quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um até logo às utopias?

Quem não gostaria de viver num mundo perfeito ou semelhante ao Paraíso? Quem não se sente traído por ideologias e credos que respondam a todas as suas dúvidas?

Apesar dessas ansiedades, deve-se compreender que um país só pode dar o que pode. E tal princípio é imprescindível como um guia para o momento.

O dramático impedimento de um chefe de Estado num regime presidencialista, cuja presidente sai do papel sem, entretanto, deixar o palácio, teve uma trajetória singular. Começou com as promessas igualitárias de um metalúrgico pobre e terminou marcada pela ladroagem no melhor estilo patrimonialista, mas com seus cabeças e mediadores bilionários presos por corrupção. O patrimonialismo não acabou, mas entrou em conflito com a esfera burocrática representada pela justiça e pela pressão das redes sociais. O populismo, que prometia honestidade e transformação igualitária, acabou tirando do prumo o elo entre governo e sociedade, na medida em que a mensagem do petismo foi ficando lulista.

Se esse enredo fosse escrito no fim dos anos 1990, dir-se-ia que tal reviravolta seria impossível. Subestimamos a força do personalismo no Brasil, lido mais como um país do que como um sistema de costumes e valores. Nele, as “superpessoas” canibalizam programas. Lula englobou o PT. Pela mesma moeda, deixamos de lado o poder das formas impessoais e anônimas de atuação política vigentes num Brasil globalizado. Continuamos pensando em “povo” numa sociedade de massa e de opinião.

O mais espantoso não foi prender os ricos, mas realizar um afastamento muito mais ético (absolutamente contra a corrupção e a ausência de sinceridade a certos papéis) do que meramente político. Afastamento feito sem soldados, bravatas e tanques nas ruas. Esse é o sinal de uma maturidade institucional que chega, justamente quando o governo aparelha o Estado e tenta dirigir a economia, quebrando o País.

A verdade é que estes tempos de distopia e de desgraça financeira obrigaram a entender como a vida republicana, que iguala, contém tanto o utópico quanto o seu contrário. Virtude e vício não vão embora, eles se alternam. O que, entrementes, um “governo de salvação” não pode fazer é ser conivente com o vício, já que salvar é, por definição, uma virtude.

Quando se fala em “utopia perdida”, é preciso indagar se as utopias não são também dispositivos antiemancipatórios, que impingem amarras à autonomia e à responsabilidade pública e particular em nome de um regime acabado. Um sistema que, ao fim e ao cabo, revoga o humano, pois liquida a história, como diz aquele famoso manifesto de esperança e onipotência evolucionista de uma dada época.

O republicanismo tem como novidade o diálogo entre utopias e distopias, as quais duvidam do canto de sereia das fórmulas que resolveriam de uma vez por todas os nossos problemas. Nesse sentido, Kafka e Orwell contêm Platão. As distopias lembram que sociedades não são “consertadas” como os relógios, pois levamos os relógios para relojoeiros e não para políticos!

No nosso caso, a ruína real da economia apresenta uma barreira intransponível para a tal “vontade política”. Sejamos marxistas: se a infraestrutura vai à falência motivada por uma ideologia enganadora, a saída é a reformulação da superestrutura.
Esse governo é de salvação por um motivo simples: ele é, obviamente, hiperpolítico, mas é também um governo que pode dizer não aos amigos. E dizer não aos amigos, é o que se precisa para mudar o Brasil. Com o não aos amigos se faz a tão pretendida revolução e a tão procurada utopia. Nas emergências, salvam-se todos pela “ética da negação” – esse oposto da nossa tradicional “ética de condescendência” incapaz, como remarca Oliveira Vianna, de negar tudo, menos o pedido de um amigo.
* * *

PS: O professor Moneygrand chama minha atenção para a edição do dia 14 do New York Times. Ele diz: “DaMatta, não deixe de ler a matéria na qual o parlamento brasileiro é descrito como tendente à corrupção é comparado a um circo com palhaço e tudo. Mas não perca o texto sobre Donald Trump e as mulheres. Pois se o parlamento brasileiro é um circo – complementa Moneygrand – o pré-candidato do partido de Lincoln e Eisenhower tem potencial de ser um “vaudeville” muito mais interessante do que os vossos bem pagos representantes. Se uma reportagem semelhante fosse feita no Brasil – aí, sim! –‚ teríamos um circo. Trump, candidato a presidente desta minha maior potência mundial, vale tanto ou mais do que todos os vossos palhaços reunidos”.

Há quase um silêncio de fim de festa

O Brasil mudou, afirmam as direitas. Pra pior, retrucam as esquerdas.

Polêmicas à parte, sente-se uma mudança nos ares governamentais. Não há mais o dilmês ferindo os ouvidos e matando a lógica. Fora também está o tatibitati socialista à brasileira das leituras de esquerda de quem muitas vezes só ouviu falar de Marx pelo Google.

Parece pouco, mas se pode respirar melhor sem o miasma dos discursos repulsivos ou sem pé nem cabeça.

Os próprios petistas ou simpatizantes zurram aqui ou ali menos de uma semana depois do governo provisório de Temer se instalar. Os exércitos de Stédile não partiram pro pau, não davam nem para lotar um ônibus os adeptos do panelaço.

Se não fosse por um ou outro bêbado cambaleando com a perda da sinecura milionária, abastecida pela desgraça alheia, há quase um silêncio de fim de festa. 



Na gritaria dos primeiros momentos vestais descobriram rapidamente os pecados do gabinete parlamentar de Michel Temer, sequer com um índio! A claque vociferou logo que os empossados não gostam de "pobres, negros, mulheres, gays, lésbicas,indígenas" como digital de um governo golpista. São contra o machismo como se o Estado tivesse que ter gênero. Tiveram o troco.

De repente o que seria o pecado de Temer mostrou que o mundo pode estar no século XXI, quando os governos adoram exibir a participação feminina, mas o Brasil é conservador até a raiz dos cabelos. Nem escapa a esquerda, tão saudada por seu liberalismo. Ou já se esqueceu rapidamente do líder Lula sobre as "mulheres de grelo duro" da patotinha? Ou as costumeiras referência machistas do grão-chefe?

Agora surgiram novos gritinhos histéricos em favor da Cultura, que durante o regime petista foi mais banco a fundo perdido do que ministério. Os privilegiados, sempre eles, que se locupletaram sob a bandeira cultural, reclamam o fim das regalias. Compreensível, proselitismo dá dinheiro e foi uma forma de ganhar a vida no governo petista.

A Cultura escrevem com maiúscula para esconder a pobreza de fins realmente culturais da maior parte dos projetos. A grande parte dos críticos contra o "rebaixamento" para secretaria fingem não entender que tamanho não é documento. O gigantismo do ministério não condizia na mesma proporção com as finalidades dos programas como, por exemplo, os Centros de Artes e Esportes Unificados, que mais serviram às prefeituras aliadas do que à população. Construídos, a maior parte serve como elefante branco, porque os governos municipais não têm interesse nem capacidade para gerir cultura. Será que a Cultura tem que criar esses monstrengos inúteis e financiar o proselitismo?

Certo que o petismo pode gritar, pois ainda estamos numa democracia. Mas deveria criticar e não esbanjar em lantejoulas e paetês, se apegando aqui e ali. Ainda não mostraram seriamente em que um governo provisório, montado às pressas - em bem menos tempo do que os eleitos petistas - pode estar fazendo tão mal ao país quando os dois eleitos do PT fizeram bem mais.

Espera-se que aos poucos silenciem e voltem a trabalhar principalmente aqueles que viveram das fontes governamentais para vagabundear. Será difícil, mas trabalhar não tira pedaço.

Porões da loucura

Onde colocar as pessoas que não têm afinidade com a sociedade civilizada mas não podem ser moralmente condenadas por isso? Como assegurar vantagem a quem está em desvantagem sem fazer disso um poder e tirar a autonomia da vontade dos assistidos?

Hoje é 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Data que homenageia pacientes, familiares e todos os que trabalham para diminuir a dor do doente mental. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que se a Lei da Reforma Psiquiatra, que fez 15 anos em abril, fosse integralmente aplicada, o Brasil poderia ser um modelo para outros países.

Além do mau cumprimento da lei brasileira, o que também preocupa, é a divulgação, como verdade irreprimível, da definição de doença mental da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da American Psychiatric Association, - conhecido como DSM-5. Para a psiquiatria tradicional o cérebro é um computador sem alma, intoxicado, num mundo doente, a ser salvo por remédio e internação. A OMS condena a desenvoltura da classificação e alerta para os porões da indústria de medicamentos, interessada em adoecer todo o mundo.

Como está, ninguém escapará da lista da loucura. Quem não viveu, alguma vez na vida, alguma dessas graves “doenças” psiquiátricas: abuso ou abstinência de substâncias, ansiedade, déficit de atenção, transtorno bipolar, confusão, desatenção, tendência à psicose, transtorno de personalidade, comportamento antissocial, apego reativo, amnésia, esquizofrenia, distúrbios diversos etc. São tantos os nomes das “doenças do nervo”, que começa a ficar preocupante o convívio humano. A menos que a sociedade perceba a gravidade dessa epidemia, que fez o mundo aceitar ter mais farmácia que livraria. Epidemia que é querer tratar pela psiquiatria todas as dificuldades e problemas que fazem parte da vida e, assim, capturar novos doentes. Quem disse a esses senhores que maldade, egoísmo, estupidez, é doença mental? Quem acha que foi o doente mental que criou a desonestidade, o stress e a violência de nossa cultura?

Junte a pressão cada vez mais veloz e insana da vida diária a essa forte tradição, que tem a medicina, de “encaixar um sintoma” e mandar para o hospital, que seremos todos estigmatizados. Qual é a definição precisa de transtorno mental? Perder um emprego, sofrer um acidente, frustrar-se, confundir-se na vida durante a juventude, ter medo da solidão: quem, algum dia, não precisou de mais afeto e atenção do que de remédio? Quem pagará pela tragédia que o diagnóstico errado causa na vida das pessoas? Quem cuidará, sem abandono, dos verdadeiros doentes?

A prática da medicina, subjugada ao caixa da indústria farmacoquímica, é uma bomba embrulhada. E o diagnóstico médico que interdita e encarcera, prescreve a droga que faz do homem um repolho, esconde hábitos de uma sociedade irritada com os diferentes ritmos a que a vida nos submete. E que só vê as pessoas de forma binária, como polos do interesse monetário: ou você exala dinheiro, ou não fede nem cheira.

Quando a dor e o sofrimento não geram mais afeição a sociedade é que é a doença e o doente.

Pule de dez na economia, pé direito na diplomacia

Alvíssaras, brasileiros! Temos governo. Fazia muito tempo que administração não havia mais, pois, instalada no posto mais alto da República, com legitimidade garantida pela maioria dos votos válidos na eleição presidencial, Dilma Rousseff abusou de sua autoridade tentando forçar a própria permanência. Por determinação de 367 (71%) dos 513 deputados federais e de 51 (67%) dos 81 senadores, o vice Michel Temer tomou posse interinamente na Presidência e escolheu ministros que já começaram a tomar providências efetivas, anunciando a evidência de que, no mínimo, há uma gestão em marcha.

Com alívio, a Nação ouviu um chefe de governo que fala a língua de todos, o velho galaico-português de Camões, Eça, Pessoa, Castro Alves e Machado. Pois é: nossa língua materna, em que os gerúndios têm “dê”, ou seja, andando e não andano; os pronomes pessoais, mesmo nas formas coloquiais, devem ser usados corretamente (pra eu fazer ao invés de pra mim fazer) e adjetivos têm gêneros, com mulheres falando obrigada, nãoobrigado, reservado apenas para emprego masculino. Ao discursar apresentando-se à Nação, Temer tratou as instituições e quem as ocupa em nome da cidadania com o devido respeito. E deu ao distinto público, escorchado por uma carga tributária indecente e afligido pela crise moral, econômica e política, que “nunca houve antes na História deste País”, esperança de que os cidadãos sejam tratados com decência. Não tendo de arcar com o ônus da desmoralização desta República desgovernada à matroca.

Dois dos ministros que assumiram autorizam a esperança de que, pelo menos, algo será feito para resgatar a fé e o respeito que o Brasil merece. Tendo presidido uma grande instituição financeira internacional e nosso Banco Central, com gestões que o fizeram gozar de boa fama nos mercados financeiros interno e externo, Henrique Meirelles, ex-tucano e várias vezes sugerido a Dilma por Lula para ocupar o lugar que assumiu, é o que se chama no turfe de “pule de dez”.

No Itamaraty, o senador José Serra (PSDB-SP) começou com pé direito. Em plena turbulência causada pelo inconformismo dos derrotados no processo legal do impeachment, ele teve a serenidade e a ousadia de não deixar sem resposta a impertinente tentativa de intromissão em nossos assuntos internos por sócios no autoritarismo e no malogro econômico bolivariano. Em sua tirania de 57 anos, que aprisiona adversários políticos e homossexuais, Cuba não tem autoridade para denunciar o tal “golpe jurídico-parlamentar”. Desde o golpe comunista dado pelo clã Castro, sustentada, antes, pelo extinto império soviético e, depois, pela Venezuela, que não ampara mais ninguém, Cuba devia calar-se.

A dura nota do Itamaraty, repetindo o tom utilizado pelo ex-rei de Espanha Juan Carlos, quando refutou a molecagem malcriada de Hugo Chávez – “y por qué no te callas?” -, pôs em seu devido lugar o sucessor deste, Nicolás Maduro, e os aliados sul-americanos do Partido dos Trabalhadores (PT). Falta a Maduro um espelho no Palácio de Miraflores para ver a falência de sua gestão e que, com uma Justiça submissa ao Executivo, não pode criticar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. Pois este convalidou, com amplas maiorias e até unanimidade, o afastamento de sua comadre repetidas vezes, tornando lana caprina o uso de chicanas em sua defesa. Isso vale ainda para o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa e o uruguaio José Mujica, que não é presidente. Nem, ao que se saiba, fala por Tabaré Vázquez.

Atitude corajosa, similar à de Serra, foi tomada pelo ministro da Educação e Cultura, deputado Mendonça Filho (DEM-PE). Ele enfrentou e calou baderneiros, que foram desmoralizá-lo e saíram do confronto derrotados por sua argumentação lógica, lúcida, respeitosa à democracia e que deveria ser imitada em enfrentamentos públicos do tipo.

Recriar o Ministério da Cultura (Minc) ou subordinar a Secretaria à Presidência seria recuo que dificultará ao governo a adotar as providências necessárias para desmontar o deletério legado da desastrada gestão petista nestes 13 anos, quatro meses e meio. O Minc foi uma má iniciativa de José Sarney para pôr pelo menos um amigo no ministério, então só composto por indicações do titular morto, Tancredo Neves. Um de seus ministros foi o economista Celso Furtado. Mas a biografia impoluta do grande mestre foi maculada por seu injustificável apoio à censura ao filme Je vous Salue, Marie (Ave Maria), de Jean-Luc Godard, imposta ao ex-presidente pela mãe devota, Dona Kiola.

À exceção de Ipojuca Pontes, que ousou extinguir a Embrafilme e por isso é hostilizado, Antonio Houaiss, sob Itamar Franco, e Francisco Weffort, a pasta foi uma ação entre amigos à nossa custa. Até agora foi aparelhada para servir ao PT e à indústria fonográfica e usada para tungar direitos de nossos autores e aumentar os lucros das multinacionais da cultura e de artistas nativos que se beneficiam do Bolsa Show, sob as bênçãos de Xangô e do Senhor do Bonfim. Enquanto as traças devoram a Biblioteca Nacional e os museus sob sua égide tornam-se inaptos a visitas públicas.

A Cultura é um detalhe simbólico, mas também relevante, tendo em vista as dificuldades com imagem do presidente em exercício. Urge ao governo-tampão evitar que Dilma e seus asseclas completem o desmanche do País, sob os aplausos dos decadentes aliados subcontinentais. Para tanto, basta que os senadores contra seu afastamento cheguem a 25 (um terço de 81), três a mais do que os obtidos na votação da abertura do processo.

Esta tarefa não é impossível, mas fácil também não é. Dois passos são exigidos: demitir não 4 mil, mas todos quantos comissionados for possível, para que não sabotem a gestão; e fazer de tudo para pôr de novo as contas públicas nos eixos. E esta luta terá de ser travada com lisura e na guerra pela paz.

José Nêumanne

PT presume que o Brasil é uma nação de bobos

O diretório nacional do PT aprovou nesta terça-feira sua primeira análise sobre a conjuntura que resultou na destituição de Dilma. O documento tem dez folhas. Elas revelam que sucede com o PT um fenômeno curioso. O partido se considera uma coisa. Mas sua reputação informa que virou outra coisa. O PT ainda se acha a legenda mais maravilhosa do Brasil. O Brasil é que não sabe.

Para a grossa maioria dos brasileiros, não há nada mais saudável no momento do que a Lava Jato. Para o PT, a operação que quebrou as pernas da oligarquia política e empresarial corrupta não passa de um puxadinho do “golpe”. Vale a pena ler um trecho da peça petista:

“A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista. Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito.”

O texto prossegue: a operação “tem funcionado como mecanismo de contrapropaganda para mobilização das camadas médias, em associação com os monopólios da comunicação. Revela, por fim, o alinhamento de diversos grupos do aparato repressivo estatal – delegados, procuradores e juízes – com o campo reacionário, associados direta ou indiretamente às manobras do impeachment.”



Todo brasileiro dotado de dois neurônios já se deu conta de que o PT no poder roubou e deixou que roubassem. Mas, no enredo petista, o partido é uma espécie de mocinho ingênuo que foi capturado pelos bandidos. Diz o texto do PT: “Acabamos reféns de acordos táticos, imperiosos para o manejo do Estado, mas que resultaram num baixo e pouco enraizamento das forças progressistas, ao mesmo tempo em que ampliaram, no arco de alianças, o poder de fogo de setores mais à direita.”

Nessa versão, os assaltantes infectaram o PT como quem transmite uma gripe: “…fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos. Preservada essa condição mesmo após nossa vitória eleitoral de 2002, terminamos envolvidos em práticas dos partidos políticos tradicionais, o que claramente afetou negativamente nossa imagem e abriu flancos para ataques de aparatos judiciais controlados pela direita.”

Noutros tempos, o petismo se vangloriava de ter equipado os aparatos de controle do Estado. Agora, o PT parece atribuir o sucesso da força tarefa da Lava Jato a um descuido histórico: “Fomos descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal…”

Na economia, anotou o PT, a crise internacional empurrou Dilma para “uma encruzilhada: acelerar o programa distributivista, como havia sido defendido na campanha da reeleição presidencial, ou aceitar a agenda do grande capital, adotando medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda, mais uma vez na perspectiva de retomada dos investimentos privados.” Dilma optou pela agenda do “grande capital”, concluiu o PT.

Deu-se, em verdade, outra coisa. A ruína econômica foi um produto nacional, não um bicho-papão que veio de fora. Reeleita, Dilma tinha diante de si uma crise que negara na campanha e três ministros da Fazenda: um demitido, mas mantido no cargo (Guido Mantega); um sugerido por Lula, mas refugado por ela (Henrique Meirelles); e outro que, convidado, não aceitou (Luiz Carlos Trabuco). Madame acabou contentando-se com Joaquim Levy, um colega de Trabuco no Bradesco, que havia assessorado o comitê eleitoral do adversário Aécio Neves.

Para o PT, Levy levou o governo ao inferno. “O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, foi destrutivo sobre a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista, entre os quais se disseminou a sensação, estimulada pelos monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da presidenta rapidamente despencou…”

Nesse ponto, o texto do PT contém uma mentira, uma meia-verdade e um fato inquestionável. A mentira é o ajuste fiscal. Nunca foi feito. Dilma e seus supostos aliados no Congresso não deixaram. A meia-verdade é a classificação do estelionato como mera “sensação”. Não se estava diante de um indício de fraude eleitoral, mas de uma certeza. O fato concreto foi o derretimento da popularidade da presidente. Não há popularidade sem prosperidade.

O PT informa que, entre outros objetivos, trabalhará para “deter o golpe” contra Dilma e “defender o presidente Lula dos ataques midiáticos e judiciais que contra ele se levantam.” Na lenda petista, está em curso uma trama para condenar Dilma sem crime e promover “a interdição de Lula como alternativa viável nas eleições de 2018.”

No mundo real, o Senado se prepara para tranformar Dilma em protagonista do segundo caso de impeachment da história do Brasil e o procurador-geral da República Rodrigo Janot aguarda uma posição do STF sobre a denúncia que formulou dias atrás contra Lula no petrolão. “Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse'', disse Janot.

O PT foi seletivo no seu documento. Não disse palavra sobre o mensalão nem sobre sua reincidência no petrolão. Nenhuma menção à cúpula petista que passou pela Papuda ou aos Dirceus, Vaccaris e Santanas que estão atrás das grades em Curitiba. O problema com as encrencas varridas para baixo do tapete é que o partido continua a viver em cima do tapete. E a Lava Jato ensina que o acobertado nem sempre fica quieto.

É tudo muito ruim. Mas o pior crime do PT talvez seja a presunção de que o Brasil ainda é uma nação de bobos.

Como perder a liberdade

Há duas maneiras de perder a liberdade: quando os bobos são ludibriados pelos patifes, e quando os fracos são subjugados pelos fortes
Voltaire

Fim da dicotomia

Durante treze anos, Marco Aurélio Garcia, assessor dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, foi o todo poderoso da política externa brasileira. Seu reinado chega ao fim e com ele a dicotomia estabelecida pelo lulopetismo.

Durante esses anos houve dualidade de poder entre os ministros do Exterior e o assessor especial da Presidência, detentor do poder real, particularmente na relação com os governos terceiro-mundistas da América Latina.

Essa duplicidade retirou substância do Itamaraty, condenando-o a um papel subalterno ou meramente decorativo, como aconteceu no governo Dilma. Ao relegar esse centro de excelência a um segundo plano, os governos petistas deixaram de lado a experiência bem-sucedida de uma política diplomática desenvolvida desde os tempos do Barão de Rio Branco.

Agora, sob a batuta do novo chanceler José Serra, resgata-se o papel de protagonista do Itamaraty. E sua tradição de se pautar pela defesa dos interesses nacionais, pela construção de relações pacíficas entre os países, pela estrita observância dos princípios da autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da democracia e dos direitos humanos.

Nisso, o governo de Michel Temer começou bem. Reinstituiu o polo único na política externa – o Ministério do Exterior – e foi firme quando sentiu que houve ingerência indevida de países vizinhos em nossa realidade. É tautológico, mas não custa reafirmar: os problemas de Cuba serão resolvidos pelos cubanos, os da Venezuela pelos venezuelanos e os do Brasil pelos brasileiros.

Há outro desafio a ser enfrentado. Nesses treze anos não tivemos uma política diplomática de Estado. Tivemos política de governo, muitas vezes confundida como política de partido. Em vez de praticar o “pragmatismo responsável”, que tanto frutos rendeu ao país em um passado não muito distante, Lula e Dilma adotaram a política de alinhamento automático com países com os quais tinham afinidades ideológicas.

As lentes ideológicas levaram seus governos a uma leitura distorcida do mundo, como se ele estivesse dividido em dois polos antagônicos: os Estados Unidos, esse eterno eixo do mal, e os chamados países emergentes, o novo eixo do bem.

O maniqueísmo levou a erros primários.

No apogeu do seu terceiro-mundismo, Lula pensou que seria o eixo alternativo aos Estados Unidos no Oriente Médio, um sonho lunático. A prioridade às relações Sul-Sul (em contraposição à relação Sul-Norte), e a aposta no Brics foram produto de uma concepção na contramão do mundo.

A aposta falhou. A megalomania do criador deu lugar à abulia da criatura. E o Brasil perdeu relevância no concerto das nações, ficou de fora dos megablocos que foram se formando. Se contentou com o Mercosul.

O novo governo corre agora contra o tempo para fazer uma inflexão na política de comércio exterior e romper com as amarras atuais. O incremento de acordo bilaterais - como realizam o Chile, o México e o Peru, apenas para citar alguns países vizinhos - é do interesse nacional. A soberania brasileira passa pela afirmação do seu direito de assinar acordos comerciais com qualquer bloco ou país, sem estar submetido a vetos de quem quer que seja.

As cadeias produtivas e os megablocos são cada vez mais uma realidade palpável, vide a Parceria Transpacífica. Ou o Brasil se integra, de forma ativa e altiva, nesses processos ou estará condenado em ser eterno exportador de produtos primários e importador de bens manufaturados.

As categorias mentais da época da guerra fria são inteiramente anacrônicas. No comércio exterior, não há bandidos e mocinhos. Nele, cada país defende, antes de tudo, seus próprios interesses e quando há convergência se estabelecem acordos vantajosos às partes.

Nas relações comerciais, não há sentido escolher parceiros por critérios ideológicos. Ao Brasil interessa ter relações pacíficas e comerciais com todas as nações. Com os EUA, a China, a União Europeia, a Rússia, a Índia, nossos vizinhos latino-americanos, países africanos, asiáticos e em todos os quadrantes do planeta.

Assim, o Brasil voltará a habitar o mundo.

Proposta para educação e cultura

Dois textos publicados no domingo estabelecem um contraponto no ardoroso embate em torno de um porquê do Ministério da Cultura: um do apaixonado defensor da sigla MinC, Caetano Veloso, no GLOBO; outro de Carlos Augusto Calil, na Folha, sob o título “A sigla da Cultura”. Diz Calil: “O problema remonta à origem do Ministério da Cultura. Tancredo Neves, ao criá-lo em 1985, ignorou a advertência sagaz de Aloísio Magalhães, secretário de Cultura do MEC no governo anterior.

Perguntado por um jornalista se não era a hora de o governo criar um Ministério da Cultura, Aloísio respondeu que preferia ser secretário de uma secretaria forte a ministro de um ministério fraco.

Possuir um título não significa ter poder político e nem adquirir capacidade de transformar a retórica em ação. Sérgio Buarque de Holanda já enunciava isso, há exatos 80 anos: 

“A verdade é que dedicamos pouca estima às especulações intelectuais — mas amor à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara.
Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes senhoriais ainda merecem largo crédito, as qualidades do espírito substituem, não raro, os títulos honoríficos, e alguns dos seus distintivos materiais, como o anel de grau e a carta de bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza.”

Lido isto, aqui não se pretende entrar no mérito da sigla ou no seu título de nobreza — se ministério ou secretaria —, mas no que pode tornar a cultura forte. Temos, ainda hoje, um ministério fraco, que recebe cerca de 0,2% do Orçamento da União, aliás, contingenciados ano após ano.

Por outro lado, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que dispõe de R$ 60 bilhões anuais não contingenciados, tem boa parte deste dinheiro devolvido por estados e municípios ao Tesouro Nacional por falta de projetos que funcionem. Lembremos que o Brasil se encontra num patamar internacional crítico em qualidade de educação (somos o penúltimo colocado entre 45 países).

Ora, fundir pura e simplesmente os dois ministérios nada acrescentaria como pensamento político nem diminuiria como despesa. No entanto, se o caminho é este, aqui vai uma sugestão, tendo como modelo o realizado por Gustavo Capanema, ministro da Educação de Vargas, que tornou a escola pública brasileira dos anos 50 e 60 eficiente, vivaz e de altíssimo nível, com uma formação muito mais eclética no campo da experimentação com as artes.

Cultura brasileira (Foto: Arquivo Google)

A proposta é a de que o Ministério da Cultura, a classe artística e demais produtores culturais unam os seus esforços em prol da educação pública de qualidade. Em contrapartida, o governo coloca à disposição dos agentes que inventam, criam e fazem cultura recursos existentes no FNDE.

O minguado Ministério da Cultura não recebia para todos os seus projetos nem 1/100 do equivalente ao FNDE. E o fascinante é que a legislação do FNDE é explícita quanto à possibilidade de desenvolver projetos culturais vinculados à educação, latu sensu, utilizando seus recursos, já que entre as metas do Plano Nacional de Educação do governo Dilma está a “promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do país". Basta vontade política.

Aí então, povo da cultura, se utilizarmos estes 1/100 do FNDE a cada ano, já teremos duplicado o valor dos recursos do ministério ou secretaria, seja a sigla qual for. E teremos inserido nossa capacidade de pensamento e ação junto a professores e alunos, visando transformar a anêmica qualificação cultural da educação pública, como sabemos fazer!

Vendendo desprodutos

Nossa lama de chocolate meio samarco vale como xarope bhp-billitônico e é indicada para devastar vidas inocentes. Efeitos colaterais? Quem pobre estava mais pobre fica se e quando sobrevive. Nada de muito grave.

Aritmética do marido da mulher prendada: soma e subtraia ministérios até acalmar as águas dos rios do interesse — e não se importe se dois menos um for um falso três. A matemática pura e insofismável é coisa pros outros, os que pedalam. Sob nosso auspício e noves fora isso e aquilo, monte um ministério masculino, o que não se vê desde a ditadura, e seja invejado por todos.

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Plantamos na imprensa falada, escrita e televisionada a tese de que agora é parlamentarismo ou a crise não chega ao fim. Visamos a outros clientes que não os tucanos, oferecendo-lhes preços e condições de pagamento invejáveis.

Nosso plano médico permite aos clientes adoecer aqui e ir se curar em hospitais na Síria. Papa fina, mas, como não somos os únicos no mercado, a mensalidade — nosso diferencial — é do outro mundo.

Entregamos quentinhas no Brasil inteiro. Prato do dia: cuscunha temerado ao aceite de impeachment. Acompanha dessa água não beberei, com gotas de limão calheiro.

Assaltante age às escuras. Um deles deu um bote na filha do governador do Rio de Janeiro, mas, se tivesse encontrado no carro o pai da moça em vez dela, coitado do assaltante, o chefe do executivo está sem dinheiro, raspando o bolso de qualquer um que se aproxime dele. Fica o alerta: Assaltante consciente, não conte com a sorte, temos app identificador de vítimas para pronta-entrega!

Vende-se bicicleta voadora para ciclovias interditadas. Ligue para 1717171 e diga a senha “E.T. phone home”.

Traficantes, tenham um mínimo de responsabilidade social: Não vendam seus baseados na porta das escolas de São Paulo. Lá, os meninos estão sem merenda e, na larica, podem tornar-se violentos. Sigam esta máxima: Vender menos hoje para vender mais amanhã. Isso é empreendedorismo. Podemos lhes ensinar muito mais.

Comercializamos frases para uso em momentos de júbilo republicano. Uma amostra para dias de impeachment e que tais: Voto sim — ou não, fica a gosto do freguês — pensando nas colombinas edulcoradas da minha infância. Temos frases sintéticas para políticos apoéticos. Antes da consulta, 50% na mão. Ao fim e ao cabo, não podemos esquecer dos 10% da propina usual.

Apagamos palavras de dicionários. Temos apreço pelas começadas com G.

Campanha cívica: não confunda boi sonado com o deputado fascista.

Contra cuspes e escarradas, caras de pau a menos de um tostão.

Temos bicicletas sem pedal, muito apropriadas para quem é irresponsável ou é tratado como tal. Estoque baixo.

Troque seis por meia dúzia. Oferecemos os disfarces.

Aprenda a falar impeachment sem sotaque com o método Celso de Mello, certificado pela própria rainha. Manteremos uma promoção espetacular até que a Inglaterra se decida se fica ou se sai da União Europeia.

Temos lulas congeladas desde quando os mares não eram poluídos. Vitaminas e sabores preservados. Na compra de duas, ganhe um livro de receitas escrito por um amigo.

Reciclam-se discursos. Damos sabor democrático àquele desenxabido dos tempos da Arena e do Manda-Brasa esquecido numa gaveta. O cliente escolhe ou uma garantia de sucesso, pagando um adicional, ou um escudo contra chuva de ovo choco.

Oferecemos pacotes de ministros da fazenda. Com uma assinatura bianual, pode-se usar, no primeiro ano, um neoliberal com formação em Chicago e, em seguida, um keynesiano ortodoxo. No segundo, um homem de mercado, mestre no arroz com feijão com viés de favorecimento ao ex-patrão, e um marxista lunático. No Brasil ou fora, entregamos à domicílio ou em domicílio, o que for de acordo com a gramática do freguês.

Pintamos de branco defuntos de jovens negros de modo a inverter as estatísticas que cismam em apontá-los como as maiores vítimas da violência policial. Podemos também desenhar rugas para simular uma idade maior. Dois serviços, duas tarifas.

Levamos cópias de índios para eventos de falsa demarcação de terras. Não falam o tupi, mas arranham o kiriri.

Vendemos poesias boas, parnasianas ou não, para presidentes sem votos. Podemos — se o cliente se dispuser a fazer módicos depósitos em contas nas Ilhas Cayman — montar um business plan para o seu aceite na Academia. O fardão é negociado à parte, num segundo momento.

Não fazemos marketing político, mas gostamos de dinheiro.

Ocidente ignorou males do maoísmo

Uma visão retrospectiva. 1966. Na República Popular da China tinha início a Revolução Cultural. Mao Tsé-tung assegurava seu poder, convocando uma revolução permanente na China. Começava uma incrível transformação da realidade social, econômica e política no país.

Centenas de milhares de pessoas desapareceram em campos de prisioneiros. Centenas de milhares perderam seus empregos. No final, havia milhões e milhões de vítimas, de mortos, de assassinados. A ideologia comunista chinesa, o maoismo – um verdadeiro pesadelo – pretendia criar um mundo melhor sobre os túmulos de talvez (segundo O Livro Negro do Comunismo) 65 milhões pessoas.

No Ocidente, no entanto, esse fato não foi percebido por muitos jovens no início da rebelião estudantil. Ali, o maoismo exerceu um fascínio intelectual. Ali, os "novos" médicos descalços no campo foram cantados em verso e prosa. Os ocidentais ovacionaram o fato de intelectuais trabalharem como agricultores ou operários. A bíblia de Mao era uma referência. Lá, Mao era reverenciado como um santo revolucionário: a China comunista colocava em prática os ideais de Marx e Engels, que foram pisoteados na União Soviética ou banidos no Arquipélago Gulag.

A então esquerda jovem – tanto na Alemanha quanto na França, tanto na Itália quanto nos EUA – adorava as sabedorias pseudoconfucionistas à la Mao: "O poder político vem do cano de uma arma." Isso permitiu justificar o protesto violento nas ruas das metrópoles. O que aconteceu na China também podia ocorrer no revolucionário maio de 1968 em Paris. A ideia do socialismo, da sociedade sem classes, floresceu na rebelião dos estudantes. Ela era anarquista, internacionalista – e, muitas vezes, chinesa. Mas não somente isso.

Porque o movimento estudantil se desintegrou – como sempre aconteceu com os esquerdistas – logo no começo: havia os fiéis a Moscou. Os trotskistas da 4ª Internacional. Comunistas fiéis, que viam seus ideais realizados na Albânia, por Enver Hoxha, ou na Coreia do Norte, por Kim Il-sung. Outros seguiam o eurocomunismo de Enrico Berlinguer na Itália.

E quase todos buscavam a sua base ideológica nos escritos dos filósofos: nos textos de representantes da Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, de marxistas americanos, como Herbert Marcuse, ou nos livros do filósofo da liberdade convertido tardiamente à esquerda e que procurou a salvação em quase todos os descaminhos comunistas de seu tempo: Jean Paul-Sartre. Com textos fugidios, Sartre provocou tanta fascinação que muitos diziam na ocasião: é melhor estar errado com Sartre do que ter razão com Raymond Aron. Um erro fatal.

Durante muitos anos, a Revolução Cultural foi referência para os estudantes revoltados no Ocidente. Eles queriam derrubar o capitalismo e a democracia parlamentar. Eles olhavam em direção à China, eles olhavam para Mao Tsé-tung: o arquiteto de um mundo novo, igualitário e melhor, acreditavam. Eles ignoravam o sofrimento sem fim que a Revolução Cultural levava consigo. Para muitos, Mao continuou sendo um verdadeiro santo até a sua morte. Também e especialmente devido ao contraste com a tristeza da União Soviética. O socialismo chinês era tentador – pela figura de Mao, por sua Revolução Cultural.

Até hoje, os esquerdistas não se interessam pela verdadeira revolução chinesa, empreendida por Deng Xiaoping, o sucessor de Mao Tsé-tung. Apenas o ex-chanceler federal alemão Helmut Schmidt era fascinado por ele – mas ele não era nenhum esquerdista.