Durante treze anos, Marco Aurélio Garcia, assessor dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, foi o todo poderoso da política externa brasileira. Seu reinado chega ao fim e com ele a dicotomia estabelecida pelo lulopetismo.
Durante esses anos houve dualidade de poder entre os ministros do Exterior e o assessor especial da Presidência, detentor do poder real, particularmente na relação com os governos terceiro-mundistas da América Latina.
Essa duplicidade retirou substância do Itamaraty, condenando-o a um papel subalterno ou meramente decorativo, como aconteceu no governo Dilma. Ao relegar esse centro de excelência a um segundo plano, os governos petistas deixaram de lado a experiência bem-sucedida de uma política diplomática desenvolvida desde os tempos do Barão de Rio Branco.
Agora, sob a batuta do novo chanceler José Serra, resgata-se o papel de protagonista do Itamaraty. E sua tradição de se pautar pela defesa dos interesses nacionais, pela construção de relações pacíficas entre os países, pela estrita observância dos princípios da autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da democracia e dos direitos humanos.
Nisso, o governo de Michel Temer começou bem. Reinstituiu o polo único na política externa – o Ministério do Exterior – e foi firme quando sentiu que houve ingerência indevida de países vizinhos em nossa realidade. É tautológico, mas não custa reafirmar: os problemas de Cuba serão resolvidos pelos cubanos, os da Venezuela pelos venezuelanos e os do Brasil pelos brasileiros.
Há outro desafio a ser enfrentado. Nesses treze anos não tivemos uma política diplomática de Estado. Tivemos política de governo, muitas vezes confundida como política de partido. Em vez de praticar o “pragmatismo responsável”, que tanto frutos rendeu ao país em um passado não muito distante, Lula e Dilma adotaram a política de alinhamento automático com países com os quais tinham afinidades ideológicas.
As lentes ideológicas levaram seus governos a uma leitura distorcida do mundo, como se ele estivesse dividido em dois polos antagônicos: os Estados Unidos, esse eterno eixo do mal, e os chamados países emergentes, o novo eixo do bem.
O maniqueísmo levou a erros primários.
No apogeu do seu terceiro-mundismo, Lula pensou que seria o eixo alternativo aos Estados Unidos no Oriente Médio, um sonho lunático. A prioridade às relações Sul-Sul (em contraposição à relação Sul-Norte), e a aposta no Brics foram produto de uma concepção na contramão do mundo.
A aposta falhou. A megalomania do criador deu lugar à abulia da criatura. E o Brasil perdeu relevância no concerto das nações, ficou de fora dos megablocos que foram se formando. Se contentou com o Mercosul.
O novo governo corre agora contra o tempo para fazer uma inflexão na política de comércio exterior e romper com as amarras atuais. O incremento de acordo bilaterais - como realizam o Chile, o México e o Peru, apenas para citar alguns países vizinhos - é do interesse nacional. A soberania brasileira passa pela afirmação do seu direito de assinar acordos comerciais com qualquer bloco ou país, sem estar submetido a vetos de quem quer que seja.
As cadeias produtivas e os megablocos são cada vez mais uma realidade palpável, vide a Parceria Transpacífica. Ou o Brasil se integra, de forma ativa e altiva, nesses processos ou estará condenado em ser eterno exportador de produtos primários e importador de bens manufaturados.
As categorias mentais da época da guerra fria são inteiramente anacrônicas. No comércio exterior, não há bandidos e mocinhos. Nele, cada país defende, antes de tudo, seus próprios interesses e quando há convergência se estabelecem acordos vantajosos às partes.
Nas relações comerciais, não há sentido escolher parceiros por critérios ideológicos. Ao Brasil interessa ter relações pacíficas e comerciais com todas as nações. Com os EUA, a China, a União Europeia, a Rússia, a Índia, nossos vizinhos latino-americanos, países africanos, asiáticos e em todos os quadrantes do planeta.
Assim, o Brasil voltará a habitar o mundo.
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