula havia desafiado a crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana ao afirmar taxativamente que o que era tsunami nos Estados Unidos seria sentido no máximo como marolinha no Brasil. Assim, se em 2008 o Produto Interno Bruto cresceu 5%, no ano seguinte —reflexo do “tsunami” norte-americano— conheceria uma forte retração (0,2% negativo), dando um enorme salto em 2010 (7,6%), último ano do segundo mandato de Lula. Vivíamos então a euforia de ser a sétima maior economia do planeta —todos os olhos voltavam-se para nós. Por conta disso, Lula não encontrou grandes dificuldades para eleger como sucessora sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, nome estranho aos quadros históricos do partido —ela filiou-se em 2001 e na posse do primeiro mandato de Lula, janeiro de 2003, já era titular da pasta de Minas e Energia.

No poder, Lula, assim como Dilma, mostraram-se bastante pragmáticos. Eleitos por uma aliança com partidos conservadores, alguns claramente identificados com clientelismo e corrupção, desenvolveram uma política econômica baseada na ampliação do número de consumidores, não pela distribuição de renda, mas pela transferência de renda, via assistência social. O modelo começou a desmoronar já ao longo do primeiro mandato de Dilma: o PIB cresceu 3,9% em 2011, 1,8% em 2012, 2,7% em 2013 e 0,1% em 2014. E as perspectivas para este ano são péssimas: retração de 1,5% no PIB, taxa de desemprego de 8%, inflação de 9%.

É evidente que não se pode imputar unicamente a crise econômica ao governo —somos peças de um quebra-cabeças internacional. Mas, com certeza, grande parte da responsabilidade deve-se à tomada de decisões erradas, agravadas agora por uma crise institucional sem precedentes, que ameaça paralisar ainda mais o país. Em curso, a Operação Lava-Jato já possibilitou a abertura de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra 12 senadores, incluindo o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e 22 deputados federais. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), envolvido em denúncias de corrupção, ameaça, como patética retaliação, patrocinar a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Segundo na linha de sucessão, Cunha, que conta com apoio de boa parte do Congresso, pertence ao mesmo partido do vice-presidente Michel Temer, primeiro na linha de sucessão —o PMDB vem se favorecendo da aliança com o PT, com cargos e influência, desde 2006.

Não se pode imputar unicamente a crise econômica ao governo. Mas parte da responsabilidade deve-se à tomada de decisões erradas, agravadas agora por uma crise institucional sem precedentes, que ameaça paralisar ainda mais o país


Mesmo como bravata, a atitude de Cunha acirra o já tenso panorama político-econômico. Um processo de impeachment inviabiliza o país pelo tempo em que se arrastar, que nunca é breve. Esse, portanto, deveria ser um momento de reflexão e sobriedade. No entanto, parece que, acima dos interesses coletivos, plainam soberbas as conveniências particulares. O PMDB se beneficia em qualquer dos cenários futuros: mantida no comando, Dilma, enfraquecida, dependeria ainda mais do partido, que parasita a máquina administrativa com voracidade; com Dilma impedida, o PMDB assume o governo —em ambas as situações, sai fortalecido para lançar candidato próprio nas próximas eleições. O PSDB também ganha, pois se consolida como opção viável para governar o país, apesar de seu candidato natural, o senador Aécio Neves, ter seu principal aliado, o senador e ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, envolvido no processo da Operaçao Lava-Jato que corre no STF.

Bons tempos aqueles em que despertávamos a atenção do mundo pela novidade que representávamos: primeira nação governada por um ex-operário líder de uma agremiação de esquerda não comunista, que, rezando por uma cartilha heterodoxa, impelia o crescimento do país num momento de estagnação da economia global. Hoje, envolvido em denúncias de lobby em favor de empreiteiras no exterior, e cercado por dirigentes envolvidos em negociatas, Lula não passa de um triste simulacro de si mesmo —e o Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante.

Luiz Ruffato

Para pensar

O Congresso é tão envolvido com o dinheiro que qualquer solução no interesse geral está frustrada e subvertida por interesses corporativos que consideram passíveis de dano pelo progresso, o jogo limpo e a justiça
E. L. Doctorow, escritor norte-americano (1931 – 2015)
 

Até quando?

Desconheço a origem da necessidade que têm os homens de buscar amparo na imagem de heróis, salvadores da pátria e defensores da moral. Apenas reconheço - e me entristeço, ao saber que inclusive eu mesmo sou afetado - que, atualmente, essa carência só vem se expandindo, mais e mais.

No futebol, o fenômeno que ficou conhecido por "neydependência" nos deixa frustrados ao saber que, sem Neymar, nossa seleção não ganha sequer do Paraguai.

Na política, no entanto, temos hoje um cenário muito mais alarmante. Trata-se de uma "Cunha dependência", "PSDB dependência", ou, até mesmo, "Moro dependência".

Cansados de tanta corrupção, esperamos ansiosamente, dia após dia, que criminosos delatem outros criminosos, que a Polícia Federal encontre novas provas, que o TCU recomende a reprovação das contas da Presidente, que o Congresso Nacional reprove estas contas, que Eduardo Cunha coloque em votação o impeachment de Dilma Rousseff... Enfim, que tudo ocorra para que possamos dispor de todos os meios e de toda materialidade para dar um basta em tudo que há de errado.

Mas e quando nossos ídolos saem da linha e se tornam iguais - ou piores - que nossos algozes?

A delação de Júlio Camargo, que afirmou que Eduardo Cunha exigiu 5 milhões de propina, é apenas um exemplo de tantos dilemas que o brasileiro de bem, cansado de tanta corrupção, precisa enfrentar ao depender de políticos.

O petista histórico, que se emocionava com o trabalho político de Lula antes de 2002, também deve sentir esse dilema ao ver seu partido afundado nos maiores escândalos de corrupção da história.

No final das contas, grande parte do que vemos na política brasileira não passa de teatro. Com oportunismo, jogam para a plateia - isto é, nós, brasileiros comuns, sem foro privilegiado. Tornarmo-nos defensores cegos e hipócritas, ou céticos acomodados, descrentes num futuro melhor? Eis a questão.

A verdade é que o povo, aos poucos, amadurece.

Minha resposta a tudo isso, portanto, não poderia ser diferente: continuarei lutando não por políticos, mas por ideias que transcendem carne e ossos, defendendo um ideal de justiça de um Estado verdadeiramente de Direito, que se aplique não só a meus adversários, mas a meus aliados e a mim mesmo. Erga omnes.

Julio Lins ("Vem Pra Rua")

Lula no olhar português

Mal comparando

O que os japoneses já consideram como um dos maiores escândalos corporativos de sua história foi um tipo de pedalada contábil da Toshiba. Manipulando receitas e despesas de um ano para outro, a diretoria gerou lucros, digamos, falsos no valor de US$ 1,2 bilhão, ao longo de sete anos.

Só perde, lá no Japão, para o escândalo da Olympus, que escondeu um prejuízo de US$ 1,7 bilhão por vários anos.

A Petrobras, no seu último balanço, estimou perdas de R$ 6,2 bilhões, ou US$ 2 bilhões, só com a corrupção apanhada pela Lava-Jato até o final do ano passado. E olha que foi um cálculo “conservador”, na expressão do presidente da estatal, Aldemir Bendine.

Eis a comparação: contando o que se sabe até agora, de maneira conservadora, a corrupção na Petrobras já supera os dois maiores escândalos corporativos da economia japonesa — que é, por sinal, duas vezes e meia maior que a brasileira.


Mas tem mais: no mesmo balanço, a Petrobras fez uma baixa contábil de R$ 44 bilhões (14,2 bilhões de dólares). Ativos estavam excessivamente valorizados, especialmente a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio, dois principais alvos dos ataques do pessoal da Lava-Jato.

Tudo somado, baixas admitidas de US$ 16,2 bilhões, oito vezes maior que o maior escândalo japonês.

Quando a operação começou, ninguém podia imaginar o seu tamanho. Ninguém exceto os envolvidos. Pois um deles, um alto executivo, no dia das primeiras prisões, respondeu assim quando lhe perguntaram se aquilo era mesmo coisa séria: “É o maior escândalo corporativo da economia mundial".

Brasil!

Tem mais: os diretores da Toshiba não estão sendo acusados de corrupção. Talvez tenham recebido uns trocados a mais por conta de bônus pelos bons resultados forjados. Mas não meteram a mão no dinheiro da companhia nem do governo.

O agora ex-presidente da Toshiba Hisao Tanaka negou que tenha instruído seu pessoal a fraudar a contabilidade. Mas aceitou os resultados da auditoria, pela qual ele pelo menos sabia que os lucros estavam superestimados. Renunciou e, diante das câmeras, fez uma reverência de 15 segundos.

Tem muita delação premiada por aqui. Mas o presidente da estatal no período em que os roubos ocorreram, José Sérgio Gabrielli, nega qualquer responsabilidade e afirma que tudo não passou de mal feito de alguns funcionários.

Lula, em cuja gestão ocorreram os roubos e os, digamos, desvios de gestão, com os ativos superestimados, vai pelo mesmo caminho. Foi Lula quem mandou a Petrobras multiplicar de maneira perigosa os seus investimentos.

E a presidente Dilma Rousseff, que foi presidente do Conselho da Petrobras quando ocorria o escândalo, também não sabia de nada.

Tudo bem?

Gabrielli, Lula e Dilma não são investigados. Mesmo que nunca venham a ser, não seria apropriado ao menos um pedido de desculpas? Afinal, deixaram uma Petrobras roubada e quase destruída.

Tudo isso para dizer que esse escândalo tem um lado positivo: escancarou práticas de governo e empresariais que constituem o pior do capitalismo. Roubam o contribuinte e os acionistas das empresas estatais e privadas, tornam ineficientes os investimentos públicos e privados, concentram renda e atrasam a economia.

Vejam o estado em que se encontra toda a cadeia da indústria do petróleo. Montada sobre uma ficção — a de que já estávamos ricos — e construída na base de protecionismo do Estado e corrupção, está hoje em pedaços. Desperdiçou um precioso capital e não tem a menor competitividade na economia global.

Pelo pior caminho, estamos vendo que quanto mais o Estado se mete na vida das pessoas, da economia e do país, menos eficiente o capitalismo e mais fácil a roubalheira.

Está na hora de se tirar outra coisa boa dessa história, à japonesa: os executivos, do governo e das empresas privadas, são sempre responsáveis pelos roubos e equívocos. Ou porque sabiam ou porque não sabiam. No primeiro caso, o peso da lei. No segundo, a força da ética. Não digo harakiri, mas pelo menos 15 segundos curvados.

Dinheiro sobrando

Lembram-se da Irlanda? Isso, aquele pequeno país da Zona do Euro que sofreu com o estouro de uma bolha imobiliária e financeira, recebeu um pacote de ajuda da Europa e aplicou um severo programa de ajuste fiscal.

Então, nesta semana, o governo irlandês chamou uma consulta pública para saber como gastar cerca de 1,5 bilhão de euros (pouco mais de 5 bilhões de reais), dinheiro que está sobrando no orçamento para o ano que vem.

Estão discutindo se vão reduzir impostos ou aumentar o gasto público. Que tal?

Eleições da pindaíba

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, admitiu, em depoimento à CPI da Petrobras, que doações ilegais poderiam encobrir corrupção. Com o final das eleições no ano passado, as empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato pararam de fazer doações aos partidos em outubro de 2014. De lá para cá, tais doações secaram.

Para piorar, a redução dramática dos gastos públicos indica que os prefeitos terão poucas obras para inaugurar na reta final de seu mandato. Obras podem significar doações para campanhas; sem obras, elas podem minguar também.

Não entrando, no mérito da questão sobre se as doações vieram ou não de ações ilícitas, o fato é que tal situação traz um resultado claro: as eleições municipais de 2016 serão pobres de recursos. Os rios tributários que as irrigavam estão secos. Doações, mesmo feitas com a melhor das intenções, passaram a ser vistas como tóxicas.

Resultado de imagem para sem dinheiro para eleições
Assim, duas tendências se apresentam. A primeira é a de que os partidos vão depender dos fundos partidários para seus gastos. A segunda é que terão de buscar novas formas de se financiar, por exemplo, sensibilizando militantes e eleitores. Ou ampliando o uso de redes sociais para mobilizar cidadãos.

Câmara e Senado estão batendo cabeça em torno da Reforma Política.

Provavelmente, as regras podem ficar como estão. Porém, a mudança essencial no contexto do financiamento das eleições será cultural e relacionada com a Lava Jato.

Basta constatar que a maioria dos grandes doadores de verba para os partidos em 2014 está entre as empresas investigadas. Foram quase 100 milhões de reais doados aos partidos, sem contar recursos dirigidos diretamente aos candidatos.

A partir dos desdobramentos da Lava-Jato, dificilmente as empresas envolvidas voltarão a contribuir, por dentro ou por fora. Outras ficaram temerosas de serem “criminalizadas” pela mídia. Enfim, o modelo faliu. Tem de ser reinventado.

Cretinice extrema

Esse corte é para manter todos no emprego. Imagina de cada dez, cortar cinco? Então tirar 20% é uma medida correta do prefeito para manter o emprego dos nossos munícipes (leia-se “funcionário de contrato temporário” conhecido como comissionado que nem mora no município)
Vereador Robson Dutra (PMDB), sobre a redução de salário comissionado de Maricá
A "população" comissária de Maricá supera os mais de 2,3 mil bolsistas do PT e de aliados, o que dá aproximadamente um comissionado para servir (o que não fazem) 52 habitantes.

A obstinação pelo poder é o elo comum em toda crise


Depois de malfeitos, bazófias, trapaças, jactâncias e embustes, que caracterizaram a política nesses últimos dias, pouca coisa me sobrou para contar, leitor. Nós, mais vividos, sabemos que o país já vivenciou crises piores do que a atual. Você se lembra da lambança que fez a dupla Collor/Zélia em 1990? Você se lembra de que, na era Sarney, vivemos uma inflação de 82% ao mês?

Em todas as crises políticas, há um elo em comum: a obstinação pelo poder. Quem está fora dele quer entrar, e quem está dentro dele não o quer deixar. E é essa obsessão pelo poder a causa mestra de intervenções truculentas.

Está aí (e não no bem do povo, que talvez seja a última ocupação dos políticos) a principal causa da pregação de alguns em favor do impeachment, já que tem fortes indícios de que pode mesmo acontecer. E, se acontecer, o trauma desse remédio constitucional a qualquer preço poderá trazer problemas maiores e com consequências imediatas ou futuras ainda mais graves.

Não nos iludamos: não é só a corrupção que derruba a economia de um país ou o torna endividado. Ela não é invenção do brasileiro nem nasceu do ventre do PT. É mundial, mas boa parte do PT deixou de lado a pregação em favor da ética e correu com muita vontade ao pote e num instante em que o povo já se sentia exausto com tantos abusos.


A crise se tornou mais grave porque a danada da corrupção se somou à péssima gestão. O país foi entregue, então, pelo voto direto, a gestores incompetentes, desonestos e, muitos deles, famintos. Essa, sim, é uma dose dupla de veneno, capaz de trucidar o “homem de ferro”.

A Lei Anticorrupção foi uma das nossas grandes conquistas, mas “lei forte não implementada é como uma lei fraca”, afirmou, na semana passada, Pascal Fabie, diretor da ONG que combate a corrupção no mundo. Após dizer que essa lei abriu “uma janela de oportunidades para governo, comunidade de negócios e sociedade civil”, Fabie ainda acrescentou, em resposta a Ian Chicharo Gastim, em entrevista publicada em “O Estado de S. Paulo”: “Não acho que o Brasil é mais ou menos corrupto (do que outros países). A corrupção é mais visível aos brasileiros porque vocês estão de saco cheio”.

O ideal seria que a presidente Dilma Rousseff reconhecesse a sua parte no desastre, pedisse desculpas e se retirasse para cuidar da sua vida, pois ninguém, como se sabe, está acima da lei. Como esse gesto, se não é impossível, é, pelo menos, improvável, o melhor é dormirmos com a intenção de fazermos a nossa parte, na esperança de que a má gestão e a corrupção, daqui para a frente, sejam feridas de morte. E que, finalmente, as duas “conquistas tecnológicas” mundiais – “a cooperação e o fogo” –, referidas pela presidente, a ajudem a governar.

Nessa segunda-feira, vi na TV Brasil o programa “É Tudo Verdade: Sobral – O Homem que Não tinha Medo”, produzido por Augusto Casé. Fiquei emocionado. Lembrei-me do meu pai, que apareceu ao seu lado. Amigos durante a vida inteira, a primeira pessoa a ser visitada por Sobral Pinto em Belo Horizonte era meu pai. No fim, concluí: o que difere a atual crise das outras, a que aludi no início, não é a sua gravidade, mas, sobretudo, a ausência de homens como o dr. Sobral Pinto. E a culpa dessa carência – é preciso dizer – cabe à intervenção militar na universidade durante anos que afastou os jovens da política. A fé no direito e a fé na vida – pregou Sobral – é que salvarão o nosso país.

Só faltam os que as sustentem.