sábado, 4 de março de 2017
Não passarão
O chefe visivel pode mudar a cada quatro anos ou menos pra inglês ver mas, para tudo quanto interessa mesmo, o poder não muda de mãos no Brasil desde a chegada de d. João VI. Cada um de nós e mais tudo que ha por cima e por baixo do chão desse nosso berço esplêndido é propriedade inegociável das grandes corporações donas do sacrossanto Estado que nos dá ou tira “autorizações” para viver e para morrer.
O lema de todas é “nem um passo atras”, mas daí para baixo vivem numa luta surda não só pelos seus privilégios “adquiridos” mas, sobretudo, pela posse do poder mais que divino de distribui-los que pouco ou nada tem a ver com o que aflora na nossa superfície “democrática”. Tudo é sempre um jogo de truco onde nenhuma carta vale o que está impresso nela. Todo mundo anda sempre quatro ou cinco movimentos à frente.
A volta do carnaval vem marcada pela enésima “morte” de Michel Temer. A “temporada” estreou com o movimento da veneranda figura de José Yunes. O homem é um especialista; tipo uma Amazon em matéria de “logística” da putaria. Sabe o pacote exatamente certo para cada “mercadoria”. Repararam quantas vezes ele repetiu a “explicação” de que o tal envelope entregue no escritório dele endereçado a Eliseu Padilha, certamente continha “merreca” porque “1 milhão de dólares é do tamanho de uma caixa de uísque”? Porque, de repente, ele começou a agir como mulher “chifrada”, apunhalou o amigo e em seguida, saiu se desdizendo é uma história que “brasiliólogo” nenhum se deu o trabalho de reconstituir porque quem conhece a corte sabe que o Yunes é só o pavio, não é a bomba nem muito menos o alvo. Sobre ele basta, portanto, repetir a cada vez que se lhe menciona o nome, que “é amigo do Temer” desde criancinha.
O fato é que feito o recuo apoiado por esse indiscutivel argumento técnico, jogou-se por cima do dele o “depoimento” de Marcelo Odebrecht. “Seus 10 mais 10”! Agora sim tudo está devidamente recheado de milhões. E la estão os “brasiliólogos” especulando furiosamente sobre quanto isso “fragiliza” ou não Eliseu Padilha e…
Não perca seu tempo! Despreze os pormenores eruditos. Vá direto ao ponto. O movimento telúrico por baixo desses tremores é o mesmo de sempre. Yunes pra cá, Eliseu Padilha pra lá, fica estabelecido: se tocar nos “intocáveis” a “chapa Dilma-Temer” terá sido eleita com propina e o governo cai.
Presos e soltos; caídos e inderrubáveis, é sempre a isso que tudo se refere nessa nossa língua em que o pretérito tem futuro. Não têm nada a ver com justiça esses subitos pronunciares em voz alta daquilo que todo mundo sempre soube, ainda que, acidentalmente — pobre não tem luxos! — possa se comemorar um pouco de justiça feita com isso. O que ha mesmo é que os “intocáveis” sentem cada vez mais quente o bafo na nuca e estão mandando o recado: não interessa a altura do galho, quem ousar nos tocar tomba.
Não vão conseguir! Estão mortos! Só vão aumentar o preço da saída. Salarinho e previdência valor de face 1 não resolvem o problema nem reduzidos a zero. Só supersalário, frota de jato, mordomias e auxílios mil hereditários para todo o clã e mais a previdência pública valor de face 32 pagam essa conta.
O lema de todas é “nem um passo atras”, mas daí para baixo vivem numa luta surda não só pelos seus privilégios “adquiridos” mas, sobretudo, pela posse do poder mais que divino de distribui-los que pouco ou nada tem a ver com o que aflora na nossa superfície “democrática”. Tudo é sempre um jogo de truco onde nenhuma carta vale o que está impresso nela. Todo mundo anda sempre quatro ou cinco movimentos à frente.
O fato é que feito o recuo apoiado por esse indiscutivel argumento técnico, jogou-se por cima do dele o “depoimento” de Marcelo Odebrecht. “Seus 10 mais 10”! Agora sim tudo está devidamente recheado de milhões. E la estão os “brasiliólogos” especulando furiosamente sobre quanto isso “fragiliza” ou não Eliseu Padilha e…
Não perca seu tempo! Despreze os pormenores eruditos. Vá direto ao ponto. O movimento telúrico por baixo desses tremores é o mesmo de sempre. Yunes pra cá, Eliseu Padilha pra lá, fica estabelecido: se tocar nos “intocáveis” a “chapa Dilma-Temer” terá sido eleita com propina e o governo cai.
Presos e soltos; caídos e inderrubáveis, é sempre a isso que tudo se refere nessa nossa língua em que o pretérito tem futuro. Não têm nada a ver com justiça esses subitos pronunciares em voz alta daquilo que todo mundo sempre soube, ainda que, acidentalmente — pobre não tem luxos! — possa se comemorar um pouco de justiça feita com isso. O que ha mesmo é que os “intocáveis” sentem cada vez mais quente o bafo na nuca e estão mandando o recado: não interessa a altura do galho, quem ousar nos tocar tomba.
Não vão conseguir! Estão mortos! Só vão aumentar o preço da saída. Salarinho e previdência valor de face 1 não resolvem o problema nem reduzidos a zero. Só supersalário, frota de jato, mordomias e auxílios mil hereditários para todo o clã e mais a previdência pública valor de face 32 pagam essa conta.
País da xepa
Insinuou-se que a xepa partidária incluiu pagamentos a outras legendas —do direitista PRB ao comunista PCdoB. Vivemos uma fase pós-ideológica em que vigoram quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e o DinheiroJosias de Souza
A corrupção está disseminada, mas o 'Estado-Odebrecht' veio de Lula
"A direita brasileira precisa se decidir sobre Temer; abandoná-lo é colocar em risco as reformas de mercado, apoiá-lo é colocar-se no centro do alvo da Lava Jato". Celso de Barros, autor da disjuntiva (Folha, 1º/3), tende a ser uma voz ponderada. Quando mesmo ele cede ao sectarismo, temos a dimensão do esgarçamento da nossa praça de debate.
A "nova direita", na expressão de Barros, só tem relevância para almas viciadas nas guerrilhas crônicas das redes sociais. O governo Temer, obviamente, tem a sua importância, mas o dilema de fundo, entre as reformas de mercado e a Lava Jato, diz respeito à nação inteira, não só aos governistas ou à tal "direita brasileira". A pergunta é: como se situa frente a ele a "esquerda brasileira", da qual Barros faz parte?
As "reformas de mercado" não emergem no vácuo histórico, mas como uma solução possível para a devastação das contas públicas e dos balanços das estatais pelos governos da "esquerda brasileira". Não há meios de deflagrar uma discussão honesta sobre elas sem, previamente, fazer um diagnóstico da política econômica que conduziu à maior depressão registrada no país desde o colapso cafeeiro. Para não reformar-se a si mesmo, o PT foge desesperadamente desse tema. Como não lastimar que os intelectuais de esquerda contribuam com a fuga, empregando o álibi de apontar impasses nas igrejinhas histéricas da direita?
A Lava Jato também não é um raio no céu claro. A corrupção, tão velha quanto o Brasil, está disseminada por todos os partidos, mas o "Estado-Odebrecht" nasceu sob as asas de Lula. A "esquerda brasileira" centralizou os esquemas de captura privada do poder público, convertendo-os em ferramenta política estratégica. No "centro da Lava Jato", encontram-se os que detinham as chaves das portas das empresas estatais durante os 13 gloriosos anos do verde-amarelismo lulopetista. Mas, em exercícios de hipocrisia extrema, os intelectuais de esquerda comemoram os inquéritos que atingem o círculo de Temer enquanto denunciam uma suposta "perseguição de Moro" contra seu idolatrado ex-presidente. Como não lastimar isso?
Temer pode cair, fulminado pelo TSE ou pela Lava Jato. Seria substituído por um presidente de transição, escolhido pelo Congresso. Nesse cenário, a Lava Jato permaneceria na cena, sustentada pela independência do Judiciário. As reformas de mercado tampouco evaporariam, pois contam com respaldo da maioria parlamentar. O Brasil não está obrigado a escolher entre a devassa judicial da corrupção e as reformas de mercado, pois nenhuma lei de ferro da lógica binária impede que tenha as duas. A pergunta é: será que, como sugerem os ataques lulistas à Lava Jato e a resistência do PT às reformas econômicas, a "esquerda brasileira" preferiria bloquear as duas?
O PT passou suas duas décadas iniciais denunciando a captura do Estado pelos interesses privados. No seu primeiro mandato, Lula ensaiou uma reforma da Previdência e especulou sobre a necessidade de uma reforma trabalhista. Durante os meses agônicos de Joaquim Levy, Dilma explicou que seria preciso aumentar a idade de aposentadoria. Hoje, de volta à oposição, o lulopetismo recolhe-se à caverna do populismo e do capitalismo de Estado, enfeitando-a com delinquentes invectivas contra o Judiciário. Na esperança de um 2018 "sem medo de ser feliz", investe no caos político e no prolongamento da depressão econômica que produziu. Os intelectuais "companheiros de viagem" dão sua contribuição, esvaziando de sentido o debate público.
No texto de Barros, os rumos da economia e a natureza do Estado surgem como cascas de banana na calçada por onde transitam seitas apopléticas de "liberais" adoradores de Bolsonaro e Trump. É uma forma de ocultar que essas duas facetas da crise nacional representam o enigma que a "esquerda brasileira" precisa decifrar.
A "nova direita", na expressão de Barros, só tem relevância para almas viciadas nas guerrilhas crônicas das redes sociais. O governo Temer, obviamente, tem a sua importância, mas o dilema de fundo, entre as reformas de mercado e a Lava Jato, diz respeito à nação inteira, não só aos governistas ou à tal "direita brasileira". A pergunta é: como se situa frente a ele a "esquerda brasileira", da qual Barros faz parte?
As "reformas de mercado" não emergem no vácuo histórico, mas como uma solução possível para a devastação das contas públicas e dos balanços das estatais pelos governos da "esquerda brasileira". Não há meios de deflagrar uma discussão honesta sobre elas sem, previamente, fazer um diagnóstico da política econômica que conduziu à maior depressão registrada no país desde o colapso cafeeiro. Para não reformar-se a si mesmo, o PT foge desesperadamente desse tema. Como não lastimar que os intelectuais de esquerda contribuam com a fuga, empregando o álibi de apontar impasses nas igrejinhas histéricas da direita?
Temer pode cair, fulminado pelo TSE ou pela Lava Jato. Seria substituído por um presidente de transição, escolhido pelo Congresso. Nesse cenário, a Lava Jato permaneceria na cena, sustentada pela independência do Judiciário. As reformas de mercado tampouco evaporariam, pois contam com respaldo da maioria parlamentar. O Brasil não está obrigado a escolher entre a devassa judicial da corrupção e as reformas de mercado, pois nenhuma lei de ferro da lógica binária impede que tenha as duas. A pergunta é: será que, como sugerem os ataques lulistas à Lava Jato e a resistência do PT às reformas econômicas, a "esquerda brasileira" preferiria bloquear as duas?
O PT passou suas duas décadas iniciais denunciando a captura do Estado pelos interesses privados. No seu primeiro mandato, Lula ensaiou uma reforma da Previdência e especulou sobre a necessidade de uma reforma trabalhista. Durante os meses agônicos de Joaquim Levy, Dilma explicou que seria preciso aumentar a idade de aposentadoria. Hoje, de volta à oposição, o lulopetismo recolhe-se à caverna do populismo e do capitalismo de Estado, enfeitando-a com delinquentes invectivas contra o Judiciário. Na esperança de um 2018 "sem medo de ser feliz", investe no caos político e no prolongamento da depressão econômica que produziu. Os intelectuais "companheiros de viagem" dão sua contribuição, esvaziando de sentido o debate público.
No texto de Barros, os rumos da economia e a natureza do Estado surgem como cascas de banana na calçada por onde transitam seitas apopléticas de "liberais" adoradores de Bolsonaro e Trump. É uma forma de ocultar que essas duas facetas da crise nacional representam o enigma que a "esquerda brasileira" precisa decifrar.
Os partidos e seus corruptos
Muitos políticos enrolados na Justiça ou mesmo já condenados por corrupção encontram em seus partidos o conforto da impunidade. Reportagem do Estado mostrou que 86 integrantes de 10 partidos aparecem como suspeitos, denunciados ou mesmo sentenciados em processos relativos à Operação Lava Jato, e a maioria absoluta deles continua a gozar da confiança de seus correligionários. É como se os partidos, em lugar de representar os interesses dos eleitores, se prestassem a acoitar delinquentes.
Embora a Lei 9.906/95, que normatiza a existência e o funcionamento dos partidos, estabeleça que os acusados “de violação dos deveres partidários” devem ter “amplo direito de defesa” quando seus casos forem avaliados pelo “competente órgão” partidário, o que se observa é que os políticos com contas a acertar com a Justiça dificilmente são cobrados pelos seus pares ou pela direção da legenda. Ou seja, nem precisam exercer o “amplo direito de defesa”.
O Solidariedade, por exemplo, chegou a abrir processo de expulsão do ex-deputado Luiz Argôlo (BA), condenado a 11 anos e 11 meses de prisão no petrolão. O ex-parlamentar, preso desde abril de 2015, teve a condenação confirmada em segunda instância, ocasião em que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região aumentou a pena, para 12 anos e 8 meses de reclusão, pelo fato de que “o réu tinha condições sociais e intelectuais de obedecer à lei e evitar condutas ilícitas, mas optou por praticá-las”. No entanto, Argôlo continua a constar do quadro do Solidariedade porque o estatuto do partido determina que o acusado deve estar presente para se defender. Essa sutileza estatutária não existe por acaso ou descuido, é claro.
Muitos outros partidos que têm filiados entre os suspeitos, acusados ou já condenados nem sequer convocaram seus conselhos de ética para debater suas situações desde a deflagração da Lava Jato, há três anos. São eles PP, DEM, PSC, PMDB, PSDB, PSB e PTC. A situação não é muito melhor nos outros partidos envolvidos – PT, SD e PTB. As desculpas são as mais variadas. No caso do PMDB, o partido, nas palavras de seu presidente, senador Romero Jucá, ainda não teve “motivação” para punir seus filiados Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, e Eduardo Cunha, deputado cassado, ambos presos por corrupção. “Há um processo de defesa em andamento. Não é hora”, disse Jucá, que parece buscar inspiração nas calendas gregas: “Tudo a seu tempo”. Ele disse ainda que a questão, no momento, diz respeito apenas ao PMDB do Rio, ao qual Cabral e Cunha pertencem. Ou seja: o PMDB nacional é um, o PMDB do Rio é outro e eles não se misturam – a não ser quando lhes convém. Sobre o assunto, o presidente do PMDB fluminense, Jorge Picciani, desconversou: “Esse assunto não está na ordem do dia”. Mais um oligarca que não vê televisão, não ouve rádio nem lê jornais e revistas.
Já o PP, partido que tem mais filiados entre os enrolados na Lava Jato – o próprio presidente da legenda, senador Ciro Nogueira, puxa a longa fila de 32 investigados –, informou que nenhum desses casos foi avaliado pela comissão de ética.
Enquanto isso, o PT, partido que se criou e se fez famoso pela defesa da “ética na política”, abriu apenas um processo no âmbito da Lava Jato – contra o então senador Delcídio Amaral, que acabou se desfiliando. Com vários capas pretas já encarcerados por corrupção, como José Dirceu, Antonio Palocci e João Vaccari Neto, o PT informou que pretende criar um mecanismo para julgar esses filiados “sem a parcialidade da Justiça”. A desfaçatez petista é ainda maior que a dos demais partidos. Enquanto estes ainda inventam desculpas para a impunidade de seus filiados, os petistas corruptos são tratados como “heróis do povo brasileiro”. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou ao cúmulo de comparar os casos de Dirceu, Palocci e Vaccari ao do ex-goleiro Bruno, solto por liminar do STF para recorrer em liberdade da sentença de 22 anos e 3 meses de prisão pelo assassinato de sua amante. Se um condenado por homicídio triplamente qualificado teve esse benefício, disse Falcão, “por que manter presos Vaccari, Dirceu e Palocci, contra os quais só existem delações e nenhuma prova?”.
A caradura é tanta que, diante dela, se pode dizer que o “último refúgio dos canalhas”, ao qual se referiu o escritor inglês Samuel Johnson, não é bem o patriotismo.
Embora a Lei 9.906/95, que normatiza a existência e o funcionamento dos partidos, estabeleça que os acusados “de violação dos deveres partidários” devem ter “amplo direito de defesa” quando seus casos forem avaliados pelo “competente órgão” partidário, o que se observa é que os políticos com contas a acertar com a Justiça dificilmente são cobrados pelos seus pares ou pela direção da legenda. Ou seja, nem precisam exercer o “amplo direito de defesa”.
Muitos outros partidos que têm filiados entre os suspeitos, acusados ou já condenados nem sequer convocaram seus conselhos de ética para debater suas situações desde a deflagração da Lava Jato, há três anos. São eles PP, DEM, PSC, PMDB, PSDB, PSB e PTC. A situação não é muito melhor nos outros partidos envolvidos – PT, SD e PTB. As desculpas são as mais variadas. No caso do PMDB, o partido, nas palavras de seu presidente, senador Romero Jucá, ainda não teve “motivação” para punir seus filiados Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, e Eduardo Cunha, deputado cassado, ambos presos por corrupção. “Há um processo de defesa em andamento. Não é hora”, disse Jucá, que parece buscar inspiração nas calendas gregas: “Tudo a seu tempo”. Ele disse ainda que a questão, no momento, diz respeito apenas ao PMDB do Rio, ao qual Cabral e Cunha pertencem. Ou seja: o PMDB nacional é um, o PMDB do Rio é outro e eles não se misturam – a não ser quando lhes convém. Sobre o assunto, o presidente do PMDB fluminense, Jorge Picciani, desconversou: “Esse assunto não está na ordem do dia”. Mais um oligarca que não vê televisão, não ouve rádio nem lê jornais e revistas.
Já o PP, partido que tem mais filiados entre os enrolados na Lava Jato – o próprio presidente da legenda, senador Ciro Nogueira, puxa a longa fila de 32 investigados –, informou que nenhum desses casos foi avaliado pela comissão de ética.
Enquanto isso, o PT, partido que se criou e se fez famoso pela defesa da “ética na política”, abriu apenas um processo no âmbito da Lava Jato – contra o então senador Delcídio Amaral, que acabou se desfiliando. Com vários capas pretas já encarcerados por corrupção, como José Dirceu, Antonio Palocci e João Vaccari Neto, o PT informou que pretende criar um mecanismo para julgar esses filiados “sem a parcialidade da Justiça”. A desfaçatez petista é ainda maior que a dos demais partidos. Enquanto estes ainda inventam desculpas para a impunidade de seus filiados, os petistas corruptos são tratados como “heróis do povo brasileiro”. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou ao cúmulo de comparar os casos de Dirceu, Palocci e Vaccari ao do ex-goleiro Bruno, solto por liminar do STF para recorrer em liberdade da sentença de 22 anos e 3 meses de prisão pelo assassinato de sua amante. Se um condenado por homicídio triplamente qualificado teve esse benefício, disse Falcão, “por que manter presos Vaccari, Dirceu e Palocci, contra os quais só existem delações e nenhuma prova?”.
A caradura é tanta que, diante dela, se pode dizer que o “último refúgio dos canalhas”, ao qual se referiu o escritor inglês Samuel Johnson, não é bem o patriotismo.
A República contaminada
A república continua a bordo do imponderável, refém de uma investigação policial, a Lava Jato, que tem sido uma história sem fim – uma espécie de trailer da eternidade.
O depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE, na quinta-feira, além de confirmar o que já se sabia – o financiamento criminoso da campanha de Dilma e Temer em 2014 -, inseriu mais um nome no rol dos infratores: a ex-presidente Dilma Roussef. Nos termos do que foi dito, ela não apenas sabia de tudo, como a tudo comandou.
Fará companhia a Lula e à falange de petistas que delinquiram na luta pela preservação do poder. Ela bem que avisara na campanha: “Para vencer as eleições, faremos o diabo”. Fizeram. Não pode se queixar de agora estar indo para o inferno.
Não apenas tinha conhecimento do dinheiro “contaminado” (expressão de Marcelo Odebrecht), como negociou diretamente com ele o repasse das propinas extorquidas da Petrobras, indicando sucessivamente seus intermediários para embolsá-las: Antonio Palocci e, depois, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Palocci já está preso, embora não por esse delito específico, que agravará seu contencioso penal. Mantega foi preso e depois solto, mas deve retornar em breve ao xadrez.
O delito não se resume ao dinheiro contaminado na origem, num total de R$ 150 milhões, mas também (e sobretudo) ao que remunerava: a medida provisória 470, editada em 2009, ainda na vigência do governo Lula, garantindo benefícios à Brasken, empresa do grupo Odebrecht, relativos ao crédito prêmio de IPI e IPI Zero. O texto da MP foi elaborado pela área jurídica da própria Odebrecht.
O pagamento pelo benefício ficou acertado para a campanha de 2014, a Dilma e sua equipe. Segundo as planilhas da Odebrecht, desse total, Lula teria embolsado R$ 23 milhões e Palocci R$ 8 milhões. Odebrecht confirmou também ter dado R$ 10 milhões ao então presidente do PMDB e candidato a vice, Michel Temer, que confirma a doação, mas alega ter sido legítima e registrada no TSE.
A defesa de Temer se empenha em separar as contas de campanha, dispondo-se a comprovar a diversidade de métodos e fontes. Ainda que o consiga, talvez não seja suficiente.
A jurisprudência, que já cassou chapas de governadores e prefeitos em situações análogas, é a de considerar as campanhas de presidente e vice como uma coisa só.
O impacto dessas revelações, cuja novidade está apenas no fato de agora estarem oficializadas, será potencializado com a divulgação das delações premiadas dos 77 executivos da mesma Odebrecht, prometida para já pelo procurador-geral Rodrigo Janot.
Pelo que já vazou, vem aí uma descarga de nitroglicerina, sem precedentes, que pegará meio Congresso, incluindo seus presidentes, Rodrigo Maia (Câmara) e Eunício Oliveira (Senado), além de seus maiores figurões. Temer é também citado, assim como seu chefe da Casa Civil, Elizeu Padilha, alvo recente de acusação de recebimento de propina de R$ 4 milhões, feita por um ex-colaborador da Presidência e amigo íntimo de Temer, o advogado José Yunes.
Dentro do imponderável que governa o país, não se exclui a hipótese de cassação do mandato do presidente da república e da impossibilidade de sua linha sucessória parlamentar sucedê-lo, o que remeteria a transição à presidente do STF, Carmem Lúcia.
Ela teria de convocar eleições em 60 dias, por via indireta, pelo Congresso, cuja metade (ou quase isso) estará sob graves acusações de corrupção. Nessa hipótese, não se sabe o que fazer, nem mesmo como estará o país. Tudo é possível, menos nada.
Em contraste, a área econômica tem obtido bons resultados, ameaçados, no entanto, pelo terremoto na política. A percepção desses ganhos pelo público não é imediata e corre o risco de não se consumar antes mesmo de ser percebida. Em tal contexto, as chances de reformas polêmicas como a trabalhista e a previdenciária se reduzem significativamente. A república está contaminada.
O depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE, na quinta-feira, além de confirmar o que já se sabia – o financiamento criminoso da campanha de Dilma e Temer em 2014 -, inseriu mais um nome no rol dos infratores: a ex-presidente Dilma Roussef. Nos termos do que foi dito, ela não apenas sabia de tudo, como a tudo comandou.
Fará companhia a Lula e à falange de petistas que delinquiram na luta pela preservação do poder. Ela bem que avisara na campanha: “Para vencer as eleições, faremos o diabo”. Fizeram. Não pode se queixar de agora estar indo para o inferno.
Não apenas tinha conhecimento do dinheiro “contaminado” (expressão de Marcelo Odebrecht), como negociou diretamente com ele o repasse das propinas extorquidas da Petrobras, indicando sucessivamente seus intermediários para embolsá-las: Antonio Palocci e, depois, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O delito não se resume ao dinheiro contaminado na origem, num total de R$ 150 milhões, mas também (e sobretudo) ao que remunerava: a medida provisória 470, editada em 2009, ainda na vigência do governo Lula, garantindo benefícios à Brasken, empresa do grupo Odebrecht, relativos ao crédito prêmio de IPI e IPI Zero. O texto da MP foi elaborado pela área jurídica da própria Odebrecht.
O pagamento pelo benefício ficou acertado para a campanha de 2014, a Dilma e sua equipe. Segundo as planilhas da Odebrecht, desse total, Lula teria embolsado R$ 23 milhões e Palocci R$ 8 milhões. Odebrecht confirmou também ter dado R$ 10 milhões ao então presidente do PMDB e candidato a vice, Michel Temer, que confirma a doação, mas alega ter sido legítima e registrada no TSE.
A defesa de Temer se empenha em separar as contas de campanha, dispondo-se a comprovar a diversidade de métodos e fontes. Ainda que o consiga, talvez não seja suficiente.
A jurisprudência, que já cassou chapas de governadores e prefeitos em situações análogas, é a de considerar as campanhas de presidente e vice como uma coisa só.
O impacto dessas revelações, cuja novidade está apenas no fato de agora estarem oficializadas, será potencializado com a divulgação das delações premiadas dos 77 executivos da mesma Odebrecht, prometida para já pelo procurador-geral Rodrigo Janot.
Pelo que já vazou, vem aí uma descarga de nitroglicerina, sem precedentes, que pegará meio Congresso, incluindo seus presidentes, Rodrigo Maia (Câmara) e Eunício Oliveira (Senado), além de seus maiores figurões. Temer é também citado, assim como seu chefe da Casa Civil, Elizeu Padilha, alvo recente de acusação de recebimento de propina de R$ 4 milhões, feita por um ex-colaborador da Presidência e amigo íntimo de Temer, o advogado José Yunes.
Dentro do imponderável que governa o país, não se exclui a hipótese de cassação do mandato do presidente da república e da impossibilidade de sua linha sucessória parlamentar sucedê-lo, o que remeteria a transição à presidente do STF, Carmem Lúcia.
Ela teria de convocar eleições em 60 dias, por via indireta, pelo Congresso, cuja metade (ou quase isso) estará sob graves acusações de corrupção. Nessa hipótese, não se sabe o que fazer, nem mesmo como estará o país. Tudo é possível, menos nada.
Em contraste, a área econômica tem obtido bons resultados, ameaçados, no entanto, pelo terremoto na política. A percepção desses ganhos pelo público não é imediata e corre o risco de não se consumar antes mesmo de ser percebida. Em tal contexto, as chances de reformas polêmicas como a trabalhista e a previdenciária se reduzem significativamente. A república está contaminada.
Os bobos da corte
Convenhamos. O empresário Marcelo Odebrecht nunca foi o bobo da corte dos governos de Lula e de Dilma Rousseff, como se autodefiniu em depoimento para o TSE. Nem foi o otário dos mesmos governos, como ele quis fazer crer. Tampouco foi o dono do governo petista, essa uma imagem criada pelos partidos que fizeram oposição ao PT e que hoje fazem parte do grupo que assumiu o poder.
O dono dos governos do PT foi o PT, assim como o do PMDB é o PMDB. Apesar da força que aliados costumam ter nos governos no presidencialismo de coalizão, como o que é praticado no Brasil, quem vai responder perante a história pelo que fez ou não fez enquanto exerceu o poder será o partido do presidente da República.
Agora, se fosse possível encontrar a figura do bobo da corte, essa figura até cairia bem nos eleitores que votaram no PT, no PMDB, no PSDB, no PP, no DEM e nos demais partidos que, no poder ou fora dele, se meteram em “tenebrosas transações”, só para lembrar um dos versos de Vai passar, de Chico Buarque, inspirado poema de resistência à ditadura.
O que houve entre o Estado brasileiro, políticos, partidos e empreiteiras foi uma ação de tal magnitude que alguém mais radical poderia pensar em enquadrar todo mundo em crime de lesa-pátria. Marcelo Odebrecht se queixou no depoimento ao TSE de que muitas vezes se viu forçado a entrar em projetos e empreendimentos que não desejava, além de não ver como receber as contrapartidas que julgava necessárias. Aí já está a confissão: faço, mas exijo algo em troca. Sem falar na romaria de partidos e políticos atrás de doações para campanhas.
As relações promíscuas entre o Estado brasileiro, as empreiteiras, os políticos e partidos chegaram a tal ponto que a CPI dos Fundos de Pensão descobriu que esses fundos, cujos ativos pertencem aos trabalhadores de estatais como a Petrobrás, o Banco do Brasil, os Correios e a Caixa Econômica, entre outros, foram obrigados pelo governo a jogar R$ 4 bilhões na Sete Brasil, empresa criada em 2010, no governo Lula, para cuidar da administração das sondas que seriam utilizadas no pré-sal. Só o FGTS, fundo dos trabalhadores administrado pelo governo, contribuiu com outros R$ 2,5 bilhões. Bancos e empresas privadas aportaram mais bilhões e bilhões. A mesma CPI apurou que todo o dinheiro renderia ao menos 3% em propina para partidos políticos. Em junho do ano passado, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, anunciando um rombo de US$ 19,3 bilhões, algo em torno de R$ 61 bilhões. É dinheiro que ninguém mais vai reaver.
Esse conluio entre o Estado e o setor privado jogou na lama a própria legislação brasileira. A toda hora alguém diz, em uma delação premiada, que pagou tantos milhões por uma medida provisória que tratava da isenção de impostos para montadoras de veículos, outros tantos por uma emenda a um projeto de lei, mais não se sabe quantos milhões para que empresas fossem autorizadas a refinanciar dívidas, só para citar alguns exemplos.
É claro que é difícil estabelecer exatamente a linha que define o que é um corruptor e um corrupto, o que é achaque e o que é corrupção ativa numa confusão dessas. Mas que houve no Brasil um ambiente de leniência com a corrupção sem tamanho, isso houve. Tanto é que hoje se apura um dos maiores casos de corrupção em todo o mundo, com exportação do método para vários países. Vergonhosa exportação.
Já que não é possível jogar o passado fora, a saída é uma só: o Brasil precisa seguir em frente, sem se deixar paralisar pela Lava Jato, que apura os escândalos; também não pode paralisar a Lava Jato. Encerrada essa fase, ganhos para as instituições democráticas virão. Para o País também.
O dono dos governos do PT foi o PT, assim como o do PMDB é o PMDB. Apesar da força que aliados costumam ter nos governos no presidencialismo de coalizão, como o que é praticado no Brasil, quem vai responder perante a história pelo que fez ou não fez enquanto exerceu o poder será o partido do presidente da República.
Agora, se fosse possível encontrar a figura do bobo da corte, essa figura até cairia bem nos eleitores que votaram no PT, no PMDB, no PSDB, no PP, no DEM e nos demais partidos que, no poder ou fora dele, se meteram em “tenebrosas transações”, só para lembrar um dos versos de Vai passar, de Chico Buarque, inspirado poema de resistência à ditadura.
O que houve entre o Estado brasileiro, políticos, partidos e empreiteiras foi uma ação de tal magnitude que alguém mais radical poderia pensar em enquadrar todo mundo em crime de lesa-pátria. Marcelo Odebrecht se queixou no depoimento ao TSE de que muitas vezes se viu forçado a entrar em projetos e empreendimentos que não desejava, além de não ver como receber as contrapartidas que julgava necessárias. Aí já está a confissão: faço, mas exijo algo em troca. Sem falar na romaria de partidos e políticos atrás de doações para campanhas.
As relações promíscuas entre o Estado brasileiro, as empreiteiras, os políticos e partidos chegaram a tal ponto que a CPI dos Fundos de Pensão descobriu que esses fundos, cujos ativos pertencem aos trabalhadores de estatais como a Petrobrás, o Banco do Brasil, os Correios e a Caixa Econômica, entre outros, foram obrigados pelo governo a jogar R$ 4 bilhões na Sete Brasil, empresa criada em 2010, no governo Lula, para cuidar da administração das sondas que seriam utilizadas no pré-sal. Só o FGTS, fundo dos trabalhadores administrado pelo governo, contribuiu com outros R$ 2,5 bilhões. Bancos e empresas privadas aportaram mais bilhões e bilhões. A mesma CPI apurou que todo o dinheiro renderia ao menos 3% em propina para partidos políticos. Em junho do ano passado, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, anunciando um rombo de US$ 19,3 bilhões, algo em torno de R$ 61 bilhões. É dinheiro que ninguém mais vai reaver.
Esse conluio entre o Estado e o setor privado jogou na lama a própria legislação brasileira. A toda hora alguém diz, em uma delação premiada, que pagou tantos milhões por uma medida provisória que tratava da isenção de impostos para montadoras de veículos, outros tantos por uma emenda a um projeto de lei, mais não se sabe quantos milhões para que empresas fossem autorizadas a refinanciar dívidas, só para citar alguns exemplos.
É claro que é difícil estabelecer exatamente a linha que define o que é um corruptor e um corrupto, o que é achaque e o que é corrupção ativa numa confusão dessas. Mas que houve no Brasil um ambiente de leniência com a corrupção sem tamanho, isso houve. Tanto é que hoje se apura um dos maiores casos de corrupção em todo o mundo, com exportação do método para vários países. Vergonhosa exportação.
Já que não é possível jogar o passado fora, a saída é uma só: o Brasil precisa seguir em frente, sem se deixar paralisar pela Lava Jato, que apura os escândalos; também não pode paralisar a Lava Jato. Encerrada essa fase, ganhos para as instituições democráticas virão. Para o País também.
Escárnio presidencial
Estancar sangria
Na conversa gravada com Sérgio Machado, Jucá registrou a necessidade de um acordo para travar a Lava Jato como forma de "estancar a sangria". Esse era o nome que ele dava ao jorro de denúncias, delações, investigações e prisões que, à época, diariamente, inundavam o noticiário. Para os pichelingues do erário, as seis gongadas do cuco eletrônico marcavam a hora dos horrores. A qualquer momento a Polícia Federal poderia bater à porta. Dá para viver assim? Por isso, aqueles cavalheiros de punhos limpos e alma suja ansiavam e anseiam pelo fim da Lava Jato.
Para os feirantes nos negócios do Estado, nada pode ser mais prejudicial do que a atividade desenvolvida em Curitiba. Contra ela se mobilizam altíssimos escalões da República e poderosíssimos agentes econômicos, para os quais uma cifra de milhões é fração. Contra a Lava Jato, a peso de ouro, confabulam alguns dos mais astutos e argutos advogados do país. E o STF? Pois é, já vi tantos ministros deliberarem, como queiram, ora com olho na forma da lei maior e contra seu espírito, ora no espírito da lei maior e contra sua forma, que o somatório das incoerências me levou à absoluta desconfiança. Quem devolve às ruas uma pessoa como o goleiro Bruno, ou manda indenizar presos, está, minimamente, preocupado com o bem da sociedade? Não, o meliante Jucá, que precisa de uns poucos votos para ser senador na despovoada Roraima, talvez dê mais importância aos cidadãos. São duras estas palavras? São, sim, eu sei.
A sangria que precisamos estancar é outra! Faz lembrar um derrame cerebral, um AVC nas instituições. Afeta funções importantes do corpo político deformando ou impedindo sua correta operacionalidade. É por causa dela que só tem base suficiente para governar quem integre ou negocie com a organização criminosa. Essa mesma sangria entrega poder aos espertalhões e afasta os sábios; cria um Estado de parvos e cúmplices; deixa-se roubar em bilhões e despacha os talentos. Não quer gente séria por perto.
Nosso AVC institucional implodiu os partidos políticos no que neles há de mais precioso e singular - seu programa, seus princípios, seus valores. Ou os partidos nascem disso, por causa disso, com vistas a isso, ou nascem assim como se forma uma nuvem de gafanhotos, voando na direção dos postos de poder. Dirigentes partidários, líderes políticos deveriam ser condutores com ideias na cabeça, ideais no coração e mãos operosas. São ingênuas estas palavras? São, sim, eu sei. Mas só o são porque a sangria nos levou a um realismo hipócrita que tornou ingênua, de fato, a mera normalidade.
A normalidade não nos faria sangrar 12,5 milhões de postos de trabalho. A normalidade não nos traria a estas pautas que abastecem as conversas cotidianas. Nela, na normalidade, partidos políticos seriam reconhecidos por suas propostas para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país e não pelos prontuários de seus dirigentes. Sem essa sangria que nos levou o Brasil, não haveria entre as legendas brasileiras tanto banco de sangue à disposição dos vampiros da política. São duras? Sim, sei.
Enquanto no mundo civilizado, os países com boas instituições debatem grandes temas nacionais e internacionais, suas perspectivas de desenvolvimento econômico, tecnológico, sua sustentabilidade, sua integração, nós discutimos os humores de Jucá e de Moreira Franco e as delações de Marcelo Odebrecht. Enquanto o mundo civilizado está nas páginas de política internacional, economia, cultura, nós colocamos o país inteiro nas páginas policiais. Enquanto no mundo civilizado, a sociedade faz os debates, nós somos espectadores do Estado e escolhemos alguns personagens para vaiar. Estancar sangria é, também, acabar com isso e criarmos partidos que acreditem mais nas potencialidades da sociedade do que no suposto e fajuto protagonismo do Estado.
Percival Puggina
A sangria que precisamos estancar é outra! Faz lembrar um derrame cerebral, um AVC nas instituições. Afeta funções importantes do corpo político deformando ou impedindo sua correta operacionalidade. É por causa dela que só tem base suficiente para governar quem integre ou negocie com a organização criminosa. Essa mesma sangria entrega poder aos espertalhões e afasta os sábios; cria um Estado de parvos e cúmplices; deixa-se roubar em bilhões e despacha os talentos. Não quer gente séria por perto.
Nosso AVC institucional implodiu os partidos políticos no que neles há de mais precioso e singular - seu programa, seus princípios, seus valores. Ou os partidos nascem disso, por causa disso, com vistas a isso, ou nascem assim como se forma uma nuvem de gafanhotos, voando na direção dos postos de poder. Dirigentes partidários, líderes políticos deveriam ser condutores com ideias na cabeça, ideais no coração e mãos operosas. São ingênuas estas palavras? São, sim, eu sei. Mas só o são porque a sangria nos levou a um realismo hipócrita que tornou ingênua, de fato, a mera normalidade.
A normalidade não nos faria sangrar 12,5 milhões de postos de trabalho. A normalidade não nos traria a estas pautas que abastecem as conversas cotidianas. Nela, na normalidade, partidos políticos seriam reconhecidos por suas propostas para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país e não pelos prontuários de seus dirigentes. Sem essa sangria que nos levou o Brasil, não haveria entre as legendas brasileiras tanto banco de sangue à disposição dos vampiros da política. São duras? Sim, sei.
Enquanto no mundo civilizado, os países com boas instituições debatem grandes temas nacionais e internacionais, suas perspectivas de desenvolvimento econômico, tecnológico, sua sustentabilidade, sua integração, nós discutimos os humores de Jucá e de Moreira Franco e as delações de Marcelo Odebrecht. Enquanto o mundo civilizado está nas páginas de política internacional, economia, cultura, nós colocamos o país inteiro nas páginas policiais. Enquanto no mundo civilizado, a sociedade faz os debates, nós somos espectadores do Estado e escolhemos alguns personagens para vaiar. Estancar sangria é, também, acabar com isso e criarmos partidos que acreditem mais nas potencialidades da sociedade do que no suposto e fajuto protagonismo do Estado.
Percival Puggina
Carnaval no escuro
No Carnaval de 1919, Nelson Rodrigues tinha seis anos e morava com sua família perto da Tijuca. Pouco antes, em outubro, o Rio fora devastado pela gripe espanhola, a epidemia que chegara nos navios vindos da Europa —causada, dizia-se, pelos mortos insepultos da recém-finda Grande Guerra. A gripe matou 15 mil cariocas em 15 dias. Raras famílias foram poupadas. De repente, passou —as pessoas haviam desenvolvido anticorpos. E, também de repente, já era 1919 e o Carnaval estava às portas.
A guerra e a espanhola alertaram toda uma população para a realidade da morte. Com isso, quem não morreu sentiu-se no dever de celebrar a vida, brincando o Carnaval como nunca antes. A cidade saiu em peso para os corsos, ranchos e batalhas de confete. Os pierrôs e caveiras não se contentavam em pular —invadiam as casas e arrastavam os renitentes para a folia. Pela primeira vez, o samba superou os outros ritmos nas ruas. E, numa dessas, o menino Nelson viu, dançando no alto de um carro, na praça Saenz Peña, uma moça fantasiada de odalisca, com o umbigo à mostra.
Ninguém de sua família tinha umbigo —ele próprio só agora descobria o seu. Para Nelson, o dito umbigo, chocante e inédito, simbolizou aquele Carnaval, tido como o maior de todos até então.
Bem, isso foi há 98 Carnavais e, desde então, os umbigos abundaram e ninguém lhes dá mais atenção. Mas o gigantismo e a euforia com que o país pulou este Carnaval de 2017 fazem lembrar o de 1919. Por que, de repente, todas as ruas do Brasil —inclusive as que, até outro dia, eram virgens em Carnaval— foram tomadas pelas multidões?
Só pode ser porque, ainda em meio à pior recessão da história, os 24 milhões de desempregados e subempregados brasileiros não querem esperar pela luz no fim do túnel. Resolveram pular no escuro, mesmo.
A guerra e a espanhola alertaram toda uma população para a realidade da morte. Com isso, quem não morreu sentiu-se no dever de celebrar a vida, brincando o Carnaval como nunca antes. A cidade saiu em peso para os corsos, ranchos e batalhas de confete. Os pierrôs e caveiras não se contentavam em pular —invadiam as casas e arrastavam os renitentes para a folia. Pela primeira vez, o samba superou os outros ritmos nas ruas. E, numa dessas, o menino Nelson viu, dançando no alto de um carro, na praça Saenz Peña, uma moça fantasiada de odalisca, com o umbigo à mostra.
Ninguém de sua família tinha umbigo —ele próprio só agora descobria o seu. Para Nelson, o dito umbigo, chocante e inédito, simbolizou aquele Carnaval, tido como o maior de todos até então.
Bem, isso foi há 98 Carnavais e, desde então, os umbigos abundaram e ninguém lhes dá mais atenção. Mas o gigantismo e a euforia com que o país pulou este Carnaval de 2017 fazem lembrar o de 1919. Por que, de repente, todas as ruas do Brasil —inclusive as que, até outro dia, eram virgens em Carnaval— foram tomadas pelas multidões?
Só pode ser porque, ainda em meio à pior recessão da história, os 24 milhões de desempregados e subempregados brasileiros não querem esperar pela luz no fim do túnel. Resolveram pular no escuro, mesmo.
Um diálogo inexistente
Nos partidos da base oficial, existem deputados e senadores que criticam a forma de o governo fazer as coisas, não as coisas que o governo faz. Tome-se a reforma da Previdência Social. Gostariam líderes do PMDB, PSDB, PP, PDT e penduricalhos que, antes de o presidente Temer ter encaminhado ao Congresso o elenco de mudanças no setor previdenciário, deveria ter aberto com os partidos a discussão sobre o que precisava ser feito. O palácio do Planalto teria, assim, uma radiografia das tendências parlamentares, antes de apresentar apenas sua imposição. O trabalho comum serviria para ganhar tempo, uma vez que todos concordam com a reforma, ainda que sem acordo sobre o que reformar.
Tem sido sempre assim, no relacionamento entre Executivo e Legislativo, fora das ditaduras. O primeiro prepara pratos feitos que manda para o outro, infenso a cumprir ordens. Por isso abre-se sempre o impasse sobre as mudanças. Caso houvesse um debate prévio, essas mudanças começariam a tramitar já com uma tendência conhecida. Poupar-se-ia tempo.
O problema é que os dois poderes são presunçosos e egoístas. Não abrem mão do que entendem ser suas prerrogativas, este pretendendo impor sem dialogar, aquele imaginando-se absoluto na função de mudar tudo.
O resultado, não raro, são os impasses e a perda de tempo, quando tudo poderia ser diferente caso se acertassem previamente. Nenhuma das partes se sentiria diminuída. Do jeito que o processo se desenvolve, frustra-se o governo ao ver dilapidada sua proposta, como frustram-se os partidos, obrigados a remendar o que será o produto final. Confirma-se a observação inicial: a forma de o governo fazer as coisas deixa a desejar, ainda que concordem todos com as coisas que precisam ser feitas.
Apenas um detalhe a mais: precisaria esse diálogo acontecer em sigilo, à margem dos holofotes, porque a atuação diante das câmeras e microfones perturba o sentido das coisas.
Tem sido sempre assim, no relacionamento entre Executivo e Legislativo, fora das ditaduras. O primeiro prepara pratos feitos que manda para o outro, infenso a cumprir ordens. Por isso abre-se sempre o impasse sobre as mudanças. Caso houvesse um debate prévio, essas mudanças começariam a tramitar já com uma tendência conhecida. Poupar-se-ia tempo.
O resultado, não raro, são os impasses e a perda de tempo, quando tudo poderia ser diferente caso se acertassem previamente. Nenhuma das partes se sentiria diminuída. Do jeito que o processo se desenvolve, frustra-se o governo ao ver dilapidada sua proposta, como frustram-se os partidos, obrigados a remendar o que será o produto final. Confirma-se a observação inicial: a forma de o governo fazer as coisas deixa a desejar, ainda que concordem todos com as coisas que precisam ser feitas.
Apenas um detalhe a mais: precisaria esse diálogo acontecer em sigilo, à margem dos holofotes, porque a atuação diante das câmeras e microfones perturba o sentido das coisas.
O estrago maior da pobreza
A pós-mentira na era da pós-verdade
Deve-se ter em alto apreço a verdade e em alto preço a mentira já que a mentira, chamada de o pior dos roubos, parece agora ampla e irrestrita a esconder malfeitos.
Os otários mendazes e os bobos de todas as cortes nos relembram a receita da mentira: o mentiroso mente primeiro para si mesmo. E, na opinião de Aristóteles, aquele que o faz por dinheiro é um caráter detestável. Dostoiévski nos Irmãos Karamazov: quem mente para si mesmo não consegue distinguir nenhuma verdade. Verdade vem de veritas. Mentira vem de mente. E a mente simplesmente mente...
Os otários mendazes e os bobos de todas as cortes nos relembram a receita da mentira: o mentiroso mente primeiro para si mesmo. E, na opinião de Aristóteles, aquele que o faz por dinheiro é um caráter detestável. Dostoiévski nos Irmãos Karamazov: quem mente para si mesmo não consegue distinguir nenhuma verdade. Verdade vem de veritas. Mentira vem de mente. E a mente simplesmente mente...
Não. Benjamin Constant admite o direito de mentir por amor aos homens. Se todos dissessem a verdade, não seria possível a vida em sociedade, não sobreviveriam governos...
Nesses tempos de pós-verdades, deverá ter vez também a pós-mentira. Assim, a lava-jato é uma fábula. As delações, calúnias premiadas. O caixa 2 é lorota eleitoral. As eleições mesmas, uma tapeação. Medidas provisórias são um embuste. As CPIs, logros.
Os empréstimos aos amigos são ludibrios, já que saem deles ludibriados. O milkshake é servido depois de um shake-hands. Mulas entregam envelopes a mulas. A economia vai bem, a política vai mal. A política vai mal, a economia vai bem. Pedro Álvares Cabral está preso em Bangu. O Bangu quer contratar o goleiro Bruno.
Santo Agostinho escreveu os tratados “De Mendatio” (Sobre a Mentira) e “Contra Mendatium” (Contra a Mentira). Neles, a mentira é condenada. Sem a verdade, a salvaguarda heideggeriana do ser, não se vive.
Hoje, a mentira pode ser fraude ou engano propositado. Até a Constituição, na garantia da ampla defesa, admite a omissão da verdade; a verdade, nos tempos da pós-mentira, essa será sempre relativa.
Verdade e história não andam sempre juntas na “acontecimentalização” de Foucault, como explica Candiotto na Revista Kriterion do velho Vellosão: “aquilo qualificado de verdadeiro não habita num já-aí; antes é produzido como acontecimento num espaço e num tempo específicos. No espaço, na medida em que não pode ser válido em qualquer lugar; no tempo, porque algo é verdadeiro num tempo propício, num kairós”.
Voltemos a Platão, agora na República, livro 2: “E quanto à mentira por palavras? Quanto e a quem é útil, a ponto de não merecer desprezo? Não será em relação aos inimigos e aos chamados amigos, quando, devido a um delírio ou a qualquer loucura, intentam praticar má ação, a fim de desviar?” Somos todos bobos.
Apesar de homenagens, professor brasileiro ganha mal e sofre mais violência
O vídeo de um professor surpreendido com um "corredor de aplausos" em seu último dia numa escola pública de São Paulo levou muitos leitores da BBC Brasil a compartilhar histórias de educadores que marcaram suas vidas.
Mas a homenagem a Luiz Antônio Jarcovis, que dava aula de Ciências na Escola Estadual Almirante Custódio José de Mello, também motivou comentários sobre as dificuldades vivenciadas por professores brasileiros.
Para que se destaquem, muitos deles têm de enfrentar uma série de obstáculos, como baixos salários, longas jornadas de trabalho e até o risco de agressões frequentes.
Em estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que agrega 34 economias avançadas ou emergentes, o Brasil desponta como um dos países mais hostis para professores de escolas públicas.
Segundo a pesquisa Um Olhar sobre a Educação 2016, que compara a situação da educação em 45 países, professores brasileiros dos ensinos médio e fundamental recebem menos da metade do que a média dos países membros da OCDE.
O salário médio da categoria no Brasil é de US$ 12,3 mil ao ano (R$ 38,6 mil), valor também inferior ao de outras nações latino-americanas como Chile, Colômbia e México.
Além disso, professores brasileiros são, entre todos os países do estudo, os que trabalham mais semanas ao ano.
No Brasil, eles lecionam em média 42 semanas anuais, enquanto a média da OCDE são 40 semanas no pré-primário e 37 nos cursos técnicos.
Padrões escandinavos
Em compensação, professores universitários em instituições federais públicas no Brasil recebem entre US$ 40 mil e US$ 76 mil ao ano (de R$ 125,5 mil a R$ 238,6 mil), valor mais elevado do que em vários países da OCDE e equivalente ao de países escandinavos, como Finlândia, Suécia e Noruega.
O Brasil gasta US$ 13,5 mil (cerca de R$ 42,4 mil) por aluno universitário ao ano, índice próximo à média da OCDE (US$ 15,8 mil).
Por outro lado, o gasto do Brasil com cada aluno do ensino fundamental ou médio, US$ 3,8 mil ao ano (cerca de R$ 11,9 mil), é menos da metade da média da OCDE (US$ 8,5 mil no fundamental e US$ 9,8 mil no médio).
Agressões e intimidações
Outra pesquisa da OCDE pôs o Brasil na liderança de um ranking sobre violência nas escolas.
Em 2014, a organização entrevistou mais de 100 mil professores e diretores de escola em 34 países. No Brasil, 12,5% dos educadores ouvidos disseram sofrer agressões verbais ou intimidações de alunos ao menos uma vez por semana.
A média entre todos os países foi de 3,4%.
Em alguns deles, como Coreia do Sul, Malásia e Romênia, o índice foi zero.
O estudo revelou ainda que 12,6% dos professores no Brasil acreditam que sua profissão é valorizada. A média geral foi de de 31%.
Nesse indicador, o Brasil ficou à frente de países tidos como mais avançados em educação, como França e Suécia. Nas duas nações, apenas 4,9% dos professores disseram que são devidamente valorizados.
Os líderes da lista foram Malásia (83,8%), Cingapura (67,3%) e Coreia do Sul (66,5%).
BBC Brasil
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